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Classificação racial no Brasil

PARTE I – O RACISMO E SEU ENFRENTAMENTO

CAPÍTULO 5 Classificação racial no Brasil

Dada a diversidade de configurações societárias, nenhum organismo internacional propôs uma classificação geral para raças ou etnias. “Assim, em pesquisas internacionais, quando a ‘etnicidade’ é objeto de interesse, geralmente é captada segundo as categorias locais empregadas pelo órgão oficial de estatística do país” (OSÓRIO, 2004, p. 106). São variados os modelos adotados pelos censos, em função da história de cada sociedade: no Brasil, pergunta-se sobre a cor ou raça das pessoas; na Índia, a orientação religiosa; na Inglaterra, o grupo étnico; na França, a nacionalidade; nas Ilhas Maurício, os grupos lingüísticos; nos EUA e Canadá, a raça (OSÓRIO, 2004; PETRUCCELLI, 2007).

Blumenbach, fisiologista e antropólogo alemão (1752-1840), foi quem introduziu a cor da pele como critério básico para diferenciar as chamadas raças humanas no século XVIII na Europa Ocidental. Sua classificação das raças humanas associava cor da pele e região geográfica de origem em cinco tipos: branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; parda ou malaia e vermelha ou americana. Muito dessa terminologia inspirou a forma de classificar em nosso país e no restante do mundo. O vocabulário racial com base na “cor da pele” penetrou no Brasil no período colonial, sendo usado nos inquéritos populacionais, de forma variada, desde o primeiro Censo Demográfico de 1872 até os dias de hoje. Há que se observar, de certo, que os sentidos dos termos variaram ao longo do tempo e de acordo com contextos específicos (ROCHA e ROSEMBERG, 2007, p. 763), como veremos mais adiante, quando falarmos do uso da categoria cor ou raça nos censos brasileiros.

Osório (2004) e Petruccelli (2007) lembram que classificar é um ato básico do processo cognitivo, permitindo o conhecimento e o reconhecimento, bem como a vida societária. “Classificações são o tijolo do simbólico”, afirma Osório. Por sua vez, Petruccelli (2007, p. 10) ressalva que o processo de classificar ocorre em contextos estruturados, ou seja, a operação de classificar é acompanhada por uma dissimetria entre quem se vê no direito de classificar e quem é alvo da classificação. “Interpenetrada pelo uso comum das categorias de cor, se verifica a presença de uma relação de dominação simbólica expressada na classificação”. Como bem lembram Piza e Rosemberg (2003, p 107), “As palavras para nomear a cor das pessoas não são meros veículos neutros

enunciadores de matizes, mas carregam índices de preconceito/discriminação, de seu distanciamento e de sua superação”.

Osório (2004, p. 92-93) aponta que, mesmo considerando a raça como uma “realidade sociocultural”, há que se reconhecer um embasamento biológico, porém adverte que as diferenças visíveis daí resultantes, quando ocorrem, não produzem por si mesmas as desigualdades, uma vez que essas são socialmente construídas. No entanto, deve-se levar em conta os aspectos biológicos e sociais na conceituação de cor. Conforme Soares (2008, p. 103), cor é

uma construção social baseada parcialmente em características genéticas herdadas da mãe, parcialmente em características genéticas herdadas do pai e parcialmente em características socioeconômicas herdadas da família na qual a criança nasce ou adquiridas ao longo da vida.

No processo classificatório, são atribuídos termos ou palavras a coisas, classes, ou categorias. Petruccelli (2007) demarcou como se deu a formação da lexicografia relacionada à cor como tropo para raça. Segundo o autor, já se faziam alusões às características dos povos desde os primeiros contatos entre os europeus e os ameríndios e essas referências às características continuaram a ser feitas aos africanos e seus descendentes em solo brasileiro, a partir da segunda metade do século XVI. Assim, construiu-se, ao longo do tempo, uma diversificada nomenclatura, muito mais sofisticada que a utilizada nos dias de hoje, conforme Osório (2004, p.104), que contemplava à intensa miscigenação, podendo produzir ainda identidades socialmente construídas associadas a ela. Pela pesquisa que empreendeu, Petruccelli situa, entre os séculos XIV e XVII, o aparecimento de marcadores referentes a essa mistura de raças. No levantamento da gênese dos termos, o autor identificou o termo pardo como um dos mais antigos, definido como “de cor entre o branco e o preto, mulato” (Cunha, 1982 apud PETRUCCELLI, 2007, p. 19). Em português e espanhol, parece derivado do latim

pardus e do grego pardos, significando leopardo (leão-pardo). Já havia referência ao

termo pardo na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, em 1500, falando sobre os nativos “que a feiçam deles he serem pardos maneira avermelhados de boôs rrostros e boos narizes bem feitos” (Castro, 1985, p. 41 apud PETRUCCELLI, 2007, p. 17).

O substantivo mulato é proveniente do castelhano, datado de 1525 e denomina a ascendência de “pai branco e mãe preta ou vice-versa” (Cunha, 1982 apud

PETRUCCELLI, 2007, p. 19), que faz referência ao mulo, que é o resultado híbrido, fruto de mestiçagem e que é infecundo, (Bonniol e Benoist, 1994 apud PETRUCCELLI, 2007, p. 19). De acordo com esse autor, há no livro de Antonil, do século XVIII, uma referência ao termo mulato, com conotação pejorativa atribuída aos descendentes miscigenados de africanos (PETRUCCELLI, 2007, p. 17).

O termo mestiço, definido como “nascido de pais de raças diferentes” (Cunha, 1982, apud PETRUCCELLI, 2007, p. 19), nome ibérico, do espanhol mestizo, usado como adjetivo ou substantivo, aparece no português no século XIV. Etimologicamente proveniente do “latim tardio mixticus, de mixtus, particípio passivo [sic] do verbo

miscère, misturar” (PETRUCCELLI, 2007, p. 20). Foi usado, inicialmente, nas Índias

Ocidentais para designar somente a ascendência de europeus com ameríndios.

O termo preto carece ainda de precisão quanto à sua exata origem, tanto no espanhol, quanto no português. Said-Ali (1931 apud PETRUCCELLI, 2007, p. 21) apresenta a seguinte definição para o termo branco::

[...] em sentido rigoroso, é a neve, a cal o leite, a açucena etc. Homem ou mulher com a pele exatamente da cor destes objetos, não existe, nem nunca existiu, [...] Na cor da pele de qualquer indivíduo da chamada raça branca ou caucásica transparece sempre entre o alvo e o róseo um amarelado ou morenado mais leve nos povos septentrionais, mais fortes nas gentes do meio-dia.

Outras denominações, com menor representatividade estatística, também foram estudadas por Petruccelli referentes às “qualificações aplicadas à descendência de uniões com a população indígena”, tais como caboclo, cafuzo e bugre, mas não serão tratadas aqui por estarem fora do escopo deste trabalho. Trataremos do termo negro mais adiante.

O que a categoria cor significa no Brasil? Guimarães (1999, p. 104-5) apresenta um breve trajeto de ampliação dessa categoria, no campo teórico, desde o estudo pioneiro de Donald Pierson, em Salvador, nos anos 1930. Se nesse primeiro trabalho de pesquisa, Pierson deu indicações de que a “cor” era mais do que pigmentação, incluindo outras características físicas, (Harris e Kottak, 1963, apud GUIMARÃES, 1999, p. 104) conseguiram comprovar como eram importantes e em qual ordem vinham os seguintes elementos, na definição de cor: tipo de cabelo, formato do nariz e formato dos lábios. Afastando-se dos pressupostos racialistas da época e adentrando nos estudos de relações raciais, a Antropologia Social permitiu uma ampliação ainda maior do significado da

“cor”. Os estudos que se seguiram de 1940 a 1960 possibilitaram identificar a associação do sistema de classificação brasileiro com hierarquização social. De acordo com Nogueira (1998, p. 244), além dos traços físicos, a “identificação da cor de um indivíduo é influenciada pela associação a outros característicos de status, como o grau de instrução, a ocupação e os hábitos pessoais [bem como] sua associação tradicional ou habitual com grupos predominantemente de brancos ou de pretos”.

Segundo Guimarães (1999, p 43), diversos autores consideravam que, tanto no Brasil quanto na América Latina, não haveria preconceito racial, mas apenas “preconceito de cor”. Aqueles que estudaram o Brasil alegavam que não se poderia falar em grupos raciais no país, mas apenas em “grupos de cor”. Isto devido à particularidade da forma de classificação racial de diversos países, baseada na aparência e não na origem. Neste mesmo sentido, Nogueira (199853, p. 239), ao fazer um exame das relações raciais nos EUA e no Brasil, apontou que, em nosso país, ocorre o “preconceito de cor ou de marca racial”, ao passo que norte-americanos nutririam um “preconceito de origem”. Florestan Fernandes (1965, apud GUIMARÃES, 1999, p. 46) apontou para o fato “de que o ‘preconceito de cor’ deveria ser usado como noção nativa – conceitualizado, no início, pela Frente Negra Brasileira, em 1930 – para se referir à forma particular de discriminação racial que oprime os negros brasileiros”. Mas, ao problematizar essa idéia nativa de “cor”, Guimarães alerta que a atribuição de “cor” a alguém não está isenta dos valores que orientam a nossa percepção. “É desse modo que a ‘cor’, no Brasil, funciona como uma imagem figurada de “raça” (GUIMARÃES, 1999, p. 46), um “tropo54 para raça” (GUIMARÃES, 2002, p. 54). Isto é, “a classificação das pessoas por cor é orientada por um discurso sobre qualidades, atitudes e essências transmitidas por sangue, que remontam a uma origem ancestral comum numa das ‘subespécies humanas’” (GUIMARÃES, 2003a, p. 103).

Para o autor, um discurso classificatório que se pauta em cores, como um tropo para raça, é um discurso naturalizado, uma vez que estamos no campo das construções discursivas, não diante de dados de uma realidade concreta.

A bibliografia produzida por autores brasileiros ou estrangeiros, tem sido praticamente unânime em apontar que o processo de classificação de cor/raça no Brasil é baseado na aparência e não na ascendência (Nogueira, 1998, p. 239). Alguns raros

53O relatório que originou o livro, foi publicado parceladamente na revista Anhembi nos anos de 1954 e 1955, conforme nos informa Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, na introdução dessa edição do livro.

54 No Dicionário Houaiss, tropo é o emprego figurado de palavra ou locução, figura. Estas observações não se aplicam ao contexto de classificação indígena-não indígena, como nos lembra Rocha (2005, p. 26).

estudos, porém, se referem a um sistema classificatório que se basearia também na origem ou ascendência.

Talvez o texto que tenha dado mais atenção a este aspecto tenha sido o de Piza e Rosemberg (2003) que efetuam uma análise exaustiva dos Censos desde o de 1872. O primeiro recenseamento geral da população, o de 1872, que diferenciava as pessoas pela condição de serem livres ou escravas. As categorias de cor utilizadas foram aquelas que estavam mais disseminadas na população à época: preto, pardo, branco e caboclo. Preto e pardo eram as categorias de cor, reservadas aos escravos, mas também para as pessoas livres. A categoria caboclo, que possuía raiz na origem racial do declarante, era reservada aos indígenas (PIZA e ROSEMBERG, 2003, p 2). Percebe-se a utilização de um critério misto de fenótipo e de origem para a caracterização racial da população (PIZA e ROSEMBERG, 2003; OSÓRIO, 2004 e PETRUCCELLI, 2004).

Segundo Rosemberg (2003, p. 94), no entanto, nem sempre foi desse jeito, pois “o critério de descendência vigorou no Brasil, em determinados momentos históricos [século XVIII e século XIX] e circunstâncias”.

O segundo censo geral, o de 1890, também adotou o critério misto para compor as categorias (preto, branco, caboclo e mestiço), de modo a referir-se, explicitamente, à ancestralidade ou ascendência das pessoas. Nota-se que o termo mestiço substituiu o termo pardo e deveria ser usado para se referir, exclusivamente, aos descendentes da união de pretos e brancos (PIZA e ROSEMBERG, 2003, p 5). Os censos que se seguiram, 1900 e 1920, não coletaram cor da população.

Apesar de o Censo de 1920 não ter incluído a investigação sobre cor/raça da população, Piza e Rosemberg (2002), citando Lamounier (1976), destacam a justificativa oficial referente à exclusão do quesito, na qual se percebe, novamente, um modo de classificação de cor/raça assentado na origem:

[...] as respostas [ocultam] em grande parte a verdade, especialmente [...] de ordinário refratários à cor original a que pertencem [...] sendo que os próprios indivíduos nem sempre podem declarar sua ascendência [...].Além do mais, a tonalidade da cor deixa a desejar como critério discriminativo, por seu elemento incerto [...] (Censo 1920, apud Lamounier, 1976, p. 18, apud PIZA e ROSEMBERG, 2003, p. 6).

O quesito só voltou a ser coletado no Censo de 1940, o primeiro da série de censos modernos decenais e que utilizam as categorias branco, preto, pardo e amarelo. O termo mestiço deu lugar ao termo pardo e criou-se a categoria amarelo para designar

os imigrantes asiáticos, particularmente japoneses e seus descendentes, que ingressaram no país a partir de 1908. O Censo de 1950, segundo dos censos modernos, seguiu as cores do Censo de 1940 e explicitava que a categoria pardo deveria abranger os índios, mulatos, caboclos, cafuzos e outros, um amálgama de aparência e origem.

Os Censos de 1960 e 1980 seguiram esse mesmo padrão. Já o Censo de 1970 não coletou a informação sobre a cor e não foram expostos os motivos para não fazê-lo. A partir do Censo de 1991, acrescentou-se a categoria indígena e a pergunta efetuada passou a ser “Qual a cor ou raça?”, compondo as cinco categorias que são usadas atualmente (PIZA e ROSEMBERG, 2003; OSÓRIO, 2004 e PETRUCCELLI, 2004). Tal inclusão merece um comentário mais pormenorizado. Quando a literatura sobre classificação/denominação de cor/raça se refere ao sistema brasileiro como orientado pela aparência, seu foco, sem explicitá-lo, são os segmentos branco e negro (pretos e pardos), posto que, conforme discussão efetuada por Antonio Carlos de Souza Lima (2007)55, a autoidentificação entre os indígenas ocorre pela pertença uma etnia.

Uma outra referência sobre classificação com base na origem encontra-se no artigo de Robin E. Sheriff (2002) “Como os senhores chamavam os escravos: discursos sobre cor, raça e racismo um morro carioca”. Trata-se de artigo primoroso, que, a nossos olhos, dentre outras qualidades, efetua uma distinção entre denominação e classificação racial. No primeiro caso teríamos discursos descritivos: “Esses discursos não são, propriamente falando, raciais, mas referem-se, antes, a conceitos de cor e aparência” (SHERIFF, 2002, p. 226). Por outro lado, a autora identificou, também, “um discursos ou identidade e classificação racial [...] que enfatiza tanto a raça como a noção de categorias raciais distintas” (p. 226, 227). E é nesse padrão discursivo que a autora se defronta com processos classificatórios que remetem à origem, o que, em seu texto foi analisado a partir dos comentários de Ana Lúcia, moradora da vizinhança pesquisada pela autora: “Eu sou parda, mas sou da raça negra” (p. 230). Na discussão do comentário de Ana Lúcia, Sheriff (2002, p. 231) pondera: “Ela [Ana Lúcia] refuta, ao menos parcialmente, a noção de que, no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, a identidade racial é determinada não pela família ou pelo parentesco, mas pela cor da pessoa”.

E, em nota refere-se a observação equivalente de Benjamin Zimmerman, em artigo de 1952, publicado no famoso e histórico livro de Charles Wagley – “Race and

class in rural Brazil”: “Em numerosos casos, as pessoas entrevistadas disseram que não podiam indicar a qualidade de algumas das pessoas da lista ‘porque não conheciam suas famílias’ [...]” (Zimmerman, 1952, p. 103, apud SHERIFF, 2002, p. 240).

Por ocasião da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 1998, como ensaio para a introdução do termo afrodescentente no Censo de 2000, conforme análise de Schwartzman (1999, apud ROCHA, 2005, p. 69), incluiu a pergunta sobre origem a maioria das pessoas respondeu à pergunta via origem nacional dos pais ou origem regional brasileira, o que pode ter desqualificado investigações mais aprofundadas sobre a referência à origem na classificação de cor/raça.

Tais comentários são necessários, posto que, no Capítulo 2, da Parte III, discutiremos a alta incidência da justificativa origem quando os sujeitos de nossa amostra responderam porque optaram pela categoria indicada na pergunta que seguiu o formato tradicional do IBGE.

Outros pontos do debate são muito importantes, referem-se aos modos brasileiros de operar as classificações (se é bipolar ou múltiplo), quais são os sistemas de classificação adotados no país (oficial ou oficiais, popular e outros) e o sistema de coleta de dados (se por autodenominação ou hetero-denominação) (Rocha,2005). Quanto aos modos de operar a classificação racial, Peter Fry (1995/1996 apud ROCHA, 2005, p. 60) identifica três modos diferenciados: um para as classes médias intelectualizadas do meio urbano, que utilizariam um modo binário de classificação (branco x negro); outro para as camadas populares, um modelo múltiplo, variando contingencialmente; finalmente um modelo que combinaria uma forma reduzida do modo múltiplo ou ampliada do bipolar, que resultaria no uso de três categorias - negro, branco e “mulato” -, que seria, para Fry, o mesmo modelo utilizado oficialmente no censo brasileiro.

Na interpretação de Telles (2003, p. 105), são três os modos para classificar a população brasileira, dentro “de um continuum de cores do branco ao negro”, cada qual apresentando uma variedade de categorias. De acordo com o autor, teríamos então: 1) o modelo oficial dos censos do IBGE (cor/raça), utilizando cinco categorias (branco, pardo, preto, amarelo e indígena); 2) “o discurso popular”, que, à primeira vista, indicaria o uso de uma profusão de termos para descrever raças e cores, e 3) o sistema bipolar (branco, negro), utilizado pelo movimento negro. Telles (2003), como outros pesquisadores, sustenta sua caracterização do modelo múltiplo na variada terminologia

Já D’Adesky (2001, p. 135) indica o uso de cinco modos de classificação racial: 1) o uso das cinco categorias oficiais do IBGE; 2) “o sistema branco, negro e índio, referente ao mito fundador da civilização brasileira”; 3) o sistema classificatório popular de 135 cores, segundo apurado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 1976); 4) o modo binário branco e não-branco usado por inúmeros pesquisadores nas Ciências Humanas e 5) o modelo binário branco e negro, dos grupos e organizações do movimento negro.

Para Rosemberg (2005), seria um equívoco associar linear vocabulário racial e classificação ou identidade racial, bem como afirmar que o vocabulário utilizado pelo IBGE, nos Censos Demográficos e nas PNADs, seja o vocabulário oficial do país. Analisando diversos documentos oficiais, a autora identificou uma diversidade de termos utilizados para se referir a cor/raça, além daqueles usados pelo IBGE. Segundo a autora, o vocabulário para denominação varia de acordo com o contexto social em que é utilizado. Por exemplo, o termo “afro-brasileiro” é mais empregado quando o tema está relacionado ao contexto cultural e religioso; já o termo negro, aos contextos relacionados à explicitação de discriminação e preconceito. Um exemplo que vem do interior de um órgão de governo, o Ministério da Educação, assinala esta diversidade de denominação racial: nas provas elaboradas, em 2003, para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), tanto para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quanto para o Exame Nacional de Cursos (ENC), as alternativas para o campo de pertença étnico-racial eram branco, negro (e não preto), mulato (e não pardo), amarelo e indígena. Desta forma, Rosemberg (2005 apud ROCHA, 2005, p. 62)

chama a atenção que os diferentes contextos institucionais acionam repertórios lingüísticos diversos que podem, ou não, ser associados a um modelo bipolar ou múltiplo de classificação racial. Além disso, assinala que, mesmo o sistema classificatório equivalente ao do IBGE e que inclui cinco termos, pode apresentar vocabulários diversos em diferentes instrumentos produzidos pelo Estado brasileiro.

Assim, a denominação/classificação racial usada em documentos do Estado brasileiro não se assemelha a um sistema monolítico. Deste modo, os termos preto e pardo, apesar de fazerem parte do vocabulário do IBGE para classificação racial, por diferentes razões, não foram utilizados em leis e decretos contemporâneos, nas provas do MEC até 2003. Em outro documento governamental, o Relatório Preparatório para a Conferência de Durban (Brasil, 2000), que também foi assinado por representantes da

sociedade civil, comissões do legislativo, representante do Ministério Público Federal e militantes do movimento negro, Rosemberg (2005) constatou o uso de uma nomenclatura tendente a “um modelo bipolar ‘negro/afrodescendente-branco’ e restrita a dois vocábulos ‘negro’ e ‘afro-descendente ou afro-brasileiro’, muito distante do vocabulário usado nas pesquisas do IBGE”.

Muitos são os autores que defendem que no Brasil adotaríamos um modo múltiplo de classificação racial, em função do nosso extenso e variado vocabulário racial para nomear nossa cor/raça. São diversos os estudos56, conforme Rocha e Rosemberg (2007, p. 768), que “identificaram inúmeros termos, em diferentes regiões do país, para denominar ou classificar a si mesmo no espectro de cor ou em categorias de raça”. Para alguns estudiosos, essa profusão de termos é que singulariza o sistema de classificação brasileiro (Telles, 2003). Já outros vêem nesse fenômeno um indicador de que o procedimento adotado pelo IBGE, nos censos demográficos e nas PNADs, é inadequado. Rocha (2005) e Rocha e Rosemberg (2007) discutiram esses posicionamentos a partir da análise de dois inquéritos realizados pelo IBGE - a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1976 e a Pesquisa Mensal de Empregos (PME) 1998 - e também da pesquisa DataFolha 1995, os quais também foram objeto de estudo de diversos pesquisadores (TELLES, 2003; OSÓRIO, 2004; PETRUCELLI, 2004).

Na PNAD 1976, foram arrolados 135 termos diferentes e 143 na PME 1998, a partir do procedimento de efetuar uma pergunta aberta aos respondentes: (“qual a sua cor” em 1976 e “qual a sua cor ou raça” em 1998 (ROCHA e ROSEMBERG, 2007, p. 768). Essa multiplicidade de termos ensejaria uma “idéia da suposta enorme complexidade do sistema classificatório brasileiro” (PETRUCCELLI, 2004, p. 18). Tal idéia, porém, estaria sendo sustentada pela desatenção ao uso muito reduzido de vários termos de acordo com Telles (2003) e Rocha (2005), muitos termos foram usados por poucas pessoas que responderam aos inquéritos. Complementarmente, os pesquisadores notaram uma forte concentração de respostas em poucos termos, particularmente naqueles usados pelo IBGE.

[...] o fato de que 95% dos entrevistados usaram apenas seis termos é frequentemente ignorado. Em nova análise dos dados de 1976, encontrou-se

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