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É possível uma teoria geral da educação para o mundo lusófono?

Roberto da Silva

Professor Livre Docente junto ao Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). (kalil@usp.br)

Juliana Gama Izar

Professora Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Fez intercâmbio em Angola. (juliana.izar@yahoo.com.br)

Sheila Perina de Souza

Pedagoga pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Fez intercâmbio em Angola e Moçambique. (sheilaperina@hotmail.com)

Marcos teóricos e conceituais para a cooperação acadêmica na comunidade lu- sófona

O processo de internacionalização do conhecimento não é um fenômeno recente, visto que o seu processo de compartilhamento sempre fez parte da História Humana. Inseridas neste contexto, as Universidades, desde o seu surgimento na Idade Média, desempenha- vam este papel possibilitando o intercâmbio entre saberes, sujeitos e instituições visando o desenvolvimento da sociedade, independentemente de fronteiras e nacionalidades.

Contudo, a partir da década de 90 do século XX, diante das mudanças ocorridas no ce- nário econômico e da crise do Ensino Superior advinda das expectativas do mercado em contraponto com a formação acadêmica, ocorreram alterações estruturais nos modelos universitários1 e se imprimiu a exigência de um maior dinamismo na troca de informa-

ções e conhecimentos produzidos pelas mesmas, intensificando este processo e tornando- -o mais uma atribuição fundamental, juntamente com as já existentes e constituintes de sua missão institucional (Ensino, Pesquisa e Extensão).

A internacionalização do Ensino Superior por meio da cooperação acadêmica pode ser compreendida como um processo permanente de construção do conhecimento no qual 1 . Entre 1997/1998, a partir do documento The financing and management of higher education – A status

report on worldwide reforms produzido pelo Banco Mundial e apresentado na Conferência Mundial sobre Educação Superior organizado pela UNESCO, o ensino superior inglês passou por uma série de mudanças,

seguido posteriormente pelo Canadá e pela Austrália. Em 1999, foi criado o modelo universitário do Processo de Bolonha (abrangendo 29 países – Espaço Europeu de Ensino Superior – nos quais o currículo foi unificado e os créditos multivalidados, possibilitando a mobilidade de seus estudantes), seguindo o mesmo modelo de uni- versidade proposto pelo Banco Mundial que, segundo Sguissardi (2002, p. 156), “nasce de razões econômicas, isto é, da competição econômica interblocos – União Europeia versus Estados Unidos – e por influência sobre os sistemas de formação superior do terceiro mundo – América Latina, Ásia e África – com tudo o que isso possa significar em termos econômicos, políticos e culturais”.

a integração entre ações e intenções objetivam a realização de metas comuns entre os parceiros envolvidos neste processo. Porém, a partir da análise de seus objetivos, a coo- peração acadêmica pode assumir características distintas e conhecê-los faz-se necessário para compreender a sua intencionalidade, trajetória e resultados.

Segundo Morosini (2011, pp. 95-96 apud AZEVEDO; CATANI in CATANI; OLIVEI- RA, 2015, p. 74), existem atualmente dois modelos distintos de cooperação acadêmica. O primeiro, denominado como Cooperação Internacional Tradicional (CIT) é voltado para o fortalecimento das IES e é pautado por princípios mercadológicos (competitividade, captação de recursos e consumidores com grande mobilidade de estudantes e pesquisa- dores); o segundo, conhecido como Cooperação Internacional Horizontal (CIH) é carac- terizado pela solidariedade e consciência internacional, no qual “os atores locais são os principais responsáveis pelo desenho e formulação das propostas, programas e projetos de mudanças e os atores principais do processo de transformação”.

Essa tipificação apresentada por Morosini possibilita uma análise crítica sobre as par- cerias e atividades estabelecidas por inúmeras instituições universitárias com base em seu entendimento acerca do conhecimento (ora considerado mercadoria, ora considerado um bem comum para a sociedade) e permite a compreensão da trajetória e abrangência de di- ferentes convênios de cooperação acadêmica, com seus progressos e percalços, interesses e obstáculos – nem sempre previstos ou declarados.

Ainda que a cooperação acadêmica siga o modelo de Cooperação Internacional Ho- rizontal apresentado por Morosini, na celebração de acordos de cooperação acadêmica internacional é prudente ter em conta as advertências feitas por Karl Popper (1902-1994) e Paul Feyerabend (1924-1994) e sintetizadas por Boaventura de Souza Santos no livro Epistemologias do Sul (2009, p. 08) ao afirmar que

[...] a epistemologia dominante é, de fato, uma epistemologia contextual que as- senta numa dupla diferença: a diferença cultural do mundo moderno cristão oci- dental e a diferença política do colonialismo e capitalismo. A transformação deste hiper-contexto na reinvindicação de uma pretensão de universalidade, que se veio a plasmar na ciência moderna, é o resultado de uma intervenção política, econô- mica e militar do colonialismo e do capitalismo modernos que se impuseram aos povos e culturas não ocidentais e não cristãos.

Partindo desta reflexão, alguns elementos podem ser considerados como essenciais na cooperação acadêmica internacional ao envolver países que se identificam a partir da língua e de matrizes antropológicas e culturais comuns.

Tendo em vista a comunidade dos países de língua portuguesa, hoje com cerca de 260 milhões de falantes, sendo o português a língua oficial em oito países de quatro continen- tes2 e sabendo-se que o Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Haiti, República Dominicana,

França, Jamaica, Venezuela, Inglaterra e Cuba, respectivamente nesta ordem, são os dez países com maior população negra fora do continente africano, sem contar a população designada como afro e nascida fora do continente africano, é preciso repensar qual o di-

recionamento dado à Educação, ainda centrada na cultura europeia em desconsideração às demais.

As matrizes antropológicas e culturais que unem o mundo lusófono têm configurações inter, multi e transculturais, mas do ponto de vista cultural a matriz de origem branca, ocidental e cristã é predominante.

Na formação do povo brasileiro, por exemplo, estão presentes as etnias europeia, africana e indígena, hoje em relações assimétricas, com predominância hegemônica da cultura branca, cristã e ocidental em detrimento das culturas africanas e indígenas.

A língua portuguesa não é concebida como competitiva nas áreas da ciência e tec- nologia, sobretudo pela hegemonia da língua inglesa, mas na Educação ela representa vantagens estratégica e competitiva dentro do mundo lusófono, o que não pode ser ofere- cida pelos países economicamente mais presentes nos países de língua portuguesa como Estados Unidos, China, França e Cuba.

Especialmente nos países que sofreram o processo de colonização tal como o Brasil e os países africanos de língua portuguesa, a Educação não pode ser dissociada de preceitos como conscientização, emancipação, libertação e autonomia, pois os principais proble- mas com os quais temos que lidar se referem a preconceitos, estigmas, estereótipos, baixa autoestima e dificuldades para o exercício de direitos básicos.

A exploração econômica europeia, o extermínio de povos nativos, a diáspora africana, a imposição da cultura branca, ocidental e cristã em detrimento das culturas nativas, a ne- gação do status de humanidade a indígenas e negros, a exploração sexual da mulher negra, a mancebia, o concubinato e a odiosa distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, mulhe- res casadas e não casadas e famílias constituídas ou não por meio do casamento estão na gênese de todos os nossos estigmas, preconceitos e discriminações e são responsáveis pela imensa desigualdade social que afeta estes países e povos vitimados pela colonização.

As lutas pela libertação por meio de guerras ocorridas em países da América do Sul, Amé- rica Central, Caribe e África, visavam sim a independência política, mas também a restaura- ção de suas identidades étnicas, tribais e culturais suprimidas por séculos de colonização e justificaram a emergência de práticas de resistência que deram origem à práticas de Educação Popular, Educação Social e Educação Comunitária, todas concebidas, ora como alternativas aos sistemas oficiais de ensino, ora como práticas de resistências à dominação cultural.

Estes são, portanto, alguns dos elementos históricos, políticos e culturais que nos per- mitem sustentar a tese de uma Teoria Geral da Educação para o mundo lusófono. Diante do contexto da globalização e da mundialização do ensino, organizações como a Comu- nidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), por meio da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) seriam o contraponto às investidas por parte das organizações que representam a tendência pretensamente hegemônica na Educação como o Banco Mundial (BIRD/AID), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e seu braço acadêmico – a UNESCO.

A Pedagogia Social como Teoria Geral da Educação Popular, Social e Comunitária

Luzuriaga (1959) sustenta que compete à Pedagogia a elaboração de modelos e teorias da aprendizagem, bem como de métodos e técnicas de ensino, enquanto cabe à política fazer a sua universalização.

A todos nós, educadores, cabe responder a seguinte questão: quais os pedagogos que pensam a Educação a partir da ótica do mais fraco, do oprimido e do colonizado e qual a correlação de forças que possibilita tornar este pensamento pedagógico estruturante de uma política pública de Educação?

O mundo ocidental fez a opção pelo modelo educacional que Paulo Freire denominou como Educação bancária e a correlação de forças políticas impôs à escola o papel de ser o aparato de reprodução e transmissão dos valores das classes dominantes. É irrefutável admitir que a difusão dos valores da cultura branca, ocidental e cristã teve na Educação Escolar o seu principal instrumento desde a universalização da escola.

Para Luzuriaga (1959), a educação pública, mantida e dirigida por autoridades oficiais é de origem moderna. Inicia-se no século XVI com a Reforma religiosa, pois através desta, a educação medieval sofreu mudanças significativas. Esta- beleceu-se, portanto a Educação Pública Religiosa, que mantinha o objetivo da educação medieval, que era a formação do fiel, do cristão, entretanto, demons- trou caráter mais secular e nacional. Foi no final do século XVII que o Estado entrou em processo de secularização culminando no século XVIII na Educação Pública Estatal, que com caráter disciplinar e autoritário, teve como principal objetivo a formação do súdito, em especial do militar e do funcionário (ROCHA, 2004, n.p.).

De acordo com o estudo de Rocha (2004) acerca da construção histórica da instituição escolar, ao final do século XVIII, com a derrota do regime Absolutista pela Revolução Francesa e sob a liderança da burguesia é que surgem as primeiras reivindicações por direitos, dentre elas, o direito à escola pública como responsabilidade do Estado. Mana- corda (2002) afirma que é neste período histórico que se

[...] faz da escola, sem mais rodeios, um politikum, um interesse geral que o pró- prio poder não somente controla, mas já organiza e renova como algo de sua pró- pria competência. E à iniciativa do despotismo esclarecido se acrescenta logo a duas revoluções do novo e do velho mundo: nas palavras dos jacobinos, a instru- ção torna-se “uma necessidade universal” (MANACORDA, 2002, p. 358). Ainda segundo Manacorda (2002), a criação e implantação de instituições escolares datam do ano de 1763 e tinham por objetivo a formação humana baseada nos valores burgueses defendidos durante a Revolução Francesa, por meio do ensino da história e das ciências naturais para uma educação cívica e patriótica com caráter popular, ele- mentar e primário. Contudo, os métodos e iniciativas pensados para tal intento naquela época perpassaram o paternalismo e o assistencialismo, sem porém, alcançar toda a população.

Neste período, outra importante revolução responderia por ocasionar forte influência tanto no âmbito da educação pública, como da sociedade em geral: a Revolução Indus- trial. Ao modificar significativamente os modos de produção e, com isso, a organização social como um todo (modos de pensar, agir e fazer), a Revolução Industrial transformou