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Olhar Observar Compreender: o encontro com o objeto e com os sujeitos

CAPÍTULO 1 CAMINHOS DA PESQUISA

1.4 Olhar Observar Compreender: o encontro com o objeto e com os sujeitos

Por se tratar de uma análise qualitativa, a unidade de referência do estudo considera o que denominamos de sujeitos da amostra. No caso específico do estudo em questão, a denominação sujeito refere-se “(...) àquele a que se investiga em qualquer empreendimento em que o ser humano é o objeto de estudo numa acepção filosófica no qual sujeito significa (...) o ‘eu’ enquanto realidade pensante, em contraposição ao objeto pensado” (TURATO, 2003, p. 353/356).

A opção pela concepção de sujeito nesta perspectiva justifica-se em função das proposições teóricas que respaldam esse trabalho no que diz respeito ao processo de constituição dos territórios (material e simbólico) e da construção da(s) identidade(s) (relacional, histórica, estratégica e posicional).

Para Triviños (1987, p. 132):

A pesquisa qualitativa, de fundamentação teórica, fenomenológica, pode usar recursos aleatórios para fixar a amostra. Isto é, procura uma espécie de representatividade do grupo maior dos sujeitos que participarão no estudo. Porém não é, em geral, preocupação dela quantificação da amostragem. E ao invés da aleatoriedade, decide intencionalmente, considerando uma série de condições (sujeitos que sejam essenciais, segundo o ponto de vista do investigador, para esclarecimento do assunto em foco; facilidade para se encontrar com as pessoas; tempo dos indivíduos para as entrevistas etc.).

A amostra da pesquisa em questão, configura-se como proposital, intencional ou deliberada (não-probabilística), definida como “(...) aquela de escolha deliberada de respondentes, sujeitos ou ambientes, oposta a amostragem estatística, preocupada com a representatividade de uma amostra em relação a população total (...)”(TURATO, 2003, p. 357). Ao escolher esse tipo de amostra “(...) o autor do projeto delibera quem são os sujeitos que comporão seu estudo, segundo seus pressupostos de trabalho (...)” (TURATO, 2003, p. 357). Nesse estudo optou-se pela amostragem por variedade de tipos (amostragem por tipicidade) “(...) um processo de seleção de amostra de sujeitos escolhidos segundo o arbítrio e interesse científico do pesquisador, cuja resolução, embora definida como livre eleição (...) deve vir acompanhada de suas justificativas (...)” (TURATO, 2003, p. 365).

A inclusão dos sujeitos foi fixada em função de variáveis como (sexo, idade, procedência política...), além de outras, definidas em função das especificidades do objeto de estudo (tempo de residência no assentamento, titular do lote, liderança política ou comunitária). Segundo Turato (2003) mesmo com uma diversidade de identidades biodemográficas ou psicoculturais, os indivíduos se encontraram reunidos pelo que o autor chama de homogeneidade fundamental, ou seja, “(...) pelo menos uma determinada característica ou variável é comum a todos os sujeitos da amostragem: a característica- chave que os une é o próprio tema do trabalho” (TURATO, 2003, p. 365/366). No estudo considerou-se como uma homogeneidade fundamental a condição de assentado na fase 07, o tempo de moradia no assentamento e a história de luta pela posse da terra (pessoal ou familiar).

O delineamento da pesquisa considerou essencial um “mergulho” no universo, inicialmente utilizando-se da observação. Por meio das observações, manteve-se contato com pessoas em diferentes graus de atuação dentro do assentamento (professores, assentados, mulheres, homens, lideranças). Um diário de campo serviu também para registrar os fatos, impressões pessoais e reflexões sobre o observado.

Para Lopes (2002, p. 134) por meio do diário de campo:

(...) o pesquisador ao descrever os dados busca na memória o ambiente no qual os acontecimentos ocorrem, o que lhe permite retomar fatos e a situação captada por seu olhar atento. Um olhar atento que se aprofunda nas questões pertinentes aos dados e, também nos gestos e situações (...). Ao descrever fatos, situações, gestos e acontecimentos sobre uma realidade conhecida e mediada pela teoria, já esta realizando um processo interpretativo, pois no Diário de Campo os fatos são narrados numa perspectiva que foge ao senso comum – científica, portanto.

Como procedimento metodológico, optou-se pela observação como técnica de coleta de dados. O ato de observar é um dos meios mais frequentemente utilizados pelo ser humano para conhecer e compreender as pessoas, as coisas, os acontecimentos e as situações. Observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto da realidade, por isso se diz que o principal instrumento do pesquisador nessa fase é “o olho e o ouvido”.

A observação constitui um elemento fundamental para a pesquisa, principalmente com enfoque qualitativo, porque está presente desde a formulação do problema, passando pela construção de hipóteses, coleta, análise e interpretação dos dados, ou seja, ela desempenha papel imprescindível no processo de pesquisa.

Uma vantagem da observação, em relação a outras técnicas de pesquisa é que os fatos são percebidos diretamente, sem intermediação. Desse modo, a subjetividade que permeia todo o processo de investigação tende a ser reduzido. Para garantir o rigor científico a mesma deve ser organizada em função dos objetivos da pesquisa, ser sistematicamente organizada, podendo também ser submetida à verificação e controle de validade e precisão (GIL, 2008).

Nesta etapa específica optou-se pela observação não-participante. Entende-se por este tipo de observação aquela em que o pesquisador, permanece alheio à comunidade ou grupo que pretende estudar, ele apenas observa de maneira espontânea, sendo um atento e isento expectador. Não é da natureza deste procedimento a interação ou a vivência comprometida, mas apenas a observação meticulosa e rigorosa do fenômeno a ser desvelado ou compreendido (SOUZA, 2013). Embora essa observação seja considerada espontânea, coloca-se num plano científico, para além da simples constatação dos fatos.

Além dessa possibilidade de inserção no ambiente de estudo, outras vantagens também são atribuídas à observação tais como:

a) (...) independe do nível de conhecimento ou da capacidade verbal dos sujeitos;

b) permite “checar” na prática, a sinceridade de certas respostas (...); c) permite identificar comportamentos não-intencionais ou inconsistentes e explorar tópicos que os informantes não se sentem à vontade para discutir;

d) permite o registro do comportamento em seu contexto temporal- espacial (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2002, p. 164).

Essa etapa da pesquisa representou um momento em que a pesquisadora estabeleceu os primeiros contatos com as famílias e os sujeitos da pesquisa, famílias estas que representaram segundo Brandão (2007), “as portas abertas” que possibilitaram dar continuidade ao trabalho proposto.

A observação direta em campo permitiu vislumbrar aquilo que só é possível ser apreendido por meio do olhar, elemento indissociável da trilogia descrita por Oliveira (2000): olhar, ouvir e escrever, ao tratar do trabalho do antropólogo, mas que serve tão bem a historiadores e geógrafos na busca pela compreensão da história e das relações que os homens estabelecem com o meio.

Nesse sentido procurou-se observar a organização dos assentamentos, seu cotidiano, as formas de trabalho, a organização social e política, a diversidade cultural, o modo de vida, essenciais para a interpretação dos significados e suas relações com a construção da(s) identidade(s) em cada assentamento.

Essa fase inicial da pesquisa compreendeu a observação simples do objeto de estudo, visitando o maior número de assentamentos na fase 07 e também assentamentos em outras fases, utilizando-se nesse caso especificamente a amostragem por acessibilidade, definida como o menos rigoroso dos tipos de amostragem, destituída de qualquer rigor estatístico, onde o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso (GIL, 2008), aceitando que estes possam de alguma forma, representar o universo. A amostragem por acessibilidade, geralmente é utilizada em estudos exploratórios ou qualitativos.

A observação do objeto de estudo foi realizada com base em um roteiro (Apêndice B) que contemplava aspectos relacionados à paisagem tais como:

a) organização espacial do assentamento: modelo do assentamento disposição das casas, ruas;

b) infraestrutura e organização social;

c) elementos religiosos presentes na paisagem; d) elementos da ideologia dos movimentos sociais; e) elementos que indicavam a presença do Estado;

f) ações voltadas para a defesa do patrimônio e do meio ambiente; g) elementos da vivência coletiva; rotina e divisão do trabalho; h) atividades de lazer, culturais e outros tipos de sociabilidade; l) atividades produtivas: organização do trabalho e da produção.

Essas observações foram realizadas no período de 30 de março a 18 de junho do ano de 2012. Considerando os objetivos da pesquisa, dos 22 PAs que compõem a fase 07, foram visitados 12 assentamentos (Quadro 02), além da visita a 11 assentamentos fora do universo amostral (Quadro 03).

Quadro 02 - Assentamentos visitados na fase de observação da pesquisa de campo (universo amostral). Sergipe (2012).

Nome Nº de

Famílias Criação Ato de Município Território Santana dos

Frades 89 13/09/1982 Pacatuba Baixo S. Francisco Barra da onça 211 1/10/1986 Poço Redondo Alto Sertão Pedras

Grandes 27 30/09/1988 Poço Redondo Alto Sertão Cruiri 35 16/08/1989 Pacatuba Baixo S. Francisco Nova

Esperança 40 02/04/1991 Gararu Alto Sertão

Vitória da União

91 02/04/1991 S. Luzia do Itanhy Sul Sergipano São Francisco 51 02/04/1991 Cristinápolis Sul Sergipano N. Senhora

Santana

37 15/12/1992 Pacatuba Baixo S. Francisco Moacir

Wanderley

37 12/08/1993 N. Sra. do Socorro Grande Aracaju Flor do Mucuri 80 27/12/1996 Divina Pastora Leste Sergipano Mangabeira 49 10/03/1997 Umbaúba Sul Sergipano Modelo 30 18/04/1998 Canindé do S.

Francisco

Alto Sertão Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2012).

Org.: DOURADO, Auceia Matos (Mar./2013).

A opção por visitar outros assentamentos fora da fase 07 utilizando-se da amostragem por acessibilidade justifica-se pela possibilidade de conhecer um número expressivo de assentamentos, de forma a apreender as diferenças (e ou semelhanças) entre esses assentamentos, buscando aclarar as questões basilares deste estudo.

Quadro 03 - Assentamentos visitados na fase de observação da pesquisa de campo (fora do universo amostral). Sergipe (2012).

Nome Nº de

Famílias Criação Ato de Município Território Fase José Hunaldo 15 21/06/2001 Porto da Folha Alto Sertão 06

Queimada

Grande 148 12/08/1998 Poço Redondo Alto Sertão 05 Pioneira 17 31/12/1997 Poço Redondo Alto Sertão 06 Novo Mulungu 10 17/12/1998 Poço Redondo Alto Sertão 04 Caldeirão 18 09/04/2002 Poço Redondo Alto Sertão 06

Cuiabá 200 07/10/1998 Canindé do S.

Francisco Alto Sertão

Treze de Maio 40 31/03/2004 Japaratuba Leste Sergipano 04 Ivan Ribeiro 39 05/03/1990 Japaratuba Leste Sergipano

Independência

N. Sra.do Carmo 95 20/11/2000 Pacatuba Francisco Baixo S. 04 Caio Prado 90 12/12/2005 Estância Sul Sergipano 03

Rosa

Luxemburgo II 41 09/09/2009 São Cristóvão Grande Aracaju 03

Fonte: Elaborado a partir dos dados do INCRA (2012). Org.: Org.: DOURADO, Auceia Matos (Mar./2013).

Cada assentamento foi visitado pela pesquisadora com a colaboração de outros discentes do NPGEO/UFS e da Universidade Federal de Uberlândia, que possuem objetos de estudo correlacionados com temáticas que envolvem organização e produção do espaço agrária. Essa incursão inicial no campo foi importante, pois se estabeleceu os primeiros contatos com as lideranças e a população local, registrando as primeiras impressões sobre área e o objeto de estudo.

Essa etapa inicial, também contribuiu para que os locais da pesquisa e os sujeitos da amostra fossem estabelecidos, uma vez que o contato direto com a realidade a ser estudada ajudou na definição dos pressupostos da pesquisa, diante das especificidades do objeto de estudo. Os questionamentos iniciais formulados ainda no início da pesquisa ao longo das observações foram se descortinando, pela percepção das diferenças que estes possuíam, não só em função da localização geográfica, mas, em função da diversidade relacionada à questão agrária.