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Procedimentos: corpus e grades de análise

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2010 (páginas 153-180)

PARTE III – ANÁLISE FORMAL DAS FORMAS SIMBÓLICAS

CAPÍTULO 1 Procedimentos: corpus e grades de análise

1.1 Seleção da amostra e constituição do corpus

De toda a documentação solicitada aos candidatos para participarem da Seleção Brasil 2007 do Programa IFP (Edital, Seleção 2007), esta pesquisa analisou quatro questões contidas no Formulário para Candidatura 2007 (Anexo I), por vezes denominado aqui, de Formulário102. Esse formulário inclui uma série de perguntas, inclusive aquelas relativas à adequação do candidato aos grupos-alvo privilegiados pelo Programa IFP: local de nascimento, renda familiar e pessoal, educação e ocupação do(a) pai/mãe, responsabilidades familiares e quatro perguntas sobre autodeclaração e identificação étnico-racial.

O Formulário passou por modificações visando afinar as informações fornecidas pelos candidatos, no intuito de coibir respostas de ocasião que objetivassem apenas a adequação aos grupos focalizados pelo edital (FCC/IFP, 2004).

Nas duas primeiras seleções, o Formulário continha apenas duas questões relacionadas à autodeclaração e identificação de cor/raça/etnia: uma idêntica à formulada pelo IBGE (“Usando as categorias do IBGE, sua cor ou raça é: branca, preta, parda, indígena, amarela) e, ao final, uma declaração do candidato de

102 O dossiê para candidatura é bastante complexo, na medida em que constitui instrumento para analisar, simultaneamente, pertencimento aos grupos-alvo, trajetória pessoal, potencial acadêmico e de liderança, bem como compromisso com questões sociais.

identificação/pertença aos grupos focalizados pelo edital (FCC/IFP, Formulário para Candidatura, 2003).

Declaro que pertenço ao(s) segmento(s) sub-representado(s) na pós-

graduação privilegiado(s) pelo edital do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford e que assinalei abaixo:

Nasci na região ( ) Norte ( ) Nordeste ( ) Centro-Oeste ( ) Identifico-me como indígena e pertenço ao povo ___________ ( ) Identifico- me como negro/a

Após as duas primeiras seleções e observando, conforme mencionado na introdução por ocasião das entrevistas, a passagem da linha de cor por “oportunismo” de alguns candidatos, a Equipe da FCC realizou um seminário com lideranças do movimento negro visando refinar as questões sobre autodeclaração e identificação étnico-racial, procurando ajustar-se à regra que haviam estabelecido de não violentar a autodeclaração do candidato (FCC/IFP, 2003)

Após as discussões que aconteceram no seminário, foram introduzidas mais duas questões no Formulário: uma, logo após a pergunta “modelo IBGE”: “Por que você indicou a categoria acima?”. A outra, “Relate suas experiências ou vivências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial”. Tal pergunta é ampla, permitindo ao candidato que direcione seu relato para uma variedade de aspectos do que podem ser experiências étnico-raciais para uma pessoa que vive no Brasil. Daí termos nos interessado, particularmente, por esta questão.

Portanto, nesta pesquisa, analisamos as respostas dadas a essas quatro questões, além de considerarmos o Campo L do Formulário, que trata da autorização para o uso das informações prestadas pelo candidato para fins de pesquisa (Quadro 3). Consideramos que estas questões (com exceção da autorização) constituem o corpus da pesquisa. Para Bardin (1977, p. 96-98), corpus “é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos”. A autora ainda acrescenta que, na constituição do corpus, devem-se considerar as regras de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência, o que exporemos adiante.

Quadro 3 – Campos do Formulário que foram analisados Campo A, sub-campo 3: Identificação

Sexo

( ) Masculino ( ) Feminino Idade ( )

Tipo de bolsa

( ) Mestrado ( ) Doutorado

Usando as categorias do IBGE, assinale sua cor ou raça:

( ) branca ( ) preta ( ) parda ( ) amarela ( ) indígena Por que você indicou a categoria acima?

Campo L: Autorização

Autorizo a utilização ( ) SIM ( ) NÃO

Campo M: Declaração

Declaro que pertenço ao(s) segmento(s) sub-representado(s) na pós-graduação privilegiado(s) pelo edital do Programa Internacional de Bolsas da Pós-Graduação da Fundação Ford e que assinalei abaixo. ( ) Identifico- me como negro/a

Campo N: Relatos pessoais

sub-campo 3) Relate suas experiências ou vivências relacionadas ao pertencimento étnico-racial.

Fonte: Formulário para Candidatura ao Programa IFP: Seleção 2007 (FCC/IFP).

Do ponto de vista dos procedimentos, tivemos que tomar três decisões: como compor uma amostra representativa do universo de respostas dos candidatos, como proceder à análise, e como nos ajustar a padrões éticos que orientam a pesquisa envolvendo pessoas. Iniciemos por esta última questão: este projeto foi submetido à apreciação de uma comissão constituída pela sessão brasileira do Programa IFP, que autorizou a análise dos Formulários, desde que mantivéssemos o anonimato e que não incluíssemos, na análise, aqueles que não concederam sua autorização.

Com efeito, desde a primeira seleção do Programa IFP, seus responsáveis incluíram uma pergunta no Formulário solicitando, expressamente, ao candidato que informasse se concedia, ou não, autorização para que suas respostas fossem usadas em pesquisa, guardando-se o anonimato. Portanto, nossa amostra excluiu os Formulários que não apresentaram respostas afirmativa ao quesito relativo à autorização (Campo L

do Formulário). Além desses cuidados, o projeto foi objeto de análise e aprovação pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (parecer no Anexo II).

A outra decisão tomada referiu-se ao procedimento de sorteio da amostra de Formulários. De início, decidimos excluir da amostra os Formulários relativos às seleções de 2004 e 2009. Isto porque 2004 foi o ano de introdução da questão − “Relate suas experiências ou vivências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial”. Por ser uma novidade tanto para a Equipe quanto para os/as candidatos/as, preferimos excluir esse ano. Consideramos que tal questão é inabitual para brancos, que, no Brasil, não consideram ter/construir uma identidade étnico-racial (BENTO, 2002). Para negros e indígenas, apesar de habitual, a pergunta foi efetuada em contexto de programa de ação afirmativa, daí a novidade. Por outro lado, em 2009, ocorreu uma seleção sui generis, por prever, exclusivamente, bolsas de mestrado, o que nos levou a excluí-lo também. Ficamos, então, com os Formulários das seleções de 2005, 2006, 2007 e 2008. A seguir, abriram-se duas possibilidades: selecionar uma amostra distribuída por todos os anos ou sortearmos apenas um ano e, desse universo de Formulários, extrairmos uma amostra. Optamos por esse último caminho, na medida em que simplificava nosso trabalho e não reduziria a representatividade da amostra. Sorteamos, então, o ano de seleção (2007 foi sorteado) e, do conjunto de 900 formulários que continham autorização para análise, extraímos 20% para a composição da amostra, utilizando a Tabela de Números Equiprováveis. Desse processo resultou uma amostra composta por 180 Formulários. Como o número de Formulário de candidatos autodeclarados indígenas e amarelos era reduzido (onze ao todo), e que nosso enquadre teórico focalizava relações raciais da perspectiva negra-branca, decidimos compor uma amostra exclusivamente com formulários de candidatos pretos, pardos e brancos, o que resultou num conjunto de 169 formulários (Quadro 4).

Quadro 4 – Composição da amostra Total de formulários (A) Não preencherama autorização (B) Não autorizaram o uso de suas informações (C) Formulários que não foram

utilizados (B+C) = D Universo (A-D) = E Amostra (20% de E) Indígenas e amarelos (F) Amostra final (E-F) 949 15 34 49 900 180 11 169

Fonte: Banco de Dados (FCC/IFP).

Nesta pesquisa, os discursos captados nos campos selecionados do Formulário para Candidatura ao Programa IFP constituem o corpus de análise. Selecionada a amostra de Formulários e delimitado o corpus, passamos a descrever os procedimentos de análise.

1.2 Análise do corpus

Para esta fase de análise discursiva desta pesquisa optou-se por articular ao referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP), as técnicas de análise de conteúdo, tal como utilizadas por Bardin (1977) e Rosemberg (1981): isto é, a análise de conteúdo atuou como apoio para proceder à descrição organizada e sistemática de conteúdos apreendidos nos formulários analisados.

As técnicas de análise de conteúdo se desenvolvem por meio de procedimentos sistemáticos de descrição e caracterização de discursos, de forma a buscar objetividade e constância durante a coleta de dados, num processo de ir e vir entre o material empírico sob análise (discursos proferidos pelos sujeitos) e o objeto de investigação, bem como o referencial teórico adotado (Bardin, 1977; Rosemberg, 1981).

Identificar os “temas”, conforme Bardin (1977, p. 105), ou estabelecer os “cortes no fluxo da mensagem”, segundo Rosemberg (1981, p. 70), aponta as etapas iniciais no tratamento dos dados: a categorização e a codificação. Anteriormente a isso, Bardin (1977, p. 96) indica a necessidade de se fazer uma “leitura flutuante” no contato com o documento a ser analisado, “deixando-se invadir por impressões e orientações”.

A codificação é o momento da transformação dos dados do texto em índices. Organizar a codificação envolve a escolha das unidades de registro e de contexto, a escolha das regras de contagem e a elaboração das categorias. A unidade de registro é a unidade de sentido que corresponde ao conteúdo considerado como unidade básica, a

categoria para a qual será verificada a freqüência de aparecimento no discurso sob análise. Conforme Bardin (1977, p. 105-106),

Fazer uma análise temática consiste em descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objectivo analítico escolhido. O tema, enquanto unidade de registro, corresponde a uma regra de recorte (do sentido e não da forma) que não é fornecida uma vez por todas, visto que o recorte depende do nível de análise e não de manifestações formais reguladas.

Assim, o critério de recorte na análise de conteúdo é da ordem das significações (Bardin, 1977, p. 104). Neste sentido, o olhar do analista é orientado tanto pela teoria quanto por seu interesse e por suas percepções (Rosemberg, 1988, p. 76).

A unidade de contexto é outra dimensão importante a ser considerada na análise, pois, segundo Bardin (1977, p. 107), os “resultados [de uma análise] são susceptíveis de variar sensivelmente, segundo as dimensões de uma unidade de contexto”. De acordo com a autora, a escolha das unidades, de registro e de contexto, deve ser coerente com o documento a ser analisado, bem como com os objetivos do estudo. A unidade de contexto, nesta pesquisa, foi, para cada um dos quesitos analisados, a resposta do candidato.

Outra tarefa no tratamento dos dados, a categorização, consiste na operação de classificar o corpus procurando dar-lhe certa organização, reconstruindo-o, “produzindo uma representação simplificada dos dados brutos”, num movimento de diferenciação e agrupamento dos elementos, considerando os critérios que podem ser semânticos, sintáticos, léxicos ou expressivos, conforme Bardin (1977, p. 117-119). Neste trabalho, foram construídas categorias de análise, a partir de recortes temáticos das respostas com base no objeto de investigação, nas referências teóricas e nas percepções do pesquisador, atento aos critérios de construção de “boas categorias” apresentados por Bardin (1977, p.120, grifo nosso).

1) a exclusão mútua – Essa condição estipula que cada elemento não pode existir em mais de uma divisão. [...]; 2) a homogeneidade – O princípio de exclusão mútua depende da homogeneidade das categorias. Um único princípio de classificação deve governar a sua organização. Num mesmo conjunto categorial, só se pode funcionar com um registro e com uma dimensão de análise. [...]; 3) a pertinência – Uma categoria é considerada pertinente quando está adaptada ao material de análise escolhido, e quando pertence ao quadro teórico definido. [...] O sistema de categorias deve refletir as intenções da investigação, as questões do analista e/ou corresponder às características das mensagens; 4) a objetividade e a fidelidade – [...] As distorções devidas à subjetividade dos codificadores e à variação dos juízos não se produzem se a

produtividade – Um conjunto de categorias é produtivo se fornece resultados

férteis: férteis em índices de inferências, em hipóteses novas e em dados exatos.

Apresentamos, a seguir, as grades que foram construídas para a análise de conteúdo dos discursos dos candidatos ao Programa IFP. Para isso, foram criados quatro blocos de análise.

O Bloco 1 inclui categorias referentes à identificação dos candidatos, a saber: sexo, idade, cor/raça, tipo de bolsa (quadro 5). Aqui é necessário explicitar a construção das categorias Negro 1 e Negro 2: a categoria Negro 1 resulta da somatória das respostas dos que se autodeclararam pretos e pardos. Já a categoria Negro 2 se refere aos candidatos que, no campo M do Formulário, que solicita a declaração de pertença aos grupos-alvo do Programa, indicaram a opção Negro.

Quadro 5 – BLOCO 1: Identificação do candidato (Campos A e M do Formulário) CATEGORIAS

Autodeclaração Declaração de pertença

Branca Negro2

Preta Outros

Parda Não consta 21 a 30 31 a 40 41 a 50 DESCRIÇÃO Masculino Feminino Mestrado Doutorado 51 acima Não consta 1.1. Sexo Idade Cor/raça Tipo de bolsa

O Bloco 2 (quadro 6) inclui categorias que permitem descrever, de modo agrupado, as respostas à pergunta do Formulário “Por que você usou a categoria

acima?”, referindo-se à opção pelas alternativas de cor/raça empregadas nos inquéritos do IBGE.

Quadro 6 – BLOCO 2: Justificativa da opção da categoria cor/raça (Respostas à pergunta: “Por que você usou a categoria acima?”)

Aparência

"minha cor", cabelo, traços físicos, etc.

Origem

"meus pais", "meus avós", família, ancestrais, etc.

Documento

certidão de nascimento, RG, etc.

Cultura

"identifico-me com a cultura", "identifico-me com modo de ser", etc.

Reafirmação

"sou negro", "sou indígena", "sou afrodescente", "sou branco", etc.

Postura política

militância, participação política, consciência racial (negritude)

Outros conteúdos

não se enquadra em nenhuma categoria anterior

Mista

mais de uma categoria [p. ex.: aparência (1) e origem (2) = categoria (1-2)]

Não consta

o candidato não justificou sua resposta

Os Blocos 3 e 4 incluem categorias que se propõem a descrever os relatos pessoais dos candidatos ao campo M do Formulário: “Relate suas experiências ou vivências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial”.

É necessário mencionar que, conforme o Formulário para Candidatura, este campo devia ser manuscrito. Porém, os relatos manuscritos dos candidatos eram enviados, pela Equipe da Fundação Carlos Chagas, a um bureau de digitação visando sua utilização mais confortável durante o processo de seleção. A digitação pelo bureau adotou a sistemática de usar caixa alta. Para fins desta pesquisa, preferimos adotar caixa baixa entre aspas, diminuindo a poluição visual. Por outro lado, incluímos pontuação e

acentuação nos relatos, posto que sua ausência no material que recebemos decorreu do trabalho de digitação.

Além disso, ao final dos excertos transcritos, incluímos uma fórmula de identificação dos autores: sexo (M ou F), idade (numeral), cor autodeclarada (preta, parda ou branca) e declaração de pertença do campo M (Negro ou −, esta última quando não há indicação de resposta). Por exemplo, a fórmula F/26/preta/negra indica que se trata de mulher, tendo 26 anos, que indicou a cor preta no quesito sobre sua cor/raça (IBGE) e declarou-se negra no campo M referente à declaração de identificação/pertença.

No Bloco 3 (Quadro 7) foram incluídas as categorias que descrevem o foco do relato, seu tema principal, em que pessoa é relatado, qual a terminologia étnico-racial que usa e se menciona ação afirmativa.

Quadro 7 – BLOCO 3: Relatos pessoais (Respostas ao campo N do Formulário: “Relate suas experiências ou vivências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial”)

Qual é o foco do relato?

Não há relato Étnico-racial

“Não tenho relatos graves como ser impedida de entrar em algumas instituições, de ser barrada em lugares sofisticados para “brancos”, até porque não tenho e nunca tive condições econômicas para frequenta-los. Durante minha infância e adolescência sempre ouvi brincadeiras de mau gosto por ser parda, cabelos não rebeldes, mas nariz “parracha”. Ofendia-me, claro. Tive até complexos na adolescência, orgulhava-me de ter amigos(as) brancos(as) – que bobagem” (F/55/parda/-)

Outros (cultura, desigualdade social, profissional, indefinido)

Cultura

“Eu tenho muito orgulho de ser brasileira. tenho orgulho da culinária, da música e das pessoas deste país. [...]”. (F/23/parda/-)

Desigualdade social

“As descriminações que sofri foram mais referente a desigualdade social. Já que de certa forma estive a margem da sociedade [...]”. (F/33/parda/negro)

Profissional

“Ao trabalhar com a população de baixa renda, percebe-se que os indivíduos carecem de atenção e de informação. [...]”. (F/26/branca/-)

“Não tenho discriminação alguma independente do sexo, raça ou algum tipo de deficiência. em minhas aulas os alunos trocam informações e elaboram exercícios como um todo. (F/24/branca/-)

Indefinido

“Respeito e confiança pelas crianças”. (F/26/parda/-) Qual o tema central do relato racial?

Pertencimento étnico-racial

“Como sabemos, o pertencimento étnico racial é uma descoberta que você faz ao longo de sua vida. Comigo não foi diferente [...]. (F/24/preta/negro)

“Tenho descendência afro”. (F/24/parda/-)

Discriminação étnico-racial (geral, sofrida por familiares, pelos negros ou pelo próprio candidato) “[...] Sinto uma grande inquietação quando vejo a impunidade e discriminação [...] ao qual vivem as comunidades negras, indígenas e etc.” (F/34/branca/-)

“[...] Um deles ocorreu com a minha tia que foi proibida de entrar em um elevador social em razão da sua cor [...]” (F/26/parda/negro/)

“[...] Observo as grandes dificuldades encontradas pelos negros, desde o ingresso às faculdades públicas até a presença de negros [...]”. (M/26/parda/-)

“Pensa-se que o negro e o indígena e que são discriminados. Não só. Brancos também são, [...] na minha infância foi muito difícil superar essas dificuldades, [...] ainda era ruiva e sardenta. [...]”. (F/48/branca/-)

“Quando criança, principalmente, vivenciei momentos de discriminação, por exemplo, com apelidos na escola de neguinha da Beija Flor, picolé de asfalto, [...]”. (F/26/preta/negro)

Ação de enfrentamento ao racismo

“Tenho contato com movimentos quilombolas, movimentos negros. [...]”. (M/29/parda/negro) Atividade cultural

"Participei do grupo de capoeira angola [...]". (F/28/preta/negro)

Atividade profissional

"Minha experiência como coordenadora técnica há 8 anos na [...] equipamento de acolhimento destinado a adolecentes Do sexo feminino. [...]”. (F/43/preta/negro)

Nunca "sofreu" problema étnico-racial

“Neste caso confesso que nunca tive nenhum pertencimento pois dos 20 anos aos 41, nunca tive problemas em relação a minha cor, pelo menos a olhos vistos. [...]”. (M/50/preta/negro)

Em que pessoa o relato é narrado?

1ª do singular 3ª do singular 1ª do plural 3ª do plural Indefinido Misto

Terminologia étnico-racial que emprega

Se usa e o que usa

Menciona ação afirmativa?

Sim Não

O Bloco 4 incluiu categorias que buscaram construir uma tipologia das experiências/vivências étnico-raciais relatadas, inspirando-nos no modelo proposto por Cross Jr (1991). Porém, diferentemente da proposta de Cross Jr (1991), não nos referimos a estágios de desenvolvimento de uma pessoa referente à sua negritude, mas a tipos de experiências apreendidos nos discursos dos candidatos. Mas, como discutiremos adiante, é possível vislumbrar uma hierarquia entre os tipos em direção a discursos centrados na dimensão política nos relatos relacionados a vivências/experiências étnico-raciais.

Quadro 8 – BLOCO 4: Tipos de relatos

Omisso

quando o relato não se refere aos negros ou a relações raciais entre brancos e negros

Transcendente

o relato privilegia uma humanidade abstrata

Centrado no estigma

o relato realça apenas aspectos negativos da identificação étnico/racial

Simpatizante

o relato trata de experiências étnico-raciais a partir da ação de terceiros ou na cultura negra/indígena em geral ou da atividade profissional

Centrado na constatação

o relato apenas apresenta uma situação étnico/racial discriminatória sem, contudo, apontar envolvimento em sua superação

Político

o relato foca a militância política ou acadêmica no trato de questões étnico/raciais

Entusiasmado

o relato é entusiasmado por causa de recém descoberta da negritude

Grupocentrado

o relato focaliza exclusivamente o próprio grupo étnico/racial como importante

Multifocado

o relato tem foco em causas raciais e também em outras expressões identitárias

Adotando-se os procedimentos descritos, as respostas contidas nos 169 Formulários para Candidatura foram codificadas. Em seguida, os dados foram processados usando-se o programa Microsolft Access, o que deu origem a tabelas a partir de cruzamentos simples entre variáveis de identificação dos candidatos e variáveis respostas, ou seja, o conteúdo categorizado e codificado das respostas dos candidatos.

Paralelamente, líamos e relíamos as respostas, procurando captar aspectos que poderiam ter escapado ou que complementavam a codificação, ou ainda que exemplificassem as tendências dominantes ou as ausências apreendidas nos discursos.

Este conjunto de tratamentos permitiu a configuração de resultados, a nosso ver, interessantes, e alguns deles inovadores. Antes, porém de apresentá-los, é necessário informar que procedemos à análise via comparação entre percentuais (distribuição de freqüência). A base para o cálculo das porcentagens nem sempre foi 169 (conjunto de Formulários), posto que, por vezes, efetuamos reduções excluindo, por exemplo, Formulários em que o campo/quesito não havia sido respondido. Para facilitar a leitura, a explicitação da base para cálculo da porcentagem ocorrerá no momento específico de apresentação dos resultados.

Outro aspecto a ser mencionado refere-se à explicitação da fonte em quadros e tabelas: informamos a fonte “Banco de Dados (FCC/IFP)” quando as codificações já haviam sido processadas pela Equipe da Fundação Carlos Chagas. Não mencionamos a fonte quando fomos nós que efetuamos a codificação das informações.

CAPÍTULO 2 – Resultados: interpretações e re-interpretações

2.1 Caracterização da amostra

Comparando-se a composição de nossa amostra com o universo de candidatos103 que autorizou o uso de seus Formulários para fins de pesquisa, observamos uma proximidade muito grande entre os conjuntos: maioria de candidatos a mestrado, do sexo feminino, nas faixas etárias mais jovens e que se autodeclararam pretos e pardos, portanto, predominantemente negros. Isto é, nossa amostra se apresenta representativa do conjunto de candidatos (Tabela 2).

Tabela 2: Composição do universo e da amostra de candidatos

Sexo Universo % % Amostra Sexo Feminino Masculino Total 612 288 900 78,0 22,0 100,0 120 49 169 71,0 29,0 100,0 Cor/raça Branca Preta Parda Outros Negro 1 Total 154 354 336 56 690 900 17,1 39,3 37,3 6,2 76,6 100,0 31 71 67 00 138 169 18,3 42,0 39,6 0,0 81,6 100,0 Idade 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 e acima Não consta Total 372 316 163 46 3 900 41,3 35,1 18,1 5,1 0,3 100,0 80 56 26 06 01 169 47,3 33,1 15,4 3,6 0,6 100,0 Tipo de bolsa Mestrado Doutorado Total 702 198 900 78,0 22,0 100,0 126 43 169 74,6 25,4 100,0 Fonte: Banco de Dados (FCC/IFP).

103Daremos preferência ao uso do genério masculino, para não sobrecarregar o texto, a não ser quando estivermos

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2010 (páginas 153-180)

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