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Do trabalho na Universidade Nacional Timor Lorosa´e, em Timor-Leste, à pesquisa de arquivo no Rio de Janeiro

e em Portugal: o trabalho de doutorado sobre

a gramatização das línguas de Timor-Leste

Simone Pico

Universidade Estadual de Campinas

A minha primeira aproximação com Timor-Leste foi estabelecida após o término do meu mestrado junto do grupo ALLE - Alfabetização, Leitura e Escrita - na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas no ano de 2007. Já atuava como docente na formação de professores de língua portuguesa no Brasil. Tomei conhecimento do progra- ma do governo brasileiro voltado para a seleção de docentes doutores e mestres de diferen- tes áreas do conhecimento que pudessem contribuir na formação continuada de professores timorenses que empregavam a língua portuguesa como uma das línguas de instrução na ilha. Portanto, com o mestrado concluído e muita vontade de trabalhar com a formação de professores em Timor-Leste, inscrevi-me a uma vaga de professora cooperante para atuar na única Universidade pública do país. Após a entrega de toda a documentação, avaliação de memorial e entrevista, fui aprovada para trabalhar na Universidade de Timor-Leste.

Com uma mala de 23kg e mais outra com 12 kg, ambas tomadas por livros, parti para Timor-Leste cheia de sonhos, esperança e muito entusiasmo, ainda que deixasse, no Bra- sil, família, trabalho, a minha universidade e amigos.

Desse modo, junto de outros cinquenta professores, seria uma das integrantes do Programa de Qualificação de Docentes e Ensino de Língua Portuguesa no Timor-Leste (PQLP-TL), financiado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), edição 2008-2009. Entre os cinquenta, dez foram destacados para atua- rem em áreas diversas do Programa de Pós-Graduação. Eu, junto de mais um colega, atua ria como professora cooperante no Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu em Ensi- no de Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Nacio- nal Timor Lorosa’e (UNTL), em Díli, capital do país.

No dia a dia, na posição de docente no Curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa do Programa de Pós-Graduação oferecido pela Capes, chamava-me a atenção o fato de minhas alunas pós-graduandas terem vivenciado os períodos da política colonial portuguesa e indonésia e todas falarem a língua portuguesa; porém, nem todas sabiam (algumas diziam que tinham esquecido) o indonésio. Elas queriam saber sobre a história do português em Timor-Leste e como foi construída a relação do português europeu com as línguas timorenses ao longo dos séculos, desejavam entender as razões da tomada de posição das autoridades timorenses na escolha do tétum e da língua colonial europeia (português) como línguas oficiais do país etc., ou seja, almejavam compreender como havia se configurado todo um processo que sempre fora apagado dos materiais didáticos e de formação oferecidos pelas cooperações portuguesa e brasileira.

Como o Brasil também tinha sido colônia portuguesa, perguntavam-me a respeito da história do português do Brasil na sua relação com o português europeu e com as outras línguas faladas em meu país; quais eram as línguas indígenas, se nós, brasileiros, as fa- lávamos, e a nossa relação com os índios; se esses falavam o português e quais outras línguas, se eles iam às mesmas escolas que frequentávamos ou se essas eram diferencia- das para aqueles etc. Desejavam também compartilhar suas angústias e estranhamentos no tocante ao ensino exclusivo da língua portuguesa em detrimento das línguas de Timor; sobre as dificuldades que enfrentavam ao terem de obrigar jovens e crianças a aprenderem o português e como fariam para amenizar os problemas na aprendizagem de uma língua que fora silenciada no país durante os vinte e quatro anos do domínio das autoridades indonésias na ilha.

Frente ao que me foram colocando, como não tinha praticamente conhecimento al- gum a respeito da realidade das línguas timorenses e do português em Timor, comecei o meu levantamento preliminar a respeito da situação linguística, recolhendo materiais que apontavam para a história da língua portuguesa e dos portugueses na ilha. Aproveitava para discutirmos as produções acadêmicas do professor e pesquisador Wilmar da Rocha D’Angelis (1998, 2003 e 2008) que sinalizavam para questões relacionadas à formação do professor de línguas, à leitura e à escrita em espaços onde o português era “segunda língua” num contexto bilíngue /multilíngue, assim como o espaço de Timor, realidade do país desde a fixação dos primeiros missionários católicos no território. Realizava, tam- bém, a discussão de textos que nos permitiram refletir a respeito da negação da formação na/e pela língua do timorense pelos “cooperantes” estrangeiros, considerando como tex- tos motivadores para tal questão as produções1 do educador pernambucano Paulo Freire.

Seus escritos descreviam contextos de ensino e de aprendizagem em que a oralidade se encontrava em conflito/tensão com a escrita, como era o caso de Timor, que contava com mais de vinte línguas ágrafas em oposição ao português europeu, estruturado pela escrita, pela convenção ortográfica e representado por gramáticas, dicionários e uma literatura própria.

Naquela época e a partir do acervo disponível nas bibliotecas públicas do país, no caso, no Instituto Camões de Timor, na Fundação Oriente e na biblioteca da Faculdade de Educação na UNTL, tomei conhecimento, inicialmente, dos trabalhos de dois pesqui- sadores que apontaram com detalhes para a questão da língua portuguesa na ex-colônia portuguesa, sendo eles o historiador português Luis Felipe Ferreira Reis Thomaz2 e o

linguista australiano Geoffrey Hull3. Este, além de destacar aspectos históricos e políticos

1 . No caso, a leitura e a reflexão de capítulos e trechos das seguintes obras de Paulo Freire: Pedagogia da

Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa (Paz e Terra, 1996); A importância do ato de ler: em três

artigos que se completam (Autores Associados, Cortez, 1989) e Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma expe- riência em processo (Paz e Terra, 1978).

2 . As publicações de Thomaz as quais tive acesso em Timor-Leste foram: De Ceuta a Timor, 2ª Edição, Lisboa: Difel, 1998 e Babel Loro Sa’e - O Problema Linguístico de Timor-Leste, Colecção Cadernos Camões. Lisboa: Instituto Camões, 2002.

3 . Quanto aos trabalhos de Hull, foi-me possível encontrar: Timor-Leste: Identidade, Língua e Política Educacional. Lisboa: Instituto Camões, 2001, tratando-se esta da Conferência proferida no Parlamento Na- cional em 25 de Agosto de 2000; A Língua Portuguesa em Timor: uma perspectiva australiana. Conferência apresentada em: Identidade e Língua: desafios e prioridades para a Educação em Timor-Leste, Centro de

ligados à presença da língua portuguesa em Timor, dedicou-se à descrição do funciona- mento linguístico de várias línguas de Timor, conferindo número maior de trabalhos ao tétum. Já com relação às publicações de autoria de timorenses, foi-me possível encontrar o dicionário e o guia da língua tétum de Luís Costa4 e artigos políticos que versavam a

respeito da escolha das línguas oficiais (o português e o tétum) no processo da indepen- dência da ilha, da autoria do primeiro ministro de Timor, Sr. Mari Alkatiri5, nos anos de

2002, II Governo de Transição, e de 2006, com o país já independente, e do Bispo D. Carlos Filipe Ximenes Belo6.

Da Faculdade de Educação da Universidade Nacional Timor Lorosa´e para o Doutorado em Linguística no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas

Foi justamente com toda a experiência acumulada, principalmente nas leituras como docente na Universidade Nacional Timor Lorosa´e (UNTL), e, especialmente, nos diálo- gos com os timorenses durante o meu trabalho com a formação de professores em Timor- -Leste, que, regressando ao Brasil, decidi investir em uma pesquisa de doutorado que me permitisse compreender e analisar, nos documentos que marcaram a história da relação entre europeus, timorenses e indonésios, aspectos relacionados com a questão das línguas e os seus sujeitos na ilha do sudeste asiático.

As primeiras referências e leituras realizadas em Timor-Leste foram ampliadas aqui no Brasil com a pesquisa de arquivo realizada no Real Gabinete Português de Leitura e na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em 2012.

No Real Gabinete Português de Leitura, encontrei as primeiras cartas de viajantes7

noticiando sobre a descoberta de Timor e o que encontraram por lá: o sândalo, sua gen- te e suas línguas. Deparei-me com a referência bibliográfica intitulada Subsídio para a bibliografia de Timor Lorosa’e que se tratava de uma listagem cronológica de livros, re- vistas, ensaios, documentos e artigos, datados de 1515 a 2000, da autoria de Dom Carlos Filipe Ximenes Belo (2001). Desse modo, tomei conhecimento da produção de alguns instrumentos linguísticos, especialmente dicionários e gramáticas, elaborados, em grande número, por missionários europeus. Na listagem foram mencionados os trabalhos do Pe. Sebastião Maria Aparício da Silva, com o Dicionário Português-Tétum, de 1889; o do Informação e Documentação Amílcar Cabral, Díli e Baucau, 2001; Língua, Identidade e Resistência. Entrevista a Geoffrey Hull. Timor Lorosa’e. Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, 14, p. 80-92, 2001; The

Languages of East Timor: Some Basic Facts, 2002; e Gramática da Língua Tétum, Lisboa: Lidel, 2005.

4 . Os trabalhos de Costa: Dicionário de Tétum-Português, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000; Guia de Conversação Tétum-Português. Lisboa, Edições Colibri, 2001; e artigo O Tétum, factor de iden- tidade nacional. Timor Lorosa’e. Camões, Revista de Letras e Culturas Lusófonas, 14, p. 59-64, 2001.

5 . Há investidas contra a língua portuguesa. Cf. Timor Online – Em directo de Timor-Leste, 10 de Dezembro de 2008. Disponível em: http://timor-online.blogspot.com.br/2008/12/h-investidas-contra-lngua-portuguesa. html. Acesso em 09 set. 2015.

6 . A língua portuguesa em Timor-Leste. Cf. Agência Ecclesia, 27 de Maio de 2008. Disponível em: <https:// ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/lusofonias/a-lingua-portuguesa-em-timor-leste/1758>. Acesso em 09 set. 2015.

7 . Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: Insulíndia (1506-1549). 1°. volume. Compilação e notas de Pe. Artur Basílio de Sá. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1954.

Pe. Manuel Maria Alves da Silva, com Noções de gramática Galóli, dialecto de Timor, de 1900, e o Diccionario Portuguez-Galoli, de 1905; em 1916, o Pe. Manuel Mendes Laranjeira publicou a Cartilha-Tétum; o Pe. Manuel Patrício Mendes publica Dicionário Tétum-Português, de 1935; o do Pe. Abílio José Fernandes, com Pequeno método prático para aprender o Tétum, de 1937 e o Vocabulário Atauro-Português, Português-Atauro, de Jorge Barros Duarte, de 1990. Já entre os que não eram missionários, estavam as pro- duções do Dicionário de Tétum-Português, de Luís Costa, 2000, e Portugal, Conhecer Timor Lorosa’e – Koalia (Conversar) Tetun. Dicionário Português-Tétum, de 2000, auto- ria de Martim Ferreira.

Além dos instrumentos acima, encontrei indicações de orações e narrativas sagra- das, como Pequeno Catecismo e orações para todos os dias, de 1907, sem autoria; como a do Pe. Manuel Fernandes Ferreira, com Resumo da História Sagrada em Português e em Tétum para uso das crianças de Timor-Leste, de 1908; o Evangelho de São Marcos em Tétum, sem autoria, de 1990; o Katekismo Sarani Diocese Díli Niam, de 1991, do Pe. Manuel Fraille; o Evangelho de São João em Tétum, de 1992; e a do Pe. Rolando Fernandes, Novo Testamento em Tétum, de 2000. Procurei-as na base de dados do Real Gabinete Português de Leitura, todavia, tais publicações não compunham o acervo da instituição.

Tive acesso a informações importantes a respeito do que os portugueses nomearam como política linguística de Portugal para Timor na obra Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, de 1961, da autoria do Pe. Artur Basílio de Sá. Há o capítulo intitulado “Política Inicial Portuguesa em Línguística Ultramarina” que narra sobre a expansão da língua portuguesa quando comparada ao ensino do tétum, a produção de dicionários e gramáticas das línguas de Timor, sobre a escassez de recursos e de professores no ensino das línguas etc. e a presença dos Durubasas (intérpretes) entre os nativos timorenses e as autoridades políticas e missionárias portuguesas que recorriam aos trabalhos dos mesmos para questões de campos diversos.

Na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi-me possível ler e manuscre- ver trechos das impressões de viajantes e historiadores portugueses a respeito do tétum e das demais línguas de Timor e sobre o ensino praticado pelos primeiros missionários na ilha, especialmente os dominicanos. Algumas referências importantes para a pesquisa foram: Timor português: contribuições para o seu estudo antropológico, de Antonio Au- gusto Mendes Corrêia, de 1944; Timor português, de Hélio Augusto Esteves Felgas, de 1956 e Timor, pequena monografia, de 1965, da Agência Geral do Ultramar Português. Com a pesquisa de arquivo, realizada, posteriormente, em Portugal, consegui as cópias dos capítulos de tais livros e de outros, todos com informações relevantes para o desen- volvimento do trabalho.

A última etapa da pesquisa de arquivo, entre outubro de 2013 a maio de 2014, foi re- alizada por meio de bolsa concedida pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), financiada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), junto da Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo. Durante a minha permanência em Lisboa, foi-me facilitado e orientado o acesso a diferentes arquivos, bibliotecas e centros de documentação localiza-

dos em Lisboa8, no Porto9 e em Cernache do Bonjardim10, lugares imprescindíveis para o

levantamento de documentação de natureza diversa a respeito da presença portuguesa em Timor-Leste. Buscava, mais especificamente, textos que versassem sobre a questão das línguas em Timor, sobre os seus falantes e as políticas de línguas praticadas pelo coloni- zador português em diferentes momentos da sua presença no território. Foi-me possível também encontrar alguma documentação e informações de autoria portuguesa, timorense e australiana sobre as línguas de Timor no período em que o país esteve sob o controle do governo indonésio, de 1976 a 1999, e documentos da fase de transição de governo, de 2000 a 2002, até a independência do país em 20 de maio de 2002.

Durante a pesquisa de arquivo em Portugal, consegui encontrar as referências biblio- gráficas completas as quais tive conhecimento no Real Gabinete Português de Leitura e na Fundação Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Especialmente, boa parte dos instru- mentos linguísticos sobre as línguas timorenses descritas pelos missionários católicos que estiveram em diferentes épocas na ilha. Além disso, textos históricos e políticos recolhi- dos apontaram para outras referências que me levaram ao encontro de relatos de viajantes não portugueses, entre os séculos XVII ao XIX, que versavam sobre as línguas de Timor.

Vale a pena ainda destacarmos que, pelo fato de boa parte da documentação existente em Timor a respeito da atuação das autoridades indonésias, incluindo as decisões envol- vendo as línguas, ter sido queimada durante os intensos momentos de guerrilha interna contra o invasor indonésio, ou encontrar-se inacessível para consulta em arquivos da Indonésia, foi nos diálogos travados com timorenses, entre 2008 e 2009, enquanto docen- te na universidade, que tomei conhecimento das correspondências do acervo digital do Arquivo & Museu da Resistência Timorense (http://amrtimor.org/). Este faz parte do Pro- jeto casacomum.org (http://casacomum.org/cc/), plataforma de arquivos, em língua por- tuguesa, desenvolvida pela Fundação Mário Soares, em articulação com diversos outros centros de documentação de países onde uma das línguas de Estado é o português. Dentre as inúmeras correspondências trocadas entre guerrilheiros e simpatizantes da causa timo- rense, foi-me possível encontrar as que estavam ligadas às políticas de línguas, ou seja, que tratavam da questão das línguas no país e sobre o futuro político-linguístico da ilha.

8 . Em Lisboa, recolhi documentação no acervo pessoal do Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo, no Arquivo Histórico Ultramarino do Palácio dos Condes da Ega e no Centro de Documentação e Informação do Palácio dos Condes da Calheta, ambos integrados ao Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT); na Biblioteca Nacional de Portugal; no Centro de Documentação António Alçada Batista da Fundação Oriente Museu; no acervo da Biblioteca Ultramarina do Gabinete de Pesquisa Histórica (GPH) da Caixa Geral de Depó- sito; na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa; nas bibliotecas das Faculdades de Letras e de Direito e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; nas Bibliotecas Municipais Palácio Galveias, Belém, Por Timor e Anjos; no Camões – Instituto da Cooperação e da Língua; na Biblioteca do Instituto de Estudos Superiores Militares; na Biblioteca do Centro Científico e Cultural de Macau, IP e na Biblioteca da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).

9 . Durante a minha permanência no Porto, recolhi documentos sobre Timor-Leste no espólio pessoal do Prof. Dr. António Pinto Barbedo de Magalhães disponível na biblioteca da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; encontrei material no acervo da Biblioteca Pública Municipal do Porto e realizei pesquisa nas publi- cações editadas pela Fundação Engenheiro António de Almeida.

10 . Em Cernache do Bonjardim, mediante contato do Prof. Dr. Fernando A. de Figueiredo com Pe. Castro, conseguimos autorização para conhecer o acervo do antigo Colégio das Missões Ultramarinas, hoje conhecido como Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim. Encontramos alguns artefatos linguísticos sobre as línguas de Timor, mas não nos foi autorizado nenhum tipo de reprodução dos materiais.

Tive acesso aos excertos dos manuais dos programas partidários dos principais par- tidos políticos (FRETILIN, UDT e APODETI), formados na época da independência de Timor de Portugal, e o que os mesmos propuseram para a questão das línguas em Timor- -Leste.

A Política de Língua do Estado, o Espaço de Enunciação Timorense e o Processo de Gramatização das línguas de Timor-Leste

Timor-Leste é uma ex-colônia portuguesa que, a 20 de maio de 2002, pôs o mundo a assistir ao reconhecimento da sua independência e à oficialização de uma única língua timorense, no caso, o tétum, junto da língua do colonizador europeu, o português11, sendo

conferido o estatuto de línguas nacionais12 às demais línguas do país e o de língua de

trabalho ao inglês e à língua indonésia13.

Contudo, há de se compreender que os estatutos conferidos às línguas14 do Timor

Português, na atualidade, pelos diferentes legisladores da Constituição da República De- mocrática do território, não foram fortuitos e, muito menos, resultados da relação recente entre as línguas e os seus sujeitos. Esse estatuto político-administrativo diferenciado foi fruto das relações conflituosas de longa data entre línguas e sujeitos de diferentes espaços territoriais, no caso, os nativos dos diferentes reinos15 da ilha de Timor16 e os coloniza-

dores que estabeleceram relações de dominação linguística, política e econômica com aqueles.

Os conflitos entre línguas e sujeitos tão diferentes afetou o espaço de enunciação (Guimarães, 2002) timorense e produziu divisões entre as línguas e os seus falantes. Tais divisões no espaço-tempo de Timor-Leste não foi algo que se concretizou de modo a não produzir os seus efeitos regulatórios, a promover a disputa entre as línguas e a produzir aquilo que era dito e o que era não dito. Desse modo, segundo Guimarães (idem), línguas e falantes se configurariam em um espaço político que historicamente marcaria o per- tencimento, ou não, dos sujeitos, mobilizando a divisão entre os mesmos no espaço de enunciação.

11 . O Art. 13º. da Constituinte (Parte I – Princípios Fundamentais), p. 11, prevê que “o tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.

12 . O mesmo artigo define que o tétum e as outras línguas nacionais devem ser “valorizadas e desenvolvidas pelo Estado” (p. 12).

13 . A Constituição, Parte VII – Disposições Finais e Transitórias, em seu Artigo 159º., estabelece que a língua indonésia e a inglesa são línguas de trabalho em uso na administração pública a par das línguas oficiais, enquanto tal se mostrar necessário.

14 . De acordo com o último Censos Populacional e Habitacional realizado em Timor-Leste, no ano de 2010, são faladas mais de vinte e duas línguas.

15 . A designação “reino” foi empregada conforme os trabalhos dos historiadores portugueses (Thomaz, 1994, e Figueiredo, 2008) e a mesma também recebeu a denominação de suco e povoação, de acordo com pes- quisa de Figueiredo (2011). Os “reinos”, hoje, encontram-se divididos em inúmeros distritos.