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1.8 A ÁGUA DE CONSUMO HUMANO : QUESTÃO DE SAÚDE

1.8.2 A água na transmissão de doenças

Na relação do ser humano com o ambiente que o cerca, a água pode afetar a saúde de várias maneiras: por meio da ingestão direta, na preparação de alimentos, na higiene pessoal, na agricultura, na higiene do ambiente, nos processos industriais ou nas atividades de lazer.

As doenças veiculadas pela água estão de algum modo relacionadas à própria água ou às impurezas nela presentes. É necessário distinguir as doenças infecciosas veiculadas pela água

59 daquelas relacionadas com algumas propriedades químicas presentes na água. Assim, os fatores de riscos para a saúde relacionados com a água podem ser distribuídos em duas categorias (CAIRNCROSS; FEACHEM, 2005, p. 4):

Fatores de riscos relacionados com a ingestão de água contaminada por agentes biológicos (bactérias, vírus e parasitos), através de contato direto, ou por meio de insetos vetores que necessitam da água em seu ciclo biológico;

Fatores de riscos derivados de poluentes químicos e radioativos, geralmente efluentes de esgotos industriais, ou causados por acidentes ambientais.

A tabela 1.1 mostra a classificação ambiental das infecções relacionadas com a água e as suas adequadas estratégias de prevenção.

Essa classificação ambiental das infecções relacionadas com a água auxilia no entendimento dos possíveis efeitos sobre as relações de várias soluções de engenharia para o problema da disposição dos excretas (CAIRNCROSS; FEACHEM, 2005, p. 11).

Doenças infecciosas são aquelas transmitidas de uma pessoa para outra ou, algumas vezes, de um animal para uma pessoa. Todas as doenças infecciosas da categoria feco-oral, assim como várias outras doenças, são causadas por organismos vivos. Elas são transmitidas por excretas humanos, normalmente as fezes, e são provocadas pela passagem desses organismos do corpo de uma pessoa para outra (Ibidem, p. 3).

A qualidade microbiológica da água é geralmente expressa em termos da concentração e freqüência de ocorrência de espécies particulares de bactérias. Os principais agentes biológicos encontrados nas águas contaminadas são as bactérias patogênicas, os vírus, os protozoários e os ovos de helmintos. As bactérias patogênicas encontradas na água e/ou alimentos constituem uma das principais fontes de morbidade e mortalidade em nosso meio. São responsáveis por numerosos casos de enterites, diarréias infantis e doenças epidêmicas (como a cólera e a febre tifóide), que podem resultar em casos letais. A detecção e contagem desses patógenos na rotina de controle é muito complexa e, frequentemente, muitos deles são detectados em baixíssimo número. Entretanto, é comum, na prática, detectar e enumerar somente aquelas denominadas bactérias indicadoras. A presença da bactéria indicadora na água é, portanto, indicativo de contaminação fecal, e sugere uma potencial ocorrência de

60 patógenos e conseqüente risco à saúde. Por convenção, as bactérias mais comumente utilizadas como indicador são as coliformes (CAIRNCROSS; FEACHEM, 2005, p. 29).

TABELA 1.1 - Classificação ambiental das infecções relacionadas com a água

CATEGORIA INFECÇÃO

1. Feco-oral (transmissão hídrica ou relacionada com a higiene)

Diarréias e disenterias Disenteria amebiana Balantidíase

Enterite campylobacteriana Cólera

Diarréia por Escherichia coli Giardíase

Diarréia por rotavírus Salmonelose Disenteria bacilar Febres entéricas Febre tifóide Febre paratifóide Poliomielite Hepatite A Leptospirose Ascaridíase Tricuríase 2. Relacionada com a higiene

(a) Infecções da pele e dos olhos (b) Outras

Doenças infecciosas da pele Doenças infecciosas dos olhos Tifo transmitido por pulgas

Febre recorrente transmitida por pulgas 3. Baseada na água

(a) Por penetração na pele (b) Por ingestão

Esquistossomose

Difilobotríase e outras infecções por helmintos 4. Transmissão através de inseto vetor

(a) Picadura próximo à água (b) Procriam na água Doença do sono Filariose Malária Arboviroses Febre amarela Dengue Leishmaniose*

*Incluído por Heller

Fonte: Cairncross e Feachem (1990) apud Heller (1997a)

As substâncias químicas presentes na água também podem levar a doenças, caso não esteja presente um constituinte necessário ou, mais comumente, se existir um excesso de elemento químico prejudicial orgânico ou inorgânico. Essas doenças não são infecciosas e podem ser prevenidas simplesmente pela adição daqueles constituintes deficitários, ou mesmo pela remoção daqueles que são prejudiciais (CAIRNCROSS; FEACHEM, 2005, p. 21).

61 Atualmente, existem mais de mil diferentes componentes químicos orgânicos identificados na água. Grande parte ocorre em baixíssimas concentrações, frequentemente menores que 1µ/l, e não se registrou ainda nenhum efeito específico na saúde. Entretanto, alguns componentes orgânicos ou grupos de componentes são conhecidos por serem tóxicos ou carcinogênicos, ou por produzirem, algumas vezes, odor ou sabor depois de reação com o cloro usado na desinfecção (CAIRNCROSS; FEACHEM, 2005, p. 23).

Os componentes inorgânicos prejudiciais, que às vezes são encontrados na água, são mais importantes que os orgânicos. Atualmente, é conhecido um número de íons metálicos que causam distúrbios metabólicos no ser humano, pela perturbação da produção e disfunção de certas enzimas, além de uma variedade de outros efeitos tóxicos. Entre esses componentes, podem-se citar o mercúrio, antimônio, cádmio e o chumbo (Ibidem, p. 24).

Além da preocupação com a qualidade da água de consumo humano, é relevante destacar a importância da quantidade da água na transmissão das doenças. Curtis (1998, p. 54) mostra resultados obtidos em estudo realizado por Esrey et al., que concluíram que melhorias na disponibilidade do acesso à água foram provavelmente mais importantes do que a qualidade da água. Fewtrell et al. (2005, p. 50) afirmam também que as intervenções referentes à água, esgoto e higiene, tal como as suas combinações, são efetivas na redução da morbidade das doenças diarréicas; entretanto, sugerem que as intervenções referentes à distribuição de água tratada tenham efetividade maior que das outras intervenções.

O ser humano bebe 80% de suas doenças. Esse é o provérbio médico citado por Bouguerra (2004, p. 167) quando discute a água como uma questão de saúde pública. Esse autor atenta para o número de leitos dos hospitais que são ocupados por pacientes que sofrem de uma doença de veiculação hídrica e apresenta o depoimento de Halfdan Mahler, ex-diretor da OMS, que diz: “o número de torneiras por milhar de pessoas se tornará um indicador melhor de saúde que o número de leitos dos hospitais”.

De acordo com a OMS (WHO, 2004), milhões de pessoas morrem a cada ano de doenças diarréicas (incluindo a cólera) e, desses, 90% são crianças menores de um ano, principalmente em países em desenvolvimento. 88% das doenças diarréicas são atribuídas ao suprimento de águas de fontes inseguras, esgotamento sanitário e higiene inadequados. A melhoria do abastecimento de água reduz a morbidade entre 6% e 25%. A melhoria do esgotamento sanitário reduz a morbidade por diarréia em 32%. As intervenções de higiene, incluindo a

62 educação e promoção da prática de lavagem de mãos, pode levar a uma redução de casos de diarréia em 45 %. E ainda, melhorias na qualidade da água de consumo por meio de tratamento doméstico, tais como a cloração no ponto de uso, podem levar à redução de episódios de diarréia entre 35% e 39%.