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PARTE I – O RACISMO E SEU ENFRENTAMENTO

CAPÍTULO 2 O racismo no Brasil

No Brasil, há muito se convive com um suposto racismo sutil18, como aquele que vem se configurando tanto na Europa como nos EUA, sob a denominação de novo racismo. Durante muitos anos, argumentou-se que o Brasil não é um país racista (ainda hoje, há quem o negue), tendo como contraponto as situações de conflitos raciais em países como a África do Sul e os EUA. Pelo fato de não ter ocorrido em terras brasileiras uma segregação racial oficial ou leis racistas, argumenta-se que o racismo não faz parte de nossa realidade. O que se teria no máximo, seria um preconceito de cor, que se limitaria à esfera do privado. Porém, ao mudarem a perspectiva teórica e de análise, estudiosos das relações raciais chegaram a conclusões diferentes a essa. Em um breve excurso histórico poderemos ter uma visão panorâmica dessa nossa configuração tão singular, no tocante às relações raciais.

A despeito de sofrer grande influência das teorias raciais produzidas por cientistas ocidentais, europeus e norte-americanos, tanto no final do século XIX quanto no século anterior, intelectuais brasileiros acabaram por adotar um pensamento original sobre a mestiçagem, ao selecionarem o que naquelas teorias raciais ocidentais era mais apropriado à condição de país mestiço. No Velho Mundo, a mistura de raças era vista com maus olhos, via de regra, pela intelectualidade. Havia aqueles que teorizavam contra a mestiçagem, alegando que brancos e negros eram de espécies diferentes e que o efeito de um cruzamento entre ambos resultaria em anomalias e monstruosidades. Neste grupo, Munanga (1999, p. 25) inclui Voltaire, Maupetius, Julien Offray de la Mattrie, Edward Lang e até mesmo Kant. No grupo oposto, que considerava a unidade da espécie e que via como positiva a mestiçagem, encontramos Buffon e Diderot. Seyferth (2002, p.27) pondera que a atribuição de degenerescência à mestiçagem foi um dos principais dogmas do chamado racismo científico, que não ficaram restritos ao mundo acadêmico, tendo sido também disseminados no meio da população em geral. Silva (2005) traz uma contribuição importante neste sentido:

A particularidade do racialismo brasileiro foi reestruturar as teorias raciais européias ao contexto local, privando-as da concepção de necessária degenerescência causada pela miscigenação. A doutrina do branqueamento pendeu para uma explicação inversa ao racismo científico. Mantendo a hierarquia em relação ao branco e apontando-o como ideal, considerou que a inferioridade da raça negra seria abrandada com a miscigenação, à medida

que os traços fenotípicos deixassem de ser tão marcados. Essa concepção influenciou para um alto grau de importância da cor da pele na hierarquização das pessoas (SILVA, 2005, 49, grifo do autor).

Como informa Silva (2005), a ambivalência de posições em relação à miscigenação, que dominava o debate europeu, também dividiu a intelectualidade brasileira. Do lado contrário à mistura das raças estavam João Ribeiro, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato e do lado favorável, João Batista de Lacerda, Sílvio Romero entre outros. Acabou prevalecendo esta última posição, mas com a crença de que o elemento branco se sobreporia às demais raças, consideradas inferiores. Diversos foram os autores que reiteraram a imagem de um Brasil mestiço, que teria o branco como elemento superior da sua constituição. No entanto, do cruzamento do elemento branco com os grupos negro e indígena, defendiam a idéia que o país resultaria cada vez mais branco, com o passar dos anos: a chamada “solução brasileira” (Skidmore, 1976, p. 81 apud SILVA, 2005, p. 49). Telles (2003, p. 46), apoiando-se em Skidmore, traz um bom exemplo do que estamos falando:

[...] em 1912, João Batista Lacerda19, certo de que a miscigenação acabaria

por produzir indivíduos brancos, previu que em 2012 a população brasileira seria composta por 80% de brancos, 3% de mestiços, 17% de índios e nenhum negro.

Do século XIX ao início do século XX, prevaleceu esse pensamento brasileiro de supremacia branca, como nos informa Telles (2003). Pensamento que, no início, foi influenciado por uma perspectiva eugênica neo-lamarckiana. Linha teórica de origem francesa, que respaldava a crença na inferioridade dos não-brancos, mas que permitia aos intelectuais brasileiros defender o processo de miscigenação, como possibilidade de superação dessa inferioridade. No entanto, a solução que propunham, em função de “sua sensibilidade às teorias de degeneração racial e tropical” (TELLES, 2003, p. 46), era o branqueamento pela mistura entre brancos, negros e indígenas.

Mas a doutrina do branqueamento não ficou apenas na intenção. Esse pensamento foi o sustentáculo da política de imigração no Brasil, como nos lembram Silva (2005) e Telles (2003, p. 46): “O branqueamento prescrito pelos eugenistas tornar- se-ia sustentação principal da política de imigração do Brasil”. Isto porque acreditavam que sendo o estoque branco superior, à medida que se misturassem geneticamente com a população negra, esta desapareceria, conforme acima ilustrado na previsão de Lacerda.

19João Batista Lacerda foi médico, antropólogo e diretor do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, até 06 de agosto de 1915. (VERGARA, 2005, p. 511)

A idéia era “tornar o país mais claro” (SCHWARCZ, 1998, p. 187). Também, como política de Estado, havia a interdição à imigração negra e asiática, esta pelo menos até 19l0. Ao situar a história demográfica do Brasil, Telles (2003, p. 47) evidencia os efeitos da “grande imigração européia” na composição racial brasileira: “A porcentagem da população branca em relação à população total do Brasil aumentou de 37% para 44% entre 1872 e 1890. A população mestiça decresceu de 44% para 41% e a população negra caiu de 19% para 15%”.

Telles (2003) aponta mudanças nas visões sobre raça no Brasil, que ocorreram nas décadas de 1910 e 1920, em função da perda de espaço do grupo neo-lamarckiano na comunidade eugenista, para uma nova geração de acadêmicos, inspirados por uma perspectiva mendeliana, que não davam tanto crédito ao conceito de raça quanto seus parceiros no exterior. Além do mais, por influência culturalista, Edgar Roquete-Pinto fez uma consistente defesa da mestiçagem, na Primeira Conferência Eugênica Brasileira, em 1929. Tais fatos, além da forte presença de mestiços na elite brasileira, impediram o Brasil de seguir o caminho trilhado por países como os EUA e a Alemanha. Conforme Telles (2003, p. 49-50),

[...] a variante da eugenia relacionada à higiene pública, compatível com a mistura de raças e com o mito da democracia racial, ganhou adeptos, o que não ocorreu com a eugenia reprodutiva extremista ou higiene racial ao estilo nazista.[...] a maior parte da elite brasileira e muitos eugenistas haviam começado a exaltar as virtudes da miscigenação brasileira, incluindo a possibilidade de harmonia racial e união.

Sem deixar de ser valorizada , a brancura deixa de ser o objetivo. A mestiçagem passou a ser encarada como algo distintivo da nação brasileira. O Brasil passou a ser entendido a partir da imagem de um grande rio (europeu), que absorve os pequenos afluentes (africano e indígena). O país visto como um “cadinho de raças”, um lugar onde as raças se misturam, se fundem. Tornou-se comum a argumentação a favor da existência de uma convivência harmoniosa entre as três raças. Tese fortemente presente na obra de Gilberto Freyre, o que contribuiu para a propagação, na sociedade brasileira, da idéia da existência de uma “democracia racial” no país. Silva (2005, p. 54) nos lembra que

A concepção de que o Brasil era um país sem barreiras que impediam a ascensão social firmou-se internamente. O país esforçou-se para divulgar esta imagem no exterior, o ideário de que no Brasil as relações raciais eram cordiais, e que não existiam demarcações sociais baseadas em critérios de raça. Tal ideário foi, após, a década de 1930, absorvido rapidamente na

A obra de Gilberto Freyre, em 1930, deu o tom dessa visão otimista acerca da mestiçagem (TELLES, 2003, p. 50). Segundo Schwarcz (1998, p. 178), “[...] o mestiço transformou-se em ícone nacional, em um símbolo de nossa identidade cruzada no sangue, sincrética na cultura, [...]”. Acrescenta, no entanto, que a valorização se deu no plano retórico, não de fato. Opinião concordante com Telles (2003) que, ao analisar as relações raciais da América Latina, afirma que, apesar do discurso positivo em torno da mestiçagem, as “ideologias”20 não evitaram as injustiças. Ou seja, conforme veremos adiante, a população mestiça autodeclarada parda situa-se em plano equivalente ao da população de autodeclarados pretos no acesso aos bens sociais.

As primeiras organizações do movimento negro, por volta dos anos 1930, compartilhavam desse ideário não conflitivo, pois também acreditavam que o Brasil seria uma democracia racial. Diversos autores, tais como Fernandes (1964 apud PINTO, 1987), Nogueira (1998), Guimarães (1999), D’Adesky (2001), Seyferth (2002), Telles (2003) entre outros, apontam o caráter assimilacionista do movimento negro brasileiro naquele período. Guimarães (2002, p. 146) apresenta um trecho de uma declaração de princípios do Teatro Experimental do Negro (TEN), organização que defendia os direitos dos negros, formada em 1944, onde aparece expresso o que ele nomeou de consenso racial-democrático: “[...] considerando que o Brasil é uma comunidade nacional onde tem vigência os mais avançados padrões de democracia racial, apesar da sobrevivência, entre nós, de alguns restos de discriminação”.

Uma das conseqüências da valorização do mestiço foi a desafricanização da cultura. Para Schwarcz (1998, p. 196-197), esse foi o processo de abrasileirar aqueles elementos culturais que estavam relacionados aos negros, tais como a feijoada, a capoeira, que se tornaram representações simbólicas da mestiçagem, além do samba, do carnaval. Além do fim da perseguição policial ao Candomblé e da escolha de uma santa “mestiça como os brasileiros” para padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Também ocorreu a paulatina associação do futebol aos negros.

Esse culto à mestiçagem implicou em recusa à identidade étnica do negro21 (BANDEIRA, 1990, p. 21), o que resultou numa negação da cultura e também de suas

20Concepção neutra de ideologia, conforme teoria de ideologia de John B. Thompson (1995). 21

“A recusa à identidade étnica dos negros tem sido negligenciada em todo o intercurso da história, pela sociedade e pelo Estado. Essa recusa engendrou mecanismos ideológicos e práticos de fragmentação da identidade, técnica social de subordinação e a obediência do negro. As comunidades negras rurais são, neste sentido, expressões objetivas de resistência e etnicidade” (BANDEIRA, 1990, p. 21).

heranças históricas. A despeito de se levar em consideração as contribuições dos estoques africanos e indígenas, a cultura ocidental foi considerada melhor. Tais medidas não foram sem conseqüências para o “indivíduo negro”, como bem salienta D’Adesky (2001, p. 69):

[...] a indiferenciação racial através da mistura sistemática que privilegia o tipo branco e, secundariamente, o tipo moreno mestiço, torna-se, para o negro, [sic] exigência de despertencimento, dever de ruptura, idealização de abertura. Em suma, a mestiçagem, que aparentemente aproxima e une, vem ferir o indivíduo negro que não corresponde ao tipo ideal, o qual, despido de semelhanças, supõe a exclusão e a denegação da identidade.

Ocorreria uma “negação por indiferenciação racial do negro” que é acompanhada de uma segunda negação, que é cultural. É analisando esta dupla negação que D’Adesky (2001) aponta as características do racismo brasileiro, nos anos de 1930, a partir do modelo proposto por Taguieff, acima mencionado. O caráter universalista do tipo espiritualista pode ser identificado naquilo que o racismo brasileiro elegeu como valores superiores e universais, quer dizer, a cultura ocidental e o seu caráter anti-racista universalista do tipo biomaterialista, no seu aspecto assimilacionista, através do reconhecimento da unidade da espécie humana e da fusão de todos os grupos raciais, por meio da mestiçagem. Assim, nos anos 1930, o processo de miscigenação foi valorizado, mas tendo-se em mente o branqueamento da população e da cultura. Este é o foco deste anti-racismo, não havendo lugar para uma total exclusão, pois as raças consideradas inferiores teriam a chance de progredir, desde que fossem assimiladas ou se miscigenassem. Para D’Adesky (2001), considerar esses dois eixos de análise permite identificar o que ele chamou de “evidência consensual da mestiçagem”, que apesar de não ser uma unanimidade

[...] mantém um insidioso racismo antinegro e antiindígena que jamais pode ser praticado ou falado abertamente, sob pena de se romper um consenso baseado tanto no racismo quanto no anti-racismo universalista mixófilos. Nesse sentido, a mestiçagem, quando não é produto da “ordem natural”, deve ser compreendida como uma prática e uma configuração ideológica tanto anti-racista quanto racista, devido à sua indução enquanto norma valorizada, quase imperativa, e enquanto prática discriminatória sutil (D’ADESKY

2001, p. 73).

É importante destacar que esse caráter assimilacionista do racismo brasileiro atingiu também a gama de imigrantes que para aqui vieram. Como nos revela Seyferth (2002, p. 36), “esperava-se a assimilação cultural e física dos europeus e o desaparecimento dos negros e mestiços mais escuros, num prazo que variava, conforme

o autor, entre três gerações e três séculos”. Mas a “nação imaginada”, principalmente a partir do Estado Novo (1937-1945) e da Segunda República (1945-1964), conforme Guimarães (2002, p. 117), comportava um paradoxo, nos alerta Seyferth (2002, p. 36): deveria haver a ocidentalização da população, com seu conseqüente clareamento mas, ao mesmo tempo, os imigrantes deveriam se misturar, fundir-se, assimilando elementos das culturas negras e indígenas. O objetivo era abrasileirar todos. Segundo Nogueira (1998, p. 244/245), o estrangeiro seria aceito na sociedade à medida que deixasse de ser estrangeiro.

Estudos, patrocinados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), permitiram revelar uma realidade diferente daquela até então veiculada sobre as relações raciais no Brasil. Esses estudos, realizados no período de 1951 a 1953, na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco22, foram motivados pelo interesse da instituição internacional de conhecer a suposta experiência exitosa de relações raciais harmônicas existentes no Brasil. A idéia básica da organização era de que o modelo brasileiro poderia ser um alento para que surgissem formas mais democráticas de convivência racial no mundo, que ainda tinha viva a lembrança das conseqüências trágicas da Segunda Guerra Mundial.

Conforme Schwarcz (1998, p. 202), a UNESCO esperava que esses “estudos fizessem um elogio da mestiçagem e enfatizassem a possibilidade de convívio harmonioso entre as etnias nas sociedades modernas”. Mas o que se viu não foi bem isto. Se alguns estudos ainda reproduziram a maneira até então predominante de se encarar as relações raciais brasileiras, outros caminharam no sentido da revisão crítica dos modelos interpretativos e metodológicos. Estudos importantes, como os de Costa Pinto, no Rio de Janeiro, Roger Bastide e de Florestan Fernandes, em São Paulo, trouxeram à tona as desigualdades sociais entre brancos e negros no Brasil, apontando, dessa forma, as falácias do mito: no lugar de democracia, discriminação; no lugar de relações harmoniosas, uma “etiqueta racial” que camuflava o preconceito.

Guimarães (1999, p 75) examinou alguns estudos realizados no período de 1940 a 1960, sobretudo aqueles relacionados ao Projeto UNESCO, levando em conta o que chamou de “diferenças ideológicas”, “diferenças interpretativas” e “diferenças teórico/empíricas”. O autor concluiu que, apesar das divergências interpretativas, as

22Na Bahia os estudos foram desenvolvidos por Thales de Azevedo e Charles Wagley; no Rio de Janeiro, por Costa Pinto; em São Paulo, por Roger Bastide, Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, Virgínia Leone Bicudo e Aniela Ginsberg e em Pernambuco, por René Ribeiro (SILVA, 2005, p. 54).

chamadas escolas “baiana” e “paulista” tenderam mais a pontos de convergência do que se pensava encontrar, quais sejam: chegaram a um consenso quanto à existência de preconceito racial no Brasil, bem como à existência de uma democracia racial, enquanto ideologia e que, a despeito de diferenças regionais, permitiu generalizar as conclusões que encontraram para o restante do país.

De acordo com Silva (2005, p. 55), o Projeto UNESCO contribuiu de maneira expressiva para a crítica à idéia de “democracia racial” e também para a transformação da maneira de se fazer Ciência Social no Brasil, particularmente no campo da Sociologia. Neste sentido, Schwarcz (1998, p 202) considera que foram fundamentais e reveladores os estudos empreendidos por Florestan Fernandes, que tiveram como foco o estudo das desigualdades, a problematização da noção de “tolerância racial”, a substituição de estudos culturalistas por interpretações sociológicas sobre o lugar do negro nas sociedade de classes.

Para Guimarães (1999, p. 100), os estudos patrocinados pelo Projeto UNESCO possibilitaram a construção de uma nova agenda para o estudo das relações raciais no Brasil. Se alguns brasilianistas e pesquisadores brasileiros enfatizavam anteriormente o caso brasileiro a partir de uma perspectiva universalista, comparativista e contrastante, a grande contribuição do projeto foi estabelecer “uma problemática sociológica das relações raciais propriamente brasileira”, principalmente com as pesquisas de Fernandes.

Entretanto, as inovações introduzidas e enunciadas por Fernandes, nas Ciências Sociais e no estudo das relações raciais no Brasil, não ficaram sem crítica por parte das lideranças do movimento negro, pois a ênfase dos seus estudos supunha que as desigualdades raciais eram um epifenômeno da luta de classes. Tal abordagem era coerente com os pressupostos marxianos de Fernandes, mas que se chocava com o foco do movimento negro nas questões mais voltadas para a cultura e para a identidade negra. As conclusões de Fernandes, ao desmascarar o mito da democracia racial, no entanto, foram de grande valia para o movimento negro na sua luta contra a opressão e as desigualdades impingidas ao negro e na luta pela defesa de sua cidadania, a partir dos anos de 1970.

Naquela época, a ditadura militar empunhava, de maneira dogmática, a bandeira de um Brasil em que as relações raciais se davam de maneira harmoniosa e cordial, e reprimia as manifestações em prol dos direitos de cidadania do negro, bem como

procurava neutralizar a influência de importantes estudiosos. Como nos lembra Telles (2003, p. 60):

De 1964 ao final dos ano 70, à medida que o governo militar consolidava o seu poder autoritário, os estudos sobre raças feitos por brasileiros foram aniquilados, pois muitos dos mais influentes estudiosos de raça no Brasil haviam sido exilados. Os estudos sobre essa questão haviam se tornado um perigo à segurança pessoal.

Foi um momento de grande embate, pois o movimento negro defendia a tese da existência de discriminação racial e não de classe, que se contrapunha ao pensamento da sociedade, de modo geral e de grande parte da esquerda brasileira, além de ir contra o ideário hegemônico que estava em voga deste 1930, de acordo com Silva (2005, p. 57). Este ideário da democracia racial prevaleceu até 1970, apesar das conclusões contrárias do Projeto UNESCO, as quais não foram imediatamente assimiladas pela população brasileira, mas que inspirou diversos estudos, a partir dos anos 1970, que tinham como objetivo o desvelamento do racismo brasileiro. Schwarcz (1999, p. 287) informa que, já nas décadas de 1980 e de 1990, os estudos “demonstraram como o preconceito de cor não estava exclusivamente atrelado a uma questão econômica e social; ao contrário, persistia como um dado divisor social”.

Os estudos de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle e Silva (apud GUIMARÃES, 1999) evidenciaram que as desigualdades referentes às oportunidades sociais e econômicas entre brancos e negros (pretos e pardos) apresentavam um componente racial, que não deixava dúvidas. Hasenbalg (1979), nos seus estudos, concluiu que raça, como conceito historicamente construído, é um critério importante para se determinar posições tanto na estrutura de classe quanto no sistema de estratificação social; que o racismo é mais que um epifenômeno de estrutura econômica e que sua persistência, na sociedade brasileira, tem a ver com a garantia de interesses dos grupos hegemônicos na sociedade. Assim, contrariamente ao que acreditava Fernandes, para Hasenbalg, a desigualdade racial não desapareceria com o desenvolvimento do capitalismo, como nos assinala Telles (2003).

Sintetizando o pensamento brasileiro sobre “exclusão racial”, a partir de uma ampla revisão bibliográfica, Telles (2003, p. 16-21), ao considerar o conceito de exclusão, afirma que as teorias raciais, no Brasil, tomaram direções distintas. A primeira geração, tendo Freyre como principal expoente, focalizou as relações horizontais, argumentando a favor de relações harmoniosas, considerando a mistura de raças.

Segundo Silva (2005, p. 60), “Os autores [da primeira geração] enfatizaram a miscigenação racial e sustentaram as teses de que as relações raciais no Brasil são amigáveis, calcadas na proximidade e cortesia”, negando, assim, a ocorrência do racismo. Já na segunda geração, instaura-se, a partir de Florestan Fernandes, um novo modo de ver a raça no meio acadêmico. A partir de estudos das relações verticais, isto é, tendo o foco nas desigualdades estruturais23 entre brancos e negros, foram realizadas diversas pesquisas que possibilitaram descrever e interpretar o racismo brasileiro, jogando por terra a interpretação de uma discriminação branda, como característica da sociedade brasileira, sustentadas em dados empíricos, as pesquisas constataram discriminação em diversos âmbitos e dimensões, dentre as quais, destacaremos algumas no campo da Educação. Boa parte dessas pesquisas apoiaram-se na análise de dados coletados pelos inquéritos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, de modo geral, comparam indicadores educacionais de brancos, pretos e pardos, esses

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