• Nenhum resultado encontrado

Direitos sociais sociais e vinculação do legislador : a interpretação constitucional em tempo de crise do Estado social contemporâneo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Direitos sociais sociais e vinculação do legislador : a interpretação constitucional em tempo de crise do Estado social contemporâneo"

Copied!
346
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE LISBOA

GABINETE DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS FACULDADE DE DIREITO

Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Direito Constitucional

DIREITOS SOCIAIS E VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR

A interpretação constitucional em tempo de crise do Estado social

contemporâneo

LEONARDO DAVID QUINTILIANO

Lisboa 2018

(2)

LEONARDO DAVID QUINTILIANO

DIREITOS SOCIAIS E VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR

A interpretação constitucional em tempo de crise do Estado social

contemporâneo

Dissertação de mestrado apresentada ao Gabinete de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Ciências Jurídico-Políticas Perfil: Direito Constitucional

ORIENTADOR: Professor Doutor Carlos Blanco de Morais

Lisboa 2018

(3)

LEONARDO DAVID QUINTILIANO

DIREITOS SOCIAIS E VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR:

A interpretação constitucional em tempo de crise do Estado social

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Direito e aprovada em sua forma final pelo Orientador e pela Banca Examinadora.

Orientador: ____________________________________ Prof. Dr. Carlos Blanco de Morais

Banca Examinadora:

Prof. Dr. ____________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________ Prof. Dr. ____________________________________________

Coordenador do Gabinete de Estudos Pós Graduados:

Prof. Dr. ________________________________________________

(4)

DEDICATÓRIA

Aos cidadãos brasileiros e aos cidadãos portugueses, que mantêm, com parte de seu trabalho convertido em impostos, as instituições que me permitiram desenvolver o presente trabalho.

Que ele contribua - e, assim, lhes retribua - para o desenvolvimento jurídico do tema em estudo.

(5)

AGRADECIMENTOS

Todo título acadêmico comporta dois tipos de agradecimento. Um, que se apega ao sujeito, ao idealizador da pesquisa, seu produto humano. Outro, que repousa no objeto da pesquisa, em seu produto formal. O primeiro destina-se a todos os que participaram do desenvolvimento cognitivo do pesquisador, porquanto todo sujeito cognoscente é, ao mesmo tempo, produtor e produto, obreiro e obra. O segundo reserva-se àqueles que tornaram possível a feitura de seu trabalho.

Inicialmente, cabe o agradecimento à minha mãe, Sandra Cristina Gomes que, não conhecendo na teoria o que é o dirigismo constitucional ou os direitos sociais, tampouco os conheceu na prática, o que não a impediu de lhes suprir a falta por uma vontade mais transformadora que a das normas programáticas. O mesmo se pode dizer de meu pai, Sebastião José Quintiliano, cuja efetividade das normas sociais não chegou a tempo de evitar sua partida.

Dentre as inumeráveis pessoas que tiveram importância fundamental em meu desenvolvimento acadêmico, destaco o Professor Sérgio Resende de Barros, orientador de meu doutoramento no Brasil, cujos ensinamentos e caminhos por ele abertos moldaram não apenas um acadêmico, mas uma visão do mundo e do Direito. Também não posso olvidar o Professor Carlos Blanco de Morais, cuja seriedade e rigor acadêmico, de que resultaram posições sempre coerentes e plausíveis, contribuíram decididamente para o desenvolvimento dessa dissertação.

Na segunda qualidade, agradeço a todos que contribuíram para a elaboração da presente dissertação e sua apresentação: ao Professor Carlos Blanco de Morais, pela orientação, e aos demais Professores da FDUL, pelas lições dadas em suas aulas e palestras; aos colegas do mestrado e doutorado da FDUL, pelos debates que propiciaram grande parte das reflexões deduzidas no presente trabalho, em especial e por todos a Raineri Ramalho de Castro, a Stéfano Rezende Monteiro e a Luis Clovis Machado, com o perdão aos demais cujos nomes a limitação da memória me permite olvidar neste átimo.

(6)

EPÍGRAFES

Para dizermos algo mais sobre a pretensão de se ensinar como deve ser o mundo, acrescentaremos que a filosofia chega sempre muito tarde. Como pensamento do mundo, só aparece quando a realidade efetuou e completou o processo da sua formação. O que o conceito ensina mostra-o a história com a mesma necessidade: é na maturidade dos seres que o ideal se ergue em face do real, e depois de ter apreendido, o mundo na sua subs-tância reconstrói-o na forma de um império de ideias. Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já a anoitecer, é quando uma manifestação de vida está prestes a findar. Não vem a filosofia para a reju-venescer, mas apenas reconhecê-la. Quando as sombras da noite começaram a cair é que levanta vôo o pássaro de Minerva.1

(...) a essência de um fenômeno não se manifesta imediatamente em sua aparência. É necessária a interpretação. Se a aparência sempre revelasse de imediato a essência das coisas do mundo, toda a ciência seria desnecessária. No fundo, ciência é interpretação. Inclusive o Direito. O conhecimento – e, sobretudo, o conhecimento científico – não é mera fotografia do objeto pelo sujeito. O sujeito ao mesmo tempo conhece e interpreta o objeto. Conhece interpretando e interpretando conhece. Na medida em que se avança nesse processo, as essências descobertas tornam-se aparências de essências mais profundas. As essências interpretadas revelam-se como aparência de novas essências. Aparência e essência são, portanto, contrários que se tornam um no outro.2

1 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. trad. O. Vitori. São Paulo:

Martins Fontes, 1997, p. XXXIX.

2 BARROS, Sérgio Resende de. Essência e Aparência. In: BEÇAK, R. (org); QUINTILIANO, L. D. ;

NIMER, B. L. C. (coords.). Princípios constitucionais: contribuições à luz da obra de sérgio resende de barros. Belo Horizonte: Arraes, 2018, p. 17.

(7)

NOTAS DE LEITURA

As referências às obras consultadas encontram-se nas notas de rodapé, as quais seguem o padrão de formatação previsto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme manual disponível no sítio: <http://www.teses.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=52&I temid=67>.

A escolha do referido método de citação, conquanto seja um trabalho elaborado em Portugal, dá-se, à falta de outro método obrigatoriamente imposto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pela familiaridade do mestrando com o método e pelo reconhecimento de sua facilidade para o leitor, uma vez que cumprem as exigências metodológicas de compacidade, clareza, coerência e completude.

A primeira citação contém nome do autor ou organizador, título em itálico e subtítulo sem destaque, edição, local, editora, páginas e volumes. A segunda citação contém apenas o nome do autor, título abreviado, edição (quando citadas mais de uma edição) e página. Quando a transcrição de trechos de obras, textos de lei ou de jurisprudência ultrapassa as três linhas, ela é feita em recuo do texto principal, em fonte tamanho 10, sem o emprego das aspas.

Os acórdãos consultados possuem notas de referência com as informações essenciais para situação do leitor, nomeadamente o número do processo, o nome da parte e o Tribunal que proferiu a decisão, salvo quando um desses dados já foi informado no próprio texto. A informação completa para localização dos acórdãos encontra-se no Índice das Fontes, no tópico Jurisprudência Citada.

A legislação foi preferencialmente consultada no sítio da internet dos respetivos órgãos legiferantes, optando-se pela sua referência apenas no Índice das Fontes, no tópico Legislação Consultada.

Na ausência de indicação diversa, os destaques e as traduções são de nossa responsabilidade.

Como recurso de estilo, o itálico é empregado para destacar termos estrangeiros e nome de obras, bem como para realçar palavras-chave no trabalho.

(8)

As aspas são empregadas para demarcar citações que ocupem menos de três linhas, ou para indicar que a palavra, ideia ou expressão tem sentido conotativo, não denotativo.

Observam-se as regras contidas no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

(9)

NOTA TERMINOLÓGICA

A compreensão do presente trabalho poderia ser também afetada pelo uso de palavras com igual grafia, mas sentidos diversos no Brasil e em Portugal, em razão do que se faz necessário o seguinte apontamento prévio de seu sentido.

Pensão (Portugal): Prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido. No Brasil corresponde aos proventos de aposentadoria.

Pensão (Brasil): Benefício previdenciário concedido ao dependente de segurado, em razão de sua morte. O sistema português não distingue o benefício previdenciário devido por morte do segurado dos demais benefícios previdenciários pagos diretamente ao segurado por idade ou invalidez.

Segurança Social: Conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar direitos sociais previdenciais e assistenciais. O Brasil adota o termo Seguridade Social, mas com alcance maior, abrangendo a Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social.

Aposentação: Situação do trabalhador que lhe permite parar de trabalhar, sem deixar de receber uma remuneração. Também se utiliza o termo pensão.

Reforma: Termo usado para a inatividade definitiva do militar em Brasil e em Portugal.

Inativo: Gênero que inclui todos os trabalhadores que mantém a percepção total ou parcial da remuneração sem a necessidade de continuar a trabalhar. São espécies o aposentado e o reformado.

Segurado: Trabalhador que tem direito à percepção do benefício previdenciário. Em Portugal se emprega o termo utente.

Servidor (público): Trabalhador da Administração Pública. Em Portugal corresponderia aos funcionários ou agentes administrativos.

(10)

NOTA BIBLIOGRÁFICA

Sobre a temática dos direitos sociais, vinculação do legislador e demais assuntos tratados em caráter principal ou subsidiário há um número tão vasto de obras publicadas, seja em Brasil e em Portugal, seja nos demais países, que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotá-las. Nesse sentido, a metodologia científica contemporânea enfrenta uma revolução – talvez, uma evolução – que abandona o paradigma da totalidade e o substitui pelo paradigma da seletividade. Em outras palavras, o desafio do pesquisador em ciências humanas não é mais esgotar as fontes de consulta sobre o tema (que já se torna impossível), mas conseguir eleger aquelas que são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho proposto.

Desse modo, pela afinidade histórica, cultura e lingüística, houve uma proeminência do foco comparativo entre Brasil e Portugal, a justificar um recorte bibliográfico com preferência por obras publicadas em ambos os países. Esse recorte foi aprimorado por meio do estudo de obras que podem ser consideradas essenciais para o desenvolvimento do tema.

Não obstante, a articulação de premissas e pré-compreensões necessárias ao diálogo proposto com os autores citados, seja para corroborar ou para infirmar suas teses, exigiu a citação de obras consideradas universais nas áreas de filosofia, sociologia, economia e outros ramos do direito. Também a necessidade reflexivo-referencial do direito enquanto ciência social aplicada justifica o emprego de obras estrangeiras, com a pretensão exemplificativa, não exaustiva.

Preferiu-se, no caso dos clássicos, a citação direta dos originais - e não das versões modernas, sejam traduzidas, sejam no respetivo idioma original -, quando puderem ser encontrados na internet, em fotocópias ou fac-símile nos sítios de instituições fidedignas voltadas à preservação e divulgação dessas obras. A citação das obras originais tem o objetivo de reforçar o contexto histórico de sua publicação, o que contribui para uma melhor compreensão do conceito em análise.

(11)

ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão AgR. – Agravo Regimental (Brasil)

AR – Assembleia da República (de Portugal) art. – artigo

CDFUE – Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia

CES – Contribuição Extraordinária de Solidariedade (instituída em Portugal pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2011)

cf. - conferir

CGA – Caixa Geral de Aposentações (de Portugal) cit. – citado (a)

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil CRP – Constituição da República Portuguesa

CS – Contribuição de Sustentabilidade (instituída em Portugal pelo Decreto n. 262/2012 da Assembleia da República)

DF – Distrito Federal

EC – Emenda Constitucional (Brasil) ed. - Edição

e.g. – exempli gratia (por exemplo)

FADUL - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa FMI – Fundo Monetário Internacional

MC – Medida Cautelar Min. - Ministro

org. – organizador (a) (s) p. – página (s)

(12)

RO - Roraima SC – Santa Catarina sep. - Separata ss. - seguintes

STF – Supremo Tribunal Federal (Brasil) STJ – Superior Tribunal de Justiça (Brasil) t. – tomo (s)

TC – Tribunal Constitucional (de Portugal)

TECE – Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – 2004 Trad. – Tradutor (a) (s)

TUE – Tratado da União Europeia – 1992 e alterações v. – volume (s)

(13)

RESUMO

QUINTILIANO, L. D. Direitos sociais e vinculação do legislador: a interpretação constitucional em tempos de crise do estado social contemporâneo. 332 f. Tese (Mestrado) - Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.

Em virtude de sua estrutura e de seu conteúdo indefinido, os direitos sociais requerem uma densificação normativa. Numa conceção clássica do Estado de direito, o poder densificador é o poder legislativo, a quem compete a função normativa primária. No entanto, com o desenvolvimento do Estado social e o recurso do poder constituinte às normas programáticas e às imposições legislativas, o descumprimento constitucional de tais normas levaram a uma hipertrofia do poder jurisidional. Chamado a “interpretar” normas que dispõem sobre deveres prestacionais do Estado, o Judiciário, dotado de maior ou menor poder conforme o sistema constitucional em que se insere – se common law ou civil law – passa a assumir o protagonismo no cenário estatal. Com menor legitimidade democrática, o caráter definitivo da função jurisdicional logo se impõe e a sobrepõe às demais funções estatais, mediante uma série de construções lógico-jurídicas que buscam autorizar maior interferência na discricionariedade legislativa, bem como legitimar a atividade criativa do poder jurisdicional. Entre essas construções, destacam-se a teoria dos critérios de proporcionalidade, a densificação dos critérios da proteção da confiança pelo Tribunal Constitucional português e a teoria da proibição do retrocesso social. Nos momentos glórios do Estado de bem estar social, no entanto, o dilema “custo dos direitos vs. reserva do possível” parece não afetar tal protagonismo jurisdicional. Mas com a crise do Estado Social, a responsabilidade política (accountability) passa a expor o déficit democrático das decisões jurisdicionais. Ao ter que decidir que direitos são mais importantes, a função jurisdicional se confunde com a função legislativa. Desse modo, a Doutrina jurídica é chamada a reexaminar os limites da interpretação constitucional. E, em tema de direitos sociais, a limitação da interpretação constitucional passa pela própria limitação do legislador. Essa tese propõe, assim, analisar criticamente e delimitar a vinculação do legislador às normas constitucionais de direitos sociais, com base nos princípios aferíveis das conceções de Estado de direito e de Estado social, em face das crises contemporâneas do dirigismo constitucional e da teoria geral do direito e do Estado, circunstâncias que intensificam a tensão entre as estruturas econômicas, sociais e jurídicas.

Palavras-chave: 1. Estado de direito 2. Estado social 2. Direitos sociais 3. Vinculação do legislador 4. Crise do Estado social 5. Interpretação constitucional 6. Separação dos poderes 7. Proporcionalidade 8. Segurança Jurídica 9. Proteção da confiança 10. Direito Adquirido 11. Retrocesso social 12. Ativismo judicial

(14)

ABSTRACT

QUINTILIANO, L. D. Social rights and binding of the legislator: the constitutional interpretation in times of the crisis of the contemporary social state. 332 f. Tese (Mestrado) - Faculty of Law, University of Lisbon, Lisbon, 2018.

Because of its structure and its indefinite content, social rights require a normative densification. In a classical conception of the "rule of law"3, this densifying power is the legislative power, which has the primary normative function. However, due to the development of the social State and the use of constituent power to program norms and legislative impositions, constitutional noncompliance with such rules led to a hypertrophy of judicial power. Urged to "interpret" norms about State provisional duties, the Judiciary, endowed with more or less power according to the constitutional system in which it is inserted - common law or civil law - starts to assume the protagonism in the set of State. With less democratic legitimacy, the definitive character of the jurisdictional function soon imposes itself and overrides the other state functions, through a series of logical-juridical constructions that seek to authorize greater interference in the legislative discretionariness, as well as to legitimize the creative activity of the jurisdictional power. Among these constructions, the theory of proportionality, the densification of the criteria for the protection of legitimate expectations and the theory of the prohibition of social retrogression stand out. In the glorious moments of the welfare state, however, the dilemma "cost of rights vs. reserve of the financially possible" does not seem to affect such jurisdictional protagonism. But in the crisis of the Social State, the accountability exposes the democratic deficit of judicial decisions. In having to decide which rights are more important, the jurisdictional function is confused with the legislative function. Thereby, legal doctrine is urged to revise the limits of constitutional interpretation. And, on social rights, the limitation of constitutional interpretation goes through the legislator's own limitation. This thesis proposes, therefore, to analyze and delimit the binding of the legislator to the constitutional norms of social rights, based on the presumed principles of the conceptions of the "rule of law" and social State, in light of contemporary crises of constitutional dirigisme and the general theory of law and the State, circumstances that intensify the tension between economic, social and legal structures.

Keywords: 1. Rule of law 2. Social State 3. Binding of the legislator 4. Crisis of the social State 5. Constitucional interpretation 6. Separation of powers 7. Proportionality 8. Legal certainty 9. Protection of legitimate expectations 10. Vested right 11. Social retrogression 12. Judicial activism

3 The expression "rechtsstaat" or "Estado de direito" is generally translated into English as "rule of

law." It is important to note that this translation is a conceptual approximation, since there is no equivalent institute in the common law system and there is substantial differences between the two institutes.

(15)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________________________ 11

PRÉ-COMPREENSÕES ______________________________________________________________________ 30

PARTE 1 - LIBERDADE DO LEGISLADOR E VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL _____ 63

1.1. A CONSTITUIÇÃO E A LEI _______________________________________________________ 65 1.2. O RESPEITO À VONTADE DO LEGISLADOR: MENS LEGISLATORIS VS. MENS LEGIS __________________________________________________________________________________ 81 1.3. CONCEITO DE VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL _____________________________ 88

PARTE 2 – À VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO SOCIAL ___________ 89

2.1. ORIGENS DO ESTADO SOCIAL __________________________________________________ 92 2.2. O CONCEITO DE ESTADO SOCIAL E SUA PRETENSA NORMATIVIDADE A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO SOCIAL E DE DIREITO E SUAS ESPECIFICIDADES 95 2.3. A CONSTITUIÇÃO SOCIAL E A LIBERDADE DO LEGISLADOR _______________ 99 2.4. A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE_________________________________________________ 104 2.5. DAS FORMAS DE VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO SOCIAL ________________________________________________________________________________________ 107 2.6. A VINCULAÇÃO MATERIAL DO LEGISLADOR AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS __________________________________________________________ 124 2.7. A VINCULAÇÃO FORMAL DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE - A QUESTÃO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ______________________________________ 143

(16)

PARTE 3 – O PAPEL DOS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DE DIREITO NA VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL DO LEGISLADOR EM MATÉRIA DE DIREITOS SOCIAIS _____________________________________________________________________________________ 180

3.1. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ____________________________________________________ 183 3.2. A SEGURANÇA JURÍDICA ______________________________________________________ 190 3.3. PROPORCIONALIDADE ________________________________________________________ 215

PARTE 4 – A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS VINCULANTES DO LEGISLADOR AOS DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA: O CASO DAS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS E DO CORTE DE PENSÕES _________________________ 234

4.1. OS SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL E EM PORTUGAL - UMA

ANÁLISE COMPARADA _____________________________________________________________ 237 4.2. AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS NO BRASIL E O POSICIONAMENTO DO STF ___________________________________________________________________________________ 241 4.3. AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS EM PORTUGAL _________________________ 252 4.4. UM EXEMPLO COMPARADO: AS REFORMAS NAS PENSÕES NA ITÁLIA E O RECENTE POSICIONAMENTO DA CORTE COSTITUZIONALE ____________________ 270 4.5. ANÁLISE COMPARATIVA DOS CRITÉRIOS EMPREGADOS PELAS CORTES CONSTITUCIONAIS _________________________________________________________________ 275 4.6. MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS CIRCUNSTANCIAIS? _______________________ 284 4.7. ATIVISMO JUDICIAL OU POLÍTICO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL? ___ 289

CONCLUSÕES_______________________________________________________________________________ 294 ÍNDICE DAS FONTES ______________________________________________________________________ 312

(17)

ÍNDICE ANALÍTICO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________________________ 11 A - ATUALIDADE E RELEVÂNCIA DO TEMA _____________________________________ 11 B - OBJETIVOS _______________________________________________________________________ 17 C - ESTADO DA ARTE _______________________________________________________________ 17 D - METODOLOGIA __________________________________________________________________ 25 PRÉ-COMPREENSÕES ______________________________________________________________________ 30

1. INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: MOLDURA OU ORDEM-FUNDAMENTO? _____________________________________________________________________ 32 2. ESTADO DE DIREITO E SEU CONTEÚDO JURÍDICO __________________________ 37 3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA _____________________________________________ 47 4. NEOCONSTITUCIONALISMO ____________________________________________________ 52 5. ATIVISMO JUDICIAL _____________________________________________________________ 57 PARTE 1 - LIBERDADE DO LEGISLADOR E VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL _____ 63

1.1. A CONSTITUIÇÃO E A LEI _______________________________________________________ 65 1.1.1. A legitimação da Constituição _____________________________________________ 65 1.1.2. A função da Constituição e a função da lei ________________________________ 68 1.1.3. A função legislativa nos sistemas civil law e common law _______________ 73 1.1.4. A supremacia da Constituição e a discricionariedade legislativa _______ 76 1.1.5. O paradoxo da vinculação constitucional _________________________________ 78 1.1.6. A proeminência do legislador na interpretação constitucional _________ 80 1.2. O RESPEITO À VONTADE DO LEGISLADOR: MENS LEGISLATORIS VS. MENS LEGIS __________________________________________________________________________________ 81 1.3. CONCEITO DE VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL _____________________________ 88

PARTE 2 – À VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO SOCIAL ___________ 89

(18)

2.2. O CONCEITO DE ESTADO SOCIAL E SUA PRETENSA NORMATIVIDADE A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO SOCIAL E DE DIREITO E SUAS ESPECIFICIDADES 95 2.3. A CONSTITUIÇÃO SOCIAL E A LIBERDADE DO LEGISLADOR _______________ 99 2.4. A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE_________________________________________________ 104 2.5. DAS FORMAS DE VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO SOCIAL ________________________________________________________________________________________ 107

2.5.1. Vinculação positiva e vinculação negativa _______________________________ 108 2.5.2. Vinculação formal, direta ou imediata e vinculação material, indireta ou mediata ____________________________________________________________________________ 109 2.5.3. Vinculação do legislador a normas autoaplicáveis e a normas não

autoaplicáveis ____________________________________________________________________ 110 2.5.4. Vinculação a princípios, programas e regras ___________________________ 112 2.5.5. As imposições constitucionais ____________________________________________ 114 2.5.5.1. Imposições legiferantes ______________________________________________ 116 2.5.5.2. Normas programáticas _______________________________________________ 116 2.5.5.3. Proibições _____________________________________________________________ 118 2.5.5.4. Normas precetivas ____________________________________________________ 118 2.5.5.5. Condições explícitas __________________________________________________ 119 2.5.6. As permissões constitucionais ___________________________________________ 120 2.5.7. Direitos garantidos ________________________________________________________ 121 2.5.8. Deveres prescritos _________________________________________________________ 122 2.5.9. Princípios estruturantes __________________________________________________ 122 2.6. A VINCULAÇÃO MATERIAL DO LEGISLADOR AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS SOCIAIS __________________________________________________________ 124 2.6.1. As diferenças entre as normas de direitos fundamentais sociais e os direitos e garantias individuais _________________________________________________ 125

(19)

2.6.1.2. A questão no Brasil ___________________________________________________ 127 2.6.2. Análise crítica da aplicação do mesmo regime das direitos, liberdades e garantias aos direitos fundamentais sociais ___________________________________ 129

2.6.2.1. A fundamentalidade dos direitos sociais ___________________________ 129 2.6.2.2. A coincidência material de normas de direitos de liberdade com normas de direitos sociais ____________________________________________________ 131 2.6.2.3. A igualdade de custos entre direitos de liberdade e direitos sociais __________________________________________________________________________________ 132 2.6.2.4. A dimensão subjetiva dos direitos sociais __________________________ 132 2.6.2.5. Posição adotada _______________________________________________________ 134 2.6.3. Morfologia das normas de direitos sociais ______________________________ 135 2.6.4. Vinculação positiva do legislador aos direitos fundamentais sociais _ 136 2.7. A VINCULAÇÃO FORMAL DO LEGISLADOR À CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE - A QUESTÃO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ______________________________________ 143

2.7.1. O desenvolvimento da aplicação do princípio da proibição do retrocesso em Portugal _______________________________________________________________________ 155

2.7.1.1. Evolução doutrinária _________________________________________________ 155 2.7.1.2. O acórdão 39/1984 ___________________________________________________ 156 2.7.1.3. A mudança de entendimento do TC e a superação do acórdão

39/1984 ________________________________________________________________________ 158 2.7.1.4. O Acórdão 509/2002 e os parâmetros para aplicação da proibição do retrocesso ___________________________________________________________________ 158 2.7.1.5. A proibição do retrocesso no TC e no STF __________________________ 160 2.7.2. Análise crítica dos fundamentos utilizados na defesa de um princípio geral de proibição do retrocesso ________________________________________________ 161

2.7.2.1. Dever de progressividade ínsito à conceção de Estado social de direito? _________________________________________________________________________ 162 2.7.2.2. Regresso ou progresso? ______________________________________________ 162

(20)

2.7.2.3. Dever de progressividade expresso ou implícito no texto

constitucional __________________________________________________________________ 164 2.7.2.4. Dever de progressividade como garantia da eficácia ou efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais __________________________ 166 2.7.2.5. Direito subjetivo à ação estatal ______________________________________ 167 2.7.2.6. Direito subjetivo a prestações sociais _______________________________ 168 2.7.2.7. Vedação de criação de uma omissão inconstitucional _____________ 169 2.7.2.7.1. Revogação violadora da dignidade da pessoa humana _______ 170 2.7.2.7.2. Observância dos princípios da proteção da confiança, da

igualdade, da proibição do arbítrio e da razoabilidade __________________ 171 2.7.2.7.3. Afetação do conteúdo essencial do direito _____________________ 171 2.7.2.7.4. Natureza constitucional da lei concretizadora de direitos sociais ________________________________________________________________________________ 172 2.7.2.7.5. Mutação constitucional provocada pela concretização de

direitos sociais ______________________________________________________________ 173 2.7.3. Posição adotada ___________________________________________________________ 176

PARTE 3 – O PAPEL DOS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO ESTADO DE DIREITO NA VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL DO LEGISLADOR EM MATÉRIA DE DIREITOS SOCIAIS _____________________________________________________________________________________ 180

3.1. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ____________________________________________________ 183 3.1.1. Funções normativa e social do princípio ________________________________ 183 3.1.2. Igualdade formal e igualdade material (real) ___________________________ 183 3.1.3. Vinculação negativa do legislador pelo princípio da igualdade ________ 185 3.1.4. Vinculação positiva do legislador ao princípio da igualdade ___________ 186 3.1.5. A inconstitucionalidade parcial da lei por violação ao princípio da

igualdade e seus efeitos __________________________________________________________ 188 3.2. A SEGURANÇA JURÍDICA ______________________________________________________ 190 3.2.1. O núcleo da segurança jurídica - a irretroatividade da lei ______________ 193

(21)

3.2.1.1. Os tipos de irretroatividade __________________________________________ 194 3.2.1.2. O problema da retroatividade inautêntica e dos direitos em

formação _______________________________________________________________________ 195 3.2.2. O direito adquirido ________________________________________________________ 196 3.2.3. Direitos em formação: expectativa de direito ou direito adquirido? __ 197 3.2.4. A dimensão subjetiva da segurança jurídica - o princípio da confiança _____________________________________________________________________________________ 202

3.2.4.1. A aplicação do princípio em Portugal _______________________________ 205 3.2.4.2. A aplicação do princípio no Brasil ___________________________________ 210 3.3. PROPORCIONALIDADE ________________________________________________________ 215 3.3.1. Proporcionalidade e razoabilidade ______________________________________ 215 3.3.2. Os subelementos da regra da proporcionalidade _______________________ 216 3.3.3. Subelementos ou princípios autônomos _________________________________ 218 3.3.4. O princípio ou subelemento da adequação ______________________________ 219 3.3.5. O princípio ou subelemento da necessidade ____________________________ 223 3.3.6. A proibição de excesso ou vedação de afetação do núcleo essencial? _ 224 3.3.7. A ausência, inadequação ou ilegitimidade do interesse público ou da expectativa do particular ________________________________________________________ 231

PARTE 4 – A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS VINCULANTES DO LEGISLADOR AOS DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA: O CASO DAS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS E DO CORTE DE PENSÕES _________________________ 234

4.1. OS SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL E EM PORTUGAL - UMA

ANÁLISE COMPARADA _____________________________________________________________ 237 4.2. AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS NO BRASIL E O POSICIONAMENTO DO STF ___________________________________________________________________________________ 241

4.2.1. A reforma previdenciária de 1998 _______________________________________ 241 4.2.2. A tentativa de tributação das aposentadorias por meio da Lei n.

(22)

4.2.2.1. Mens legislatoris ______________________________________________________ 241 4.2.2.2. O possível recurso ao princípio da proteção da confiança e ao direito adquirido _______________________________________________________________________ 242 4.2.3. A segunda reforma: o contorno da vinculação do legislador pela

(des)vinculação do poder constituinte derivado ______________________________ 242 4.2.4. A (des)vinculação do Poder Constituinte derivado aos princípios

vinculantes do legislador ordinário _____________________________________________ 246 4.3. AS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS EM PORTUGAL _________________________ 252 4.3.1. A instituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade _______ 252 4.3.2. O corte de pensões pelo Decreto nº 187/2012__________________________ 254 4.3.2.1. Desproporcionalidade ________________________________________________ 256 4.3.2.2. Ofensa ao direito adquirido e à proteção da confiança ____________ 256 4.3.3. A tentativa da perpetuação da CES - a criação da CS ____________________ 257 4.3.3.1. Princípio da igualdade e proteção da confiança ____________________ 257 4.3.3.2. Os fundamentos do acórdão: proteção da confiança, mínimo social, dignidade da pessoa humana, igualdade ____________________________________ 258 4.3.3.3. Aplicação do princípio da vedação de retrocesso social ___________ 260 4.3.4. Análise crítica da aplicação do princípio da proteção da confiança pelo TC __________________________________________________________________________________ 261

4.3.4.1. Expectativas geradas _________________________________________________ 263 4.3.4.2. Legitimidade __________________________________________________________ 264 4.3.4.3. Planejamentos feitos pelos privados ________________________________ 265 4.3.4.4. A proibição do excesso _______________________________________________ 265 4.3.4.5. Proteção da confiança ou proporcionalidade? _____________________ 267 4.3.5. Princípio da justiça intergeracional? _____________________________________ 269 4.4. UM EXEMPLO COMPARADO: AS REFORMAS NAS PENSÕES NA ITÁLIA E O RECENTE POSICIONAMENTO DA CORTE COSTITUZIONALE ____________________ 270

(23)

4.5. ANÁLISE COMPARATIVA DOS CRITÉRIOS EMPREGADOS PELAS CORTES CONSTITUCIONAIS _________________________________________________________________ 275

4.5.1. A metodologia empregada ________________________________________________ 275 4.5.2. Outra solução seria possível? _____________________________________________ 276 4.5.3. A questão do direito adquirido às pensões e ao seu valor _____________ 277 4.6. MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS CIRCUNSTANCIAIS? _______________________ 284 4.7. ATIVISMO JUDICIAL OU POLÍTICO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL? ___ 289

CONCLUSÕES_______________________________________________________________________________ 294

Conclusões parciais _________________________________________________________________ 294 Conclusão geral _____________________________________________________________________ 309

ÍNDICE DAS FONTES ______________________________________________________________________ 312

OBRAS CITADAS ____________________________________________________________________ 312 JURISPRUDÊNCIA CITADA _________________________________________________________ 326 LEGISLAÇÃO CITADA _______________________________________________________________ 329 OUTROS DOCUMENTOS CITADOS _________________________________________________ 332

(24)

INTRODUÇÃO

A - ATUALIDADE E RELEVÂNCIA DO TEMA

A partir de 2008, acompanhando a crise econômica mundial iniciada em 2007, instalou-se em Portugal e em outros Estados europeus uma crise econômica e financeira, o que levou os respetivos governos à adoção de diversas medidas de contenção de gastos públicos, afetando especialmente direitos sociais prestacionais, como salários e pensões.4 O mesmo tipo de crise - conquanto

fundada em razões diversas - começa a afetar o Estado social brasileiro a partir de 2014, após um período de crescimento e aparente estabilidade iniciado em 2004. A exemplo de Portugal, o governo brasileiro lança uma cartilha de contenção de despesas públicas, suspensa em grande parte devido à instabilidade político-institucional e social que deve permanecer presente no país até o advento das próximas eleições, em 2018.

No caso português, as medidas de contenção dos gastos públicos, referidas como "medidas de austeridade", foram objeto de interpretação pelo Tribunal Constitucional de Portugal (TC), o qual recorreu a interpretações diversas de princípios inerentes ao Estado social e de direito para ora ratificar, ora invalidar os referidos atos estatais. Esse conjunto de julgamentos ficou conhecido como "jurisprudência da crise".5

No Brasil, por outro lado, grande parte das medidas de enfrentamento do déficit público ainda não foi aprovada. Todavia, no ano de 1998, em meio a outra crise econômica, o governo brasileiro realizou profunda reforma previdenciária e fiscal, com cortes indiretos nos valores das pensões no serviço público, bem como com a instituição de sistema previdenciário para o setor público e alteração das regras para obtenção de aposentação nos setores público e privado. Parte significativa dessas modificações foi submetida ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, por fundamentos em sua maioria diversos do TC, julgou-as constitucionais. Com uma mudança significativa na composição do STF

4 Sobre as circunstâncias históricas e razões da crise em Portugal, cf. PEREIRA, Paulo Trigo.

Portugal: dívida pública e défice democrático. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012.

5 Para um resumo da questão em Portugal, cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito

constitucional: teoria da constituição em tempo de crise do estado social. v. 2. t. 2. Coimbra: Coimbra

(25)

após mais de dez anos daqueles julgamentos, há grande expetativa de alteração de sua jurisprudência, especialmente porque a jurisprudência da crise do TC poderá influenciar a corte brasileira.

Os exemplos brasileiro e português, contudo, não são exceções entre os chamados Estados sociais.

De fato, em 2017, comemoraram-se os cem anos da promulgação da considerada primeira Constituição social - a Constituição mexicana de 1917. Decorrendo da evolução do Estado de direito meramente garantista, o Estado social surge a partir do ideário de imposição aos governos de políticas que não apenas garantam aos cidadãos seus direitos de liberdade, mas também de consagração de direitos que promovam uma igualdade material, assentados numa noção de justiça distributiva - os direitos sociais. Entre muitas diferenças que podem ser apontadas entre os direitos assegurados na Constituição liberal e os direitos sociais incorporados na Constituição social, estaria o alto custo destes, que implicam em sua maioria obrigações prestacionais do Poder Público. 6

É verdade, como demonstram Holmes e Sunstein, que todos os direitos têm custos7 e, muitas vezes, os custos não aparentes dos liberty rights

podem até ser superiores aos custos dos welfare rights.8 Analisando o orçamento

dos Estados Unidos em 1996, e.g., alguns custos, como o de manutenção do sistema prisional, intrinsecamente ligado aos direitos individuais (2,4 bilhões de dólares), é simplesmente quase o dobro dos gastos federais com educação elementar, secundária e superior (1,370 milhões de dólares). O exemplo estadunidense, no entanto, não é a regra dos Estados pós-modernos.

Com efeito, o orçamento federal do Brasil, e.g., para o ano de 2018, prevê números alarmantes. Para uma despesa total fixada de 1 trilhão de

6 Como ilustra o resspetivo debate constituinte mexicano, a adoção de tais imposições foi uma

forma de conter os arroubos dos movimentos sociais que lutavam pela previsão direta no texto constitucional de alguns direitos sociais prestacionais, contemplando-os indiretamente. Cf. HELÚ, Jorge Sayeg. El constitucionalismo social mexicano: la integración constitucional de México (1808-1988). México: Fondo de Cultura Económica, 1991, p. 605 et seq.

7 Cf. SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra: Almedina,

2002, p. 87.

8 Cf. especialmente a tabela comparativa trazida pelos autores entre os custos do governo

estadunidense em 1996 relativos aos direitos de liberdade e ao funcionamento de outros direitos, bem como aos direitos sociais. Alguns custos, e.g., como o de manutenção do sistema prisional, intrinsecamente ligado aos direitos individuais (2,4 bilhões de dólares) é simplesmente quase o dobro dos gastos federais com educação elementar, secundária e superior (1,370 milhões de dólares). HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass R. The cost of rights: why liberty depends on taxes. New York, London: W. W. Norron & Company, 1999, p. 233 et seq.

(26)

dólares, cerca de 300 bilhões de dólares se referem tão somente à segurança social, ou seja, 30% dos gastos federais são com aposentadorias e pensões.9 A

manutenção de todo o aparato estatal federal, que assegura a observância de todos os direitos, sejam os individuais, sejam os sociais, é fixada em torno dos 400 bilhões de dólares. Destes, porém, cerca de 30 bilhões de dólares são destinados ao Ministério da Educação, e outros 40 bilhões de dólares ao Ministério da Saúde. Considerando que o Brasil é um estado federativo cooperativo, que transfere aos Estados federados grande parte de sua responsabilidade pela execução de direitos prestacionais, vê-se mais claramente o impacto de tal categoria de direitos no orçamento do Estado. No caso do Estado de São Paulo, que responde pelo segundo maior orçamento do Brasil, para uma despesa fixada de pouco menos do equivalente a 90 bilhões de dólares, cerca de 10 bilhões de dólares destinam-se à Educação, 8 bilhões de dólares à Saúde e 10 bilhões de dólares à previdência dos funcionários públicos.10,11

O orçamento português não é diferente.12 Em franca

recuperação da crise iniciada no fim década passada, para uma despesa total estimada em 129 bilhões de euros, o orçamento de 2018 prevê cerca de 8 bilhões de euros para a educação, 8,5 bilhões de euros para a saúde e 13 bilhões de euros para a segurança social. Ou seja, apenas computados esses gastos diretos com a prestação direta de direitos sociais e a manutenção de órgãos públicos voltados unicamente à sua prestação, eles respondem por mais de 10% do orçamento do

9 Cf. Lei federal nº 13.587, de 2 de janeiro de 2018. 10 Cf. Lei estadual nº 16.646, de 11 de janeiro de 2018.

11 Em uma pesquisa simples no site do Superior Tribunal de Justiça no Brasil, que têm a

competência para julgar todos os assuntos infraconstitucionais, a expressão "direito à aposentadoria" gera o mesmo número de recorrências (cerca de 17 mil) que a expressão "direito à idenização", pedido frequente em matéria privada. No mesmo sentido, as duas turmas do Tribunal especializadas em julgar direito previdenciário e público apresentam números próximos de processos comparadas às duas turmas de direito privado e às outras duas turmas de direito criminal. Isso demonstra que além dos custos diretos com a prestação dos serviços, há também a repercussão dos custos dos direitos sociais na sua judicialização e controle administrativo. Cabe observar que a Constituição brasileira exige que o governo federal aplique 18% e o estadual 25%, no mínimo, da receita bruta, em educação, bem como 15% e 12% respetivamente. Ou seja, computados todos os gastos alocados em outras áreas do orçamento, o custo dos direitos sociais no Brasil se aproxima da metade da receita bruta.

12 A observação é igualmente feita por Carlos Blanco de Morais. Cf. De novo a querela da ‘unidade

dogmática’ entre direitos de liberdade e direitos sociais em tempos de ‘exceção financeira’”. In: Epública: Revista eletrônica de direito público, n°. 3, 2014. Disponível em: <http://e-publica.pt/>. Acesso em: 8 mar. 2015, p. 7.

(27)

Estado, valor esse que pode atingir percentuais muito maiores, a considerar os custos indiretos diluídos em outras rubricas orçamentais.13

Por essa razão, embora a doutrina usualmente se refira a "crises do Estado social" pode-se afirmar que o Estado social nasceu em crise e, por que não dizer, da própria crise.14 Deveras, a par de, em alguns casos, o Estado

social ter sido uma resposta a crises, esta é dialeticamente ínsita ao Estado social, na medida em que as demandas por direitos sociais são infinitas, mas os recursos necessários para o seu atendimento são sempre finitos. Isso gera a constante necessidade de escolhas governamentais, o que por sua vez implica uma tensão entre os diversos setores da sociedade favorecidos e preteridos por tais escolhas. O que ocorre ciclicamente é o acirramento dessas tensões, quando, por desaceleração do crescimento econômico motivado por fatores diversos, os recursos financeiros tornam-se mais escassos e a prestação dos direitos sociais, mesmo os contemplados anteriormente, diminui.15

Nos momentos de menor tensão do Estado social e de maior crescimento econômico estatal, a pressão da infraestrutura social (demandas sociais) prevalece sobre a econômica e influencia a superestrutura jurídica (aumento dos direitos sociais). Com a queda no crescimento, a tensão aumenta e a infraestrutura econômica, que implica a contenção de gastos, passa a prevalecer, ocupando o protagonismo da influência jurídica. Isso se reflete nas teorias jurídicas que vão sendo desenvolvidas. 16

Por outro lado, a par das cíclicas crises econômicas e financeiras do Estado social, enfrenta o Direito uma crise referencial, provocada

13 Cf. Lei n.º 114/2017, de 29/12.

14 É importante divisar bem a origem do Estado social como alternativa à crise instalada, como se

dá nos países nazifascistas, voltada fortemente à produção bélica, ou no New Deal americano, como uma forma de superação da forte crise econômica de 1929, do Estado social originado a partir de reivindicações sociais em face de Estados liberais em prosperidade econômica, como se verificam casos a partir da Segunda Guerra Mundical. Sobre o tema, cf. BOBBIO, Norberto. Dicionário de

política. v. I. 11 ed. trad. C. C. Varriale et al. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 416.

15 Muitas razões podem explicar as chamadas crises do Estado social. Sem prejuízo de nosso

entendimento de que a crise faz parte do Estado social, causas financeiras (os custos dos serviços), administrativas (a burocracia e a corrupção decorrente) e comerciais (competição internacional) explicam a oscilação no crescimento econômico e seus reflexos no orçamento dos Estados. Sempre que o crescimento diminui, as receitas são impactadas e os direitos sociais são diminuídos os cortados. Têm-se, aí, os momentos denominados "crises" do Estado social. Cf. MIRANDA, Jorge.

Manual de direito constitucional. t. I. Coimbra: 1996, p.98.

16 Cf. PORTALES, Rafael Enrique Aguilera. Las transformaciones del estado contemporáneo:

legitimidad del modelo de estado neoconstitucional. Universitas. Revista de Filosofía, Derecho y Política, n. 15, jan. 2012, p. 3-4.

(28)

pela excessiva abertura axiológica dos textos constitucionais, por um lado, e pela ausência de um marco hermenêutico definido, legitimado constitucional e democraticamente para interpretação e aplicação das normas constitucionais.17

De fato, a contemplação direta e indireta de normas de direitos sociais nos textos constitucionais do México, em 1917, e da Alemanha, em 1919, sob a forma de previsão de metas ou programas (normas programáticas), ordens de legislar e normas principiológicas, ao vincularem positivamente o legislador, na medida em que a efetividade e concretude de tais normas dependiam da intermediação do Poder Legislativo.

Esse processo se acentuou, por um lado, com a adoção de normas com forte carga axiológica nas Constituições pós-Segunda Guerra18,

especialmente no campo dos direitos de liberdade, em conhecida resposta às atrocidades verificadas no momento anterior, as quais também requeriam a conformação do legislador para sua aplicabilidade e exequibilidade, 19 e, por outro,

com o reconhecimento definitivo da normatividade dos direitos fundamentais, superando a conceção liberal de sua natureza meramente declaratória, a qual se mostrara completamente ineficaz.

Em consequência, doutrina e ciência jurídica passaram a desenvolver novas teorias, quer para compreensão do novo objeto e de seus impactos, quer para fornecer sustentação teórica para a aplicação dos novos princípios, na tentativa de lhes imprimir eficácia.20

O desenvolvimento dessas novas teorias, no entanto, encontrou dois obstáculos consideráveis: a inércia do poder legislativo na concretização de direitos fundamentais apenas contemplados em normas principiológicas, programáticas, ou apenas indicadoras de um conteúdo indefinido, por um lado, e o alto custo dos direitos sociais, por outro. Juntas, ambas as

17 Para uma explicação detalhada da crise do direito e do Estado, cf. STRECK. Lenio Luiz. Jurisdição

constitucional e decisão jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 34 et seq.

18 Cf. CARBONELL, Miguel. El Neoconstitucionalismo: significado y niveles de análisis. In:

CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García (ed.). El canon neoconstitucional, Madrid: Trotta, 2010, p. 154-155.

19 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das

políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº 15, jan./fev./mar., 2007, pp. 4-5.

20 Considerando a distinção feita por Guastini entre interpretação e descrição. A interpretação,

segundo Guastini, envolve a atribuição de (novo) significado a um texto normativo, e não sua mera descrição, o que prevalece na Ciência Jurídca. Cf. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffre Editore, 2011, p. 213 et seq.

(29)

características concorreram para um cenário de incerteza na aplicação do direito, na medida em que abriram as portas da hermenêutica jurídica para sistemas metajurídicos, como a Política, a Moral e a Economia.

Tal abertura, somada ao descumprimento constitucional das referidas normas, contribuiu para uma hipertrofia do poder jurisidional. Chamado a “interpretar” normas que dispõem sobre deveres prestacionais do Estado, o Poder Judiciário, dotado de maior ou menor poder conforme o sistema constitucional em que se insere – se common law ou civil law – passa a assumir o protagonismo no cenário estatal.

Voltando suas atenções mais ao processo político-eleitoral que à efetividade de direitos sociais, tarefa confiada ao administrador, o legislador vai se tornando enfraquecido e alijado de sua liberdade de conformação, à medida em que seu espaço passa a ser substituído pelo juiz, o qual, na maior parte dos sistemas ocidentais, não é eleito , o que lhe proporciona maior independência para decidir sem responsabilidade política (accountability). Empoderado, o juiz "Hércules" de Dworkin21 converte-se na "Hidra" de princípios, a que se refere

Marcelo Neves,22 e as decisões judiciais passam a aplicar diretamente os princípios,

em relação de concorrência com o legislador. Essa proatividade judicial passa a ser chamada de ativismo judicial.23

Nos momentos glórios do Estado de bem estar social, no entanto, o dilema “custo dos direitos vs. reserva do possível” parece não afetar tal protagonismo jurisdicional. Mas com a crise do Estado Social, a responsabilidade política (accountability) passa a expor o déficit democrático das decisões jurisdicionais.

Diante desse estado cíclico de crises do Estado social, associadas à globalização e à consequente transconstitucionalidade, bem como às próprias transformações no seio da teoria geral do direito e do Estado, especialmente a discussão em torno dos limites da interpretação e do papel de

21 Dworkin utiliza a metáfora do juiz Hércules, como aquele juiz conhecedor das leis e princípios

costumeiros em sua amplitude, apto a deduzir desse sistema a resposta correta para a solução de um caso difícil. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 182.

22 NEVES, Marcelo. Entre hidra e hércules: princípios e regras constitucionais como diferença

paradoxal do sistema jurídico. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. XVII.

23 Cf. KMIEC, Keenan D. The Origin and Current Meaning of "Judicial Activism". California Law

(30)

cada poder constituído, convém revisitar o tema da Constituição dirigente e a vinculação do legislador às normas programáticas e consagradoras de direitos sociais.

B - OBJETIVOS

A presente tese pretende analisar criticamente a vinculação do legislador às normas constitucionais de direitos sociais, com base nos princípios aferíveis das conceções de Estado de direito e de Estado social, especialmente em face das crises contemporâneas do Estado social, da teoria geral do direito e do Estado, circunstâncias que intensificam a tensão entre as estruturas econômicas, sociais e jurídicas.

C - ESTADO DA ARTE

O desafio que se coloca aos cultores do direito constitucional não pode ser outro que não o de tentar compreender as novas lógicas, as novas razões, os novos mitos.24

O presente trabalho analisa - ou, talvez seja mais correto dizer, revisita - o tema da vinculação do legislador à Constituição social, programática, dirigente, especialmente no contexto das crises mais recentes do direito, do Estado social contemporâneo e da dogmática jurídica.25

Em 1982, José Joaquim Gomes Canotilho escreve talvez a obra mais relevante e ampla sobre o tema em língua portuguesa e, certamente, uma das mais referenciadas no mundo ocidental: a "Constituição dirigente e vinculação do legislador". A referida obra teve como base o texto constitucional revolucionário de 1976 e influenciou sobremaneira o pensamento jurídico em torno dos novos paradigmas teóricos e interpretativos aplicáveis às normas constitucionais programáticas.

Não há, aqui, qualquer pretensão de atualizar a referida obra, até mesmo devido aos recortes epistemolóticos adotados, mas é praticamente impossível abordar o estado da arte da vinculação constitucional do

24 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente..., 2001, cit., p. VII.

25 Cf. STRECK, Lenio Luis. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos

(31)

legislador aos direitos sociais, sem uma consideração mais detalhada do que passou com a "teoria da Constituição dirigente" de Canotilho.

Com efeito, as Constituições pós-Segunda Guerra, mormente a Constituição portuguesa de 1976, incorporaram extenso rol de valores democráticos e sociais. Diante da experiência passada com as primeiras Constituições sociais do início do século XX, os cidadãos não mais se conformariam com a mera declaração de direitos em um texto, como uma poesia a se recitar no plano quimérico. Pelo contrário, desejava-se sua efetivação. Para tanto, era necessário o desenvolvimento de instrumentos teóricos e dogmáticos que não apenas justificassem e estruturassem sua normatividade, mas também oferecessem caminhos para sua exequibilidade.26

Rompendo, assim, com a ideia de mera legitimação formal, a "Constituição dirigente" introduz a preocupação com a transformação social (real), o que confere novo sentido às suas normas.27 A questão passa a exigir indagações

sobre a exaustividade dessas normas conformadoras do poder político, voltadas à concretização de metas pré-definidas pelo poder constituinte.28

Canotilho confronta os dois modelos de Constituição, a liberal e a programática, problematizando temas como a socialidade constitucional, as normas inerentes ao novo modelo constitucional, sua juridicidade, efetividade e acionabilidade judicial, que reclamavam um posicionamento da filosofia e da ciência do Direito sobre o papel da Constituição nesse mister transformador.

O rompimento com os paradigmas liberais fica evidenciado a partir das refutações à proposta garantista de Forsthoff29, à Constituição como

instrumento de governo, de Hennis30 ou como legitimação do poder soberano, de

Burdeau31. A insuficiência do estado da arte, porém, não se limita aos

pressupostos liberais. Canotilho também demonstra que a abertura constitucional proposta por Häberle32, a aplicação da teoria dos sistemas de Luhmann (apenas na

26 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2013, p. 30.

27 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente..., cit., p. VIII. 28 Ibid., p. 27-30 e 69-71.

29 Ibid., p. 82 et seq. 30 Ibid., p. 87 et seq. 31 Ibid., p. 122 et seq. 32 Ibid., p. 90 et seq.

(32)

relação entre Direito e Política)33 e a própria compreensão marxista-leninista34 da

Constituição são inadequadas ou insuficientes para explicar o novo modelo constitucional. A partir dessa revisitação da teoria geral do direito constitucional, o autor constrói a "teoria da Constituição dirigente".

A Constituição dirigente de 1982, no entanto, foi analisada em um cenário diverso da "lógica cultural da pós-modernidade" ou da contemporaneidade, como preferimos.35 Nos 15 anos que sucederam sua

elaboração, o mundo passaria por transformações substanciais na infraestrutura econômica, comercial e tecnológica e nas superestruturas jurídica e política. Nenhuma teoria com a pretensão de transformar a realidade poderia se manter inalterada diante desse conjunto de modificações. E a “teoria da Constiutição dirigente” não se manteve.

Com efeito, observou-se, nas três últimas décadas, uma concentração de transformações tecnológicas em nível até então jamais visto, com indiscutíveis reflexos na ordem econômica e social, seguidas de seus reflexos na própria superestrutura do Direito, mediante a profusão de novas teorias jurídicas em torno do Estado de direito, de suas instituições e poderes, bem como do próprio papel do Direito e da Constituição, entre as quais, o que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo.36 Além disso, verifica-se atualmente uma

aproximação teórica entre os sistemas common law e civil law, correspondendo a um movimento também progressivo de interferências recíprocas entre ordens constitucionais nacionais e entre essas e a ordem internacional.37

33 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente..., cit., p. 104 et seq. 34 Ibid., p. 125 et seq.

35 Ibid., p. VI.

36 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional..., cit., p. 30.

37 O que tem sido denominado "transconstitucionalismo" ou "interconstiticionalismo". O

"transconstitucionalismo" pode ser definido como a influência recíproca de ordens estatais, internacionais, supra-nacionais e locais em um sistema jurídico mundial de níveis múltiplos. Marcelo Neves distingue "transconstitucionalismo" de "interconstitucionalismo". O primeiro seria o gênero, que se refere a todo tipo de relação entre ordens constitucionais e anticonstitucionais, ao passo que o segundo seria espécie do primeiro, abrangendo tão somente as relações entre ordens constitucionais. Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. XII, nt. 13. No mesmo sentido, Canotilho reconhece o problema de programar normativamente uma constituição, pressupondo uma soberania nacional cada vez mais relativizada num mundo em que as nações tornam-se cada dia mais interdependentes. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas

(33)

Esse conjunto de transformações, somado às reformas do sistema constitucional português, não passou despercebido por Canotilho. Em 1994, em palestras no Brasil, o autor passa a discorrer sobre a necessidade de revisão da Constituição Dirigente, publicando tais ideias em artigos no Brasil e na Espanha sob o título “Rever ou Romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo”.38 O texto fazia uma reflexão sobre o

novo constitucionalismo dirigente, em meio ao desenvolvimento constitucional, às transformações ocorridas na política, economia e sociedade, bem como à consagração e fixação de novos paradigmas no constitucionalismo, como as teses procedimentalistas e democráticas, a descentralização dos mecanismos de planejamento e decisão, incompatíveis com o dirigismo centralizado e - talvez o mais decisivo - a "economicização" do Direito. Um pensamento ali contido, no entanto, provocou polêmica, críticas e um grande debate (a nosso ver desfundamentado-, especialmente no Brasil, que acolheu a “teoria da Constituição dirigente”, de Canotilho, como teoria de sua própria ordem constitucional inaugurada em 1988): a Constituição dirigente estaria morta se não fosse entendida a partir de então como um “constitucionalismo moralmente reflexivo”.

A expressão “constitucionalismo moralmente reflexivo” advém da linguagem hermética empregada pelas teorias sistêmicas, como as de Luhmann39 e Teubner40, que certamente influenciaram o pensamento de Canotilho.

Deveras, já é hoje bastante conhecida a teoria dos sistemas de Luhmann, que aplicou no campo da sociologia o conceito de autopoiesis desenvolvido nas ciências biológicas para compreensão dos sistemas vivos.41

Segundo Luhmann, há três grandes sistemas – o biológico, o psíquico e o social. O sistema social é formado por outros sistemas como o Direito, a Economia, a

38 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou romper com a constituição dirigente? Defesa de

um constitucionalismo moralmente reflexivo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4, n.15, 1996.

39 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. trad. A. C. A. Nasser. 2. ed. Petrópolis:

Vozes, 2010.

40 Cf. TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. trad. J. E. Antunes. Lisboa: Calouste

Gulbenkian, 1989.

41 A origem da analogia está estreitamente ligada ao “funcionalismo estrutural” de Parsons,

desenvolvido a partir de análises antropológicas de tribos ou clãs que tiveram desenvolvimento isolado. Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução..., cit., p. 36. Parsons contribui decisivamente para a contribuição luhmanniana ao asseverar que na sociedade, tal como se verifica com os seres vivos, a ação individual altera o conjunto do sistema. PARSONS, Talcott. El sistema social. Espanha: Ed. Alianza, 1999, p. 7 et seq.

Referências

Documentos relacionados

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

38 influência dos cuidadores e responsáveis da criança; (c) possível papel das habilidades sociais infantis para a adaptação, uma vez que elas podem facilitar o processo

Decreto Pellas devassas que mandei se tirassem para a averiguação do excesso com que no dia onze do mês de junho se tirou hum preso do poder do Juiz do Julgado de Odivellas, e

177 Em relação às funções sintáticas desempenhadas pelas estruturas inalienáveis, da mesma forma como acontece para os tipos de estruturas inalienáveis, é curioso o fato de que,

The challenge, therefore, is not methodological - not that this is not relevant - but the challenge is to understand school institutions and knowledge (school

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como propósito apresentar o interesse de graduados do curso de Arquivologia, em relação à publicação de seus TCC’s após o término do

Desenvolver gelado comestível a partir da polpa de jaca liofilizada; avaliar a qualidade microbiológica dos produtos desenvolvidos; Caracterizar do ponto de

If teachers are provided with professional development opportunities that helps them develop a learning environment that is relevant to and reflective of students'