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A oralidade, o enunciado concreto e a tomada de posição do aluno da EJA nas aulas de português

Ana Maria Urquiza de Oliveira

Orientador: Emerson de Pietri. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP. Mestranda em Educação.

Considerações iniciais

Os estudos científicos que abordam a questão da oralidade no ensino de língua portu- guesa ainda são poucos, principalmente quando se trata da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Este artigo focaliza o uso da oralidade nas aulas de português como parceira no processo de aquisição da escrita dos alunos da EJA na EMEB Dr. Mário Santalúcia em Diadema no ABC paulista. O objetivo é mostrar que o aluno tem pensamento político crítico e é capaz de expor opinião utilizando-se da oralidade e/ou da escrita. Ao se dis- cutir a presença da oralidade como parceira na aquisição da escrita algumas observações são recorrentes: a relação teoria e prática defendida por Paulo Freire em que o aluno seja sujeito ativo; o gênero discursivo, o enunciado concreto, o discurso do outro e a tomada de posição do aluno nas relações dialógicas segundo Bakhtin.

Para discutir as questões levantadas, será feita a análise de algumas transcrições das falas dos alunos no gênero debate e alguns trechos de texto no gênero artigo de opinião. A seleção do corpus deve-se a alguns critérios: o gênero oral debate constitui um grande instrumento de estudo da oralidade; o tema da discussão faz parte da realidade social e cultural do alunado; o gênero artigo de opinião é um instrumento essencial para expressar opiniões utilizando-se da língua escrita.

No que diz respeito à escolha teórico-metodológica, recuperam-se conceitos freiria- nos e bakhtinianos que possibilitam a compreensão da dimensão da participação ativa do discente no processo de aquisição de novos conhecimentos. Bakhtin aponta os estudos da linguagem como lugares de produção de conhecimento, de modo responsável e compro- metido, com a relação entre língua, leitura e texto, não só como transmissão didática, mas com posicionamento ético diante da realidade. Este trabalho utiliza-se da orientação de ensino-aprendizagem cujo objetivo é levar o aluno a articular seus argumentos orais e/ou escritos como um todo de sentido, estabelecer relações, ter posicionamento para interagir na vida escolar, social e cultural como um todo (Bakhtin, 2003). Paulo Freire compactua com essa ideia ao dizer que o papel do aluno está em assumir-se como ser histórico e social, ser pensante, comunicante, transformador, criador e realizador:

O educando precisa assumir-se como tal, mas assumir-se como educando signifi- ca reconhecer-se como sujeito que é capaz de conhecer o que quer conhecer em

relação com o outro sujeito igualmente capaz de conhecer, o educador e, entre os dois, possibilitando a tarefa de ambos, o objeto de conhecimento. Ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior – o de conhecer, que implicar re-conhecer. (Freire, 2003: 47).

O projeto de trabalho com os alunos foi realizado no 1º semestre de 2017. Os discen- tes são em sua maioria, filhos de nordestinos, pessoas que trabalham na construção civil; outras são faxineiras, cozinheiras, vendedoras, empregadas domésticas e outros que se encontram desempregados. Têm rendas muito baixas, insuficientes até para a satisfação de necessidades básicas como moradia e até mesmo alimentação, o que dificulta a sobre- vivência. São adolescentes vindos das escolas do Estado e jovens e adultos que retornam à escola. Com 34 alunos matriculados, a turma de 7ª série conta com 25 frequentes. Os estudantes selecionados são os que apresentam maior dificuldade com a escrita. Todos eles estão com a professora desde a 5ª série.

Observações sobre as transcrições (NURC/SP, 2009):

Marca qualquer pausa ...

Indica prolongamento :::

Indica interrupção ou tomada da fala (...)

Entonação enfática maiúscula

Comentários descritivos do transcrissor (( ))

Fonte: Pretti (1999, p. 11-12).

Gênero discursivo e o enunciado concreto de Bakhtin

O debate em torno dos gêneros do discurso acompanha a produção do Círculo de Bakhtin desde o princípio seja para tratar de questões literárias ou de língua. Morson e Emerson (2008) denominam Bakhtin um humanista, interacionista, filosófico, crítico lite- rário, linguista e tantos múltiplos e reafirmam seu perfil de pensador e filósofo convicto de uma postura singular de abordagem e tratamento teórico-metodológico sobre a linguagem como interação. Bakhtin, ao problematizar a questão dos gêneros do discurso apresenta a oposição entre a concepção de língua como abstração e como meio de comunicação. Desse modo, entende que as diversas esferas da atividade humana estão relacionadas com a linguagem, o enunciado na esfera do discurso é uma unidade da comunicação humana e não somente uma sentença inscrita na gramática:

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas es- feras, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. (Bakhtin, 1997: 279). No que se refere à determinação temática dos gêneros, Bakhtin/Medvedev defendem

que “cada gênero é capaz de dominar somente determinados aspectos da realidade”, pois “possui certos princípios de seleção, determinadas formas de visão e de compreensão dessa realidade” (2012: 196). Morson e Emerson (2008) afirmam que a conceituação da unidade temática como algo formado pela combinação dos significados de suas palavras e orações isoladas, como entendem os formalistas, é desprovida de validade, já que o tema se forma com a ajuda desses elementos, não deriva deles e não pode ser reduzido a for- mas. Ao propor o seu método sociológico a partir de uma reflexão sobre a linguagem em uso artístico ou cotidiano, sobre as relações constitutivas entre linguagem, sujeitos, socie- dades e culturas, a premissa defendida por Bakhtin é a de que todo uso autêntico da língua é feito em textos produzidos por sujeitos históricos e sociais que mantêm algum tipo de relação entre si e visam a algum objetivo comum conforme Morson e Emerson (2008). O gênero não deve ser abstraído da esfera que o cria e o usa, é importante conhecer o tipo de atividade, o contexto espaço-temporal e as relações intersubjetivas, pois como o tempo é histórico e o espaço é social, os gêneros representam e refratam a realidade de acordo com as manifestações dos sujeitos da comunicação. Nesse sentido, o homem vê e sabe sempre algo que o outro não sabe:

[...] quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos. Graças a posições apropriadas, é possível reduzir ao mínimo essa diferença dos horizontes, mas para eliminá-la totalmente, seria preciso fundir-se em um, tornar-se um único homem. Esse excedente constante de minha visão e de meu conhecimento a respeito do outro, é condicionado pelo lugar que sou o único a ocupar no mundo: neste lugar, neste instante preciso, num conjunto de dadas circunstâncias – todos os outros se situam fora de mim. (BAKHTIN, 1997: 43). A vida acontece naturalmente e nela os enunciados vão se formando nos diálogos das pessoas e os gêneros vão surgindo ou desaparecendo, dando lugar aos novos. Todas as esferas da atividade humana estão relacionadas com a utilização da língua, portanto, o caráter e os modos dessa utilização são tão diversos quanto essas esferas. O autor con- sidera um dos aspectos mais marcantes dos gêneros o fato de que se deve considerá-lo como um meio social de produção e de recepção do discurso e que diz respeito à questão do “uso” (Bakhtin, 2014: 151). Portanto, pretende-se mostrar que, todo funcionamento significativo da linguagem se dá por meio de textos e discursos orais e/ou escritos produ- zidos e recebidos nos discursos da vida cotidiana e realizados em gêneros que circulam na sociedade.

Considerando a imensa complexidade que é estudar o gênero de forma adequada, ao criticar o método formalista, o autor russo ressalta que a vivência se dá no grande tempo das culturas como um continuum, tempo esse que apresenta diferentes perspectivas e plu- ralidades de visões de mundos por meio da apreensão no espaço e no grande tempo das culturas e civilizações. Os leitores/interlocutores produzem e/ou interpretam o discurso, vivendo tempo e espaço diferenciados: “Cada palavra evoca um contexto ou contextos, nos quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as palavras são povoadas de inten- ções [...]”. (Bakhtin, 2004: 100). Dessa forma, os gêneros se interligam e interpenetram para constituírem novos gêneros (Morson e Emerson, 2008). Isso significa que cada área

da atividade humana entende a realidade com base em suas próprias formas de percepção do mundo, alterando e influenciando esse meio também de forma particular, já que o ho- mem é um ser social, mas com singularidade em suas relações.

Freire, em muitos de seus textos discorre sobre a linguagem e a dialogicidade, dei- xando a entender um modelo de trabalho coletivo na escola, com projetos centrados nas relações com a linguagem, que contribui para juntar conhecimentos prévios dos alunos aos conhecimentos escolares, desenvolvendo práticas sociais de uso da oralidade e da escrita para promover a formação do cidadão letrado e motivado a aprender sempre mais. Defende a expansão da escrita para levar adiante a oralidade, a cultura, o ontológico, contribuir para que esse discente seja sujeito de sua história na sociedade, lendo e escre- vendo, atividades que fazem parte do existir humano: “É a escola que estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar; onde se propõe a construção do conhecimento coletivo, arti- culando o saber popular e o saber crítico, científico, mediados pelas experiências no mun- do.” (Freire, 2001: 83). A luta freiriana pela prática da liberdade reflete uma pedagogia em que o indivíduo tenha condições de descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica. O sentido mais exato da educação é aprender a escrever a sua vida, como autor e como testemunha de sua história, biografando-se, existenciando-se, historicizando-se (Freire, 1988: 10). O defensor dos oprimidos trava uma luta ferrenha contra a leitura mecânica, rejeita o texto como uma codificação produzida por alguém e posta diante de outros para decodificação. Sua leitura é a da palavra precedida da leitura de mundo (Freire, 1988: 175). Quando a aluna relata sobre fatos atuais e que dizem res- peito à sua vida especificamente, está sendo capaz de perceber a sua história e, ao ter um posicionamento crítico, embora seja tímida ao falar, está historicizando-se:

Eu acho assim que no Brasil é tudo muito difícil... porque uma boa parte da rique- za né... fica só com os rico ... como fala aqui só 4% da população é rica ou seja o que eles querem que eles lança é o preconceito porque grande parte da riqueza fica só com eles enquanto nós... a menor... a meNORZINHA parte que tem. (Aluna 3). Dessa forma, ao se expressar, ela se vale do “eu para o outro”; ao ouvir as opiniões dos colegas, há “o outro para mim”; quando apreende a fala desse outro, a relação é “eu para mim” (Bakhtin: 2003). Estes homens e mulheres, sejam jovens ou adultos que estão de volta à escola, são seres humanos com uma história de vida rica de experiências significa- tivas para eles. O aluno traz consigo conhecimentos diversos que devem ser respeitados e em certas ocasiões serem ouvidos para fazer a relação com o conhecimento novo, o siste- mático que é a tarefa da escola. O estudante sente, compreende e sabe, portanto, deve ser tratado como um ser apto e com capacidade responsiva, segundo Freire (1996) e Bakhtin em grande parte de seus textos. A fala da Aluna serve de exemplo prático de que não se pode ver os estudantes como sujeitos passivos como o foi por muito tempo:

A desigualdade social vei de longas data pois o homem sempre fez esta divisão. A gente ver esta desigualdade não só no Brasil mais também em outros pais... Até hoje tem o preconceito contra o nordestino e o negro. Na política a população e excluída das decisões [...] E por isto que cada vez mas quero estuda pois sem estu-

da não conseguimos nada, quem tem que fazer a diferença somos nós. (Aluna 3). O assunto do debate dos alunos representa o “tema gerador” freiriano e o tema do cotidiano de Bakhtin. Da antiguidade aos dias atuais e no futuro, onde houver grupos de pessoas, comunidades, também há de ter desigualdade social. Entende-se que, ao abordar esse tema em outra turma ou ainda na mesma turma num outro espaço de tempo, suas colocações serão outras, obviamente, pois a vida é flexível e dialógica, assim como as relações sociais:

[...] A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interro- gar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal. (Bakhtin [1979]; 1992: 348).

O discurso do outro e a tomada de posição do aluno nas relações dialógicas

O gênero oral debate constitui-se um aliado para discutir o tema desigualdade social, por ser presente na realidade social e cultural do alunado e, portanto, mais fácil de ser abordado pelos mesmos como forma de aproveitar seus conhecimentos empíricos e in- tuitivos por meio da oralidade. Conforme Bakhtin, a língua acontece nas relações sociais estáveis dos falantes e os fatores que implicam na sua manifestação, na seleção de uma variante ou outra são fundamentais, como: época, cultura, grupos sociais, contexto, ob- jetivo específico, determinando a força ou fraqueza de uma ou outra forma. (2014: 153). Ao tecer explicitações a respeito do diálogo e do enunciado concreto, o autor mostra que a unidade real da língua é realizada na fala e não pode ser jamais uma enunciação mono- lógica individual e isolada, mas a interação de pelo menos duas enunciações, seu diálogo tem no mínimo dois interlocutores (2014:152). Em sua obra, Paulo Freire também se re- fere ao estar com o outro nas relações sociais, sempre tem a presença do outro e que deve ser considerada e respeitada, ele cria o termo “tema gerador” para representar a relação do conhecimento empírico do aluno com o conhecimento escolar: “Estar no mundo implica necessariamente estar com o mundo e com os outros. Para o ser que simplesmente está no suporte, suas atividades nele são um puro mexer; no mundo, contexto histórico social, cultural, os seres humanos interferem, mais do que mexem.” (Freire, 2003: 20).

A interação se dá através da luta ou acordo com o pensamento do outro nas relações dialógicas e a presença do discurso do outro é indispensável. Ao discorrer sobre o tópi- co discursivo, como elemento essencial na conversação, possibilitando a configuração do texto como um todo organizado, o filósofo da linguagem mostra que os interlocutores compartilham de objetivos comuns, trocam ideias sobre um determinado assunto (Bakhtin, 2014: 111). O autor vai além e relata sobre as relações sociais sendo detentoras das es- truturas gramaticais e, portanto, o usuário da língua escolhe e gramaticaliza, ao enunciar, associando às estruturas gramaticais da língua apenas os elementos de sua apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente constantes e têm seu fundamen- to na existência econômica de certa comunidade linguística. (2014: 152). Não resta dúvida de que os autores falam da capacidade humana de interagir na vida sofrendo influências culturais, uma vez que, nenhum homem faz uso da palavra sozinho, precisa do outro para

expor suas ideias e adquirir novas, pois é um ser aprendente (Freire: 2006).

No processo de comunicação, o homem serve-se da palavra do outro para dar susten- tação a sua; refutar, enfim, o que há de fato, é uma constante e infinita troca de experi- ências e vivências que se dão por meio da linguagem. O filósofo russo assegura: “[...] só posso falar da palavra do outro com o auxílio dessa mesma palavra do outro, é verdade que inserindo nela minhas intenções e iluminando-a a meu modo com o contexto.” (2015: 151). Ao tratar de conceitos relacionados ao diálogo e ao discurso citado, o conceitua como: “o discurso no discurso, a enunciação na enunciação; uma enunciação de uma outra pessoa dotada de uma construção completa e situada fora do contexto narrativo.” (Bakhtin, 2014: 150). O discurso citado faz parte da interação, do enunciado concreto, ou seja, está nos discursos escrito e falado. Freire escreve em Medo e ousadia: “O diálogo é, em si, criativo e re-criativo. Você cria o diálogo de forma mais ampla do que quando você escreve, solitário, em seu escritório [...] Aqui, nós estamos um diante do outro. En- quanto falamos, somos leitores um do outro.” (Freire, 1986: 13). Referindo-se ao diálogo e ao discurso falado, Freire dialoga com Bakhtin (2014). Este sustenta que os sujeitos, ao enunciarem, posicionam-se sobre aquilo de que falam, demonstrando os valores que estruturam suas práticas e se utilizam de ideias alheias nos seus discursos o que configura o discurso citado: [...] agora a falta de oportunidades se dá exatamente por isso... porque isso que ele citou é::: é uma minoria... é uma minoria que tem isso né... num é [...] então por exemplo a solução seria por meio da EDUCAÇÃO né [...] (Aluno 7 grifo meu). Os diálogos dos estudantes são provas reais, afinal eles fazem parte de uma comunidade na qual a língua acontece de forma específica com suas características de gramática, sintaxe e semântica, totalmente diferenciadas de outras comunidades sejam ou não de periferia. Eles argumentam a respeito do tema com naturalidade, já que se trata de um assunto de suas realidades concretas, o que vai ao encontro da colocação de que o falante e sua localização no tempo e no espaço, faz toda diferença na interação: “Porque para uma ava- liação do dia a dia e para decifrar o real sentido das palavras alheias pode ter importância decisiva quem exatamente fala e em que situações concretas o faz.” (Bakhtin, 2015: 134). Eles sofrem os efeitos da desigualdade: “Apesar de sermos pessoas que lutam e pagão seus impostos; lhe digo uma coisa se você é negro é tudo bem mais difícil para estudar trabalhar!!! Até mesmo ser bem visto pela sociedade! A sociedade nos martiriza, nos oprime e tenta disfarçar as regras.” (Aluno 1grifos do aluno).

É importante refletir também sobre a transmissão do discurso que leva em conta sem- pre uma terceira pessoa a quem é transmitida a enunciação. Essa orientação para uma terceira pessoa reassegura a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso (Bakhtin, 2014: 152). Pode-se dizer, desse modo, que as conversas do dia a dia trazem em demasia as falas e opiniões do outro, seja ao concordar ou refutar algo exposto por outrem em outro momento e espaço. O aluno 7 concorda com o colega de turma e descorda totalmente do grupo dominante da sociedade que vê o pobre e o nor- destino, principalmente, com preconceito:

É... então.. eu queria falar o seguinte... a::: é... por exemplo o ex-presidente Lula né, pode falar isso? Ele é motivo de chacota por muitas pessoas porque... às vezes ele fala o português errado e::: e nunca foi visto pela questão da capacidade né?

Então o que o colega falou aí é verdade... muitas vezes você é...é capaz né? Cê tem... pode desempenhar um trabalho e::: por causa disso né? De um diploma ou algo parecido... a pessoa não entra no mercado de trabalho hoje NE? (Aluno 7 grifo meu).

Ora, as palavras não são lançadas ao vento, são sempre pronunciadas pensando num terceiro, num outro. O estudante faz a relação entre o posicionamento excludente e opres- sor da classe dominante ao se referir a um ex-presidente de origem pobre e sem curso superior, sendo que não se observa a capacidade reflexiva e de atuação humana inerentes ao ex-metalúrgico. Utiliza-se sempre a fala de alguém como base de sustentação ao que se diz, ele se utilizou da fala do colega de turma e também do discurso veiculado na mídia sobre Lula. Informação esta não apreendida na escola, mas na sua vivência particular co- tidiana. Mesmo no contexto, o discurso do outro sofre mudanças semânticas, já que existe a influência de quem o reproduz. A influência semântica se dá quando o aprendiz utiliza a linguagem oral representativa de seu grupo de periferia ao se referir e criticar a informa- ção advinda da notícia que se utiliza da norma culta da língua, por ser representativa do grupo dominante da sociedade:

[...] Pode-se dizer francamente: o que mais se fala no dia a dia é sobre o que di- zem os outros; transmitem-se, recordam-se, ponderam-se, discutem-se as palavras alheias, opiniões, afirmações, notícias, indigna-se com elas, concorda-se com elas,