• Nenhum resultado encontrado

O Critério de Identidade entre objetos na Ontologia Tractariana

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Critério de Identidade entre objetos na Ontologia Tractariana"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

O Critério de Identidade entre objetos na Ontologia

Tractariana

Resumo: Este presente texto possui como objetivo expor a maneira como Ludwig Wittgenstein

aborda o critério de identidade entre objetos no escopo conceitual de sua primeira obra, o Tractatus Logico-Philosophicus. Dividiremos nossa exposição em três partes distintas. Na primeira parte do texto, exporemos alguns aspectos centrais da ontologia tractariana. Na segunda parte do texto, exporemos algumas características relevantes que uma notação logicamente correta deve satisfazer, aos olhos de Wittgenstein. Na terceira e última parte do texto, pretendemos expor uma possível consequência da maneira como Wittgenstein compreende a identidade entre objetos. Essa aparente consequência lançará uma possível problematização do assim chamado 'problema da exclusão das cores'.

Introdução

Este presente texto tem como objetivo expor a maneira como o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein concebe o critério de identidade entre objetos no contexto conceitual da obra Tractatus Logico-Philosophicus (TLP). Para atingirmos esse objetivo, dividiremos a nossa exposição em três partes bem distintas, a saber: 1) exporemos algumas noções centrais para compreensão das noções ontológicas do TLP, 2) exporemos algumas características que uma notação logicamente correta deve satisfazer e 3) indicar a possibilidade de uma consequência dessa abordagem da identidade entre objetos para o chamado 'problema da exclusão das cores'. Nesse sentido, argumentaremos que a maneira como Wittgenstein concebe a identidade entre objetos torna a formulação do problema da exclusão das cores algo não-trivial. Tendo isso em vista, passaremos agora ao conteúdo de nossa exposição.

1- Alguns aspectos da ontologia tractariana

De acordo com H-J. Glock, as passagens 1-2.063 do TLP constituem as concepções ontológicas sustentadas por Wittgenstein em seu primeiro período de intensa atividade filosófica.1

Uma das noções ontológicas mais importantes contida no TLP é a noção de 'mundo'. De acordo com Wittgenstein, “O mundo é tudo que é o caso” (TLP, 1). E o que é o caso, ou seja, o fato, é a

(2)

existência de estados de coisas.2 Esses estados de coisas são concatenações ou ligações de objetos,3

sendo esses objetos 'logicamente simples'.4 Os objetos são simples porque são indecomponível. Isso

é: não podemos decompor esses objetos, visto que eles não possuem complexidade lógica. Tendo isso em vista essas definições preliminares, podemos afirmar que as noções de 'mundo', 'fato', 'estado de coisas' e 'objeto'5 são as principais noções ontológicas contidas no TLP. De acordo com

Wittgenstein, seria essencial a um objeto poder ser parte constituinte de um estado de coisas.6 Isso

não significa, é claro, que todos os estados de coisas sejam constituídos pelos mesmo objetos. Isso apenas significaria que se uma coisa pode ser parte constituinte de um estado de coisas, essa possibilidade já se encontra prejulgada na coisa, isso é, no objeto.7 A afirmação de que a

possibilidade de seu aparecimento em um estado de coisas já se encontra prejulgada na coisa (ou objeto) pode passar a impressão de que os objetos tractarianos devem ser compreendidos como 'entidades' independentes dos estados de coisas. Isso é enganoso. É essencial a um objeto ser parte constituinte de algum estado de coisas. Em outras palavras, é uma propriedade interna de um objeto poder ser uma parte constituinte de um estado de coisas. E pensar nesse objeto como estando fora dessa possibilidade é um equívoco. É interessante notar como Wittgenstein recorre ao princípio do contexto para sustentar seu ponto de vista em relação à autonomia dos objetos. Nas palavras de Wittgenstein:

A coisa [objeto] é auto-suficiente, nas medida em que pode aparecer em todas as situações possíveis, mas essa forma de auto-suficiência é uma forma de vínculo com o estados de coisas, uma forma de não ser auto-suficiente. (É impossível que palavras intervenham de

dois modos diferentes, sozinhas e na proposição.) (TLP, 2.0122, grifo nosso).

Na passagem acima, Wittgenstein afirma que é impossível que palavras 'intervenham' de modos distintos, sozinhas e na proposição. Nos parece razoável supor que Wittgenstein nos remete ao tipo de noção contextualista presente na passagem 3.3 do TLP. Nessa passagem, Wittgenstein afirma que “Só a proposição tem sentido; é só no contexto da proposição que um nome tem significado” (TLP, 3.3). Se supomos o isomorfismo tractariano,8 compreendido pelas passagens

2.15, 2.151, 2.17 e 2.18 do TLP, podemos notar a maneira como Wittgenstein faz uso da noção de 'princípio do contexto' na ontologia tractariana. Isso é, se fôssemos parafrasear a segunda parte da passagem 3.3 do TLP, em sua 'versão ontológica', ela seria enuncia da seguinte maneira: 'somente

2 TLP, 2. 3 TLP, 2.01. 4 TLP, 2.02.

5 No TLP, Wittgenstein trata as palavras 'coisa' e 'objeto' como sinônimas. 6 TLP, 2.011.

7 TLP, 2.012.

(3)

no contexto do estado de coisas que um objeto é significado'. E é por meio dessa interpretação ontológica do princípio do contexto que devemos compreender a concepção de 'não-autonomia' dos objetos tractarianos. Com isso, gostaríamos de ressaltar que a ontologia tractariana possui como uma de suas principais características um forte apelo contextualista, que não deve ser confundido com uma metafísica da autonomia dos objetos em relação aos estados de coisas. Tendo em vista o que expomos nos parágrafos anteriores, nos voltaremos agora para a noção de 'objeto' propriamente dita.

Quando nós lemos as passagens do TLP, que Wittgenstein dedica às temáticas ontológicas, talvez a primeira pergunta que nos formulamos seja a seguinte: por que Wittgenstein toma a noção de 'objeto' como necessária? Para respondermos essa questão, devemos ter em mente que a totalidade dos objetos tractarianos é identificada com a 'substância do mundo'. Nas palavras de Wittgenstein, “Os objetos constituem a substância do mundo. Por isso, não podem ser compostos” (TLP, 2.021). O argumento de Wittgenstein para a necessária existência dos objetos simples é a seguinte: se o mundo não tivesse sustância, a verdade ou a falsidade de uma proposição dependeria da verdade ou da falsidade uma outra proposição.9 Dessa maneira, seria impossível traçar uma

figuração verdadeira do mundo.10 As figurações representam uma situação no espaço lógico, a

existência ou inexistência de um estados de coisas.11 Sendo assim, a figuração é um modelo da

realidade.12 Não devemos nos esquecer também que a proposição é uma figuração da realidade e

que, portanto, representa a existência ou a inexistência de um estado de coisas.13 Para que uma

proposição seja verdadeira ou falsa, independentemente de uma outra proposição, devemos poder compará-la à realidade, com a situação que ela representa, uma vez que a proposição é uma figuração de um possível estado de coisas e que toda figuração é verdadeira ou falsa quando a comparamos com a realidade.14 Assim, não é possível, aos olhos de Wittgenstein, reconhecer, a

partir da figuração, somente, se ela é verdadeira ou falsa. Nas palavras de Wittgenstein, “Não é possível reconhecer, a partir da figuração tão somente, se ela é verdadeira ou falsa” (TLP, 2.224) e “Para reconhecer se a figuração é verdadeira ou falsa, devemos compará-la com a realidade” (TLP, 2.223). Dessa maneira, podemos concluir que Wittgenstein postula a existência necessária dos objetos para garantir que a verdade ou falsidade de uma proposição seja estabelecida por meio da realidade que esta representa, e não pelo fato de sua verdade ou falsidade decorrer de uma outra proposição. Agora que nós estamos brevemente familiarizados com a noção de 'objeto', nos

(4)

voltaremos para o modo como Wittgenstein concebe o critério de identidade entre objetos. Segundo Wittgenstein, dois objetos que possuem a mesma forma lógica, desconsiderando as suas propriedades externas, diferenciam-se um do outro apenas por serrem diferentes. Nas palavras de Wittgenstein:

Dois objetos da mesma forma lógica – desconsideradas suas propriedades externas – diferenciam-se um do outro apenas por serem diferentes (TLP, 2.0233).

Ou uma coisa possui propriedades que nenhuma outra possui, podendo-se então, sem mais, destacá-la por meio de uma descrição e indicá-la; ou, pelo contrário, há várias coisas que possuem todas as propriedades em comum, sendo impossível apontar para uma delas. Pois se uma coisa não é distinguida por nada, não posso distingui-la, pois, caso contrário, ela passaria a estar distinguida (TLP, 2.02331).

Para que possamos abordar a passagem 2.0233 do TLP, devemos compreender primeiro três noções distintas, a saber: 1) o que significa 'dois objetos possuem mesma forma lógica', 2) o que significa 'propriedade externa' e 3) o significa 'se diferenciarem apenas por serem diferentes'. Para compreender o que significa 'dois objetos possuem a mesma forma lógica', devemos saber como Wittgenstein compreende a noção de 'forma lógica do objeto'. De acordo com Wittgenstein, os objetos contêm a possibilidade de todas as situações.15 Em seguida, Wittgenstein afirma: “A

possibilidade de seu aparecimento em estados de coisas é a forma do objeto” (TLP, 2.0141, grifo nosso). Textualmente, essa é a definição da noção de 'forma do objeto' apresentada por Wittgenstein. Tendo isso em vista, podemos afirmar que dois objetos possuem a mesma forma lógica se e somente se esses objetos possuem as mesmas possibilidades de aparecimento em estados de coisas. Dessa maneira, dois objetos possuem a mesma forma lógica se possuírem as mesmas possibilidades combinatórias que constituem os possíveis estados de coisas. Para que possamos compreender o que significa a noção de 'propriedade externa', devemos estar atentos ao aspecto modal das expressões. Uma propriedade externa é uma propriedade contingente de um objeto. Uma propriedade interna, por outro lado, é uma propriedade necessária de um objeto. Nas palavras de Wittgenstein, “Uma propriedade é interna se é impensável que seu objeto não a possua (TLP, 4.123). Finalmente, para compreendermos o que significa dois objetos se diferenciarem 'apenas por serem diferentes', devemos nos atentar ao que chamaremos aqui de 'distinção entre identidade quantitativa e identidade qualitativa'. Veremos agora em que consiste essa distinção.

A distinção entre identidade quantitativa e identidade qualitativa pode ser compreendida por meio de um simples exemplo. Suponhamos a existência de uma sala. Nessa sala, encontram-se dois lógicos, a saber: K. Gödel e B. Russell. Suponhamos que alguém pergunte 'K. Gödel e B. Russell

(5)

são iguais?'. Uma possível resposta a essa questão seria: depende. Se nos referimos à qualidade de 'ser um lógico', então podemos responder que sim. Por outro lado, se nos referimos aos indivíduos 'K. Gödel' e 'B. Russell', então podemos responder que não. Isso significa o seguinte: dois objetos podem ser quantitativamente distintos, mesmo que qualitativamente idênticos. Ou seja, nós não inferimos, necessariamente, a diferença qualitativa por meio da diferença quantitativa. Não estamos afirmando com isso que Wittgenstein faz essa distinção de modo explícito no TLP. Estamos apenas afirmando que Wittgenstein parece supor esse tipo de distinção ao tratar do critério de identidade entre objetos no escopo conceitual do TLP. Argumentamos que é por meio dessa distinção entre identidade quantitativa e identidade qualitativa que devemos compreende o que significa dois objetos serem diferentes 'apenas por serem diferente'. Na passagem 2.0233 do TLP, Wittgenstein afirma que dois de uma mesma forma lógica (que possuem exatamente as mesmas possibilidades de aparecimento em possíveis estados de coisas), ao desconsiderarmos suas propriedades externas (as propriedades contingentes que esses objetos poderiam não possuir), diferenciam-se apenas por serem diferentes. Isso é: esses objetos podem ser distintos independentemente de suas propriedades (sejam propriedades internas ou externas). E é exatamente isso o que significa dois objetos serem diferentes 'apenas por serem diferentes', e não em virtude de uma propriedade. Isso é: dois objetos podem ser diferentes independentemente de uma propriedade que os diferenciam. Aparentemente, Wittgenstein parece não aceitar a validade irrestrita do princípio da 'identidade dos indiscerníveis'.16

Para uma melhor compreensão da recusa de Wittgenstein ao princípio da identidade dos indiscerníveis, devemos nos voltar ao tratamento formal da notação do TLP e explorar quais são as exigências que uma notação logicamente correta deve cumprir. Constataremos na segunda parte deste texto como as noções ontológicas do TLP se relacionam com o formalismo presente na obra, desenvolvendo, a partir disso, a temática do tratamento da identidade entre objetos no TLP.

2- O tratamento sintático da identidade entre objetos

Umas das noções mais importantes para o tratamento formal da identidade entre objetos é a noção de isomorfismo. Conforme expomos na primeira parte deste presente texto, o isomorfismo tractariano é ideia de que a figuração, enquanto uma representação da realidade, possui a mesma

(6)

forma do fato figurado. E essa forma comum à figuração e ao figurado é a forma lógica. O que a figuração tem de comum com o afigurado é a sua 'forma de afiguração'. Conforme Wittgenstein afirma, “A figuração tem em comum com o afigurado a forma lógica de afiguração” (TLP, 2.2). Como a figuração possui a mesma forma lógica do figurado, a figuração e o figurado (a situação que a figuração representa) possuem as mesma possibilidades. Segundo Wittgenstein, “A figuração contém a possibilidade da situação que ela representa” (TLP, 2.203). Tendo isso em vista, podemos afirmar que a possibilidade da coordenação entre os objetos de um estado de coisas e os elementos da figuração que representa esse estados de coisas é fundamental para a sintaxe tractariana. Como a proposição é uma figuração da realidade, segue-se que, para obtermos uma notação logicamente correta, devemos coordenar os nomes de uma proposição com os objetos da realidade a ser figurada pela proposição em questão. É por meio desse 'princípio', desse 'postulado do simples', que podemos descrever as proposições de uma notação qualquer. Isso é, dado que os nomes sejam convenientemente escolhidos, segue-se a descrição de uma notação lógica qualquer. Nas palavras de Wittgenstein:

Agora parece possível especificar a forma proposicional mais geral: ou seja, dar uma descrição das proposições de uma notação qualquer, de modo que cada sentido seja exprimível por um símbolo a que a descrição convenha e cada símbolo a que a descrição convenha possa exprimir um sentido, desde que os significados dos nomes sejam

convenientemente escolhidos (TLP, 4.5, grifo nosso).

Fica evidente que uma das condições para a construção de uma notação logicamente correta seja a coordenação convenientemente estabelecida entre nomes e objetos. Na primeira parte desta presente exposição, nos detemos brevemente naquilo que Wittgenstein entendia por 'objeto'. Nesta segunda parte da presente exposição, devemos nos deter brevemente naquilo que Wittgenstein chama de 'nome'. De acordo com Wittgenstein, os nomes são sinais simples, no sentido de que não podem ser definidos na linguagem que os supõem.17 Assim como os objetos, eles apenas possuem

uma forma lógica, não possuindo uma estrutura. Da mesma maneira que os objetos aparecem em um fato no contexto do estado de coisas, um nome somente aparece na proposição no contexto da proposição elementar.18 De acordo com Wittgenstein, os nomes são indicados por letras isoladas 'x',

'y' e etc. As proposições elementares são funções desses nomes e são simbolizadas pelos símbolos 'fx', 'φ(x,y)' e etc. Nas palavras de Wittgenstein:

O nome aparece na proposição apenas no contexto da proposição elementar (TLP, 4.23). 17 TLP, 4.24 e TLP, 3.263.

(7)

Os nomes são símbolos simples, indico-os por meio de letras isoladas ('x', 'y', 'z'). Escrevo dessa forma a proposição elementar como função desses nomes: 'fx', 'φ(x,y)', etc. Ou indico-a por meio das letras p, q, r (TLP, 4.24).

Agora que já estamos familiarizados com alguns aspectos da notação tractariana, nos encontramos em condições de compreender a maneira como Wittgenstein aborda a identidade por meio dessa notação. O primeiro aspecto do tratamento que Wittgenstein oferece à identidade é compreendê-la como uma regra notacional. Se utilizamos dois símbolos com um único significado, exprimimos isso colocando os dois símbolos entre o sinal '='. Nesse sentido, 'a = b' significa apenas que o sinal 'a' é substituível pelo sinal 'b'. E essa maneira de compreender a identidade é fundamental, visto que a identidade não é tomada como uma relação entre objetos,19 mas antes,

como uma regra notacional. Antes de tudo, ela é uma regra da sintaxe lógica. Sendo assim, uma expressão da forma 'a = b' é um mero 'expediente de representação', não dizendo nada a respeito do significado dos sinais 'a' e 'b'. Tratar a identidade como um mero expediente notacional significa encarar os enunciados sobre identidades como proposições não-significativas, na terminologia do TLP. Isso é: as proposições da forma 'a = b' não são proposições elementares ou qualquer outra proposição derivadas das proposições elementares por meio das operações de verdade. Essas 'proposições' não figuram possibilidades no espaço lógico. Sendo assim, não devemos compreendê-las como proposições contingentes que enunciam propriedades externas dos objetos. Nas palavras do próprio Wittgenstein:

Se uso dois sinais com um único e mesmo significado, exprimo isso colocando entre os dois o sinal '='.

Portanto, 'a=b' quer dizer: o sinal 'a' é substituível pelo sinal 'b'.

(Se introduzo, por meio de uma equação, um novo sinal 'b', determinando que lhe cumpre substituir um sinal 'a' já conhecido, escrevo a equação – definição – na forma 'a=b Def.' (como Russell). A definição é uma regra notacional.) (TLP, 4.241, grifo nosso).

Expressões da forma 'a=b' são, pois, meros expedientes de representação; nada dizem

sobre o significado dos sinais 'a', 'b' (TLP, 4.242, grifo nosso).

Expressões como 'a=a', ou as que delas se derivam, não são proposições elementares, nem qualquer outra espécie de sinal com sentido. (É o que se evidenciará adiante.) (TLP, 4.243, grifo nosso).

Tendo em vista o que expomos nos parágrafos anteriores, podemos afirmar que uma das exigências formais para uma notação logicamente correta nos fornece um tratamento adequado da noção de identidade. E por um 'tratamento adequado da noção de identidade', Wittgenstein entende: não devemos empregar a identidade no sentido de que, com isso, estaríamos dizendo algo acerca

(8)

dos significados dos sinais, isso é, dos objetos. Dessa maneira, devemos compreender a identidade como uma regra notacional, e não como uma proposição significativa sobre propriedades de objetos. Apesar disso, poderíamos nos perguntar: como então podemos diferenciar os objetos?. A resposta de Wittgenstein é precisa: devemos exprimir a identidade do objeto por meio da igualdade do sinal e a diferença entre objetos por meio da diferença entre sinais. Isso é: não devemos diferenciar os objetos com o auxílio do sinal de igualdade ou de diferença. E também não necessário recorrer a um sinal de propriedade (seja interna ou externa) para diferenciar os objetos. Ao empregarmos sinais diferentes para objetos diferentes, estamos diferenciando-os 'apenas por serem diferentes', e não em virtude de um sinal de diferença ou em virtude de um símbolo para a sua propriedade. Dessa maneira, podemos observar que uma notação logicamente correta, capaz de desfazer as confusões filosóficas, nos fornecerá um tratamento adequado da distinção ontológica entre os objetos. Fornecer um tratamento adequado da distinção ontológica entre objetos significa mostrar na notação lógica que a afirmação de que dois objetos são iguais é um contra-senso, é uma violação da gramática lógica. Assim, de acordo com Wittgenstein:

Exprimo a igualdade do objeto por meio da igualdade do sinal, e não com a ajuda de um sinal de igualdade. A diferença dos objetos, por meio da diferença dos sinais (TLP, 5.53). Em termos aproximados: dizer de duas coisas que ela são idênticas é um contra-senso e dizer de uma coisa que ela é idêntica a si mesma não é dizer rigorosamente nada (TLP, 5.5303, grifo do autor).

Por meio do que expomos até o momento, podemos notar como uma notação logicamente correta, aos olhos de Wittgenstein, deve tratar a questão da identidade entre objetos. Dessa maneira, torna-se clara a relação entre a sintaxe tractariana e as concepções ontológicas abordadas na primeira parte deste presente texto. Isso é: a sintaxe lógica do TLP deve mostrar como dois objetos diferenciam-se 'apenas por serem diferentes', sem o auxílio do sinal '=' e sem o auxílio de qualquer sinal responsável por simbolizar alguma propriedade desses objetos, responsável por diferenciá-los. Tendo em vista o que demonstramos até agora, estamos em condições de exibir a maneira como esse tratamento formal da sintaxe lógica nos remete a uma possível problematização do chamado 'problema da exclusão das cores'. Nesse sentido, nos voltaremos agora para uma breve apresentação do 'problema da exclusão das cores'. Em seguida, comentaremos uma possível consequência que o tratamento formal da identidade no TLP traz a esse problema.

(9)

Nesta terceira e última parte de nossa exposição, pretendemos tornar mais explícita uma possível consequência da maneira como Wittgenstein compreende a relação de identidade entre objetos. Essa consequência diz respeito à formulação do 'problema da exclusão das cores'. Pretendemos indicar uma possível problematização dessa questão. Não estamos querendo dizer com isso que Wittgenstein sustentava esse ponto de vista e nem que essa consequência solucionaria o problema da exclusão das cores. Nosso objetivo aqui é apenas indicar o que se segue da concepção que Wittgenstein possuía da identidade e como a formulação do problema das cores não é algo muito trivial. Nesse sentido, nesta terceira parte do texto, faremos uma breve exposição do que a literatura especializada20 chama de 'problema da exclusão das cores' e, em seguida, exporemos a

possibilidade de uma objeção à formulação desse problema.

O 'problema da exclusão das cores' é geralmente compreendido como o conjunto das considerações, de natureza filosófica, que pretende mostrar a inviabilidade da sintaxe lógica do TLP dar conta da análise de proposições que expressam graus de gradações, como no caso das sentenças cromáticas. Uma das principais teses contidas no TLP é a tese de que as proposições elementares são logicamente independentes umas das outras. Por 'logicamente independentes', Wittgenstein significa: 'não podemos inferir a sua verdade ou a falsidade por meio de outras proposições'. Nesse sentido, as proposições elementares seriam verdadeiras ou falsas apenas ao serem comparadas com a situação na realidade que ela figura, conforme comentamos na primeira parte deste presente texto. Isso é: essas proposições assumiriam um possível valor de verdade apenas em virtude de sua comparação com o mundo, e não em virtude de uma inferência. Até aqui, nada há de problemático. Entretanto, o problema aparece quando analisamos a passagem 6.3751 do TLP. Geralmente, essa passagem do TLP é tomada como um paradigma para a formulação do problema das cores. Ele se segue como uma exemplificação da passagem anterior, a passagem 6.375. Nessa passagem, nós encontramos a enunciação de uma das principais teses contidas no TLP. Essa tese é a seguinte: somente há necessidade lógica e, por consequência, somente há impossibilidade lógica. Em seguida, Wittgenstein nos fornece o seguinte exemplo: que duas cores estejam ao mesmo tempo em um mesmo lugar do campo visual é logicamente impossível, uma vez que a estrutura lógica das cores exclui essa possibilidade. Segundo Wittgenstein, a atribuição cromática a um mesmo ponto no campo visual seria uma contradição, uma impossibilidade lógica. Tendo isso em vista, Wittgenstein prossegue a passagem argumentado como a física exibiria essa contração. De acordo com o autor, uma mesma partícula não pode possuir, simultaneamente, duas velocidade. Dessa maneira, conclui Wittgenstein: “[...] isso quer dizer que partículas que estejam em lugares diferentes a um só tempo não podem ser idênticas” (TLP, 6.3751). Logo após essa declaração, Wittgenstein sustenta que a

(10)

conjunção de duas proposições elementares não pode ser nem uma tautologia e nem uma contradição e conclui a passagem afirmando o enunciado de que um ponto no campo visual tem, ao mesmo tempo, duas cores é uma contradição. Nas palavras de Wittgenstein:

Que, p.ex., duas cores estejam ao mesmo tempo num lugar do campo visual é impossível e, na verdade, logicamente impossível, pois a estrutura lógica das cores o exclui.

Pensemos na maneira como essa contradição se apresenta na física; mais ou menos assim: uma partícula não pode ter, ao mesmo tempo, duas velocidades; isso quer dizer que não podem estar, ao mesmo tempo, em dois lugares; isso quer dizer que as partículas que estejam em lugares diferentes a um só tempo não podem ser idênticas.

(É claro que o produto lógico de duas proposições elementares não pode ser nem uma tautologia nem uma contradição. O enunciado de que um ponto do campo visual tem ao mesmo tempo duas cores diferentes é uma contradição.) (TLP, 6.3751).

Quando Wittgenstein afirma, no último trecho da passagem, que o produto lógico de duas proposições elementares não pode ser nem uma tautologia e nem uma contradição, ele nos passa a impressão de que as proposições que versam sobre as cores não são proposições elementares. Isso porque, se elas fossem tomadas como proposições elementares, a conjunção dessas proposições não seria uma contradição. Logo, devemos fornecer uma análise lógica dessas proposições, para mostrar as suas complexidades lógicas. Ao oferecermos essa análise, demonstraremos a impossibilidade lógica de dois pontos no campo visual possuírem, simultaneamente, duas cores. E é exatamente a ausência dessa análise lógica que acaba por proporcionar, de acordo com a literatura especializada, o abandono da sintaxe lógica tractariana. Aparentemente, a lógica do TLP não consegue exibir essa incompatibilidade entre cores em termos de contradições vero-funcionais. Sendo assim, a notação do TLP deveria ser reformulada ou complementada. Agora que já sabemos formular o problema da exclusão das cores, mesmo que brevemente, devemos nos voltar para a relação existente entre a formulação desse problema e a concepção de identidade sustentada por Wittgenstein, conforme demonstramos nas duas primeiras partes deste texto. A partir de agora, mostraremos brevemente uma das consequências da maneira como Wittgenstein concebe a identidade para esse problema.

(11)

presente texto, não diferenciamos, necessariamente, os objetos por meio de suas propriedades (internas ou externas). Esse ponto de vista parece nos sugerir a seguinte constatação: não podemos, aparentemente, inferir a identidade quantitativa por meio da identidade qualitativa. E pelos mesmos motivos, não podemos inferir a distinção quantitativa entre partículas por meio da diferença qualitativa dessas partículas. Pressupor essa inferência é pressupor uma violação da sintaxe lógica tractariana. E aqui podemos ver o que há de problemático na formulação do problema da exclusão das cores: uma vez que é impossível que um objeto tenha duas cores, segue-se que, se um objeto tenha uma dessas cores, podemos inferir a sua diferença quantitativa em relação ao outro objeto. E conforme argumentamos anteriormente, isso viola o tratamento formal adequado da identidade. Não podemos inferir a diferença quantitativa entre objetos por meio da distinção qualitativa entre cores. Do fato de que um objeto seja vermelho não se segue logicamente que um objeto verde seja quantitativamente distinto desse primeiro objeto. Aceitar essa inferência significa aceitar a inferência da distinção quantitativa por meio da distinção qualitativa. Portanto, nos parece evidente a possibilidade de que a formulação do problema das cores aparentemente repousa sobre uma inferência problemática, uma vez que pressupõe uma violação da sintaxe tractariana. Por meio desse ponto de vista, não podemos tomar o problema da exclusão das cores como um critério para o abandono da sintaxe tractariana, visto que, para a formulação do problema, já deveríamos ter abandonado a sintaxe lógica do TLP.

Conclusão

(12)

Bibliografia

ALLAIRE, E. “'Tractatus' 6.5731”. In: COPI, I.; BEARD, R. Essays on Wittgenstein's Tratactus. New York: The Macmillan Company, 1966, pp. 189-194.

ANSCOMBE, G. E. M. An Introduction to Wittgenstein's Tractatus. New York: Harper & How, 1963.

AUSTIN, J. “Wittgenstein's Solutions to the Color Exclusion Problem”. Philosophy and Phenomenological Research, vol. 41, nº1/2, 1980, pp. 142-149.

CRARY, A; READ, R. The New Wittgenstein. New York: Routledge, 2003.

CUTER, J. “As cores e os números”. In: DoisPontos, vol. 6, nº1, 2009, pp. 181-193.

_________________. “A Lógica do Tractatus”. In: Manuscrito, vol. 25, nº1, 2002, pp. 87-120. _________________. “Como Negar um Nome”. In: Philósophos, vol. 14, nº2, 2010, pp. 33-62. _________________. “Operations and Truth-Operations in the Tractatus”. In: Philosophical Investigations, vol. 28, nº1, 2005, pp. 63-75.

DIAMOND, C. The Realistic Spirit: Wittgenstein, Philosophy, and the Mind. MIT Press, 1995. _________________. “Throwing Away the Ladder”. In: Philosophy, vol. 63, nº243, 1988, pp. 5-27. _________________. “The Tractatus and The Limits of Sense”. In: KUUSELA, O; MCGINN, M. Oxford Handbook of Wittgenstein. Oxford University Press, 2011.

_________________. “Logical Syntax in Wittgenstein's Tractatus”. In: The Philosophical Quartely, vol. 55, nº218, 2005, pp. 78-89.

_________________. “Ethics, Imagination and the Method of Wittgenstein’s Tractatus”. In: CRARY, A; READ, R. The New Wittgenstein. New York: Routledge, 2003, pp. 149-173.

DUMMETT, M. The Logical Basis of Metaphysics. Harvard University Press, 1994. _________________. The Seas of Language. Oxford: Clarendo Press, 1996.

ENGELMANN, M. Wittgenstein's Philosophical Development: Phenomenology, Grammar, Method, and the Anthropological View. New York: Macmillan Palgrave, 2013.

_________________. “Instructions to Climb a Ladder: The Minimalism of the Tractatus”. Unpublished.

FARIA, P. Forma Lógica e Interpretação: Wittgenstein e o Problema das Incompatibilidades Sintéticas, 1929-30 [dissertação de mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1989.

GLOCK, H-J. O Dicionário Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

(13)

Press, 1986.

HEIJENOORT, J. V. “Logic as Calculus and Logic as Language”. In: Synthese, vol. 17, 1967, pp. 324-330.

HINTIKKA, M; HINTIKKA, J. Investigating Wittgenstein. Oxford: Basil Blackwell, 1986.

ISHIGURO, H. “Use and Reference of Names”. In: WINCH, P. Studies in the Philosophy of Wittgenstein. London: Routledge & Kegan Paul,1969, pp. 20-50.

JAAKKO, K. ;HINTIKKA, J. “Identity, Variables, and Impredicative Definitions”. In: The Journal of Symbolic Logic, vol. 21, nº3, 1956, pp. 225-245.

JACQUETTE, D. “Wittgenstein and the Color Incompatibility Problem”. In: History of Philosophy Quarterly, vol. 7, nº 3, 1990, pp. 353-365.

MCGUINNES, B. “The Supposed Realism of the Tractatus”. In: MCGUINNES, B. Approaches to Wittgenstein: Collected Papers. London and New York: Routledge, 2002, pp. 82-94.

NORDMANN, A. Wittgenstein's Tractatus: An Introduction. Cambridge University Press, 2005. SILVA, M. Muss Logik Für Sich Selber Sorgen? On the Color Esclusion Problem, Truth Table as a Notational means, Bildkonzeption and the Neutrality of Logic in the Collapse and Abandonment Tractatus [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2012.

WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 2010.

_________________. “Some Remarks on Logical Form”. In: Proceedings of the Aristotelian Society, vol. 9, 1929, pp. 162-171.

_________________. Philosophische Bemerkungen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970. _________________. Philosophical Remarks. Basil Blackwell Oxford, 1998.

_________________. Observações Filosóficas. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

Referências

Documentos relacionados

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

Box-plot dos valores de nitrogênio orgânico, íon amônio, nitrito e nitrato obtidos para os pontos P1(cinquenta metros a montante do ponto de descarga), P2 (descarga do

A teoria da Modulação, do pesquisador francês da comunicação religiosa, Pierre Babin, e a Transdisciplinaridade, do pesquisador romeno Barsarab Nicolescu, são os

Quando os Cristais são colocados a menos de 20 cm do nosso corpo, com uma intenção real, eles começam a detectar o que está a mais no físico, no emocional, no mental e no

BraB-1480 Zezé Di Camargo e Luciano 3590 POR AMOR TE DEIXO IR Pode ir, não impeço sua viagem BraB-1480 Zezé Di Camargo e Luciano 3539 SEM MEDO DE SER FELIZ Tira essa paixão da

Caso a resposta seja SIM, complete a demonstrações afetivas observadas de acordo com a intensidade, utilizando os seguintes códigos A=abraços, PA=palavras amáveis, EP= expressões

Entre as 72 horas de vídeo que ali são carregadas todos os minutos há, além dos telediscos, vídeos caseiros e excertos de programas de televisão, uma quantidade imensa de filmes

CAIXA, além do benefício previsto no parágrafo segundo da cláusula 26, o empregado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança fará jus