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A polêmica criação dos Gabinetes de Apoio Psico-pedagógico em Cabinda: orientações,

discursos e contrastes entre Angola e Brasil

Isael de Jesus Sena

Doutorando em Educação em regime de cotutela entre a Universidade Federal de Minas Gerais e Université Paris 8 - Vincennes Saint Denis

Marcelo Ricardo Pereira

Professor Associado de Psicologia da Educação/FaE/UFMG. Coordenador do GT Psicanálise e Educação da ANPEPP

Maria de Fátima Cardoso Gomes

Professora Associada de Psicologia da Educação/FaE/UFMG. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da FAE/UFMG. Coordenadora do FORPRED/SUDESTE. Coordenadora do Projeto - 0035/12 CAPES/AULP (2013 - 2017)

Introdução

Este artigo visa a discutir, à luz do enfoque crítico da psicologia educacional, sobre a polêmica criação dos “Gabinetes de Apoio Psico-pedagógico1” em Cabinda, suas prin-

cipais orientações e discursos. Lançaremos mão de estudos de psicologia, psicanálise e educação que revelam atualidades sobre o tema e que possam servir de clarificação para os contrastes do campo entre o que é feito em Angola e no Brasil.

O presente estudo se justifica na medida em que a partir do levantamento feito através de entrevistas realizadas com os estudantes de Licenciatura em Psicologia da Universi- dade 11 de Novembro (UON), de Angola, observamos a presença de um discurso biomé- dico, individualizante e normalizante, reduzindo quase que exclusivamente às famílias o motivo das dificuldades vivenciadas pelos sujeitos no seu processo de escolarização. Essa posição discursiva, em nosso entendimento, pode contribuir para aumentar os níveis de segregação, exclusão social e desenvolvimento de práticas de medicalização da educação. Nesse sentido, em nossa discussão não pretendemos reforçar mitos e buscar culpa- dos, mas recuperar em cada sujeito a dimensão sociocultural do aprender, bem como o seu desejo de saber. Portanto, visamos com esta reflexão a abordar a relevância da criação dos “Gabinetes Psico-pedagógicos”, desde que eles possam servir de operadores de intervenção orientados por uma visão socioeducacional, favorecendo os processos de escolarização dos sujeitos, revertendo as práticas medicalizantes dos processos escolares e ampliando a discussão de como estamos avançando na abordagem de impasses educa- cionais para além dos transtornos bioquímicos para tratar o psíquico.

Organizamos a discussão em três seções. Na primeira, vamos abordar o contexto dos problemas de escolarização de crianças e adolescentes no Brasil, suas principais críti- cas e em que medida avançamos. Na segunda, optamos por apresentar um breve recorte das entrevistas realizadas com estudantes de Licenciatura em Psicologia do Instituto de 1 . A palavra psico-pedagógico está escrita tal como foi empregada no Diário da República de 11 de janeiro de 2011.

Ciências da Educação (ISCED-UON) e buscamos enfatizar neste aspecto as categorias de público alvo de atendimento nos “Gabinetes Psico-pedagógicos” e abordagem e tra- tamento das dificuldades de aprendizagem. Finalmente, na terceira parte, apresentamos a conclusão de que a criação dos “Gabientes Psico-pedagógicos” deve recuperar em cada sujeito a dimensão sociocultural do aprender, bem como o seu desejo de saber e servir de operadores de intervenção orientados por uma visão socioeducacional, favorecendo os processos de escolarização dos sujeitos e revertendo as práticas medicalizantes dos processos escolares.

Os problemas de escolarização de crianças e adolescentes no Brasil: uma leitura crítica

As dificuldades no processo de escolarização, vivenciadas por crianças e adolescen- tes, têm sido objeto de pesquisas em Psicologia (SENA, 2015; SOUZA, 2007; SOBRAL, 2007; PATTO, 2010; TANAMACHI; PROENÇA; ROCHA, 2000), Psicanálise (BER- GÈS; BOUNES; JEAN, 2008; COHEN, 2004; LAJONQUIÈRE, 2007; KUPFER, 2007; PEREIRA, 2011); COUTO, 2004; SANTIAGO, 2005; GUIRADO, 2007) e Ciências So- ciais (APPLE; BALL; GANDIN, 2013). Destacamos também os trabalhos de conclusão de curso em pedagogia e psicologia do ISCED, defendidos em 2015 e 2016, os quais dão visibilidade aos impasses na aprendizagem de crianças em Cabinda, Angola (GAMA, 2015; MACOSSO a 2015; MACOSSO b 2015; MACOSSO c 2015; BUANGA, 2015; PADI, 2015; LOPES, 2015; LUMINGO, 2016; HUNGULO, 2016). Novos estudos no campo da Psicologia Social (MEURER; GESSER, 2010), no Brasil, assim como estu- dos que se dedicam a refletir sobre a atuação do psicólogo na educação (SILVA, 2010; CARRASCO, 2010; SADALLA, 2010), configuram novos arranjos para compreender as dificuldades de aprendizagem. Esses campos do conhecimento, orientados a partir de seus pressupostos teóricos, apresentam diferentes possibilidades de abordar o fenômeno em pauta.

Os estudos têm demonstrado que, durante décadas, a psicologia comprometeu-se com a produção do fracasso escolar ao oferecer atendimento psicológico a uma demanda a qual construiu explicações sobre o baixo desempenho social de crianças e adolescentes oriundas de classes populares (FERNANDES et al, 2013). Foi nos primórdios da década de 1970 que encontramos um genuíno interesse dos pesquisadores em identificar os determinantes do baixo rendimento escolar em variáveis externas ao sistema escolar. Dito de modo direto, buscavam nas condições socioeconômicas e psicológicas dos usuários da escola pública as causas para os problemas no processo de escolarização (ANGELUCCI, et al, 2004).

Neste aspecto, entendiam que “diagnosticar, explicar, tratar o fracasso escolar fun- cionou como um ‘canto da sereia’, dando sentido ao trabalho da psicologia nas escolas. Nesse percurso histórico aparecem técnicas de avaliação marcadas pelo discurso precon- ceituoso e por ações individualizantes que circunscrevem os limites de um corpo ao qual é colocada a insígnia da deficiência” (FERNANDES et al, 2013, p. 146). Observa-se que os laudos psicológicos, os quais confirmam muitas vezes as opiniões e “hipóteses” dos professores, que em geral tem grande poder de convencimento sobre a criança e seus familiares, vão ao encontro do discurso liberal segundo o qual vencem sempre os mais aptos (PATTO, 1992). A autora é contundente e critica:

A crença na incompetência das pessoas pobres é generalizada em nossa sociedade [...] Dizem para o oprimido que a deficiência é dele e lhe prometem uma igualdade de oportunidades impossíveis através de programas de educação compensatória que já nascem condenados ao fracasso quando partem do pressuposto de que seus destinatários são menos aptos à aprendizagem escolar (PATTO, 2010, p.76). Diante dos alunos menos aptos à aprendizagem, às vezes os professores recorrem aos psicodiagnósticos, avaliações neuropsicológicas e clinicas, produzidos sobre a incompe- tência da criança e do adolescente. Esses rótulos e estigmas produzem também consequ- ências diversas: “grudam nos dentes” dos alunos oprimidos e funcionam como “mordaças sonoras”, expressões recuperadas por Patto (1997), utilizadas por Sartre, no prefácio do livro Os condenados da Terra, de Frantz Fanon. “Neste caso, a desigualdade e a exclusão são justificadas cientificamente (portanto, com pretensa isenção e objetividade) através de explicações que ignoram a sua dimensão política e se esgotam no plano das diferenças individuais de capacidade” (PATTO,1997, p. 47).

Essas dificuldades vivenciadas por crianças, adolescentes e suas famílias, as quais envolvem o âmbito escolar, colocam desafios à pesquisa educacional. Nesse sentido, con- cordamos com Patto (1992, p. 108) quando mostra que “na análise crítica das ideias que se propõem a explicá-lo, no exame de sua filiação história, de seus determinantes sociais, encontra-se a chave para entender a relação, via de regra má, dessa escola com seus usuários pobres”.

Uma breve retrospectiva nos permitiu constatar que o primado da psicologia no en- tendimento do fracasso escolar, é, portanto, marca de consolidação da pesquisa educacio- nal. Entre as décadas de 1960-1970, os psicólogos, inspirados na literatura especializada norte-americana, elaboravam e adaptavam instrumentos de avaliação de capacidades e habilidades psíquicas e realizavam pesquisas que correlacionavam níveis de desenvolvi- mento psicológico e rendimento escolar, sobretudo em leitura e escrita. Era nesse recorte psicológico que se elaboravam as versões dominantes sobre as causas do fracasso escolar (ANGELUCCI, et al, 2004).

Na década seguinte, entre os anos 1970-1980, havia uma “predominância de estudos que não só caracterizavam psicológica e sociologicamente os sujeitos ou o ambiente em que vivem, mas também investigavam a influência dessas características – como variá- veis independentes sobre a aprendizagem ou o nível de escolaridade” (ANGELUCCI, et al, 2004, p.55). Foi nesse contexto, marcado pela disseminação de uma concepção de fracasso escolar, sobretudo diante de altas taxas de reprovação e evasão escolar da escola pública, que coincidentemente “importava-se” para o Brasil a “teoria” norte-americana da carência cultural. (ANGELUCCI, et al, 2004). O que esta teoria explicava era o fato de “as crianças das chamadas minorias raciais não se sairiam bem na escola porque seu ambiente familiar e vicinal impediria ou dificultaria o desenvolvimento de habilidades e capacidades necessá- rias a um bom desempenho escolar (PATTO, 1992, p. 109). De modo objetivo, Patto sinteti- za o conjunto desses “saberes” os quais buscavam explicar a origem do fracasso escolar: Todas essas versões, sob certos aspectos muito diferentes umas das outras, têm em comum o fato de situarem as causas das dificuldades escolares nos alunos e em suas

famílias. Se é verdade que há progressos nesta sequência – na passagem da primeira para demais, por exemplo, dá-se a passagem de concepções genéticas para con- cepções ambientalistas da inteligência –, é verdade também que todas elas definem “ambiente” de maneira naturalista, a-histórica, não levando em conta as relações de produção e as questões do poder e da ideologia e, nessa medida, deixam espaço para a penetração da Ciência pelo senso-comum, pelo que parece ser, pelos preconceitos e estereótipos sociais relativos a pobre e não-brancos (PATTO, 1992, p. 109) As concepções genéticas e ambientalistas, as quais buscavam explicar a origem dos problemas de escolarização das crianças de origem pobre, reduziam aos aspectos bio- lógicos e ambientais, sem nenhuma criticidade, como causa das dificuldades escolares. Nessas duas perspectivas genética e ambiental, fatores como “os processos institucionais acionados no cotidiano escolar que também geram sofrimento no trabalho e no proces- so de aprendizagem” (FERNANDES, et al, 2013, p.146) ficaram excluídos da pesquisa educacional por um longo período, vindo a aparecer somente depois da década de 1980 através dos estudos de Patto (1992) e outros.

Apesar dessas concepções biológicas e ambientalistas sobre o fracasso escolar predo- minarem nas pesquisas educacionais, e serem objeto de formação continuada dos profes- sores, novas abordagens vêm sendo introduzidas através de dispositivos que buscam rom- per com essa prática e lógica discursivas. Isso implica em considerar os encontros com as pessoas com as quais trabalhamos como campo de coalizão de forças (bio-psico-político- -social) no qual se pode buscar novas discursividades lógicas que alterem o entendimento do sujeito na sociedade. Ele deixaria de ser apenas o indivíduo criado e estigmatizado a partir da relação com a norma, para alcançar o estatuto de sujeito propriamente dito como efeito das relações e interações sociais.

É nesse sentido que consideramos relevante mencionar as novas abordagens e estra- tégias que podemos situá-las como dispositivos com os quais se busca novas formas de lidar com os encaminhamentos produzidos pelas escolas e reverter a lógica medicalizante da educação. Isso implica em construir alternativas que vão na contramão dos atendimen- tos reducionistas. Em outras palavras, “a individualização de questões de ordem iminen- temente coletiva” (SOUZA, 2014, p.69). Na tentativa de superar esse viés reducionista, a abordagem de “Orientação à Queixa Escolar” tem sido apontada como uma alternativa que contempla parte do tratamento os diversos atores e relações estabelecidas em torno da produção da queixa escolar (SOUZA, 2007).

A abordagem da Orientação à Queixa Escolar leva em conta os seguintes princí- pios: colher e problematizar as versões de cada participante da rede (criança, família e escola); promover a circulação de informações e reflexões pertinentes e a integração ou confrontá-las dentro dessa rede; propiciar releituras e buscar soluções conjuntamente; identificar, mobilizar e fortalecer as potências contidas nessa rede de modo que ela passe a movimentar-se no sentido da superação da situação produtora da queixa. Concordamos com Monteiro (2014, p. 316) quando declara que: “a rede produzida por este coletivo, portanto, almeja a diferenciação das conexões frias, propostas pelas políticas que operam a partir da globalização neoliberal, utilizando-se da lógica do capital enquanto equivalen- te universal e sistema de equalização de modo de existência”.

Nessa abordagem de “orientação à queixa escolar” (SOUZA, 2007), busca-se articu- lar níveis de análise tradicionalmente abordados separadamente, a saber: as esferas indi- vidual (subjetividade) e social (realidade social), e inclui a complexidade dos processos de escolarização em uma sociedade de classes nas quais crianças são tratadas desigual- mente em razão do grupo social a que pertencem.

Os problemas escolares enfrentados por crianças e adolescentes passa agora a não ser apenas objeto de pesquisa e adquire um estatuto de “preocupação” em função das suas repercussões nos indicadores escolares. Por este motivo, passa a ser pauta da agenda do governo o qual observa a necessidade de inserir assistentes sociais e psicólogos na escola, com o pretenso objetivo de intervir nas relações sociais e institucionais.

Nessa linha de argumentação, o Projeto de Lei 3688/2000, foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes públicas de Educação Básica. Neste projeto,

as redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de ser- viço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais. As equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações voltadas para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na me- diação das relações sociais e institucionais. O trabalho da equipe multiprofissional deverá considerar o projeto político-pedagógico das redes públicas de educação básica e dos seus estabelecimentos de ensino (BRASIL, 2010).

O que se observa com esses novos ou “velhos” dispositivos de cuidado, é a entrada do terceiro social na família imputando a ela as suas responsabilidades. Julien (2000) nos brinda com a sua crítica ao apontar que:

o social, que invade o domínio do político, avança de agora em diante sobre o ter- ritório familiar. De fato, cada vez mais, os representantes da sociedade intervêm na relação entre pais e filhos [...] O terceiro social vem hoje cada vez mais interferir no processo dessa transmissão intergeracional. São o pediatra, a assistente mater- na, a assistente social ou o professor, às vezes o psicólogo ou o juiz que, em nome da lei do bem-estar, esclarecem os pais sobre suas competências e seu julgamento. Pouco a pouco, o saber do perito se arroga um poder sobre a criança de tal modo que a lei do bem-estar se transmite à geração seguinte não mais apenas pelo fami- liar, mas pelo social. (JULIEN, 2000, p. 25).

Nessa breve análise de como as crianças com dificuldades no processo de escolariza- ção são tratadas ao longo de muitas décadas, constatamos que a pesquisa educacional, no Brasil, ampliou o seu campo ao considerar que elementos de ordem institucional e social concorrem na produção do fracasso escolar e não é suficiente apenas tratamento de abor- dagem restrita a consultórios. Nesse sentido, estamos atentos ao fato de que ao amplia- rem as políticas públicas de educação e ao investirem em novos dispositivos de cuidado à

criança, a família e ao professor, estão assegurando compromissos com a transformação social e contra a injustiça. Sob essa ótica, observamos que “é necessário descontruir os processos de produção do fracasso escolar. É necessário desmontar práticas focalizando os mecanismos que se engendram no cotidiano escolar para, a partir de sua recusa, inven- tar novas possibilidades de gerir a produção de conhecimento construindo alianças com outros saberes (FERNANDES at al, 2013, p. 147)

Discursos, confluências e contrastes entre Angola e Brasil

Na seção anterior identificamos que durante décadas vigorou o discurso de culpabili- zação das famílias pelas dificuldades no processo de escolarização de crianças e adoles- centes. Essa perspectiva não considerava a instituição escolar, nem as relações sociais, tampouco o modo de produção capitalista como parte produtora do fracasso escolar.

Neste tópico pretendemos discutir sobre qual tem sido o discurso dos estudantes de psicologia acerca do modo como concebem a polêmica criação dos “Gabinetes Psico-pe- dagógicos” em Cabinda. A partir de uma pesquisa realizada com estudantes do curso de Licenciatura em Psicologia, 3° e 4° ano, do ISCED, da UON, buscamos compreender a concepção que aqueles estudantes tinham acerca do trabalho do psicólogo escolar e do psi- copedagogo os quais futuramente poderão atuar nos “Gabinetes Psico-pedagógicos”, con- forme o artigo 40° publicado no Diário da República de Angola, em 11 de Janeiro de 2011. Em 2016, foram realizadas entrevistas semiestruturadas no Laboratório de Psicologia, Psicanálise e Educação – LPPE (ISCED-UON e FaE-UFMG, fruto de projeto da AULP- -Capes2), com 29 estudantes, sendo 14 do 4° ano e 15 do 3° ano do curso de Licenciatura

em Psicologia. O conteúdo das entrevistas foram categorizadas em temáticas segundo as proposições de Bardin (2011). Quanto à análise das categorias, inspiramos-nos numa perspectiva etnográfica-contrastiva, por meio da qual fenômenos ou práticas culturais são estudados a partir da observação do contexto e considera o fato de que “a cultura não é uma variável, ou mesmo um conjunto de variáveis, mas um conjunto e princípios de prá- ticas que são construídas por seus membros à medida que estabelecem papéis e relações, normas e expectativas, e direitos e obrigações que constituem o sentimento de pertença ao grupo social”. (GREEN;DIXON; ZAHARLICK, 2005, p. 17,).

Após a escuta das entrevistas, categorizamos as seguintes temáticas: identidade profissional do psicólogo socioeducacional e do psicopedagogo; público alvo de aten- dimento nos “Gabinetes Psico-pedagógicos”; abordagem e tratamento das dificuldades de aprendizagem; relações de parcerias estabelecidas pelos responsáveis pelo Gabinete; formação de professores; ajustes no currículo; metodologia de trabalho; concepção da relação professor-aluno; choque cultural entre aprender na escola o Ibinda (língua local) e o Português (língua oficial); o lugar da parceria entre a FaE-UFMG e o LPPE-ISCED- -UON na formação dos estudantes de psicologia.

Considerando o recorte da proposição deste artigo, privilegiamos abordar a categoria de público alvo dos “Gabinetes Psico-pedagógicos”. Essa escolha se justifica em função de que ainda não existe um espaço de discussão coletivo que promova o debate sobre as 2 . Programa Pró-Mobilidade Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino CAPES/AULP – Edital – n° 33/2012

especificidades dos Gabinetes, suas particularidades e principais orientações. Na ocasião da pesquisa buscamos acessar os agentes do governo para explicitar a natureza do decre- to, no entanto, em função do período das “8asJornadas do Novembro Académico 2016”3,

estes já tinham assumido compromissos em suas agendas.

No contexto dos discursos dos estudantes, escolhemos os relatos mais emblemáticos, os quais nos podem fornecer pistas de como alguns estudantes concebem as causas dos problemas de escolarização e suas principais abordagens. Veremos, por exemplo, um re- lato o qual predomina aquelas “velhas” concepções em que se busca associar desempe- nho escolar, suas variáveis e a contribuição da família como parte produtora do fracasso escolar.

O psicólogo lá pode atuar nos problemas encontrados e vivenciados nas escolas como temos discalculia, dislexia, disgrafia e outros problemas do âmbito educacio- nal. E não só, os psicólogos talvez devam também trabalhar com a família. Mesmo quando se está a estudar as dificuldades, nós devemos avaliar os dois lados, baixo rendimento e o que influencia pra outros ter bom rendimento, o sucesso escolar. Ali poder, intercambiar outros que estão no baixo rendimento a chegar ao ponto que os colegas que estão no autorendimento. (João4, 3° ano de Lic. Psicologia).

Nota-se que o estudante utiliza-se do discurso científico para descrever as dificuldades vivenciadas pelas crianças no âmbito escolar. Compara alunos com baixo rendimento entre aqueles que têm um bom rendimento, o que evidencia um discurso baseado no mérito, como se o sucesso escolar separasse alunos mais aptos daqueles inaptos. Ao nomear os impasses na aprendizagem como discalculia, dislexia e disgrafia, os problemas de escola- rização acabam sendo reduzidos a fenômenos puramente neuropsicológicos. Na visão de Collares e Moysés (2014, p. 61), “o ideário que rege o cotidiano escolar está cada vez mais permeado, atravessado pela disseminação epidêmica de supostos transtornos. Permeado porque permeável e intensamente poroso, porque subalterno aos outros campos profissio- nais”. E concluem: “a biologização, embasada em concepção determinista, em que todos os aspectos da vida seriam determinados por estruturas biológicas que não interagiriam com o ambiente, retira do cenário todos os processos e fenômenos característicos da vida em sociedade, como a historicidade, a cultura, a organização social com suas desigualdades de inserção e de acesso, valores, afetos etc” (COLLARES; MOYSÉS, 2014, p. 52,).

Somos levados a concordar com Cohen (2004) quando diz: “se não se tem acesso a toda verdade sobre a etiologia desse fracasso, ao localizá-lo aqui ou ali, há uma aposta, uma escolha: que ela, sendo indecidível, estará sempre atrelada a uma determinada con-