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PRÉ-COMPREENSÕES

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A natureza e o próprio conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana é controvertido na doutrina117, especialmente pelas diferentes

formas como aparecem nas Constituições modernas,118 quase sempre tida como

uma “premissa antropológica”119, sustentada em grande medida na noção kantiana

de que o homem é um fim em si mesmo, dotado de um valor intrínseco, uma dignidade120. Como observa Habermas, para Kant, a autonomia constituiria o

próprio fundamento da dignidade humana 121. Essa conceção varia e sofre todo

tipo de propostas da vasta doutrina que já se debruçou e ainda se debruça sobre o tema. 122

De fato, a expressão dignidade da pessoa humana e suas variantes são consideravelmente abertas e indeterminadas, além de imbuídas de forte carga axiológica. Tal valor foi incorporado nos textos constitucionais modernos, especialmente a partir da Constituição de Weimar123, a qual, para

117 Cf., entre outros, ALEXANDRINO, José de Melo. Perfil constitucional da dignidade da pessoa

humana: um esboço traçado a partir da variedade de concepções. Estudos em Honra do Professor

Doutor José de Oliveira Ascensão, v. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 481-511. HABERMAS,

Jürgen. Ensaio sobre a constituição..., cit., p. 37-57. SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídicoconstitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 9, jan./jun. 2007, p. 361-88.

118 Na Itália, informa Luigi D’Andrea, que “tanto a razoabilidade (ragionevolezza) como a dignidade

humana se colocam como expressões - ou, por outro lado, como condições – das razões sistêmicas que unem valores constitucionais, direitos individuais, deveres irrevogáveis, funções públicas, institutos jurídicos: enquanto condições de possibilidade no ordenamento jurídico, poderão ser considerados transcendentais”. D’ANDREA, Luigi. Ragionevolezza e legittimazione del sistema. Milano: Giuffré, 2005, p. 402. Traduzi. Na Espanha, a doutrina debate o status da dignidade humana, expressamente consagrada no artigo 10 da Constituição, se como princípio ou valor superior do ordenamento jurídico. Cf. BATISTA J., Fernando. La dignidad de la persona en la constitución española: naturaleza juridica y funciones. Cuestiones constitucionales, n. 14, jan./jun. 2006, p. 16. Disponível em: <http://www. redalyc.org/articulo.oa?id=885014 01>. Acesso em: 24 jun. 2016.

119 HÄBERLE, Peter. Dignita’Dell’Uomo e Diritti Sociali nelle Costituzioni degli Stati di Diritto. In:

BORGHI, Marco. Costituzione e diritti sociali. Fribourg: Éditions Universitaires Fribourg, 1990, p. 99.

120 Dizia Kant que “(...) o respeito que eu tenho pelos outros ou que os outros têm por mim é o

reconhecimento da dignidade nos outros homens, bem como que existe um valor, que não tem preço ou um equivalente com o qual se possa substituir o objeto da estima”. KANT, Immanuel.

Metafísica dos costumes. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 392.

121 HABERMAS, Jürgen. Ensaio sobre a constituição..., cit., p. 47.

122 Jorge Reis Novais, e.g., deduz da conceção kantiana que o indivíduo "é capaz de produzir o

sentido de sua própria dignidade". NOVAIS, Jorge Reis. Princípios constitucionais estruturantes da

república portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 58. Tal posição é contestada por Luís

Pereira Coutinho, que afirma ser a "autodeterminação" em si o valor protegido pelo princípio e não seu exercício, posição com a qual concordamos. COUTINHO, Luís Pedro Dias Pereira. A autoridade

moral da constituição: da fundamentação da validade do direito constitucional. Coimbra: Coimbra

Editora, 2009, p. 136.

123 Dispunha o artigo 151 da Constituição de Weimar: “a atividade econômica deve observar os

alguns, ao mencionar a finalidade de vida digna em seu artigo 151, estaria a limitar a liberdade econômica individual124. O preceito inspirou as demais constituições,

aparecendo de forma mais desenvolvida no artigo 1º, (1), da atual Lei Fundamental alemã, o qual dispõe ser intangível a dignidade da pessoa humana, cabendo ao poder público observá-la e protegê-la.

A razão de sua incorporação nos textos fundamentais modernos liga-se com mais força à Segunda Guerra, sendo diretamente vinculado ao conceito de direitos humanos.125 Essa associação com os direitos humanos

desloca para o valor dignidade da pessoa humana grande parte do discurso dos próprios direitos humanos. Daí porque Habermas afirma ser a dignidade da pessoa humana o portal através do qual o conteúdo igualitário e universalista da moral é importado para o direito.”126.

Em decorrência, tal valor passa a consubstanciar um dos fundamentos do Estado de direito. Para Häberle, sua positivação, como se deu na Lei Fundamental alemã, implica "reconhecer categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui finalidade precípua, e não meio da atividade estatal”.127

Na jurisprudência constitucional, o princípio tem sido utilizado, por vezes, de forma autônoma. O Tribunal Federal Alemão, v.g., declarou inconstitucional a lei que descriminalizava o aborto128, bem como a lei de

Segurança da Aviação aprovada pelo parlamento federal alemão, que autorizava o abatimento de aviões de passageiros, que tivessem sido transformados em bombas, a exemplo do que ocorreu nos atentados de 11 de setembro.129

124 Cf. HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In:

Dimensões da dignidade, ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. SARLET, Ingo

Wolfgang (Org.).Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 75

125 Cf. HABERMAS, Jürgen. Ensaio sobre a constituição da europa. Trad. Marian Toldy e Terese Toldy.

Lisboa: Edições 70, p. 30.

126 Cf. HABERMAS, Jürgen. Ensaio sobre a constituição..., cit., p. 28.

127 HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In : Dimensões

da dignidade, ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 49

128 BVerfGE 39:1. German Constitutional Court Abortion Decision. Translation by Robert E. Jonas

and John D. Gorby. The John Marshall Journal of Practice and Procedure, (v. 9:605). Disponível em: < http://groups.csail.mit.edu/mac/users/rauch/nvp/german/german_abortion_decision2.html>. Acesso em: 16 jun. 2016.

129 BVerfG, Judgment of the First Senate of 15 February 2006 - 1 BvR 357/05 - paras. (1-156).

Em Portugal, o Tribunal Constitucional também empregou autonomamente o princípio, no caso em que se discutia a constitucionalidade de lei que aumentava de 18 para 25 anos o requisito etário mínimo para percepção do rendimento mínimo garantido. Para o TC, a lei atingia “o conteúdo mínimo do direito a um mínimo de existência condigna, postulado, em primeira linha, pelo princípio do respeito pela dignidade humana [...], princípio esse consagrado pelo artigo 1º da Constituição e decorrente, igualmente, da ideia de Estado de direito democrático, consignado no seu artigo 2º, e ainda aflorado no artigo 63º, nºs 1 e 3, da mesma CRP”. 130

Mesmo nos Estados Unidos, cuja Constituição não traz expressamente a cláusula da dignidade humana, o princípio é – sob polêmica jurídica e política – invocado pela jurisprudência, como se deu nos casos Atkins v. Virginia131 e Roper v. Simmons132 que tratavam, respetivamente, da execução de mentally retarded persons (deficientes mentais) e de menores de 18 anos. Mesmo no caso Obergefell v. Hodges, a dignidade humana aparece indiretamente (enquanto intrinsecamente relacionada à autonomia individual, em termos kantianos) como um dos quatro fundamentos empregados pela Suprema Corte para considerar o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo protegido pela Constituição.133

Com efeito, é inquestionável a dificuldade em densificar o princípio da dignidade da pessoa humana. Sua importância, porém, exige um esforço na busca de uma definição e uma classificação em cada ordem jurídica que reflita o núcleo essencial e o conteúdo134 perseguido pelas aspirações

130 Processo n.º 768/02. Acórdão n.º 509, de 19 de dezembro de 2002.

131 Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Atkins v. Virginia. 536 U.S. 304 (2002). 132 Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Roper v. Simmons. 543 U.S. 551 (2005).

133 “Quatro princípios e tradições demonstram que as razões pelas quais o casamento é

fundamental na Constituição se aplicam com igual força aos casais do mesmo sexo. A primeira premissa dos precedentes relevantes deste Tribunal é que o direito à escolha pessoal em relação ao casamento é inerente ao conceito de autonomia individual. Esta eterna relação entre o casamento e a liberdade foi a razão pela qual a proibição do casamento inter-racial foi considerada inconstitucional diante da Cláusula do Devido Processo. [...]. As decisões sobre o casamento estão entre as coisas mais íntimas para qualquer indivíduo. [....] Isto é verdade para todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual.”. Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

Obergefell v. Hodges. 576 US ___ (2015).

134 Cf. OTERO, Paulo. Instituições políticas e constitucionais. v. I. Coimbra: Edições Almedina, 2007. p.

representadas especialmente pelos filósofos políticos a partir do século XVII, muitas das quais consagradas nas declarações de direitos.135

Para José Alexandrino, após proceder à sistematização das aproximações jurídicas ao conceito de dignidade da pessoa humana, conceitua dignidade da pessoa humana como a "referência da representação do valor do ser humano". Concordando com o autor, só se pode universalizar um princípio se seu conteúdo for universalizável. Para que isso ocorra, é necessária a adesão da comunidade política organizada (suprema e incondicionada) à conceção do mundo dominante em torno do sentido representado pelo valor "dignidade".136

Essa tese se aproximada da adotada pelo STF, segundo o qual tal princípio apenas pode ser invocado de modo autônomo se houver um consenso radicado na consciência geral acerca de seu conteúdo, e não apenas mediante uma formulação retórica doutrinária ou jurisprudencial, sob pena de banalização do princípio:

Creio ser indispensável enaltecer a circunstância da desnecessidade da invocação da dignidade humana como fundamento decisório da causa. Tenho refletido bastante sobre essa questão, e considero haver certo abuso retórico em sua invocação nas decisões pretorianas, o que influencia certa doutrina, especialmente de Direito Privado, transformando a conspícua dignidade humana, esse conceito tão tributário das Encíclicas papais e do Concílio Vaticano II, em verdadeira panacéia de todos os males. Dito de outro modo, se para tudo se há de fazer emprego desse princípio, em última análise, ele para nada servirá. [...]” 137

Assim, o conceito de dignidade da pessoa humana só pode ser utilizado autonomamente contra o legislador, fora das demais garantias e direitos fundamentais expressamente previstas e que lhe delimitam um conteúdo de acordo com a ordem jurídico-constitucional, se - mediante uma argumentação lógico-jurídica - for demonstrado de modo inequívoco que certo conteúdo inerente a tal princípio se encontra implícito no texto constitucional. 138

135 Cf. LÉON, Luis Fleitas de. A propósito del concepto de “estado de derecho”: un estudio y una

propuesta para volver a su matriz genética. Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo, ano X, n.º 20, 2011, p. 24; HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: Dimensões da dignidade, ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 75.

136 ALEXANDRINO, José de Melo. Perfil constitucional..., cit., p. 511. 137 Cf. STF. RE 363889/DF. Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, J. 2.6.2011.

138 Afinal “a compreensão do alcance da dignidade da pessoa humana em cada comunidade política

historicamente situada não é a-histórica e intemporal. Ela não pode ser deduzida mecanicamente de qualquer apriorismo, devendo antes atender à compreensão fundamental-originária do homem numa determinada cultura num certo momento histórico”. MEDEIROS, Rui. Direitos, liberdades e

Na ordem constitucional brasileira, assim como na portuguesa, o princípio da dignidade humana não possui um conteúdo autônomo; seu conteúdo encontra-se delimitado pelas demais normas constitucionalmente previstas, que aclaram seu conteúdo. Nesse sentido, a autonomização do princípio na Lei Fundamental de Bona e as soluções jurisprudenciais e doutrinárias ali adotadas devem ser interpretadas e recepcionadas com ressalva nas demais ordens jurídico-constitucionais, especialmente a brasileira e a portuguesa. Discordamos, portanto, de Jorge Reis Novais, segundo o qual não compete exclusivamente ao legislador a densificação do princípio da dignidade da pessoa humana.139 Ora, o poder constituinte originário tem o dever de, como conclui José

Alexandrino, positivar o valor colhido do plano cultural acerca de seu conteúdo. No caso de incertezas, deve-se conferir ao legislador a margem de discricionariedade para conformar tal princípio, o que pode ser feito indiretamente, em sede de ponderação ou sopesamento, quando da elaboração de um ato legislativo.140

garantias…cit., p. 659.

139 Cf. ALEXANDRINO, José de Melo. Perfil constitucional..., cit., p. 512. 140 NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais...., cit., p. 58.

4. NEOCONSTITUCIONALISMO

A positivação de valores nos textos constitucionais que passa a se intensificar a partir da Segunda Guerra Mundial, influenciada pelas correntes jusnaturalistas, comunistas e socialistas, em reação, sobretudo, aos horrores do nazismo, que teria encontrado no positivismo clássico um ambiente favorável para seu crescimento e justificação, inseriu no constitucionalismo forte vertente axiológica, acarretando certa necessidade de adequação, especialmente no plano hermenêutico, na aplicação de tais normas.141

Em decorrência, a antiga dicotomia direito e justiça, bem assim o direito e a moral, assumiram uma forma sincretista no constitucionalismo contemporâneo, trazendo para a interpretação jurídica, notadamente a constitucional, as divergências antes verificadas na filosofia do direito.

Sob esse influxo, surgem manifestações que reivindicam uma conceção de interpretação constitucional não mais assentada na dicotomia direito e justiça, mas, pelo contrário, buscando a convergência entre ambos, sob o ideário de que o direito deve buscar a realização da justiça social, mediante uma interpretação da norma que confira maior importância aos aspetos concretos que a circundam, por empréstimo da metodologia fenomenológica, nos moldes propostos por Heidegger.142 A essa - que alguns pretendem reconhecer como

"nova hermenêutica" – embora não veicule propriamente uma novidade hermenêutica143 - alguns autores passaram a designar pelo termo

neoconstitucionalismo.

O neoconstitucionalismo (e suas variações gramaticais) designa, portanto, toda interpretação constitucional que se utiliza de elementos não positivados explícita ou implicitamente, mas que seriam inferidos histórica e racionalmente, e cuja legitimidade dar-se-ia pelo seu conteúdo destinado ao

141 Muitas são as razões políticas, sociais e econômicas que o determinam. Manoel Gonçalves

Ferreira Filho, a partir de Chevallier, aponta algumas. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Notas sobre o direito constitucional pós-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo à brasileira. Revista de Direito Administrativo, FGV, v. 250, 2009. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ ojs/index.php/rda/ issue/view/354>. Acesso em: 3 jun. 2017, p. 3

et seq.

142 HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Coleção Os Pensadores. Trad. Ernildo

Stein: São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 81.

reconhecimento de direitos inerentes a qualquer indivíduo em virtude de sua condição humana, ou a partir de postulados morais ou de justiça.144

Ocorre que esse neoconstitucionalismo não encerra propriamente um método, mas uma ausência de método, porquanto prestigia os fins em detrimento dos meios. Qualquer método será correto, desde que conduza aos ideais de justiça “perseguidos” pelo ordenamento.145

Essa ausência de método impede que se afira a legitimidade da argumentação neoconstitucional, criando uma tensão “legitimidade versus justiça”, tendo em vista que, se o direito positivo se assenta no postulado da legitimidade, o direito natural se afirma no postulado da justiça. Nesse sentido, a positivação de valores tende a aproximar o direito do justo. Mas a justiça – enquanto valor – também pode se converter em tirania, como já previa Carl Schimitt.146

Por outro lado, desde os ideais que inspiraram as Revoluções Francesa e Americana, o valor democrático se acha presente no ideário

144 Cf., dentre muitos, BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 476. CARBONELL, Miguel. El neoconstitucionalismo: significado y nível de análisis. In: CARBONELL, Miguel; JARAMILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid: Editorial Trotta, 2010, p. 153-154. COMANDUCCI, Paolo et. al. Positivismo juridico y

neoconstitucionalismo. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeu, 2009; AVILA, Humberto.

“Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica de

Direito do Estado, Salvador, Bahia, Brasil, n.º 17, jan./fev./mar. 2009. Disponível em:

<http://www.direitodoestado.com/revista/ rede-17-janeiro-2009-humberto%20avila.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2016. BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito constitucional brasileiro: Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro, n. 225, p. 5-37, jul./set. 2001; BARBERIS, Mauro. In: CARBONELL,

Miguel Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003, p. 259-278. ALEXANDRINO, José Melo. Lições de direito constitucional. v. I. Lisboa: AAFDL, 2015, p. 18. MORAIS, Carlos Blanco de.

Curso de direito constitucional: a lei e os actos normativos no ordenamento jurídico português. t. I.

Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p.129-31 e 149-52 e Curso de direito constitucional: teoria da constituição em tempo de crise do Estado social. v. 2. t. 2. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 368. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o neoconstitucionalismo não é, “essencialmente, senão uma ideologia, uma roupagem pretensamente científica, para coonestar um ativismo de operadores do direito. Ele serve de instrumento para implantar o politicamente correto, “reformar” o mundo e, de passagem, o país, num arremedo de socialismo utópico (para lembrar a lição de Marx)”. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Notas sobre o direito constitucional..., cit., p. 165.

145 Nesse sentido, confirma Paulo Bonavides: “Descortina-se assim um campo de imprevisível

extensão para o florescimento de distintas posições interpretativas no domínio da hermenêutica constitucional. Perde porém essa hermenêutica a firmeza do modelo clássico, que se assentava numa lógica confiante, sólida, imbatível. Sua plasticidade é fraqueza. A manipulação dos fins e do sentido faz deveras fácil o tráfego a soluções de conveniência, a conclusões preconcebidas, a subjetivismos, em que o aspeto jurídico sacrificado cede complacente a solicitações do aspeto político, avassalador da norma e produtor exuberante de perplexidades e incertezas inibidoras.” BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 477.

146 SCHMITT, Carl. La tirania de los valores. Trad. Anima Schimitt de Otero. Revista de Estudios

do indivíduo minimamente politizado. A partir do abandono do fatalismo religioso pelo determinismo racional, o ser humano reivindica sua autodeterminação, que se manifesta inclusive no poder de influenciar a vontade da sociedade política organizada.

Essa influência se dá pela democracia, que – não obstante assuma diversas formas no constitucionalismo moderno – atua como instrumento de transfiguração das vontades individuais numa vontade geral. De nada adianta, porém, que uma vontade manifestada não seja observada, seguida, tampouco que não seja amplamente conhecida pela sociedade. Daí porque o direito requer objetividade, único atributo capaz de conferir-lhe tais garantias.

O caráter estático do direito objetivo apresenta contradições com o caráter dinâmico dos valores, o que gera inevitáveis conflitos. Um deles se dá quando duas normas abrigam valores147 entre si conflitantes. Como os valores

abrigam conteúdos subjetivos indecifráveis, a interpretação ametódica de normas de conteúdo axiológico pode velar interesses contrários aos fins que levaram à sua positivação e, mediante o emprego de sofismas, impor uma vontade contra- majoritária ou mesmo criar um engodo ideológico.148

Ademais, uma ordem jurídica axiológica corre o risco de deixar de ser uma

decisão, para se transformar num campo de disputa filosófica, religiosa ou ideológica onde é possível extrair um critério normativo e o seu inverso, tudo dependendo da forca jurídico-filosófica das argumentações e das maiorias dos juízes, os quais se transformam em oráculos. Trata-se do húmus de uma normação espinhosa com carater volátil, onde tudo pode ser potencialmente inconstitucional, gerando-se uma insegurança jurídica crítica para o Estado (cujas politicas publicas vivem sob uma espada de Damodes); para os cidadãos (incapazes de calcular o desfecho dos processos onde são parte); e para a democracia (face a possibilidade de os órgãos diretamente eleitos se sujeitarem ao veto jurisdicional absoluto de um órgão não eleito).149

147 SCHMITT, Carl. La tirania..., cit., p. 75-79.

148 O termo engodo ideológico é adotado por Sérgio Resende de Barros, para se opor ao termo

ideologia. Esta seria um equívoco inconsciente, ao passo que o primeiro seria um engano

consciente. BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas: Millenium, 2007, p. 164-6.

149 MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional: teoria da constituição..., cit., p. 459. Cf.

Não obstante, a positivação de valores é inevitável150 e este

fenômeno não é o problema per si, mas a falta de igual positivação de critérios interpretativos151, deixando um espaço para o fértil campo da interpretação

criativa.152

Tal campo fértil é explorado não apenas pelos juízes, gerando o fenômeno do ativismo judicial, mas igualmente pela doutrina, que