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AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL: DEBATES E PRÁTICAS

PARTE I – O RACISMO E SEU ENFRENTAMENTO

CAPÍTULO 4 AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL: DEBATES E PRÁTICAS

Foi pela via da implantação de legislação antidiscriminatória38 que os grupos do movimento negro se pautaram durante muitos anos. Mas, posteriormente, com uma percepção mais refinada para as desigualdades estruturais passaram a combater o racismo institucional. Risério (2007, p. 326) nos fala dessa mudança de perspectiva nos seguintes termos: “Se a questão central, do século XVI ao XIX, era livrar-se da condição escrava, passou esta questão a ser, do século XX ao XXI, livrar-se da linha de pobreza e da condição proletária”. O novo movimento negro, surgido a partir dos anos 1970, já não trazia a visão assimilacionista e culturalista dos seus antecessores. Além do mais, nas décadas anteriores, os grupos negros estavam envolvidos em “políticas clientelistas e corporativistas”, como nos informa Telles (2003).

Traçando um breve percurso histórico dos grupos do chamado movimento negro brasileiro, até o ano de 2001, podemos notar como se deu essa mudança de estratégia. Segundo Guimarães (2003c, p.248), as entidades negras, nos anos 192039, tinham em mente que o próprio negro era responsável pelo seu infortúnio, dada as suas precariedades de origem, de educação e de formação. Diversos autores, estudiosos do movimento negro brasileiro, assinalam a perspectiva assimilacionista da Frente Negra Brasileira (FNB), primeira entidade negra a atuar no campo político (1931 a 1938): “movimento reivindicatório de tipo assimilacionista”, é como Regina P. Pinto (1987, p. 9) define a FNB. No campo da cultura, não defendiam as manifestações culturais africanas, por considerá-las primitivas (GUIMARÃES, 1999, p. 227). Ao defenderem, a integração à sociedade mais ampla, da forma como ocorria entre os imigrantes, havia pouco espaço para a construção de uma identidade negra diferenciada, completa (D’Adesky, 2001, p. 152).

Já em 1945, as associações negras abandonaram parcialmente o diagnóstico de que, a despeito do “preconceito de cor”, o problema estava no próprio negro, mas ainda compartilhavam o ideal de assimilação implícito na chamada democracia racial brasileira (GUIMARÃES, 2003c, p. 248). Lutava-se contra os preconceitos, mas persistiam os sentimentos de inferioridade, uma vez que a referência simbólica

38Na Convenção Nacional do Negro Brasileiro, de 1946, os ativistas negros reivindicavam que o preconceito e a discriminação se tornassem ofensas criminais (SILVÉRIO, 2008, p. 223).

continuava a ser a do branco europeu (D’ADESKY, 2001, p. 152). O Teatro Experimental do Negro (TEN) é um exemplo emblemático de defesa da visão assimilacionista dessa época (GUIMARÃES, 1999 e 2003c), como já dissemos na página 42.

Com o início do período ditatorial, em 1964, a idéia da democracia racial tornou- se estratégica para os sucessivos governos militares e os grupos do movimento negro foram proscritos. No entanto, muito desses grupos não deixaram de atuar, assumindo, progressivamente, um discurso racialista e multicultural (GUIMARÃES, 1999, p. 227), atribuindo o caráter de “mito” à idéia de um país de convivência pacífica e harmoniosa entre as raças. A partir dos anos 1970, já não era o “preconceito racial”, mas a “discriminação racial” o principal alvo da mobilização negra, conforme Guimarães (2003c, p. 248):

Essa foi uma diferença crucial em relação às décadas passadas: a pobreza negra passou a ser tributada às desigualdades de tratamento e de oportunidades de cunho “racial” (e não apenas de cor). E os responsáveis por tal estado já não eram os próprios negros e sua falta de união, mas o

establishment branco, governo e sociedade civil, numa palavra, o racismo

difuso na sociedade brasileira.

A passagem para uma “política negra moderna” se concretiza com a fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, em 1978. Anteriormente a esse fato, Telles lembra da fundação do Ilê Aiyê, na Bahia, em 1974, marcando “a transição das mobilizações culturais do passado para um protesto negro moderno” (TELLES, 2003, p. 70), bem como das iniciativas em prol de uma identidade negra do movimento Black Soul, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para D’Adesky (2001, p. 153 e 161), operou-se um corte epistemológico, pois os grupos do movimento negro vieram a assumir

uma posição anti-racista diferencialista (ou comunitarista) de tipo espírito- cultural [...] que considera ser necessário preservar as identidades culturais diante dos efeitos da cultura ocidental hegemônica que homogeneíza e desenraiza o indivíduo negro, ao mesmo tempo que espelha uma imagem depreciada e deformada do negro e de seu grupo.

Tivemos a oportunidade de testemunhar e vivenciar, nos anos 198040, a efervescência da mobilização para a causa do negro na sociedade, que não se restringiu aos principais centros do país. Apesar de Andrews (1991 apud D’ADESKY, 2001, p. 155) assinalar que o que houve foi um refluxo e perda de influência política do movimento negro nessa época, D’Adesky (2001) dá uma idéia positiva da expansão do movimento negro no período, bem como Telles (2003) afirma que foi mesmo como resposta às reivindicações crescentes do movimento negro que se implantaram conselhos voltados à necessidade da população negra em diversos estados. Alguns exemplos ilustram essa influência atribuída ao movimento negro em importantes decisões governamentais e legislativas: o deputado Abdias Nascimento propôs o Projeto de Lei nº 1.332, em 1983, que propunha “ação compensatória” para negros, mas que não foi aprovado pelo Congresso Nacional; o governo brasileiro reconheceu, em 1984, a Serra da Barriga, sede do Quilombo dos Palmares, em Alagoas, como patrimônio histórico do país; nesse mesmo ano, o governo de São Paulo instituiu o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra - seguindo esse exemplo, estabeleceram-se conselhos estaduais na Bahia, Rio Grande de Sul, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e conselhos municipais no Rio de Janeiro, Belém, Santos e Uberaba (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 16); a instituição da Fundação Cultural Palmares, em 1988, pelo Ministério da Cultura; a promulgação da Lei nº 7.716, em 5 de janeiro de 1989, de âmbito federal, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor (SILVA JR., 1998, p. 52); a introdução, nesse ano também da história africana no currículo escolar de 1º e 2º graus dos colégios da cidade de Salvador, Bahia. D’Adesky (2001) não deixa de salientar que foram medidas tomadas por órgãos do governo, a despeito de terem objetivos comuns com os do movimento negro e terem em seu comando muitas pessoas ligadas às associações negras.

O papel relevante do movimento negro no processo democrático brasileiro, que apesar de há décadas vir denunciando o racismo difuso na sociedade, só veio ter suas reivindicações contempladas a partir da Constituição de 1988. Por isto, merece destaque a grande vitória dos movimentos sociais, particularmente negros, que conseguiram influenciar decisivamente a Constituição, principalmente no caso da luta anti-racista,

40Em nosso período de militância no Grupo de União e Consciência Negra, de 1982 a 1992, participamos de diversos congressos do grupo, bem como trabalhamos em parceria com a Pastoral de Combate ao Racismo, da Igreja Metodista. De 1993 a 1996, participamos do Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-brasileiros, da Faculdade de

fazendo-se aprovar o artigo 5º, inciso 42, que tipificou o racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão. Além da criminalização do racismo, o movimento auferiu outras conquistas importantes tais como: o reconhecimento das contribuições culturais dos diversos agrupamentos étnicos e o direito de posse e titulação das terras aos remanescentes dos quilombos.

A partir da Carta Constitucional, os grupos do movimento negro alavancaram um forte trabalho pela cidadania do povo negro (GUIMARÃES, 2003c, p.248). No entanto, o que se seguiu à promulgação da Carta Magna foram políticas públicas tímidas, voltadas para a diversidade cultural e constatou-se a pouca eficácia das leis de combate aos crimes de racismo (SILVÉRIO, 2008, p. 217). Isto fez com que o movimento negro voltasse seu foco para ações concretas de luta contra as desigualdades e demandasse por políticas públicas de ações afirmativas (HERINGER, 2001; GUIMARÃES, 2003c), tema que será aprofundado mais adiante.

Essa demanda representou uma importante guinada na pauta de reivindicação dos negros brasileiros, dando início a uma era de luta contra as desigualdades sociais do país, vistas agora como “raciais”, independentemente do combate à discriminação e ao preconceito (GUIMARÃES, 2003c, p. 249).

Acompanhando a mudança ocorrida em diversos movimentos sociais, vários grupos do movimento negro estruturam-se como organizações não-governamentais (ONGs)41, nos anos 1990, tendo estrutura, meios e perfil profissional diferenciados, organizações que tornaram-se “cada vez mais seus representantes institucionais” (TELLES, 2003, p. 73). Em 1994, o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), fundada em 1979, seguiu essa tendência de estruturar-se como uma ONG. Muitas lideranças negras receberam o apoio da Fundação Ford para criar ONGs, tais como: Geledés – Instituto da Mulher Negra Brasileira, em 1990 e o Centro de Estudo das Relações do Trabalho e Desigualdade (CEERT), posteriormente, conforme Telles (2003).

De 1992 a 1997, instituíram-se vários SOS Racismo, através das organizações do movimento negro, visando estabelecer uma linha direta para defender as vítimas da discriminação racial: em 1992, pela iniciativa do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras no Rio de Janeiro (IPCN), funcionou o primeiro desses serviços como um jornal. Em 1993, o Geledés também estruturou um SOS Racismo, porém no formato de

assistência jurídica. Outros estados reproduziram tais experiências, como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Sergipe e Pernambuco (TELLES, 2003, p. 74).

Em 20 de novembro de 1995, aconteceu a “Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”, em homenagem aos 300 anos da morte do grande líder do Quilombo dos Palmares. Milhares de pessoas se dirigiram a Brasília e, ao final do encontro, lideranças do movimento negro e sindicalistas apresentaram suas reivindicações ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. O documento apresentava a situação do negro no país e trazia um programa de ações concretas para o fim do racismo e das desigualdades raciais no Brasil. Em uma de suas exortações, o documento expressava que

É dever do Estado Democrático de Direito esforçar-se para favorecer a criação de condições efetivas que permitam a todos beneficiar-se da igualdade de oportunidade, assegurando a eliminação de qualquer fonte de discriminação direta ou indiretamente e reorientando o sistema educacional no sentido da valorização da pluralidade étnica que caracteriza nossa sociedade (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 45).

A resposta do governo foi imediata. No mesmo dia, o presidente estabeleceu, por decreto, o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra (GTI População Negra), ligado ao Ministério da Justiça. Jaccoud e Beghin (2002, p. 19) ressaltam que foi a partir da articulação dos segmentos do movimento negro, que pleiteavam políticas públicas eficazes no combate às desigualdades, que tal iniciativa governamental aconteceu. Pela primeira vez, na história do Brasil, um presidente da república “reconhecia a existência de racismo no país e anunciava a possibilidade de medidas de promoção da justiça racial, rompendo assim com décadas de negativa formal do racismo” (TELLES, 2003, p. 77). O GTI População Negra foi organizado de forma colegiada, contemplando oito representantes da sociedade civil, provenientes do movimento negro (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 20).

O Ministério da Justiça promoveu o Seminário Internacional sobre “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos Estados democráticos contemporâneos”, em 1996, tendo a participação de pesquisadores nacionais e norte- americanos e um número expressivo de lideranças do movimento negro brasileiro. Guimarães (2003c, p. 252) lembra a importância do acontecimento, enfatizando o caráter oficial do evento, que foi aberto pelo Presidente da República, ladeado pelo Vice-presidente e pelo Ministro da Justiça.

Foi criada a Aliança Estratégica de Afro-latino-americanos (La Alianza), em 1998, tendo o movimento negro brasileiro tido um papel fundamental nesse acontecimento. Trata-se de uma organização, com sede em Montevidéu, que congrega negros latino-americanos e do Caribe que têm como objetivo promover “a capacitação de lideranças, troca de informações, debates sobre problemas comuns e o desenvolvimento de estratégias regionais” (TELLES, 2003, p. 91).

Heringer (2001) fez um levantamento sobre as diferentes estratégias de combate às desigualdades raciais por ONGs, órgãos do governo, empresas, universidades, igrejas, partidos, sindicatos e outras instituições, entre o final dos anos 1990 até o ano de 2000, em dez principais capitais do pais, inclusive no Distrito Federal. No período considerado, foram identificadas 124 experiências. Focalizaremos, neste trabalho, as análises relacionadas ao protagonismo do movimento negro. Foi encontrada grande variedade de ações e organizações engajadas no combate às desigualdades. ONGs ligadas ao movimento negro, mas também aquelas iniciativas do poder público mais local se sobressaíram; 1/3 das experiências estavam explicitamente orientadas para o atendimento específico à população negra. As áreas de atuação mais encontradas foram educação, trabalho e geração de renda e direitos humanos e Advocacy, nesta ordem. Das quinze atividades identificadas por Heringer (2001), essas estavam relacionadas às organizações negras42: a) “estímulo e ampliação do acesso de afro-brasileiros ao ensino superior”, aos moldes de cursinhos pré-vestibulares; b) “atividades comunitárias”, principalmente em favelas ou bairros periféricos; c) “reconhecimento e titulação de terras de comunidades remanescentes de quilombos”, atividade da Fundação Palmares, que conta com a colaboração de diversos atores, inclusive ONGs; d) “Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra – GTI”; e) “Projeto Geração XXI”, uma parceria entre Geledés Instituto da Mulher Negra e Fundação Bank

Boston; d) “advocay action”, uma importante estratégia utilizada pelas organizações

negras.

O então deputado Paulo Paim apresentou o Projeto de Lei nº 3.198, em 2000, que “institui o Estatuto da Igualdade Racial43, em defesa dos que sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor, e dá outras providências”, que foi

42Em função da delimitação deste trabalho, as experiências serão apenas citadas.

43Depois de tramitar durante dez anos no Congresso Nacional, o Estatuto foi aprovado em junho de 2010, no Senado e sancionada como lei, sob número 12.288 no dia 20/07/2010, pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, com várias alterações em relação ao texto original, mas prevê a adoção de programas de ação afirmativa. (www.portaldaigualdade.gov.br)

elaborado com a colaboração de diversos consultores, intelectuais ligados às questões raciais e o movimento negro.

No Brasil, o debate político sobre ações afirmativas com recorte racial se inicia na década de 1990, através das pautas de reivindicação do movimento negro, como dissemos acima e tomou grande impulso com os eventos preparatórios para a III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (CMR)44, realizada em Durban, que aconteceu no período de 31 de agosto a 08 de setembro de 2001. Estiveram presentes delegações de 173 países, 4 mil ONGs e mais de 16 mil participantes. As conferências anteriores foram em 1978 e em 1983. O documento resultante dessa conferência recomendou a adoção de políticas que visassem o desenvolvimento igualitário dos segmentos sociais histórica e tradicionalmente marginalizados nas sociedades. Dentre suas recomendações destacamos:

[...] 4. Insta os Estados a facilitarem a participação de pessoas de descendência africana em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da sociedade, no avanço e no desenvolvimento econômico de seus países e a promoverem um maior conhecimento e um maior respeito pela sua herança e cultura,

5. Solicita que os Estados, apoiados pela cooperação internacional, considerem positivamente a concentração de investimentos adicionais nos serviços de saúde, educação, saúde pública, energia elétrica, água potável e controle ambiental, bem como outras iniciativas de ações afirmativas ou de ações positivas, principalmente, nas comunidades de origem africana, [...] (DECLARAÇÃO DE DURBAN, 2001, p. 37-38)

A CMR configurou-se como uma baliza importante para a recomposição da agenda das relações raciais, tanto no mundo quanto no Brasil (HERINGER, 2006, p. 79), pois que reacendeu o debate e estimulou a introdução de ações afirmativas na legislação brasileira. A possibilidade de intervir num evento da magnitude da CMR mobilizou, ativamente, órgãos do governo, organizações do movimento negro e diversas entidades da sociedade civil que tinham o interesse de ver suas demandas atendidas. Assim, os eventos preparatórios da CMR contribuíram para alavancar as discussões em torno das relações raciais vigentes até então (HERINGER, 2006, p. 79). Telles (2003, p 86 a 93) descreve com detalhes como foi trilhado esse “caminho” até Durban e destaca a importância dessas pré-conferências, no Brasil, como verdadeiro estimulante para o

movimento negro brasileiro, dado o ineditismo de se poder discutir, francamente, questões de racismo com pessoas do alto escalão do governo.

Dentre os eventos que impulsionaram as ações brasileiras de combate ao racismo, da década de 1980 ao início do ano 2000, a CMR é considerada por muitos estudiosos como um divisor de águas. Os pesquisadores destacam alguns fatores para apoiar sua argumentação: a atuação do governo brasileiro, particularmente FHC, que se empenhou diretamente para a mudança de conduta da chancelaria brasileira nos encontros internacionais que antecederam a CMR, não mais difundindo a imagem do país como democracia racial; a intensa mobilização do movimento negro e o posicionamento inovador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada45 (IPEA); a inédita cobertura que a mídia brasileira deu à temática racial, durante o evento; as transformações que se seguiram após a conferência com o maior destaque que a temática racial passou a ter na sociedade civil e em termos das ações governamentais com vistas a reverter as desigualdades raciais (FERES JR., 2006; HERINGER, 2006; TELLES, 2003; GUIMARÃES, 2003c; MUNANGA, 2001; ROSEMBERG, mimeo 1). Segundo Guimarães (1999, p. 201), antes do impulso da CMR, há registros históricos, no Brasil, de “algumas experiências de discriminação positiva bem sucedidas”, ainda que não se utilizasse a nomenclatura de ações afirmativas naquela época e que ambas não tivessem recorte racial: a lei de 2/346, assinada por Getúlio Vargas, era voltada para a admissão de trabalhadores nacionais em qualquer fábrica instalada no país e a lei de incentivos fiscais, voltada para a nascente burguesia industrial nordestina. O primeiro registro de tentativa de se criar uma lei que estabelecia uma porcentagem mínima de “empregados de cor”, foi por iniciativa dos técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, em 1968, mas a lei não chegou a ser elaborada, conforme Moehlecke (2002, p. 204). Jaccoud e Beghin (2002, p. 45) lembram que foi em 1969 que o Brasil promulgou a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, que preconiza a adoção de políticas de ação afirmativa voltadas “para garantir o desenvolvimento e a proteção dos indivíduos pertencentes a certos grupos raciais, com a finalidade de garantir-lhes o pleno e igual desfrute dos direitos humanos”.

45O IPEA, vinculado ao Ministério do Planejamento, publicou dados revelando a dimensão das desigualdades raciais no país, provendo as liderança do movimento negro com argumentos sólidos (ROSEMBERG, mimeo 1).

46 [...] “Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de março de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), previa, no seu artigo 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas” (PINTO, 2006, p. 146).

Através da legislação eleitoral, instituiu-se, nacionalmente, em 1995, a primeira política de cotas, que estabelece que 30% das candidaturas dos partidos políticos devem ser destinadas às mulheres. De 1996 até 2001 aconteceram várias iniciativas legislativas, objetivando políticas de ação afirmativas. Moehlecke (2002) afirma, no entanto, que até o final dos anos 1990, nenhum desses projetos de lei tinham sido aprovados ou implementados. Jaccoud e Beghin (2002) fizeram um levantamento sistematizado e detalhado das ações realizadas pelo governo federal que estavam sendo implementadas no período de 1995 a 2002.

Os desdobramentos da CMR não tardaram a aparecer tanto no âmbito governamental (federal, estadual e municipal), quanto na sociedade civil. Ainda durante a Conferência, o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou a adoção de 20% para a participação de negros em posições administrativas e em concursos públicos. Em outubro de 2001 foi a vez da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro estabelecer que “40% das vagas nas universidades estaduais seriam dedicadas a negros e pardos”; na sequência, através do Ministério Público de Minas Gerais, reservou-se 50% de vagas nas universidades estaduais para estudantes da rede pública de ensino; em dezembro de 2001, o Ministério da Justiça e o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceram que ao menos “20% dos diretores, consultores sênior e funcionários de empresas terceirizadas que prestam serviço ao STF deveriam ser negros”; em março de 2002, o Ministério do Trabalho determinou que 20% dos recursos do Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), para cursos de treinamento e de capacitação, fossem destinados a trabalhadores negros, especialmente às mulheres. Seguiram-se diversas iniciativas em nível estadual e municipal, no início de 2002, tendo algumas localidades implantado ações voltadas exclusivamente para indígenas (TELLES, 2003, p. 96).

Para Heringer (2006), as ações no plano federal não eram, inicialmente, resultado de ação coordenada. Só em maio de 2002 é que o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao lançar o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II), instituiu, também, o Programa Nacional de Ações Afirmativas, mas que não se efetivou dada a situação política de fim de mandato. A autora destaca que, em nível estadual, o principal acontecimento foi o ineditismo da implantação de cotas para o ingresso nas universidades estaduais: no Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF); na Bahia, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Uma iniciativa considerada emblemática, nesse período, foi a criação do

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