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CAPÍTULO 1 CAMINHOS DA PESQUISA

1.3 Área de estudo

A presença de assentamentos como territórios institucionalizados no estado de Sergipe data da década de 1980, sendo o primeiro assentamento oficialmente criado em 1982. Atualmente (2014), o Estado possui 216 assentamentos rurais classificados em PA (Projeto de Assentamentos), PE (Colônia Agrícola), PCA5 (Projeto de

Assentamento Casulo) e PDS6 (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) numa área

de 183.240,4423 com 9.879 famílias assentadas (Anexo A).

Os assentamentos são classificados pelo INCRA, em fases que vão de uma escala de 017 a 07, como segue:

01: Pré-projeto de assentamento; 02: Assentamento em criação; 03: Assentamento criado; 04: Assentamento em instalação; 05: Assentamento em estruturação; 06: Assentamento em consolidação; 07: Assentamento consolidado.

Essas fases classificam os assentamentos conforme a infraestrutura e os aspectos organizativos que os mesmos apresentam, conforme gráfico representativo (Gráfico 01):

5 Assentamentos de Reforma Agrária Periurbanos, são complementares ao modelo de Reforma

Agrária executada pelos estados ou pelo governo federal, geralmente para atender a demanda de público de reforma agrária que se urbanizou e que vivem no entorno das cidades.

6 O estado de Sergipe possui somente um PDS, o Território Quilombola Mocambo, localizado no

município de Porto da Folha no Alto Sertão Sergipano.

Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2014). Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013.).

Pelo exposto, enfatiza-se que a maior parte dos projetos de assentamento estão classificados na fase 03 (assentamento criado) com 50 % dos PAs, correspondente a 108 assentamentos. São assentamentos que apresentam os maiores problemas de infraestrutura e de produção em função da burocracia que envolve especialmente a demarcação dos lotes e a aquisição dos recursos iniciais. Esse período inicial é marcado por muitas dificuldades para os assentados e pelos desafios de organizar o espaço social e produtivo. Na maioria dos casos os beneficiados não tem conhecimento real das condições gerais do solo, do clima, da topografia e do novo mercado local, acrescido da fragilidade da organização social. Para Zamberlan, muitas vezes (1994, p. 271) “(...) os recursos oficiais buscam implementar uma infra- estrutura sem se preocupar com a dimensão econômica da unidade produtiva e sem contextualizá-la no desenvolvimento regional”.

O segundo grupo são os assentamentos em instalação (fase 04) com 20,8%. Esses assentamentos possuem uma infraestrutura básica (construção da agrovila, instalação de energia elétrica, água encanada ou perfuração de poços), para que os assentados possam se fixar no assentamento.

Gráfico 01 - Distribuição dos assentamentos de acordo as fases de implantação em %. Sergipe (2014).

Os assentamentos em estruturação (fase 05) perfazem o menor número no Estado, com 5,1% e os assentamentos em consolidação (fase 06) somam 13,9%. Segundo informações do INCRA, a mudança nas fases, principalmente entre estratos 05, 06 e 07 depende da estrutura organizativa dos assentados, via elaboração de projetos para captação de recursos e ações desenvolvidas pelas associações e grupos de trabalho.

Os assentamentos consolidados representam 10,2 %, ou seja, 22 assentamentos que possuem entre18 e 32 anos de criação, com infraestrutura social e produtiva já consolidada. Diante do universo total e levando em consideração as especificidades do objeto de estudo, a pesquisa em questão tem como foco os assentamentos na fase 07 (Gráfico 02).

Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2014).

Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013.).

Para tal definição considerou-se aspectos como: infraestrutura, organização social, mediadores externos do processo de luta, aspectos relativos à forma de ocupação da terra e tempo de moradia dos habitantes. Essas características são essenciais para compreensão do processo de consolidação do território e da

Gráfico 02 - Distribuição dos assentamentos na fase 07 de acordo com localização nos Territórios de Planejamento em %. Sergipe (2014).

construção da identidade territorial. Esses assentamentos estão distribuídos em seis dos oito territórios sergipano de Planejamento do Governo do Estado8.

A análise do gráfico 02 nos permite inferir que a maior parte dos 22 assentamentos de reforma agrária na fase 07 estão situados no Sul Sergipano (31,8%). Esses assentamentos foram criados pelas ações do MST que direcionou seu foco de luta para o sul do Estado e também pelas iniciativas do governo numa tentativa de conter os conflitos que se espalharam no campo sergipano no final dos anos 1980. Essas iniciativas assinalam a forte presença do Estado, com grande densidade e importância, tanto do ponto de vista político quanto econômico e social, “(...) seja ele representado pelo governo federal ou estadual, na formulação e execução de políticas de assentamentos, reforma agrária e colonização de novas áreas (...)” (LOPES, et. al, 2009a, p. 162).

O segundo estrato mais expressivo refere-se aos assentamentos localizados no Alto Sertão (27,3%), área de referência em Sergipe em relação aos conflitos pela posse da terra. O terceiro estrato abarca aqueles localizados no Baixo São Francisco (22,7%). O Baixo São Francisco foi a região onde os primeiros conflitos por terra se traduziram em torno de uma linguagem de reforma agrária, sob a influência da Igreja Católica, por meio das ações da Diocese de Propriá. É no Baixo São Francisco onde se localiza o assentamento mais antigo do estado, o Assentamento Santana dos Frades, no município de Pacatuba, criado oficialmente em 1982.

Nos demais estratos com 9,1% (Agreste Central), 4,5% (Leste Sergipano) e 4,5% (Grande Aracaju) respectivamente encontra-se assentamentos criados também como parte do crescimento das ações do MST no Estado. Registra-se a inexistência de

8 Em 2007, por meio do Decreto nº 24338 20/04/2007, o governo do Estado instituiu os Territórios de

Planejamento, criando oito Territórios quais sejam: Alto Sertão Sergipano, Baixo São Francisco Sergipano, Agreste Central Sergipano, Sul Sergipano, Grande Aracaju e Leste Sergipano, Médio Sertão Sergipano e Centro Sul Sergipano (VARGAS, 2011). Considerou-se nesse estudo o critério de regionalização adotado pelo Governo Estadual, apenas como recurso para situar cada assentamento. Os assentamentos na fase 07 estão distribuídos em seis dos oito Territórios Planejamento, exceto no Médio Sertão Sergipano e Centro Sul Sergipano. O conceito de território discutido nessa tese não se relaciona ao sentido de regionalização empreendida nos Territórios de Planejamento, sendo estes de controle e de uma política de planejamento, distante da abordagem da apropriação e dos processos identitários defendida por este estudo.

assentamentos na fase 07 nos Territórios de Planejamento do Médio Sertão e Centro- sul.

De modo mais específico, os 22 assentamentos classificados na fase 07 se distribuem por município, com destaque para os municípios de Pacatuba (13,6%) e Santa Luzia do Itanhy (13,6%), com maior percentual de assentamentos (Tabela 01, Figura 01):

Tabela 01 – Distribuição dos assentamentos rurais na fase 07, por município. Sergipe (2014).

Município Nº de Assentamentos Percentual

Pacatuba 3 13,6

Santa Luzia do Itanhy 3 13,6

Indiaroba 2 9,1

Poço Redondo 2 9,1

Canindé do São Francisco 1 4,5

Carira 1 4,5

Cristinápolis 1 4,5

Divina Pastora 1 4,5

Gararu 1 4,5

Japoatã 1 4,5

Monte Alegre de Sergipe 1 4,5

Nossa Senhora do Socorro 1 4,5

Pinhão 1 4,5

Porto da Folha 1 4,5

Propriá 1 4,5

Umbaúba 1 4,5

Total 22 100,0

Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2014). Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013.).

A figura 01 a seguir demonstra a espacialização dos 22 assentamentos compreendidos na fase 07 no estado de Sergipe, com destaque para a delimitação territorial de cada um deles nos municípios.

Figura 01: Espacialização dos assentamentos na fase 07. Sergipe (2014).

Fonte: Atlas digital de Recursos Hídricos (2012). INCRA - Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (2014).

No que diz respeito às famílias assentadas (Gráfico 03), nesses assentamentos vivem cerca de 1. 224 famílias de acordo com os dados do INCRA (2014).

Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2014). Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013.).

Os assentamentos do Alto Sertão concentram a maior quantidade de famílias assentadas com 34,8% e também as maiores extensões de terra destinadas à reforma agrária, seguido do Sul e Baixo São Francisco com 28,3% e 18,4% respectivamente. Os demais estratos perfazem um total de 18,4% das famílias assentadas, que se justifica em função da quantidade de assentamentos e das áreas desapropriadas (pequena extensão das propriedades)9. Os Assentamentos do Alto Sertão são os maiores em área, o que justifica uma quantidade maior de famílias assentadas.

Para operacionalização da pesquisa foram selecionados 05 assentamentos distribuídos nos Territórios de Planejamento do Baixo São Francisco Sergipano, Alto Sertão Sergipano e Sul Sergipano, a saber: Santana dos Frades e Cruiri (Município de Pacatuba), Pedras Grandes (Município de Poço Redondo), Vitória da União (Município de Santa Luzia do Itanhy) e Mangabeira (Município de Umbaúba).

9 O Agreste tem como característica a organização do espaço em pequenas propriedades, desde o

período colonial, com diversificação produtiva.

Gráfico 03: Distribuição das famílias nos assentamentos da fase 07 por Território de Planejamento em %. Sergipe (2014).

Considera-se que cada assentamento possui uma história específica que o singulariza em função do processo de luta pela terra, do tempo de existência de cada assentamento e também da localização no território. Para melhor compreensão sobre o critério de seleção dos assentamentos, considerou-se além da classificação do INCRA, a história da posse pela terra, o processo de luta e a participação (ou não) de entidades de apoio na mobilização dos trabalhadores para ocupar uma área de terra.

Soma-se a esses critérios a ação dos mediadores externos, entidades da sociedade civil e/ou política, pessoas isoladas ou grupos de pessoas que influenciaram ou interferiram no processo de luta pela posse da terra. Esses mediadores são de fundamental importância na formação dos assentamentos, bem como na definição de suas formas de organização social e econômica. Alguns assentamentos surgiram de forma espontânea, outros em função das ações dos movimentos sociais (mediadores externos) e outros foram criados pelo Estado para atender a demanda por terra.

Para de Oliveira (2011, p. 164):

(...) os mediadores têm um papel fundamental, pois reforçam a identificação dos participantes no campo de lutas, marcado por diversas relações de poder além de contribuir para a transformação de uma identidade de grupo ou até mesmo o favorecimento de elementos e símbolos que favorecem a transformação das identidades do grupo.

A eleição desses critérios tiveram como norte o pressuposto que a construção da (s) identidade(s) num assentamento rural se vale da história e da apropriação do território pelos sujeitos, identidades que não são fixas ou permanentes, mas que estão sempre em transformação, considerando-se sujeitos, escalas e processos. Para Haesbaert (2004b, p. 3), os territórios se distinguem:

(...) de acordo com os sujeitos que os constroem, sejam eles indivíduos, grupos sociais, o Estado, empresas, instituições como a Igreja etc. As razões do controle social pelo espaço variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo. Controla-se uma “área geográfica”, ou seja, o “território”, visando atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos.

Em se tratando dos assentamentos rurais de Sergipe, embora os mesmos sejam resultado de um conjunto de políticas visando distribuição de terras e consequente apaziguamento dos conflitos surgidos em função dessa luta, se configuram como territórios pelo esforço, resistência e luta desses assentados por um projeto de vida.

Acredita-se que nos territórios dos assentamentos as identidades e territorialidades construídas estão em constante mudança, por isso o mesmo será sempre inacabado e, por conseguinte, sujeito a contradições, avanços, retrocessos, ganhos e perdas, território apropriado que traz no seu bojo essas mediações. É um território em movimento, vivo, que experiencia um processo contínuo de (re)criação, (re)definição, (re)delimitação e relações diversas (MOREIRA; TARGINO, 2007). Relações que são vividas, construídas, sentidas, percebidas e compreendidas diferentemente. O quadro a seguir (Quadro 01), apresenta os assentamentos da amostra constituídos pela desapropriação por interesse social apresentando, contudo, algumas singularidades, com relação aos mediadores:

Quadro 01 - Assentamentos da amostra. Sergipe. 2012. Nome do

assentamento Município Território Mediadores Data de criação Forma de acesso a terra Santana dos

Frades

Pacatuba Baixo São Francisco

Igreja Católica

13/09/82 Compra e doação

Cruiri Pacatuba Baixo São Francisco

MST 16/08/89 Desapropriação Vitória da

União Luzia do Santa Itanhy

Sul

Sergipano MST 02/04/91 Desapropriação Mangabeira Umbaúba Sul

Sergipano

INCRA 10/03/97 Compra e

doação Pedras

Grandes Redondo Poço Alto Sertão Sergipano Ausência de mediadores 30/09/88 Desapropriação

Fonte: INCRA (2012).

Org.: DOURADO, Auceia Matos (Mar./2013).

O assentamento Santana dos Frades, foi criado em 1982 e localiza-se o no município de Pacatuba, no Território do Baixo São Francisco, foi o primeiro assentamento oficial de reforma agrária do estado, com 89 famílias assentadas.

Os moradores de Santana dos Frades são descendentes de posseiros que habitavam áreas desde o tempo da colonização. A luta dos posseiros de Santana dos Frades marca o início do processo de luta pela terra em Sergipe e teve como mediador a Igreja Católica, principal indutora e/ou apoiadora da criação de entidades de representação sindical rural e dos movimentos de organização de trabalhadores rurais. A “Diocese de Propriá (...) teve um papel fundamental na mobilização e organização dos trabalhadores rurais de Sergipe na luta pela conquista da terra” (LOPES, 2008a, p. 16).

Os conflitos que deram origem ao assentamento Cruiri, apresentam algumas singularidades em relação aos demais, ocorridos na época, pois decorreu de uma decisão política do MST e é um marco na história do MST em Sergipe, sendo o primeiro conflito sob a orientação direta do movimento, afirmando-se a partir desse momento como o principal responsável pela orientação política em torno da luta pela terra no Estado.

O assentamento Vitória da União surgiu a partir das lutas iniciadas com a ocupação do imóvel Santana do Cruiri e marca a territorialização das ações do MST no Estado ao ampliar sua área de influência em direção ao Sul Sergipano. A decisão de ampliar sua área de atuação foi parte de uma estratégia política do movimento, no sentido de se consolidar como uma organização de massa.

Em relação ao assentamento Mangabeira crido em 1997 e localizado no município de Umbaúba, no Sul Sergipano, as ações que levaram as institucionalizações não estiveram diretamente relacionadas aos conflitos de terra. A formação do assentamento resultou da ação do poder público (INCRA) por meio da compra e posterior doação aos agricultores sem-terra da região, uma iniciativa minoritária, não se configurando como uma política efetiva de reforma agrária no estado de Sergipe. A opção em estudar esse assentamento se configurou como uma possibilidade de analisar a construção da identidade territorial num território, onde a ocupação se deu de forma institucionalizada.

A ocupação e conquista do imóvel Pedras Grandes apresenta uma singularidade, pois ocorreu por iniciativa dos próprios trabalhadores, a maioria do Povoado Sítios Novos, localizado no município de Monte Alegre de Sergipe, que se organizaram e

ocuparam as terras, diante da solicitação do proprietário interessado em vender as mesmas.

O imóvel foi desapropriado em 1988 e no mesmo ano foi criado o projeto de assentamento Pedras Grandes com 27 famílias assentadas. Embora não se considere a ação direta dos mediadores externos, os conflitos em torno da ocupação do imóvel Pedras Grandes se deram em função das experiências vivenciadas pelos trabalhadores, em torno da questão da luta pela terra no Alto Sertão e a ação desses mediadores, com destaque para a Diocese de Propriá e os sindicatos rurais.

Convém destacar que embora se encontre uma grande diversidade de elementos atuando no processo que conduziu à criação dos assentamentos rurais, uma análise histórica da formação dos assentamentos sergipanos nos permite afirmar que o motor das desapropriações foram os conflitos e sob orientação dos movimentos sociais.

Silva e Lopes (1996, p. 21) assevera que no caso sergipano os conflitos se configuraram:

(...) a partir de uma ocupação de terra, realizada coletivamente, por pessoas necessitadas desse bem para nela morar e produzir e também pela expulsão ou tentativa de expulsão de antigos ocupantes de uma área de terra, por “grileiros” ou proprietários. Não se trata, portanto, de um ato individual e sim de uma ação social no sentido sociológico do termo.

Segundo Leite (2004, p. 41) a existência de conflito não se refere “(...) necessariamente ao uso da violência, mas à disputa pela propriedade da terra (...)”. Mesmo em casos em que “(...) os antigos proprietários omitiram-se diante de uma ocupação ou da reivindicação de desapropriação ou demonstraram certa cordialidade diante dos ocupantes (...)” no processo de disputa pela propriedade da terra, ainda assim existe uma situação de conflito.