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Atenção primária à saúde em Cabo Verde: desafios gerenciais ou financeiros?

Patricia Rodrigues Sanine Flávia Seullner Domingues Maísa Vitória Gayoso Elen Rose Lodeiro Castanheira Regina Stella Spagnuolo

Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Medicina, Botucatu, SP, Brasil

Elga Mirta Furtado Barreto de Carvalho Isabel Araújo

Universidade de Cabo Verde, Praia, Cabo Verde

Tomás Alves de Só Valdez

Ministério da Saúde de Cabo Verde

Introdução

O arquipélago de Cabo Verde, localizado na sub-região da África ocidental, possui uma população de aproximadamente 500 mil habitantes, dos quais 54,4% possuem me- nos de 25 anos, e 6% com mais de 65 anos (CABO VERDE, 2012a; 2012b; TEIXEIRA, 2011).

O direito universal à saúde é garantido no país pela Constituição da República e pela Lei de Bases da Saúde, que por meio dos princípios de igualdade e equidade na presta- ção dos cuidados de saúde, preconiza a integralidade em todos os níveis de prestação de cuidados, e a racionalização técnica dos recursos, assegurando o acesso a todos os cabo-verdianos, independente de sua condição socioeconômica (CABO VERDE, 2012a; 2007; 2004).

A Política Nacional de Saúde (PNS) em seus diferentes cenários, propõe uma reforma sanitária até o ano de 2020, ofertando diretrizes estruturais para a organização dos servi- ços de saúde em todo país (CABO VERDE, 2007).

Apesar dos indicadores socioeconômicos positivos no conjunto dos países em de- senvolvimento (desenvolvimento humano médio), Cabo Verde apresenta importantes desafios estruturais e epidemiológicos (ONU 2016; CARREIRO-MARTINS et al. 2015; BOSU; 2015; TEIXEIRA 2011; OSH 2010; DELGADO 2009; CABO VERDE, 2007).

O país conta com uma rede privada de saúde limitada, elegendo a rede pública como a principal responsável pela saúde nacional. Esta rede, pesar da distribuição apresentada na Figura 1, apresenta uma organização desarticulada provocando sérias limitações no acesso (CABO VERDE, 2012a; 2007; WHO 2010).

Figura 1 – Distribuição da rede de serviços de saúde da Ilha de Santiago, Cabo Verde Estudos que objetivam a organização dos serviços de saúde podem contribuir para repensar as políticas públicas e fortalecer a APS como organizadora do sistema de saúde, que tem neste nível de atenção, sua principal porta de entrada e acesso aos cuidados de saúde (INECV 2013; CABO VERDE, 2012a).

Neste contexto, considerando a jovialidade do sistema universal de saúde cabo-ver- diano, o reconhecimento dos desafios na organização de seus serviços, em especial os da APS, apresenta-se relevante, uma vez que poderão servir de subsídios para discussões políticas e proposições para a reorganização dos serviços no país.

Diante desses cenários, pergunta-se: como está organizado os serviços de APS em Cabo Verde?

Assim sendo, o presente trabalho objetiva conhecer a percepção dos gestores locais sobre o financiamento dos serviços face a disponibilidade de recursos e características organizacionais dos serviços de APS do país.

O presente trabalho insere-se ao Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao ensino por meio da mobilidade docente e discente internacional entre universidades de países de língua portuguesa com financiamento da Pró-Mobilidade Internacional - CA- PES/AULP (nº 0029/13).

Método

Trata de um trabalho de abordagem qualitativa, do tipo Estudo de Caso Único, explo- ratório (YIN, 2015), desenvolvido na Ilha de Santiago, Cabo Verde, África.

Estudos de caso investigam em profundidade um fenômeno contemporâneo, conside- rado “o caso” no seu contexto real (YIN, 2015, p.15). A seleção deste método permitiu conhecer como encontra-se organizado as políticas públicas prepostas e como se materia- lizam em práticas cotidianas.

O caso investigado trata-se da ilha de Santiago, um arquipélago com área de 991 km2

dividido em 09 municípios, incluindo a cidade de Praia, capital do país. Praia, além de ser um dos principais centros urbanos, possui a maior concentração de serviços de saúde do país, o que motivou a escolha deste local (CABO VERDE, 2012a; 2012b; 2011; INECV 2010).

A coleta de dados se deu por meio de entrevista curta semiestruturada (YIN, 2015), que ocorreram entre os meses de março e abril de 2015. As entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos informantes-chave, com duração de aproximadamente 40 mi- nutos.

Foi utilizado amostra de conveniência para a seleção de informantes-chaves. Entende- -se por amostra de conveniência, a seleção de modo intencional dos participantes, procu- rando estudar os elementos disponíveis e representativos de uma população de interesse (OLIVEIRA, 2001).

Utilizou-se como critério de inclusão dos participantes, aqueles que exerciam funções chaves na formulação das políticas com interface direta na gestão de saúde local, além de gestores de serviços de APS.

A coleta de dados se deu em dois momentos distintos. O primeiro com representantes de cada uma das esferas governamentais de saúde, sendo: Serviço Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Centro Nacional de Desenvolvimento Sanitário - CNDS/INSP e Delegacia de Saúde, que totalizam quatro gestores identificados por: G1, G2, G3, G4. O segundo, com representantes dos serviços de APS, ocorreu em duas unidades de saúde, sendo: um na capital e outro no interior da ilha, identificados por: Capital e Interior.

As entrevistas do primeiro momento foram norteadas pela questão aberta: Como é feito o financiamento dos serviços de APS em Cabo Verde? Para o tratamento destes dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo na abordagem representativa temática (BARDIN, 2011).

Para as entrevistas do segundo momento utilizou-se como questões norteadoras o ins- trumento estruturado - Questionário de avaliação e monitoramento de serviços de Aten- ção Básica (QualiAB) (CASTANHEIRA et al., 2011). Esta escolha se deu em função de ser um instrumento validado e com comprovado poder de discriminação da organização do processo de trabalho nos serviços de APS (SANINE et al., 2016; CASTANHEIRA et al., 2014; 2009).

Utilizou-se a versão em processo de atualização e revalidação, composta por 106 questões (ZARILI, 2015). Apesar do instrumento abranger tanto a dimensão da assis- tência quanto da gerência local dos serviços, optou-se em empregar apenas as questões referentes a gestão. Estas questões foram transformadas em variáveis simples e agrupadas nos domínios de análises: caracterização, acesso e integralidade.

As frequências das respostas foram distribuídas conforme a localização do serviço, permitindo uma comparação das principais características organizacionais entre os servi- ços da capital e do interior da ilha.

Os dados resultantes das duas coletas foram analisados segundo o referencial teórico documental da Política Nacional de Saúde de Cabo Verde - PNS (CABO VERDE, 2007).

Os entrevistados concordaram em participar da pesquisa após receberem esclareci- mentos sobre o anonimato e a possibilidade de desistência a qualquer momento. A publi- cação dos resultados foi autorizada pelo órgão responsável no país - Direcção Nacional de Saúde do Ministério da Saúde de Cabo Verde.

Resultados e discussão

A análise do discurso revelou uma categoria temática: Desafios no financiamento e na organização dos serviços de saúde em Cabo Verde, também evidenciada na comparação entre os serviços de APS.

A PNS, documento que norteia os serviços de saúde do país, busca garantir equidade à todos os cidadãos por meio dos princípios da universalidade, integralidade e raciona- lização técnica e rentabilização dos recursos (CABO VERDE, 2012a; 2007; 2004; TEI- XEIRA, 2011; DIAS, 2010).

A organização dos serviços de APS como ordenadora e integradora do sistema de saúde (STARFIELD et al., 2004), é apresentada na PNS como a melhor estratégia para abranger tais princípios (CABO VERDE, 2007).

Desta forma, a disponibilidade de serviços de APS como principal porta de acesso para o sistema de saúde pode ser compreendida como um importante indicador de orga- nização da rede.

Independentemente de sua estruturação, os serviços de APS no país devem ser: “Mais acessíveis funcionalmente, próximos da população do ponto de vista geo- gráfico, mas também do ponto de vista económico e sociocultural; Sempre dispo- níveis, dotados de uma estratégia fixa para responder às demandas espontâneas, curativas, da população; Polivalentes, prestando ao mesmo tempo e pela própria equipa de pessoal, cuidados promocionais, preventivos, curativos, reabilitativos e sociais.” (CABO VERDE, 2007, p.37)

Destacando que, desde o final da década de 1980, a saúde no país deixou de ser gra- tuita para ser financiada por um modelo tripartite - que conta com recursos advindos do Estado, do Seguro Social e de desembolso direto dos usuários -, cabe questionar o quanto esta mudança pode contradizer o princípio da universalidade, apresentando-se como uma barreira de acesso da população aos serviços de saúde (CABO VERDE, 2012a; TEIXEI- RA, 2011; DELGADO, 2009).

O desembolso direto efetuado pelo usuário aos serviços de saúde, é denominado de comparticipação, e efetuado por meio da co-participação e do co-pagamento. Preconi- zados “com base nos argumentos de que a gratuidade por si só não era suficiente para garantir a equidade na utilização dos serviços de saúde” (TEIXEIRA, 2011, p.32), bus- cam ampliar recursos para a introdução de melhorias nos serviços (DIAS 2010; CABO VERDE, 2007).

Em países como Portugal, este sistema de comparticipação por meio do pagamento de taxas moderadoras pode ser encontrado como mecanismo de racionalização da procura

de cuidados em saúde, equilibrando os atendimentos nos serviços sem que, no entanto, se caracterize como um fator de exclusão (RAMOS et al., 2013).

“O nosso sistema de saúde é um sistema do tipo Serviço Nacional de Saúde, por- tanto, a prestação é um sistema misto, mas com uma predominância de mais de 80% do Estado. Temos uma taxa moderadora, [que] teoricamente existe para mo- derar o acesso. As pessoas pagam uma contribuição mínima e irrisória que seria para moderar o acesso. No entanto, as pessoas que não tem [condições financei- ras], não pagam. Para além da taxa moderadora [utilizada nos serviço de APS], nos hospitais há uma tabela de cuidados que de acordo com o rendimento das pessoas, elas comparticipam. Claro que não chega a cobrir 100% [do custo do procedimento].” (G4)

Um estudo sobre o papel das taxas moderadoras nos serviços de saúde em cinco paí- ses africanos demonstra efeitos positivos após a sua remoção. No entanto, na Etiópia, evi- denciou-se que, além de não se apresentar como um obstáculo à procura pela assistência, mostrou-se como um bom mecanismo de melhoria da qualidade assistencial, assim como argumentado pela PNS cabo-verdiana (PEARSON et al., 2011; CABO VERDE, 2007).

Para além das esferas governamentais de financiamento, a assistência à saúde em Cabo Verde é realizada também por meio de um sistema privado e de Mutualismo, no qual este último, assim como em outros países, simboliza um importante recurso à saúde, garantindo, por meio da atuação de instituições não governamentais, assistência gratuita a setores da saúde não abordados pelo Estado (TEIXEIRA, 2011; PROENÇA, 2009).

“Mutualismo são organizações não governamentais, que nasceram não para ques- tões de saúde, mas para questões de morte e que, portanto, em termos comunitá- rios, as pessoas se associavam, cotizavam e para financiar solidariamente compras/ despesas de funeral. Mas depois essas mutualidades evoluíram para mutualidade da saúde.” (G4)

“Nós temos, nesse momento, muitas associações que trabalham com a infância, com as mulheres, com a família, com grupos específicos da população, como os defi- cientes. Temos uma plataforma das ONGs, uma associação que engloba toda uma rede das ONGs a nível nacional que participam, não só na saúde diretamente, mas até nessa visão holística da saúde, nos condicionantes sociais, econômicos, culturais da saúde. (...) Algumas [ONGs] tem [financiamento público], outras são financiadas por projetos, grupos estrangeiros, como as Nações Unidas. Há uma parceria que funciona bem em Cabo Verde, e tem havido muitas iniciativas nesse aspecto” (G4) Desta forma, depreende-se que mesmo diante de mudanças no sistema de saúde, carac- terizados por restrições financeiras como o fim da gratuidade do atendimento (CABO VER- DE, 2012a; TEIXEIRA, 2011; DIAS, 2010; DELGADO, 2009), pode-se verificar a exis- tência de outras formas de acesso da população aos serviços, como por exemplo a presença das organizações não governamentais, justificando as melhorias nos indicadores de saúde.

“[Cabo Verde] Apresenta indicadores de saúde muito invejáveis no contexto do continente africano, da região onde estamos inseridos e que, portanto, a organiza- ção [sistema de saúde] tem dado resultados muito positivos.” (G4)

De fato, Cabo Verde está entre os países localizados na sub-região da África ocidental com melhores indicadores de saúde, como os representados pelas taxas de mortalida- de infantil (MI - 24/1.000 nascidos vivos), em 2014, e de mortalidade materna (MM - 79/100.000 nascidos vivos), em 2010, enquanto países vizinhos como no Senegal (MI de 53/1.000 e MM de 370/100.000 nascidos vivos), Gâmbia (MI de 66/1.000 e MM de 360/100.000 nascidos vivos) e Guiné-Bissau (MI de 91/1.000 e MM de 790/100.000 nas- cidos vivos) apresentam valores bem mais elevados (CABO VERDE, 2007; WHO 2008; TEIXEIRA 2011; OSH 2010; CIA 2016).

Cabe destacar que muitos dos problemas de saúde encontrados em Cabo Verde podem ser relacionados às características geográficas e climáticas do país, como no caso das doenças respiratórias e gastrointestinais (BÄCKSTRÖM, 2011). Esta situação também emerge nos discursos dos gestores, que destacam o surgimento de novas necessidades e da importância dos serviços estarem aptos para esta demanda.

“(...) Estamos numa fase de consolidação dos ganhos que tivemos nesses anos anteriores, quase 40 anos de independência. Ganhos que se traduzem na saúde da criança, da mãe, no domínio do controle das doenças, das situações básicas, pro- blema de nutrição, de diarreias. Isto é um ganho evidente que tivemos. Portanto, nós evoluímos favoravelmente, então o desafio agora é de afinar o sistema, para fazer faces aos novos problemas que surgem (...)” (G1)

“Estamos num caminho para melhorar, estamos em direção a melhorias [em rela- ção às políticas de saúde do país]. Mas a taxa de cobertura [de saneamento básico] ainda é baixa (...). Quando tem surto, principalmente nas épocas quentes, apare- cem muitas doenças, doenças respiratórias e gastrointestinal.” (G3)

“Temos uma taxa de partos assistidos entre 95 e 98%. Hoje o desafio é: como é que as crianças prematuras que nascem nos nossos hospitais podem sobreviver? O que é que podemos fazer por elas? Isto vai exigir recursos, sobretudo humanos, mas não é número e sim qualidade. A atitude, o comportamento, a forma de como se dedicam a essa tarefa.” (G1)

Além dos indicadores, como as taxas de mortalidade infantil e as doenças decorrentes da falta de saneamento básico, os discursos evidenciam o aumento da expectativa de vida da população como um novo desafio para o sistema de saúde cabo-verdiano.

“Agora as pessoas vivem mais, portanto, as doenças não transmissíveis aparecem mais. Provavelmente naquela altura não tinham a chance de aparecer. Mas para além disso houve mudança de hábito da população, hábitos alimentares, maior consumo de álco- ol, maior consumo de tabaco, também houve melhoria das condições de vida” (G1)

Somado aos avanços alcançados, evidenciou-se a disponibilidade de acesso aos ser- viços, que mesmo diante de pequenas diferenças, mostraram-se favoráveis a uma assis- tência qualificada, como por exemplo, na definição da área de abrangência, na proporção entre consultas agendadas e extras e na abrangência do turno de funcionamento dos ser- viços (Quadro 1).

Esta condição reforça a ideia de que a dimensão financeira não pode ser utilizada como um impeditivo de avanços, uma vez que diante das adversidades é que afloram novas propostas inovadoras e criativas.

Assim como preconizado na PNS (DIAS, 2010; DELGADO, 2009; CABO VERDE, 2007), os discursos ressaltam ainda, a necessidade de mudanças relacionadas às melho- rias no atendimento, como maneiras de superar a realidade imposta na atualidade.

“Novos desafios de melhorias após os avanços já alcançados, estão nas questões relativas as condições de patologias relacionadas com as doenças não transmissí- veis, como a diabetes, as doenças cardíacas, as insuficiências renais. A questão da diálise e as doenças de fórum oncológico, são um outro fardo. (...) com os recursos disponíveis para a oferta de rotina que temos a fazer, é claro que o sistema terá que encontrar outras formas, outras fontes para reforçar [também] o financiamento” (G2)

“Porque estavam todos no básico. O setor primário estava tratando sim, fazendo as vacinas, dando reidratação oral, cuidando da alimentação, etc. O setor secundário e terciário estavam também no básico, fazendo e procurando atender as necessida- des básicas da criança, agora temos que avançar” (G1)

As mudanças abordadas nos discursos alinham-se ao conceito de qualidade na assistência como “um atributo mutável e incremental, ou seja, que sofre alteração, conforme o contexto sociopolítico e que sempre pode ser aprimorada” (CASTANHEIRA et al., 2015, p. 203).

Desta forma, considerando que a qualidade da assistência varia conforme o contexto no qual está inserido, não se apresentando como uma propriedade homogênea, um dos desafios está em se olhar para a organização dos serviços visando aumentar a responsa- bilidade e o compromisso dos profissionais com a qualidade do atendimento prestado (DONABEDIAN, 1969).

Teixeira (2011) refere que existem, atualmente, algumas disparidades na organização dos serviços de APS cabo-verdianos, tanto nas dimensões gerenciais, quanto nas assisten- ciais, em especial, se comparados os serviços localizados na capital e no interior da ilha. Algumas destas diferenças são previstas pela própria PNS, como na cobertura de ações ofertadas nos diferentes serviços, ou no caso do profissional que exerce a gerência, que nos Centros de Saúde são coordenados por médicos e nos Postos Sanitários, por enfermeiros (Cabo Verde, 2007). Para um sistema de saúde universal, como é o caso de Cabo Verde, o acesso apresenta-se como um importante indicador de qualidade, podendo ser representado pela disponibilidade de estrutura mínima, como na existência de energia elétrica que permite o armazenamento das vacinas, ou por meio da oferta de horário am- pliado e acolhimento à demanda espontânea.

Neste sentido, para além das variações previstas na PNS (CABO VERDE, 2007), evidenciou-se que os serviços apresentam importantes diferenças (Quadro 1), sendo o serviço localizado na capital o que possui uma melhor estrutura, tanto material quanto de recursos humanos.

O serviço da capital apresenta além da equipe mínima, ginecologista, dermatologista, assistente social, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. No entanto, cabe destacar que, apesar de maior disponibilidade de profissionais neste serviço, nem todos permanecem presente ao longo da semana.

Este serviço merece destaque também pela organização de suas ações referentes ao acesso, representadas por: delimitação da área de abrangência, que apesar de ser definida administrativamente pelo nível central, possui um planejamento baseado na prática do ser- viço; utilização dos registros de informações; e existência de um Fórum Local de Saúde.

Estas práticas, somadas a disponibilidade de 30% das consultas para atendimento à demanda espontânea, além de caracterizarem ampliação do acesso à população, podem ser compreendidas como importantes estratégias organizacionais, pois permitem o reco- nhecimento das necessidades locais e favorecem a eleição de prioridades e o planejamen- to de ações específicas, conforme previsto na PNS (CABO VERDE, 2007).

A integralidade na prestação ao cuidado é apresentada na PNS como um dos prin- cípios que orientam o sistema de saúde em cabo verde e é compreendida “como con- junto articulado de acções e serviços promocionais, preventivos e curativos, individuais e colectivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (CABO VERDE, 2007, p.26).

Desta forma, a presença de serviços de diferentes complexidades articulados aos de APS pode mensurar a existência desta integralidade no cuidado, assim como na comuni- cação entre as ações desenvolvidas pela equipe dentro do próprio serviço.

Ambos os gestores relataram a presença de serviços especializados capazes de dar suporte à APS, por meio de encaminhamentos (Quadro 1). No entanto, cabe destacar que estes diferentes serviços não se encontram localizados em todas as ilhas, como no caso do Hospital Psiquiátrico (instalado na Ilha de Trindade), acarretando a necessidade de trans- porte do usuário para outra ilha, o que dificulta a integração entre os serviços e aumenta os gastos com a saúde.

Assim, após dez anos da homologação da PNS e há aproximadamente três do final do prazo de mudanças preconizado nela, pode-se constatar que esta limitação ainda encon- tra-se presente no país.

“O facto de Cabo Verde ser um arquipélago condiciona o desenvolvimento do SNS e das respostas aos problemas do sector, acarretando custos extremamente elevados. Isola populações e a sua dispersão em localidades remotas e de difícil acesso interfere com a organização e prestação de cuidados de qualidade.” (CABO VERDE, 2007, p.18).

Cabe destacar que as limitações referentes à integralidade do cuidado não se restringi- ram apenas à articulação entre os serviços, mas também nas ações desenvolvidas dentro