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No campo e em campo: o desenvolvimento da pesquisa

CAPÍTULO 1 CAMINHOS DA PESQUISA

1.5 No campo e em campo: o desenvolvimento da pesquisa

Com o objetivo de conhecer os referenciais que nortearam a construção da(s) identidade(s) nos assentamentos selecionados, bem como outras questões relativas às formas de organização do assentamento, procedeu-se a realização das entrevistas com os assentados. A ordem de visita a cada assentamento foi definida conforme o plano de trabalho, em função da logística de transporte da Universidade Federal de Sergipe.

Definida a ordem, o procedimento padrão era sempre o contato com alguma liderança do assentamento, que agendava as datas e viabilizava o contato com os entrevistados. O contato com as lideranças dos assentamentos foi essencial, pois facilitou o acesso da pesquisadora ao local de estudo e as informações específicas sobre cada assentamento. Esses entrevistados foram escolhidos segundo o arbítrio e interesse científico do pesquisador, em função dos objetivos e questionamentos da pesquisa.

Algumas entrevistas e conversas informais realizadas com as lideranças e moradores mais antigos, foram consideradas como dados complementares, por ocasião da realização do trabalho de campo. Muitos dados, ainda que em caráter informal, contribuíram para ampliar o conhecimento sobre a realidade de cada assentamento.

As visitas para realização das entrevistas foram sempre acompanhadas por um morador do assentamento, que deixavam seus afazeres e gentilmente nos guiava até as casas dos assentados. Muitas vezes nesse percurso crianças e jovens nos acompanhava com a cordialidade e predisposição para ajudar.

Embora a entrevista tivesse um roteiro já estabelecido, muitas vezes a sequência das perguntas foi alterada em função da dinâmica da fala do entrevistado, que respondia as perguntas ao seu modo. O entrevistado era livre para discorrer ou apresentar seus posicionamentos sobre o assunto abordado ou correlacionado.

Na visão de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p. 168), essa liberdade do entrevistado decorre da natureza interativa da entrevista, pois a mesma permite:

(...) tratar de temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente através de questionários (...). De um modo geral as entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas, assemelhando-se muito a uma conversa. Tipicamente, o investigador esta interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana.

As falas e o falar de si ou da história coletiva era sempre acompanhado pela emoção, pelos sentimentos, pois se remetia a história de vida da família: o antes, que representava o processo de luta, as incertezas, as dificuldades da vida no acampamento e o processo de posse da terra; o depois, com a conquista da terra, a construção do território; o devir, o vir a ser, as possibilidades de continuar a descendência, de manter a terra, de viver no território.

Ainda em referência as entrevistas destaca-se que para sua realização sempre se buscava construir um ambiente propício à mesma, com confiança para que o entrevistado pudesse se sentir seguro ao responder as questões. A pesquisa iniciava- se com uma conversa informal sobre o assentamento, para depois guiar-se pelo roteiro. Destaca-se que embora a entrevista fosse direcionada a pessoas específicas, muitas vezes a família e até mesmo vizinhos se envolviam com a atividade, principalmente nas perguntas sobre o processo de luta pela posse da terra (Figura 02 e 03).

Figura 02: Realização de entrevista. Assentado e sua esposa. Assentamento

Cruiri, município de Pacatuba (Baixo São Francisco/SE). Sergipe (2012).

Autora: SOUZA, Angela Fagna Gomes de. Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.

As entrevistas também foram momentos de reflexão, rememoração, volta ao passado. Momento em que os assentados demostraram seus desejos de mudança em relação ao assentamento, suas motivações para a luta diária e os ensinamentos que transmitem diariamente aos filhos. Risos, euforia, choro, expressões tristeza e desapontamento, foram sentimentos que acompanharam os entrevistados. Encontramos diversos comportamentos: alguns eram arredios, monossilábicos, principalmente no início da conversa; outros extremamente expansivos; outros envergonhados principalmente em função da forma como se expressavam “(...) do português muito fraco, do estudo ter sido pouco” (Assentada 05 – 55 anos - PA Vitória da União).

Os trabalhos de campo foram realizados no período de março a dezembro de 2012. Os meses de março a julho foram dedicados às visitas aos assentamentos para observação e entre agosto e dezembro procedeu-se a realização das entrevistas. Foram realizadas entre três e quatro visitas a cada assentamento, de acordo com as necessidades apontadas durante a realização da pesquisa. Entre os meses de agosto e setembro, foram visitados os PAs Vitória da União (Santa Luzia do Itanhy) e

Figura 03: Realização de entrevista. Assentado, esposa e vizinhos. Assentamento

Pedras Grandes, município de Poço Redondo (Alto Sertão Sergipano/SE). Sergipe (2012).

Autora: SOUZA, Angela Fagna Gomes de. Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.

Mangabeira (Umbaúba) no Sul Sergipano. Nos meses de outubro e novembro o trabalho de campo foi realizado nos assentamentos do Baixo São Francisco em Santana dos Frades e Cruiri (Pacatuba). Em dezembro foi realizado a última etapa no PA Pedras Grandes (Poço Redondo) no Alto Sertão.

Como se estabeleceu uma amostra proposital, intencional ou deliberada (não- probabilística) em função dos objetivos do trabalho, optou-se por entrevistados que participaram do processo de luta, lideranças, moradores mais antigos e representantes de organizações. Contudo às vezes outras pessoas do assentamento eram também ouvidas, filhos de assentados, jovens, crianças, moradores mais novos do assentamento, de modo a coletar o maior número de informações sobre a vivência e o cotidiano do assentamento.

1.6 - Desvelando a realidade: os dados da pesquisa

As pesquisas qualitativas geram um enorme volume de dados que precisam ser organizados e compreendidos. Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p. 170) esse procedimento:

(...) se faz através de um processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, relações, desvendando- lhe o significado. Este é um processo complexo, não-linear, que implica um trabalho de redução, organização e interpretação dos dados (...). Á medida que os dados vão sendo coletados, o pesquisador vai procurando (...) identificar temas e relações, construindo interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores (...)

Na visão de Souza (2013) cada pesquisador pode escolher livremente os seus instrumentos de pesquisa que devem ser os mais variados possíveis: observação participante, entrevistas livres e/ou semiestruturadas, levantamento de dados primários, questionários, diário de campo, mapas mentais, croquis, fotografias, descrição, contudo a organização da pesquisa e o consequente tratamento dos dados, o olhar e as reflexões devem ser processados a partir do espaço geográfico, pensado a partir das categorias de análise que sustentam cada estudo.

No caso específico do trabalho em questão, o estudo contemplou a observação do objeto, a realização de entrevistas semiestruturadas e a utilização dos dados das entrevistas.

As informações colhidas nessa fase da pesquisa foram devidamente registradas (diário de campo) e organizadas em relatórios que serviram como subsídio para análise da pesquisa e para a caracterização dos assentamentos que compõem o estudo.

A realização das entrevistas10 compreendeu a etapa mais longa do trabalho de

campo, realizadas de acordo com o cronograma elaborado para as visitas. As entrevistas ocorreram nos assentamentos selecionados e totalizaram 29 entrevistas assim distribuídas (quadro 04). Além das entrevistas citadas, também foram utilizadas entrevistas de outros pesquisadores11.

Quadro 04 – Número de entrevistas realizadas. Sergipe (2012).

Nome do assentamento Quantidade de entrevistas Período de realização

Vitória da União 7 Agosto (2012)

Mangabeira 6 Setembro (2012)

Santana dos Frades 6 Outubro (2012)

Cruiri 5 Novembro (2012)

Pedras Grandes 5 Dezembro (2012)

Total de entrevistas 29 entrevistas

Fonte: Dados da pesquisa de campo. 2012. Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013).

10 Antes da realização das entrevistas, os assentados assinaram um termo de autorização da gravação

e divulgação dos resultados da pesquisa (Apêndice C).

11 Utilizou-se fragmentos de duas entrevistas realizadas pela pesquisadora Marilene dos Santos, por

ocasião da realização de sua pesquisa de mestrado intitulada: “Práticas sociais de produção e unidades de medidas em assentamentos do nordeste sergipano” concluída no ano de 2005. Essas entrevistas foram realizadas no assentamento Santana dos Frades. Também foram utilizados fragmentos de uma entrevista realizada por Maria Neide Sobral, com um assentado do PA Cruiri, que se encontra transcrita em seu livro “História oral da vida camponesa: assentamentos de reforma agrária em Sergipe (Da prática social à prática da alfabetização)”. São Cristovão: Editora da UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006.

Após o término, as falas foram transcritas e organizadas conforme as categorias que identificam e adjetivam o objeto de estudo, como exposto no Apêndice A. A transcrição das falas foi realizada de forma literal, tal como foram gravadas, conservando na escrita aspectos como pronúncia, contração de vocábulos, subtração de letras, troca de vogais e consoantes e erros de pronúncia. Os sujeitos entrevistados tiveram suas identidades resguardadas e foram numerados e identificados.

Para cada grupo de entrevistado utilizou-se as palavras Assentado ou Assentada (indicação de gênero), seguido de um número que indica a ordem, isto é, a sequência em que as entrevistas foram realizadas, a idade, além da identificação do nome do projeto de assentamento. Ex: Assentado 01 - 65 anos – PA Pedras Grandes. Considera-se a identificação do assentamento necessária, pois os fragmentos das falas foram utilizados de forma conjunta, de modo a compor um quadro conceitual sobre a construção identitária nesses assentamentos. O quadro a seguir sintetiza a normas utilizadas para transcrição das falas:

Quadro 05 - Normas utilizadas para transcrição das entrevistas

Ocorrências Sinais Exemplos

Pausas ... Por que se tivesse... a gente podia fazer uma praça, assim não tem como fazer uma praça...

Supressão de falas (...) (...) a terra pertencia a Santa, a terra era dela. Interrogação ? Por que a associação deixou de funcionar?

Comentários do analista (risos) E agora que a prefeita perdeu a eleição é que não vai

mandar mesmo (risos).

Complemento de fala [ ] (...) o ano passado eles [os técnicos do MST] vieram, mas esse ano não teve ninguém aqui ainda... mas no começo era direto...

Contração de expressão12 / Né (NÃO É). Era um momento (...) de batalha e de luta

e de uma esperança de um dia melhor n/é?... Fonte: Adaptado de Fernandes (2007).

Org.: DOURADO, Auceia Matos (Jan./2013).

Na análise das falas estabeleceu-se uma linha de entendimento sobre os referenciais presentes na construção da(s) identidade(s) em cada assentamento,

12 “Essa medida utilizada visa mostrar a expressão como contração e não como erro.” (FERNANDO,

atentando para as convergências, mas também evidenciado aspectos específicos de cada realidade. As falas foram utilizadas para delinear nosso entendimento sobre as categorias de análise que sustentam nosso estudo, com atenção para a análise do território, das identidades e das territorialidades. A Figura 04 sintetiza os principais aspectos que foram considerados na análise.

Figura 04: Fluxograma dos aspectos considerados na análise das falas dos entrevistados. Fonte: DOURADO, Auceia Matos. Elaborado com base no roteiro de entrevistas (Jan. /2013.).

Sujeito: o eu, estar lá Relações de poder Formas de organização Vivências Traduções Tradições Pertencimento /Posse Sociabilidade Relações institucionais Sujeitos: o meu, o nosso

IDENTIDADE

Assentamento Vitória da União – Santa Luzia do Itanhy/SE. Autora: SOUZA, Angela Fagna Gomes de.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.