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Reforma agrária e redemocratização: novos projetos Novos sujeitos Outras

CAPÍTULO 3 MEDIAÇÕES HISTÓRICAS: QUESTÃO AGRÁRIA, REFORMA

3.3 Reforma agrária e redemocratização: novos projetos Novos sujeitos Outras

A década de 1980 representou um período bastante conturbado da história brasileira, sobretudo em função de uma ampla e generalizada crise econômica, política e social. Do ponto de vista econômico esse período encerra um ciclo de crescimento, iniciado nos anos de 1960, cuja expressão maior foi a ideia de “milagre” econômico”, que ocorreu entre os anos de 1968-1973, durante os governos Costa e Silva e Médici, um período que apresentou taxas de crescimento médio de 11% ao ano, com o desenvolvimento de diversos setores da economia, baixa inflação e equilíbrio externo.

Oliveira (2001) também refere-se a esse período como crítico no que diz respeito à questão das lutas e ressalta a violência decorrente do aumento da pressão social feita pelos camponeses em sua luta pela terra. A modernização da agricultura produziu efeitos perversos sobre a classe trabalhadora e reforçou ainda mais as contradições. À proporção que o campo se modernizava, aumentava também a luta

pelo direito ao acesso terra. Na outra vertente a sociedade civil organizava-se na direção de uma abertura política.

Anistia, Diretas Já, formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Partido dos Trabalhadores (PT) e demais partidos de esquerda, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) somavam forças na luta pelo processo de democratização e pela visibilidade das lutas dos trabalhadores rurais. Também fomentava-se nas periferias das cidades brasileiras a discussão sobre a situação de pobreza que a maioria da população estava vivendo. Com o aumento da pressão social também cresceu a violência dos latifundiários (OLIVEIRA, 2001).

O governo dos militares apesar da pressão popular terminou de forma pacífica com a reorganização das classes em torno de um novo pacto político, pautado, sobretudo, na ideia de democracia e na organização econômica e social da nação após 21 anos de ditadura militar.

Com a abertura política, criam-se também novas possibilidades em torno da discussão sobre a reforma agrária e novos atores se unem aos antigos. Se o posseiro, durante a década de 1970, ganha expressão enquanto sujeito político, com o fim do militarismo, soma-se a esse grupo, novos atores como seringueiros, atingidos por barragens, boias-frias, sem-terra, dentre outros que passaram a questionar não só as condições de exclusão, expropriação e precariedade do trabalho, mas também o sentido e a natureza do desenvolvimento adotado no país e as ações efetivas que esse desenvolvimento propunha.

Esses novos personagens da luta pela terra se constituíram em função do modelo de desenvolvimento proposto e as consequências desse modelo para a maioria da população, sobretudo os residentes em áreas rurais e periurbanas.

Conforme Grzybowski (1987, p. 17):

(...) a diversidade de movimentos sociais no campo é determinada pela diversidade de contradições existentes e modos de viver e enfrentá-las. As bases dos movimentos sociais de inserção dos diferentes segmentos de trabalhadores rurais estrutura agrária e no processo de produção agropecuária.

Esses novos personagens, principalmente os pequenos proprietários expropriados e seus herdeiros, constituíram os chamados sem-terra, sujeitos políticos que passaram a questionar as condições de posse da terra e que mostraram que possuíam uma concepção sobre a terra e o trabalho como algo indissociável, só havendo legitimidade na terra de trabalho, questionando também a legalidade da propriedade:

(...) os sem-terra na sua prática, não tem como deixar de questionar a

legalidade, da propriedade, não podem deixar de considerar ilegítimo e também iníquo, injusto, o que é legal que é a possibilidade de alguém

possuir mais terra do que pode trabalhar, de açambarcar, cercar, um território, não utilizá-lo nem deixar que outros utilizem, mesmo sob o pagamento de renda. (MARTINS, 1993, p. 142 - Grifos do autor). Destaca-se que esses sujeitos políticos passaram a se organizar em torno de diversas reivindicações. Surgiram nesse período o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de movimentos envolvendo mulheres, jovens rurais e pequenos agricultores.

O MST surge inicialmente como um movimento localizado, contudo diante de sua atuação e a capacidade de articulação passa a se configurar como um canal por onde fluem as demandas dos trabalhadores em meio à repressão política, expropriação, expulsão, massacres, perseguições e imposições do modelo econômico. Para Oliveira (2001, p. 194) o MST alcança essa dimensão, pois é tradutor da luta de todos os trabalhadores, tanto rurais quanto urbanos.

Trata-se, pois, de uma luta de expropriados que, na maioria das vezes, experimentaram a proletarização urbana ou rural, mas resolveram construir o futuro baseado na negação do presente. Não se trata, portanto, de uma luta que apenas revela uma nova opção de vida para esta parcela pobre da sociedade brasileira, mas, muito mais, revela uma estratégia de luta acreditando ser possível, hoje, a construção de uma nova sociedade. Uma nova sociedade dotada de justiça, dignidade e cidadania.

As estruturas organizativas do MST, especialmente os setores de produção, de educação, de saúde, assim como os demais, implementam propostas inéditas de organização dos camponeses (...) se tratava de um movimento camponês diferente dos demais, porque não lutava apenas por terra (...) Com três bandeiras prioritárias – terra, reforma agrária e mudanças gerais na sociedade (...) se tratava de um movimento camponês diferente dos demais, porque não lutava apenas por terra.

Essa singularidade do MST se expressa, sobretudo, na organização das lutas e ações de massa, ao incluir nessas ações a presença da família (pai, mãe, filhos). O espaço coletivo de reflexão, organização e mobilizações, estimulou a solidariedade e construiu uma identidade em torno do movimento e das propostas de luta.

Segundo Navarro (2002, p. 202):

MST apresenta a mais forte identidade social e tem sido capaz de bem definir a sua base social e motivá-la. Como resultado, é um movimento com expressiva capacidade de mobilização, o impacto de suas ações sendo, no geral, de grande visibilidade pública. Tendo se tornado um ator social reconhecido e participativo das lutas sociais, os resultados de suas ações têm sido razoavelmente significativos, pois já conseguiu forçar o nascimento de milhares de novos assentamentos em todo o Brasil.

Sousa (2009) destaca que a criação do MST possibilitou o direcionamento das reivindicações relacionadas à reforma agrária com a elaboração de uma carta política com propostas que afirmavam que o acesso à terra se daria através da pressão e da luta política, considerando que a terra deveria estar sob o controle daqueles que nela trabalhavam.

As diferentes fases ou períodos em que o MST se organizava para construção do seu projeto de luta pela terra (ocupar, resistir, produzir), a pressão que exercia sobre o Estado no sentido de construir e executar um projeto de reforma agrária desembocou em 1985, no I Plano Nacional de Reforma Agrária (com a Nova República) e reacenderam as esperanças em torno de uma reforma agrária mais equitativa (DELGADO; GASQUES, 1996).