• Nenhum resultado encontrado

1.8 A ÁGUA DE CONSUMO HUMANO : QUESTÃO DE SAÚDE

1.8.1 O crescente uso das águas envasadas

A terminologia água envasada é dada àqueles produtos que são elaborados a partir do envasamento de águas minerais, águas potáveis de mesa e de águas purificadas adicionadas de sais ou águas mineralizadas.

No Brasil, a exploração de todas essas águas é regida pela mesma legislação, que lhes dá a denominação de águas minerais. Estão sujeitas ao controle do Departamento Nacional de Produtos Minerais – DNPM, ligado ao Ministério de Minas e Energia, pelo Decreto-Lei No 7.841 de 08 de agosto de 1945 (BRASIL, 1945). O controle e a fiscalização sanitária das águas minerais destinadas ao consumo humano está sob a responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, regulamentada pelo Decreto Presidencial No 78.171 de 02 de agosto de 1976 (BRASIL, 1976). A água mineral é considerada alimento, daí estar sujeita a uma série de outras normas e resoluções que estão submetidas ao controle e à fiscalização sanitária de alimentos. A legislação específica mais recente para água mineral é a de boas práticas para industrialização e comercialização de água mineral natural e de água natural, regulamentada pela Resolução RDC No 173 de 13 de setembro de 2006 (BRASIL, 2006), da Diretoria Colegiada da ANVISA.

Na atual crise que vários países enfrentam no setor do abastecimento de água, Bouguerra (2004, 109-110) destaca a propaganda das indústrias de águas envasadas que exaltam os seus benefícios à população. Apresenta o exemplo de uma marca que anunciou sua mercadoria em um jornal argelino em 2002, com os seguintes dizeres: “Presenteie-se com saúde [...] com preço e qualidade imbatíveis” e, ainda segundo esse autor, “sem maior especificação” a respeito do produto. Acredita ser pouco provável que os argelinos tivessem condição de comprar tal água. Esse autor apresenta diversos relatos sobre os abusos das grandes empresas que industrializam as águas envasadas, como a Nestlé, a Coca Cola, a Danone e outras, que se utilizam das idéias de pureza e saúde que estão relacionadas à água no imaginário das pessoas. Lembra que as águas envasadas precisam da etiqueta ‘pura e límpida’ e conclui dizendo serem estas as qualidades evidentemente básicas de qualquer água potável.

O mesmo autor comenta que a Nestlé, na Bélgica, em 2001, ofereceu a primeira garrafa às famílias “com o objetivo evidente de fidelizá-las e fazê-las perderem o costume de beber água da torneira” (Ibidem, p. 177-179 passim) e ainda diz que:

57 É verdade que a água engarrafada se serve de uma propaganda barulhenta, agressiva e multiforme que joga em todas as áreas, a luta contra o envelhecimento e a obesidade, a juventude, a esportividade, à beleza... mas nenhum louvor é dirigido à água da torneira! [...] No momento em que mais de um bilhão de seres humanos não têm acesso à água potável, esse frenesi pela água em garrafas, esses bilhões acumulados por uma indústria hipnotizada pelo dinheiro, vivendo no instante e inundando o mundo com uma publicidade agitada e débil são, simplesmente, obscenos e demonstram que nossas sociedades estão enfermas (BOUGUERRA, 2004, p. 184). O hábito do uso da água envasada é considerado, na modernidade, um fenômeno social, dado ao crescimento exorbitante de seu consumo nas várias partes do mundo. O consumo de água envasada reflete um tipo de modo de vida. A Europa tem uma longa tradição de seu uso mas, atualmente, esse hábito está se estendendo ao redor do mundo. Em algumas situações ela representa uma alternativa de uso, por exemplo, em casos de contaminação da água de torneira. Mas, em geral, os consumidores pensam que o sabor é melhor, principalmente pela não presença do cloro. O consumidor acredita que essa água seja mais segura do que a água de torneira (FERRIER, 2001, p. 4).

Essa autora (Ibidem, p. 4, tradução nossa) associa tal mudança de hábito ao fenômeno da urbanização, que tem contribuído para a degradação da qualidade das águas. Associa também esse novo modo de vida à mudança de hábito dos trabalhadores nos países desenvolvidos, à expansão dos shopping centers. Acrescenta: “beber água envasada é um signo de alto nível na escala social”33.

O consumo médio de água envasada por pessoa no mundo é de 15 litros por pessoa/ano, sendo os europeus ocidentais os seus principais consumidores – 85 litros por pessoa/ano. De 1999 a 2001, a América Latina aumentou seu consumo em 4% (Ibidem, p. 12).

O consumo de água envasada nos Estados Unidos, em 1977, era de 1,5 bilhão de litros, sendo que 20 anos depois o consumo chegou à casa dos 12.600 bilhões de litros (BOUGUERRA, 2004, p. 109).

Segundo Strang (2004, p. 218-219), mais de um quarto da população da Inglaterra considera a água envasada como uma oferta de qualidade segura. Afirma ainda que, mesmo se os gerenciadores das companhias de água e os cientistas julgarem irracional a escolha das pessoas pela dispendiosa água envasada, no lugar de uma água tratada de qualidade, se se

33

58 fizer uma apreciação dos significados dessa atitude, será revelado que essa escolha parece ser a mais racional. Pois as pessoas enfrentam um contexto social menos seguro e, ainda, há uma dissonância entre o moderno gerenciamento do recurso e o significado da água em sua cultura.

No Brasil, a água mineral foi o produto que mais apresentou crescimento em consumo entre as famílias brasileiras nos últimos trinta anos, ultrapassando 0,32 litros per capita/ano em 1974/1975 e alcançando a marca de 18,541 litros em 2002/2003 (PITALUGA, 2006, f. 6). Segundo esta autora, as principais razões que levam os consumidores a escolherem a água mineral são a falta de confiança na qualidade da água proveniente do sistema da empresa de saneamento local, a percepção de que essa água é melhor do que a água de torneira, a certeza de que essa não provocará nenhum risco à saúde e um novo estilo de vida associado à preocupação com alimentos saudáveis (Ibidem, f. 6).

A ocorrência de doenças associadas à água de consumo nos países em desenvolvimento tem um grande impacto sobre a atitude das pessoas. A água envasada é considerada como pura e segura, o que não é necessariamente verdadeiro. Essas questões associadas ao crescente consumo da água envasada, bem como sua qualidade, vêm sendo tema de pesquisa pela comunidade científica internacional, haja vista as pesquisas realizadas por Armas e Sutherland, 1999; Bharath et al., 2003; Blake et al., 1977; Bouguerra, 2004; Bullers, 2002; Fewtrell et al., 1997; Jeenaa et al., 2006; Kerr et al., 1999; Nsanze e Al Kohaly, 1999; Obiri- Danso et al., 2003; Raj, 2005; Ramalho et al., 2001; Rosenberg, 2003; Warburton et al., 1998 - sobre investigações de contaminação bacteriológica , Al-Saleh e Al-Doush, 1998; Azoulay

et al., 2001; Garzon e Eisenberg, 1998; Ikem et al., 2002; Mahajan, 2006; Misund et al.,

1999; Pip, 2000; Shotyk et al., 2006 - sobre a quantidade de componentes químicos orgânicos e/ou inorgânicos, e Sanchez et al., 1999 - sobre a detecção de radioatividade.