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1.7 S UBJETIVIDADE E SUJEITO

1.7.1 Cultura e Identidade

A marca registrada da espécie humana é a capacidade de aprender e de se adaptar. A diversidade das línguas, costumes e comportamentos expressivos sugere que muito do comportamento das pessoas é socialmente programado, sendo que as culturas fornecem as regras específicas para que os elementos da vida social sejam elaborados. É cada vez maior a diversidade cultural, inter e intra-nações, dada ao avanço da aldeia global pelas telecomunicações, pelo transporte aéreo e pela internacionalização do comércio (MYERS, 2000, p. 93-94). Esse processo de globalização, Hall (2003, p. 14) relaciona ao caráter de mudança da identidade29 na modernidade tardia e ao seu impacto sobre a identidade cultural.

Myers (2000, p. 16) assinala que se pode distinguir entre o conteúdo do pensamento e o da ação, pelo qual pensam e agem as pessoas (por exemplo, como as atitudes afetam as ações e vice-versa). Pessoas de diferentes culturas podem ter opiniões diferentes, embora as formem de maneiras similares. Afirma ainda que os comportamentos possam diferir e ainda assim serem influenciados pelas forças sociais:

[...] O tráfego entre o eu e a sociedade se dá nos dois sentidos. Suas idéias e sentimentos sobre si mesmo afetam o modo como você interpreta os acontecimentos, como recorda deles e como reage aos outros. Mas também os outros, por seu turno, ajudam a moldar seu senso do eu. [...] Nosso senso do eu organiza nossos pensamentos, sentimentos e ações” (MYERS, 2000, p. 22).

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Transcrito do original em português de Portugal.

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41 A identidade é uma questão que vem sendo discutida na teoria social. O conceito de identidade, segundo Hall (2003, p. 8), é demasiadamente complexo, além de muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea. É algo formado ao longo do tempo, por meio de processos inconscientes, e não algo inato, presente na consciência no momento do nascimento, que permanece sempre incompleta, em processo de formação (Ibidem, p. 38). Para falar da identidade como algo acabado, sugere chamar de identificação, considerando que essa é um processo em andamento (Ibidem, p. 39). Esse autor discute a chamada ‘crise de identidade’ usando o argumento de que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (Ibidem, p. 8).

Na discussão das mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito, Hall (Ibidem, p. 8-13

passim) distingue, de uma forma que chama de simplificada, três concepções muito diferentes

de identidade. Inicia pelo sujeito do iluminismo, em que “o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa” (Ibidem, p. 8), que estava apoiado “numa concepção de pessoa humana como um indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, de consciência e de ação, cujo centro consistia num núcleo interior” (Ibidem, p. 10). O indivíduo surgia por ocasião do nascimento do sujeito e, com ele, se desenvolvia, mas permanecia o mesmo na essência ao longo de sua existência - “contínuo ou idêntico a ele”. Lembra que o sujeito do iluminismo era usualmente descrito como masculino.

Como segunda forma, mostra a identidade na concepção sociológica, em que é preenchido o espaço entre o interior (mundo pessoal) e o exterior (mundo público). Na noção de sujeito sociológico a identidade “é formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade” (HALL, 2003, p. 11, grifo do autor), e modificada em um contínuo diálogo com mundos culturais exteriores e as identidades desses mundos, e

[...] Refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava (Ibidem, p. 11, grifo do autor).

Como terceira forma, mostra a mudança de sujeito unificado e estável para um sujeito fragmentado, agora composto de não mais uma identidade, mas de várias identidades, sendo

42 algumas delas às vezes contraditórias, ou até mesmo não resolvidas, que produz o sujeito pós- moderno. A identidade do sujeito pós-moderno é “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2003, p. 13). Assim, o sujeito assume, em diferentes momentos, diferentes identidades “que não são unificadas ao redor do ‘eu’ coerente” (Ibidem, p. 13). No interior do sujeito pós-moderno há identidades contraditórias, que o empurram em diferentes direções, de tal forma que as suas identificações estarão sendo continuamente deslocadas (Ibidem, p. 13).

A cultura nacional é constituída por símbolos e representações e tornou-se uma característica- chave da modernidade, pois contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, a generalização de uma única língua de comunicação dominante, a criação de uma cultura homogênea e a manutenção de instituições nacionais diversas (Ibidem, p. 49-50).

A identidade cultural nacional do sujeito é formada a partir da cultura nacional em que ele nasce. Apesar de não estar impressa em seus genes, o sujeito pensa nessa identidade como se fosse parte de sua natureza essencial. É formada e transformada no interior de suas representações (Ibidem, p. 49). A identidade do sujeito é construída pelos sentidos com os quais possa se identificar na sua cultura nacional e, segundo Hall (Ibidem, p. 51), “esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas”. E, citando Anderson (1966), diz que “a identidade nacional é uma ‘comunidade imaginada’” (Ibidem, p. 51, grifo do autor). Mas Hall (Ibidem, p. 51) também comenta que na modernidade as nações são todas híbridos culturais.

Giddens (1991, p. 15) comenta que a globalização é “a razão de ressurgimento de identidades culturais em várias partes do mundo”. Isso pode ser mostrado pelo exemplo dado por Morin (2001, p. 46) sobre o modo de vida de um europeu médio: “de manhã, liga seu rádio japonês, toma café da manhã da América Latina, põe a camisa de algodão da Índia, uma calça de lã da Austrália, uma carteira de réptil africano. Tem rum da Martinica, tequila mexicana, saquê e talvez cachaça brasileira. Escuta sinfonia alemã, com a direção de um maestro coreano ou japonês”. Hall (2003, p. 74-75) também comenta sobre a influência das culturas e mostra, como exemplos, a onipresença das calças e jaquetas jeans, a que chama de ‘uniforme’ do jovem da cultura ocidental. Além disso, diz ser difícil pensar em uma comida indiana como algo característico das tradições étnicas da Índia, já que é possível encontrá-la nos grandes

43 centros do mundo, sem que necessariamente para isso tenha que se deslocar àquele país. E complementa: “Se quisermos provar as cozinhas exóticas de outras culturas em um único lugar, devemos ir comer em Manhattan, Paris, ou Londres e não em Calcutá ou em Nova Deli” (HALL, 2003, p. 79).

Esse mesmo autor (Ibidem, p. 76-77, grifo do autor) chama esse fenômeno de “homogeneização cultural” e a ele se refere como “o grito angustiado daqueles/as que estão convencidos/as de que a globalização ameaça solapar as identidades e a ‘unidade’ das culturas nacionais”, e acredita que seja mais provável que não ocorra simplesmente a destruição das identidades nacionais, mas sim que se produzam, simultaneamente, “novas identificações ‘globais’ e novas identificações ‘locais’”(Ibidem, 78, grifos do autor).

Hall (2003, p. 74) alerta para as conseqüências dessa mediação do mercado global, quando pessoas pobres que moram nos países em desenvolvimento podem receber, em seus ambientes domésticos, mensagens e imagens das culturas ricas do ocidente, consumistas, fornecidas pelos meios de comunicação, seja televisão ou rádio. Esses meios as conectam à aldeia global, expondo-as a influências externas, sendo assim difícil conservar as suas identidades culturais nacionais intactas ou mesmo impedir o seu enfraquecimento por meio desse “bombardeamento e da infiltração cultural”.

A identidade é bastante pessoal e, para algumas pessoas, especialmente as que vivem nas culturas ocidentais industrializadas, o individualismo é o que prevalece. As culturas nativas da Ásia, África e Américas do Sul e Central atribuem um valor maior ao coletivismo, em que a identidade é definida mais em relação aos outros, o coletivismo mais floresce onde as pessoas enfrentam ameaças partilhadas, como a fome, onde as famílias são grandes, e onde a vida exige cooperação (MYERS, 2000, p. 24-25).

A cultura sanitária nacional é influenciada pelo modo de vida da sociedade. No Brasil, a cultura sanitária foi formada pelas atitudes, comportamentos, hábitos e costumes da miscigenação das etnias indígenas, branca e negra, durante o período colonial. O termo identidade sanitária significa um conjunto de ações de caráter individual ou coletivo associado à preservação da saúde do homem e do ambiente (REZENDE; HELLER, 2002, p. 65).

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