• Nenhum resultado encontrado

A Teoria Häberleana e a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição

4 ANÁLISE DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO

5.1 A Teoria Häberleana e a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição

A teoria da interpretação constitucional, durante muito tempo, esteve excessivamente restrita ao âmbito dos juízes e vinculada aos procedimentos hermenêuticos formais, compondo o que Peter Häberle denominou de modelo de interpretação de uma “sociedade fechada”. Eram poucos os intérpretes considerados legítimos para esse modelo de interpretação. Em suma, apenas os órgãos estatais (juízes e tribunais) e os participantes diretos do processo poderiam realizá-la. Corroborando com o supracitado, Häberle53 verifica o

seguinte:

Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos “vinculados às corporações” (zünftmässige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nelas envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (...weil

Verfassungsinterpretation diese offene Gesellschaft immer von neuem mitkonstituiert und von ihr konstituiert wird). Os critérios de interpretação constitucional hão de ser

tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.

Häberle busca um conceito mais amplo de hermenêutica que inclua outros intérpretes, isto é, busca realizar o fenômeno da democratização da interpretação constitucional com a inclusão do cidadão, dos órgãos estatais e da opinião pública. Para o jurista alemão, a opinião pública exerce influência central no processo de interpretação das normas constitucionais. Assim, “a ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é

53 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição:

contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar

apenas a consequência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação.”54

Em seus próprios dizeres55:

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição.

No entendimento de Leonardo Souza Santana Almeida56, a teoria de Häberle não

defende um populismo judicial, no sentido de que as decisões judiciais devem refletir o pensamento da maioria dos membros da sociedade civil, mas sim que todas as classes políticas interessadas devem ser admitidas a participar do processo, contribuindo para a construção de alternativas de interpretação constitucional. Häberle defende a existência de instrumentos que promovam a defesa da minoria, possibilitando que esta ofereça novos caminhos para a hermenêutica constitucional.

Almeida57 ainda expõe o seguinte:

Como a norma jurídica não corresponde apenas ao texto normativo, mas envolve também a realidade a ela subjacente, não é possível ao aplicador do direito, em especial em matéria constitucional, definir o conteúdo de uma norma jurídica mediante uma mera operação de subsunção. Faz-se necessário o exame do dispositivo em conexão com a realidade, o que, no mais das vezes, envolve a apreciação de aspectos extrajurídicos, sendo imprescindível o recurso a outras disciplinas.

Na mesma linha, leciona José Júlio da Ponte Neto58:

A perspectiva de concretização da judicialização nos processos mencionados requer modificação de valores, conceitos, conhecimentos aprofundados das demais ciências humanas e não apenas a do Direito, mesmo porque a Constituição encerra princípios, preceitos e valores que estão a exigir um processo interpretativo tendo por base inicial a compreensão da comunidade formada por seus conteúdos históricos e ético- normativos. A Constituição deve ser realizada, executada. A partir do seu primeiro artigo anuncia que a federação é um Estado Democrático de Direito, compreendendo como elementos nucleares, magnânimos: a cidadania, a dignidade da pessoa humana

54 Ibid., p. 30.

55 Ibid., p. 15.

56 ALMEIDA, Leonardo Souza Santana. As audiências públicas no Supremo Tribunal Federal como

instrumento apto a promover a democratização da interpretação constitucional e a integração da Constituição com a realidade constitucional. Revista da EJUSE, Aracaju, n. 19, p. 29-70, 2013. Disponível em:

<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/65400>. Acesso em: 27 nov. 2015. p. 37.

57 Ibid., p. 61 e 62.

58 PONTE NETO, José Júlio da. O Poder Judiciário e a concretização da Democracia Participativa. Sequência:

Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 205-224, set. 2010. Disponível em:

<https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2008v29n56p205>. Acesso em: 26 nov. 2015. p. 212.

e o pluralismo político. Acrescenta-se, expondo que são seus objetivos dentre outros: construir uma sociedade solidária, garantir o desenvolvimento nacional, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3°). Portanto, o escopo de realizar a Constituição apresenta o ingresso do cidadão no complexo processo de sistema político-participativo.

Ante as afirmações expostas acima, é cada vez mais evidente que a sociedade hodierna clama por uma ampliação da participação popular no processo de interpretação constitucional. Exige-se, desse modo, uma maior abertura por parte dos servidores do Poder Judiciário e magistrados ao diálogo pluralista com outros ramos da ciência para realizar a legítima interpretação que absorve os preceitos da realidade contemporânea.

Assim dispõe Almeida59:

Há, assim, na teoria häberleana, a conjunção entre o documento escrito que denominamos Constituição e a realidade constitucional, resultando, através de um processo interpretativo do qual participam os intérpretes formais da Constituição, os agentes públicos e os membros da esfera pública pluralista, na construção da Constituição adequada ao tempo histórico. Diverge, neste ponto, tanto das teorias puramente normativistas quanto das teorias que integram o movimento do realismo jurídico, porquanto nas primeiras é considerado apenas o texto normativo, enquanto nas segundas enfatiza-se somente a realidade constitucional.

Luís Roberto Barroso60 aponta o seguinte:

Os membros do Judiciário não devem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nesta vida -, supondo-se experts em todas as matérias. Por fim, o fato de a última palavra acerca da interpretação da Constituição ser do Judiciário não o transforma no único – nem no principal – foro de debate e de reconhecimento da vontade constitucional a cada tempo. A jurisdição constitucional não deve suprimir nem oprimir a voz das ruas, o movimento social, os canais de expressão da sociedade. Nunca é demais lembrar que o poder emana do povo, não dos juízes.

Ao final, Häberle indica a imprescindibilidade do aperfeiçoamento dos instrumentos de informação dos juízes utilizados no processo constitucional, são estes: as audiências públicas e os amici curiae. Resta cada vez mais explícita a necessidade recorrente de uma colaboração mais contundente por parte das pessoas com vasta experiência e autoridades na matéria sub judice, colaboração esta de caráter eminentemente técnico- científico.