• Nenhum resultado encontrado

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2010

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2010"

Copied!
230
0
0

Texto

(1)

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Antônio Honório Ferreira

Discursos étnico-raciais proferidos por candidatos/as a programa de ação afirmativa

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO

(2)

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Antônio Honório Ferreira

Discursos étnico-raciais proferidos por candidatos/as a programa de ação afirmativa

Tese apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social, sob orientação da Prof. Drª. Fúlvia Rosemberg.

(3)

BANCA EXAMINADORA

______________________________

______________________________

______________________________

______________________________

(4)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação/tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

(5)

AGRADECIMENTOS

Meu reconhecimento e agradecimento aos que me antecederam, por tudo que edificaram e que me serve como ponto de partida.

A minha orientadora, Profa. Dra. Fúlvia Rosemberg, pela competência, generosidade intelectual, sentido ético, comprometimento, paciência e compreensão.

À Profa. Dra. Maria Antonieta Martinez Antonacci, ao Prof. Dr. Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e ao Prof. Dr.Valter Roberto Silvério pelas valiosas contribuições que me deram por ocasião da minha qualificação .

Ao Prof. Dr. Antônio da Costa Ciampa, pela inspiração teórica, que me acompanha desde que foi meu orientador no mestrado e por também compor esta banca examinadora.

À Profa. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt, pela sua colaboração neste momento de defesa de tese.

À Profa. Estefânia K. Canguçu Fraga e ao Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali, por terem aceito participar, como suplentes, neste processo.

À minha família que vem me apoiando das mais variadas formas. De maneira especial agradeço à minha mãe, que sempre valorizou e incentivou a formação escolar de seus filhos.

Ao amigo do peito, José Gabriel da Costa, pela presença constante e iluminada e de toda a irmandade.

(6)

Ao amigo-irmão Gustavo Lopes Borba e família: Kelli Gonçalves e o pequeno Guilherme, que me proporcionaram momentos agradáveis de convívio, pela afetividade fraterna na “embaixada mineira” em terras paulistanas.

Ao novo amigo-irmão Luiz do Nascimento Carvalho e família: Alciene Alves Ferreira e Maria Luiza do Nascimento Carvalho, pela hospitalidade goiânia, carinhosa e amiga na Paulicéia e apoio bem oportuno.

A amiga-irmã Myrt-Thânia de Souza Cruz e família: Ednalva Souza Cruz, Tânison Alves da Cruz, Victor Souza Cruz, Vincent Alves de Palma D’Elia e Pedro Cruz D’Elia, pelos momentos de afeto compartilhados e o apoio.

À minha família paulistana, Ricardo Clerice , Rosimeire Niccioli Clerice, Ana Carolina Clerice e Pedro Henrique Clerice, pelo acolhimento afetuoso, amizade verdadeira e momentos de espituralidade compartilhados.

Às companheiras e companheiros do NEGRI, com os quais tive a oportunidade de compartir bons momentos de aprimoramento acadêmico.

Aos funcionários da Biblioteca Nadir Kfouri pelo bom trabalho que realizam.

Aos(às) professores(as) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP e a Marlene Camargo, secretária do Programa.

À competente equipe da Fundação Carlos Chagas, Maria Luisa Santos Ribeiro, Leandro Feitosa Andrade, Márcia Aparecida Caxeta Pereira, Raquel Ribeiro, Marli Ribeiro, Ida Lewkowicz pelo apoio e colaboração.

À profa. Regina Lúcia de Souza e demais colegas de trabalho, pelo apoio e incentivo.

(7)

RESUMO

FERREIRA, Antônio Honório. Discursos étnico-raciais proferidos por candidatos/as a programa de ação afirmativa.

Esta pesquisa se articula ou dá continuidade a dissertações e teses produzidas no contexto do Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São/PUC-SP, tendo por objetivo geral procurar contribuir para a compreensão e melhoria da prática, de processos de identificação étnico-raciais em experiência de ação afirmativa. Seu objetivo específico é descrever e propor interpretações a discursos étnico-raciais proferidos no contexto do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford (Programa IFP). Fundamenta-se na hipótese teórica de Munanga (1988), que propõe a pluralidade do ser negro, no Brasil; na concepção de racismo que integra a dimensão estrutural e simbólica na produção das desigualdades raciais e na defesa do argumento de justiça social como a melhor justificativa, no Brasil, para a implementação de políticas de ação afirmativa com recorte racial, a partir de Feres Júnior (2006). Como método de pesquisa adotamos a hermêutica de profundidade (HP). Nesta tese, as formas simbólicas analisadas provêm das respostas de candidatos ao Formulário para Candidatura do Programa IFP, onde foram examinados os discursos proferidos nos campos específicos relacionados à autodeclaração e identificação racial, pela técnica de análise de conteúdo. A caracterização do perfil da amostra de autores dos discursos que analisamos aponta para: uma proximidade com o universo de candidatos ao Programa IFP; um percentual predominante de autores pretos e pardos, que declararam pertencer ao grupo-alvo negro; um predomínio de jovens e de mulheres. Dentre os 169 candidatos que compõem nossa amostra, 105, ou seja 62,1%, declararam identificar-se como negros. Ocorreu alta freqüência da justificativa por origem para a autodeclaração de cor/raça, o que aponta a necessidade de novos estudos. Encontramos nítida diferença entre os subconjuntos de autores de relatos autodeclarados pretos ou se que se identificam como negros e os autores brancos. Já os relatos dos autores pardos se situam em posição intermediária. Os resultados revelam uma variedade de formas de se apresentar como preto, pardo ou branco em um programa de ação afirmativa com recorte étnico-racial.

(8)

ABSTRACT

FERREIRA, Antônio Honório. Ethnic-racial speeches delivered by candidates for affirmative action program.

This research articulates itself or gives continuity to dissertations and theses produced in the context of the Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI), part of the Program of Graduate Studies in social psychology from Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP. Its overall goal, is to try to contribute to the understanding and the improvement of the ethnic-racial identification processes in affirmative action experiences. Its main specific goal is to describe and propose interpretations to the ethnic-racial speeches delivered in the International Fellowships Program - IFP (IFP Program) context. Based on the Munanga (1988), theoretical hypothesis, which proposes the plurality of being negro in Brazil; in the concept the

concept of racism which integrates the structural and symbolic dimension in production of racial inequalities and in defense of the argument of social justice as the best justification, in Brazil, for the implementation of affirmative action policies with racial clipping, from Feres Júnior (2006). As a research method we adopted the Depth Hermeneutical (DH). In this thesis, the symbolic shapes examined comes from the answers given from candidates, which filled in a form to be part of the IFP Program, where the speeches were examined in specific fields related to self-declaration and racial identification, by content analysis technique. The profile from the authors which we analyzed the speech, shows that: proximity with the universe of candidates to the IFP Program; a predominant percentage of pretos and pardos authors, which have

declared that they belong to the target group negro; with a predominance of young

people and women. Among the 169 candidates that comprise our sample, 105 or 62.1% declared that they identify themselves as negros. High frequency occurred per source

justification for self-declaration of color/race, suggesting the need for further studies. We found clear difference between subsets of authors which declared themselves as

pretos or who identify themselves as negros and the authors as brancos. But the reports

from the pardos show that they are located in the middle. The results reveal a variety of

ways to present oneself as preto, pardo or branco in an affirmative action program with

(9)

SUMÁRIO

Introdução: Objeto e método 01

PARTE I: O racismo e seu enfrentamento 16

Capítulo 1 – Estudos sobre o racismo e seu enfrentamento 16

Capítulo 2 – O racismo no Brasil 34

Capítulo 3 – Conceituando ação afirmativa 55

Capítulo 4 – Ação afirmativa no Brasil: debates e práticas 64

Capítulo 5 – Classificação racial no Brasil 86

PARTE II: Reflexão Identidade racial e ações afirmativas 106

Capítulo 1 – Reflexões sobre identidade 107

Capítulo 2 – De estágios para tipologia 123

PARTE III: Análise das formas simbólicas 141

Capítulo 1 – Procedimentos: corpus e grades de análise 141

1.1 Seleção da amostra e constituição do corpus 141

1.2 Análise do corpus 145

Capítulo 2 – Resultados: interpretações e re-interpretações 153

2.1 Caracterização da amostra 153

2.2 Como efetuam a declaração de pertença/identificação aos grupos-alvo 159

2.3 Como justificam a autodeclaração de cor/raça 162

2.4 Relatos sobre experiências/vivências étnico-raciais 167

2.5. Síntese dos resultados 186

CONSIDERAÇÕES FINAIS : Reinterpretações e inquietações 189

REFERÊNCIAS 193

(10)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Informações seletas sobre o Programa IFP 105

Quadro 2 – Estágios de desenvolvimento da identidade negra e tipologias 130

Quadro 3 – Campos do Formulário que foram analisados 143

Quadro 4 – Composição da amostra 145

Quadro 5 – BLOCO 1: Identificação do candidato

(Campos A e M do Formulário) 147

Quadro 6 – BLOCO 2: Justificativa de opção da categoria cor/raça

(Resposta à pergunta: “Por que você usou a categoria acima?”) 148

Quadro 7 – BLOCO 3: Relatos pessoais

(Respostas ao campo N do Formulário: “Relate suas experiências ou vivências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial”) 149

Quadro 8 – BLOCO 4: Tipos de relato 151

Quadro 9 – Temas em relatos com foco étnico-racial 175

Quadro 10 – Tipologia discursiva referente à negritude em relatos relacionados a

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: População total e com mestrado e doutorado por cor ou raça.

Brasil 2007 10

Tabela 2: Composição do universo e da amostra de candidatos 153

Tabela 3: Subconjuntos mais freqüentes identificados na amostra 155

Tabela 4: Caracterização da amostra por sexo 156

Tabela 5: Caracterização da amostra por idade 157

Tabela 6: Caracterização da amostra por cor/raça 158

Tabela 7: Declaração de pertença por sexo, idade e cor/raça 161

Tabela 8: Distribuição de freqüência das justificativas dadas à opção cor/raça 163

Tabela 9: Justificativas dadas à opção cor/raça por sexo, idade e cor/raça e

declaração de pertença 165

Tabela 10: Presença/ausência de relato sobre experiências/vivências relacionadas à pertença étnico-raciais por sexo, idade,

cor/raça e declaração 168

Tabela 11: Pessoas gramaticais enunciadas nos relatos por sexo, idade e

cor/raça e declaração de pertença 171

Tabela 12: Foco dos relatos por sexo, idade e cor/raça e

(12)

Tabela 13: Temas dos relatos com foco étnico-racial por sexo, idade e

cor/raça e declaração de pertença 177

Tabela 14: Tipos de discursos referentes à negritude mais e menos

Freqüentes nos relatos 183

Tabela 15: Tipos discursivos mais freqüentes nos relatos por sexo, idade e

(13)

ANTÔNIO HONÓRIO FERREIRA – AGOSTO/2010

INTRODUÇÃO: Objeto e método

Foi para estudar as identidades negras que me lancei no grande oceano que é o campo de estudos das relações raciais brasileiras. O título inicial do meu projeto de mestrado “A construção da identidade negra em diferentes contextos sociais”, indicava a idéia de pluralidade identitária, inspirado que estava por um texto provocativo do antropólogo Kabengele Munanga (1988), que apontava que a diversidade de contextos sociais resultaria em múltiplas possibilidades de ser negro no Brasil e que também indicava as dificuldades metodológicas para apreensão desse fenômeno tão complexo e dinâmico (MUNANGA, 1988, p. 146). Ouvi esse alerta e, naquele momento, prossegui meu mestrado pesquisando identidades negras a partir do método de história de vida, orientando-me pela teoria da identidade-metamorfose-emancipação de Ciampa (1986, 1999).

Vim para o doutorado ainda influenciado por esse encantamento, elaborei meu projeto e fui para o exame de qualificação pensando em estudar identidade a partir de discursos raciais proferidos em contexto de experiência de ação afirmativa. Naquele momento meu projeto se intitulava “Discursos étnico-raciais e identidades em contexto de programa de ação afirmativa”. Todavia, os resultados de minha pesquisa descortinaram o que estava posto desde o início: a complexidade do meu objeto, configurada na complexidade de operacionalizar a identificação racial em programas de ação afirmativa que procuram equalizar igualdade de oportunidades laborais ou educacionais entre negros e brancos. Quando empreendi a análise dos discursos, o campo empírico desta tese, buscando filtrar meu objeto e integrar a preocupação pragmática com as teorias que estava utilizando, defrontei-me com um grande descompasso. Isto é, no âmbito da Psicologia (ou da Psicologia Social), as teorias de identidade permitem compreender a pessoa num processo histórico, por isto estudam história de vida. Porém, passei a perguntar-me se tal enfoque permite apoiar programas de ação afirmativa que necessitam selecionar conjuntos de pessoas que provêm dos segmentos da população focalizados pela ação compensatória de tais experiências.

(14)

exposto às condições de desigualdades sociais, se compartilha da mesma trajetória do seu grupo dessa perspectiva.

Desse modo, feito Ulisses, pude ouvir o canto das sereias sem, contudo, me perder no mar, amarrado que estava em mastros firmes, como a concepção de racismo adotada no Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São/PUC-SP; o texto inspirador de Munanga (1988) e a defesa do argumento de justiça social como a melhor justificativa, no Brasil, para a implementação de políticas de ação afirmativa com recorte racial, feita por Feres Júnior (2006). Daí a mudança de título da proposta apresentada no exame de qualificação para a tese que ora apresento: de identidade(s) para discursos; não mais a busca de compreensão da construção de identidades individuais (ou pessoais) mas procurar contribuir para a compreensão de processos de identificação étnico-raciais em experiência de ação afirmativa visando à melhoria da prática.

Esta pesquisa se articula ou dá continuidade a dissertações e teses produzidas no contexto do que, desde 1992, vem trabalhando o tema das relações raciais no contexto da educação brasileira. Os(as) pesquisadores(as) do NEGRI vêm adotando uma concepção de racismo que integra a dimensão estrutural e simbólica na produção e reprodução das desigualdades raciais. Ou seja, tais desigualdades não são explicadas apenas pelo preconceito, pelos estereótipos ou por outras atitudes ou crenças individuais, mas também por uma estrutura de relações de poder sistematicamente assimétricas entre os segmentos étnico-raciais.

Articular-se e dar continuidade, nesta tese, à perspectiva do NEGRI, significa pensar a ação afirmativa como uma das estratégias (mas não a única) de combate à desigualdade racial brasileira. No caso desta tese, descrever e propor interpretações a discursos étnico-raciais proferidos no contexto do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford (Programa IFP),destinado, entre outros segmentos sociais, a negros e indígenas.

(15)

entre alunos(as) paulistanos(as) do ensino fundamental e médio - um estudo exploratório”, de 2005 e as teses de Edith Piza, “O caminho das águas : estereótipos de personagens femininas negras na obra para jovens de escritoras brancas”, de 1995 e de Paulo Vinicius Baptista da Silva, “Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa”, de 2005.

Dentre os diversos temas que o Núcleo vem privilegiando, destacarei um deles que foi de especial apoio para esta tese, além do enfoque teórico: o da denominação, classificação e identificação étnico-racial, pedra de toque para a seleção de candidatos em experiências de ação afirmativa com viés étnico-racial (Piza e Rosemberg, 2003; Rocha e Rosemberg, 2007; Rosemberg, 2004).

Se esta tese compartilha com os trabalhos supracitados no que diz respeito à meta política, ou seja, o enfrentamento das desigualdades raciais no sistema educacional brasileiro, ela se diferencia por focalizar o nível mais elevado da trajetória educacional do(a) brasileiro (a): a pós-graduação. Com efeito, tendo como única exceção a dissertação de mestrado de Neiva de Oliveira Moro, “Um estudo sobre o universitário do anual de 1990 da Universidade Estadual de Ponta Grossa: carreiras educacionais e raça”, de 1993, estudo pioneiro no Brasil sobre o acesso de negros ao ensino superior, os demais trabalhos focalizaram questões relacionadas a crianças e adolescentes ou à educação básica.

Ela se diferencia, também, porque nosso objetivo de pesquisa não tematiza a análise das desigualdades educacionais – de acesso, permanência e sucesso -, mas sim a implementação de estratégias para sua superação via experiência de ação afirmativa destinada, entre outros segmentos sociais, a negros. Neste ponto, a questão de demarcar quem é negro(a) – e quem não é negro –, no Brasil, é uma questão crucial. Qual a tradução dessa pergunta na implementação de um programa de ação afirmativa? A diversidade de tipos de relatos sobre experiências e vivências relacionadas ao pertencimento étnico-racial que apreendi, ou de formas de se apresentar a um programa de ação afirmativa que tem recorte étnico-racial, conduz à idéia de pluralidade ou de diversidade contextual sugerida por Munanga (1988), candidatos pretos, pardos ou brancos proferiram discursos variados inclusive internamente a cada segmento.

(16)

p.225), mas, também, de um desencontro entre a agenda identitária dos movimentos negros entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990 e as particularidades de identificação racial para sustentar programas de ação afirmativa com viés étnico-racial. Com efeito, é possível afirmar que organizações dos movimentos negros brasileiros entre 1980 e 1990 apostaram na visibilidade numérica da população negra como ferramenta política. A campanha que antecedeu o Censo de 1991 é prova dessa perspectiva: “Não deixe sua cor passar em branco. Tenha bom Censo” (NASCIMENTO e NASCIMENTO, s/d). Essa campanha pode apontar para uma certa fluidez na demarcação das linhas de cor/raça, ao estimular a autodeclaração em outras categorias que não a branca.

Ora, com o advento de programas de ação afirmativa, tal perspectiva torna-se inadequada na medida em que a questão, agora, é fortalecer a diferenciação da linha de cor para barrar candidatos “de ocasião” que se declaram não-brancos para beneficiar de prioridades em programas de ação afirmativa. Ou seja, tais experiências abrem a possibilidade, no Brasil, de que não declarar-se branco pode ser benéfico.

A fluidez do modo brasileiro de auto ou heteroclassificação de cor/raça já vinha sendo apontada como um obstáculo para a introdução no Brasil de experiências de ação afirmativa, desde os anos 1990, inclusive por Rosemberg (1999)1. Algumas soluções foram sendo sugeridas, por vezes, no calor do debate e sem ponderação mais aprofundada. Bailey e Telles (2002), por exemplo, referem-se a um projeto de lei, da então Senadora Benedita da Silva, para incluir em documento oficial declaração de pertença (“one’s race”),sem que tenha explicitado quem faria tal classificação, sem que se tenha idéia das possibilidades ou não de alteração de declaração pregressa. Pode-se imaginar o estardalhaço mediático se esta lei fosse aprovada e adotada.

Instituições pioneiras, em solo brasileiro, na implementação de experiências de ação afirmativa com viés racial logo atentaram para esta questão. Por exemplo, ela é mencionada desde o início pelo que tem sido considerado como “primeiro projeto de ação afirmativa para pessoas negras no Brasil” (Silva, 2003), o “Geração 21. Tal projeto, criado em 1999, como “fruto da aliança social estratégica” entre Geledès (ONG do Movimento Negro), Fundação Bank-Boston e Fundação Palmares, oferecia bolsas de

1Esse foi uma das questões consideradas no manifesto assinado pelos “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as

(17)

estudos a adolescentes negros(as) do final da 8ª série do ensino fundamental ao término da graduação no ensino superior (Silva, 2003).

Em um capítulo específico sobre o tema no livro “Ações afirmativas em educação: experiências brasileiras”, Cidinha da Silva (2003) adentra a discussão pública da questão e talvez seja quem tenha introduzido as expressões “negros(as) de ocasião e negros(as) emergentes” (p. 47): “Estamos chamando de negros(as) de ocasião aquelas pessoas oportunistas e/ou desonestas que se declaram negras com o fim exclusivo de conseguir uma vaga, cujo acesso não seria possível caso se declarassem brancas, morenas ou quase brancas como fizeram a vida inteira” (Silva, 2003, p. 47). E a autora sugere, quando possível, entrevista com “especialista” para dirimir dúvida2.

Ou seja, apesar de a quase totalidade das experiências de ação afirmativa para ingresso no ensino superior, via cotas ou bonificação, adotar a autodeclaração como definição “se uma pessoa pode ou não ser considerada negra” (Ferreira, s/d apud Paixão e Carvano, 2008, p. 82), encontramos pouca discussão pública sobre procedimentos para impedir a passagem da linha de cor “por oportunismo”.

Rosemberg (mimeo 7) considera esta uma das tensões que a implementação do Programa IFP enfrentou no Brasil: de um lado, não violentar os candidatos impondo-lhes uma classificação étnico-racial que não a própria; de outro, impedir a identificação “de ocasião” com os grupos-alvo do Programa IFP.

Com efeito, as polarizações do debate em torno das ações afirmativas na mídia e fora dela, posições de ataque e defesa, têm dificultado uma reflexão mais interna sobre tais estratégias na implementação de programas de ação afirmativa. Neste sentido, a defesa de Feres Júnior (2006, p. 55) do argumento de justiça social é uma importante aliada neste estudo, uma vez que o autor apresenta uma articulação entre o conceito de ação afirmativa, a sustentação retórica dessas políticas e os procedimentos para sua implementação.

Assim, de acordo com o princípio de justiça social, “a ação afirmativa justifica-se simplesmente pela constatação de desigualdades que são grupo-específicas e, portanto, passíveis de se tornar objeto de políticas públicas”. Trata-se de um princípio que favorece a operacionalidade de programas de ação afirmativa, com recorte racial no sentido de indicar critérios pragmáticos para a eleição de seus futuros beneficiários. O

2 Nota-se, com relativa frequência na literatura e em algumas experiências de ação afirmativa para

(18)

autor sugere que sejam adotadas as categorias de cor/raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de modo a encontrar sustentação em evidências estatísticas de desigualdade, bem como a dispensar qualquer essencialização identitária. Porém, isto não é suficiente, posto que resolve, apenas, um dos problemas que a implementação de experiências de ação afirmativa devem responder: o dos grupos-alvo. Resta, porém, o segundo problema: o da identificação. Trata-se de um campo em grande tensão: como fazer justiça e, ao mesmo tempo, criar barreiras para evitar identificações raciais “de ocasião” e não violentar as pessoas que se candidatam a um programa de ação afirmativa quanto a sua pertença racial.

Esta tese procurou, então, participar da compreensão dessa complexidade, descrevendo e interpretando discursos étnico-raciais no contexto do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford3 (International Fellowships Program - IFP), procurando jogar luz nessa questão.

Quando Feres Júnior (2006) apresentou as dificuldades operacionais das justificações de programas de ação afirmativa pautadas nos argumentos de reparação e de diversidade, destacou a distância entre o campo retórico e o campo prático. No que tange aos aspectos fundamentais, definição dos beneficiários e sua identificação, parece-nos que o Programa IFP esteve consciente desse contexto político-pragmático desde o seu início.

O objetivo do Programa IFP é aprimorar o potencial de liderança via pós-graduação, de pessoas envolvidas com a promoção da justiça social, que provêm de segmentos sociais subrepresentados no ensino superior. O Programa IFP foi criado no ano de 2000 e foi implementado, gradualmente, em 22 países da África, América Latina, Ásia, Oriente Médio e na Rússia, locais de atuação da Fundação Ford (www.programabolsa.org.br). Apesar de seu caráter internacional, o Programa estabeleceu que a definição de qual(is) segmento(s) seriam atendido(s) ocorreria de acordo com a especificidade de cada país.

O Programa IFP no mundo oferece bolsas de estudo de até três anos em nível de mestrado ou doutorado, stricto sensu ou profissional especializado, “para que mulheres e homens, com potencial de liderança, possam continuar sua formação superior, dando-lhes a oportunidade de se capacitarem para promover o desenvolvimento de seus países

3

(19)

e comunidades de origem, assim como de promover maior justiça social” (www.programabolsa.org.br).

O lançamento do Programa IFP no Brasil se deu no ano de 2001, em um contexto efervescente de debates a respeito da implantação de ação afirmativa no nível de graduação no país. A Fundação Carlos Chagas (FCC)4 é a instituição brasileira responsável pela coordenação do Programa desde 2002. A escolha da FCC como instituição parceira da Fundação Ford (FF) na implantação do Programa IFP, deveu-se à sua “reconhecida reputação e respeitabilidade nos campos de concursos públicos”, formação de recursos humanos e também por sua experiência nas áreas de produção de conhecimento sobre desigualdades raciais no sistema educacional brasileiro, bem como o incentivo à investigação de novos temas (ROSEMBERG, mimeo 7, p . 2). O Programa IFP, no Brasil, concedeu bolsas exclusivamente para doutorado e mestrado

stricto sensu, com prazos máximos de 36 meses e 24 meses, respectivamente, adequando-se às normas internacionais e nacionais. No Brasil, o Programa IFP processou sua oitava e última seleção em 2009, tendo oferecido 343 bolsas no total (ROSEMBERG, 2009, p. 2).

Apesar de sua vinculação a um formato central, análises e descrições sobre a implementação do Programa IFP, no Brasil, destacam algumas de suas especificidades locais. A primeira especificidade brasileira é de ter se identificado, desde o início, como um programa de ação afirmativa, por dar preferência a segmentos sociais sub-representados no ensino superior brasileiro (ROSEMBERG, mimeo 6, p. 3). Operando com uma conceituação que enfatiza a ação afirmativa como uma ação focalizada que provê tratamento preferencial a certos grupos, visando aumentar a proporção de seus membros em setores da vida social, nos quais tais grupos se encontram sub-representados em razão de discriminações históricas ou atuais (CALVÈS, 2004, p. 7), o Programa IFP no Brasil se inscreve na perspectiva de justiça social, conforme Feres Júnior (2006, p. 47).

De acordo com Rosemberg (2008, p. 205), tal embasamento, juntamente com o conceito de “subrepresentação” e não de exclusão social, por exemplo, favoreceu a adoção de critérios pragmáticos para a identificação dos candidatos, por ser um termo/conceito de “caráter descritivo e de melhor manejo operacional”. Assim, o Programa IFP elegeu como seus grupos-alvo, pessoas que se identificam como pretas ou

4 A Fundação Carlos Chagas é uma instituição privada sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública nos

(20)

pardas ou indígenas5 ou que tenham nascido nas regiões Norte, Nordeste, Centro-oeste ou provenientes de famílias que tiveram poucas oportunidades econômicas e educacionais (www.programabolsa.org.br). São esses segmentos sociais, conforme inquéritos realizados pelo IBGE, que dispõem, no país, de menor acesso à pós-graduação. Para Silvério (2008, p. 234), ao escolher como grupos-alvo os membros dos grupos subrepresentados por origem socioeconômica, região e origem étnico-racial, o Programa IFP, no Brasil, agiu de modo “exemplar sobre os três principais gargalos das desigualdades sociais brasileiras”.

O Programa IFP adotou como principal estratégia para determinar a pertença aos três grupos-alvo, a autodeclaração dos candidatos, inclusive a pertença étnico-racial. Tal recurso à autodeclaração está coerente com a recomendação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, também, com os princípios democráticos, conforme indicação de Feres Júnior (2006, p. 57).

[...] em uma sociedade com instituições de matriz democrático-liberal como a nossa, não se pode ignorar completamente a identidade que os indivíduos escolhem. Ou seja, a autonomia moral de cada um é o pressuposto básico da cidadania democrática, e essa autonomia inclui fazer escolhas identitárias, por mais que estas possam parecer equivocadas aos olhos de alguns.

De início, a Equipe da Fundação Carlos Chagas considerava que tais procedimentos adotados no Formulário para Candidatura seriam filtros para barrar autodeclarações “de ocasião” (Rosemberg, 2004). Porém, as entrevistas previstas no processo seletivo do Programa IFP, realizadas apenas para um pequeno conjunto de candidatos que ultrapassavam etapas preliminares, apontaram que os filtros não eram suficientes.

Assim, logo após a Seleção de 2003, a Equipe da Fundação Carlos Chagas organizou um seminário com representantes dos movimentos negros e estudiosos das relações raciais para discutir a questão: como melhorar os procedimentos do Programa visando manter a autodeclaração de cor/raça e evitar passagem da linha de cor “de ocasião”.

(21)

do IBGE (branca, preta, parda, amarela e indígena), solicita ao candidato que justifique porque optou pela categoria indicada; a segunda solicita que o candidato relate “suas vivências ou experiências relacionadas a seu pertencimento étnico-racial” (Formulário para Candidatura, Seleção 2004).

Foi este conjunto de respostas a estas quatro questões – autodeclaração de cor/raça, justificativa da autodeclaração, relato das experiências/vivências relacionadas à pertença étnico-racial e identificação de pertença – fornecidas por uma amostra de 169 candidatos autodeclarados brancos, pretos e pardos ao Formulário para Candidatura da Seleção 2007 que constituiu o corpus desta pesquisa.

Se atentarmos para a busca de solução apresentada pela seção brasileira do Programa IFP à intrincada questão da identificação étnico-racial em contexto de programa de ação afirmativa, em conexão com sua justificativa de busca de justiça social, observamos que o termo “negro” assume duas conotações: de um lado uma categoria analítica resultante da integração de pretos e pardos em um único contingente populacional e que permite apreender a desigualdade entre brancos e negros no acesso ao ensino superior ou a outros bens sociais; de outro, uma categoria de identificação, identitária ou política.

Tal diferenciação nas conotações do termo negro não estava posta desde o início da elaboração deste projeto de tese. Ela foi se configurando à medida que fomos analisando os discursos proferidos por nossa amostra de candidatos ao Programa IFP na Seleção Brasil 2007, bem como na releitura de Munanga (1988), de Silvério (2002a) e no encontro com as reflexões de Sergio Costa (1997, 2001, 2002, 2007). Parodiando o título do artigo de Rosemberg (2004) “O branco do IBGE continua branco na ação afirmativa?”, nossa questão é: a categoria negro, construída a partir das categorias do IBGE para sustentar o combate a desigualdades raciais, mantém esse significado quando usada por candidatos para identificar-se como negros em programa de ação afirmativa?

(22)

aproximaram daqueles proferidos por candidatos autodeclarados brancos do que de pretos.6

Evocamos, então, observações de Sergio Costa (2002, p. 54-55), quando discute e distingue os estudos e os usos do conceito raça: de um lado, os estudos que procuram compreender as desigualdades raciais e que adotam um modelo bipolar negro-branco de classificação racial; de outro, os estudos que procuram compreender a construção da idéia de nação ou de identidade negra. “Se a categoria raça constitui recurso metodológico indispensável para a identificação das desigualdades raciais, o mesmo não se pode dizer, todavia, do uso do conceito como categoria geral de análise da dinâmica da sociedade brasileira” (Costa, 2002, p.49).

De um lado, portanto, não haveria contestação ao fato de que o Programa IFP considerasse pretos e pardos como grupos-alvo, construindo a categoria negro, na medida em que, por um lado, se agrupam frente à proximidade que apresentam quanto à desigualdade de acesso, permanência e sucesso na pós-graduação e, por outro lado, se distanciam de brancos (tabela 1).

Tabela 1. População total e com mestrado e doutorado por cor ou raça. Brasil 2007.

População Com

mestrado/doutorado

Taxa de frequência

Branca 93.762.324 513.285 0,55

Preta 14.138.162 16.397 0,12

Parda 80.302.472 72.184 0,09

Negros 94.440.634 88.581 0,09

Fonte: FIBGE, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, 2007.

Isto é, a distância entre brancos, de um lado, e pretos e pardos de outro, é notável. Além disso, a proximidade estatística entre as taxas de frequência ao mestrado e doutorado entre pretos e pardos, além do enfoque interpretativo, permite agrupá-los em uma única categoria, a de negros.

6 Alguns professores e livros de metodologia criticam o procedimento adotado pelo NEGRI de

(23)

Porém, quando se passa para o plano das vivências e experiências relacionadas ao pertencimento étnico-racial é possível manter esta categoria no plano analítico? Como veremos em detalhe no capítulo 2, da Parte III, tal passagem parecenos enfrentar óbices notáveis.

Para dar conta dessa empreitada, foi necessário fazer um percurso bibliográfico, que permitisse “domar” o objeto de pesquisa, bem como contextualizar essa produção discursiva. Assim, na Parte I desta tese, trataremos de estudos sobre racismo e seu enfrentamento: estudos sobre racismo; o racismo no Brasil; ação afirmativa conceituação e debate no Brasil; debates e práticas e classificação racial no Brasil. Na Parte II, discutiremos algumas teorias sobre identidade racial, refletindo sobre a adequação de sua utilização para auxiliar na implementação prática de programas de ação afirmativa. Finalmente, na Parte III, apresentaremos análises e interpretações dos discursos étnico-raciais proferidos por candidatos ao Programa IFP.

E como método de pesquisa, seguindo o caminho que vem sendo trilhado pelos pesquisadores do NEGRI, adotamos a hermêutica de profundidade (HP) como metodologia de trabalho para análise de produções dicursivas (ou formas simbólicas). Nesta tese, as formas simbólicas analisadas provêm das respostas de candidatos à Seleção 2007 Formulário para Candidatura do Programa IFP, onde foram examinados os discursos proferidos nos campos específicos relacionados à autodeclaração e identificação racial. Adotando a proposta de John B. Thompson (1995), utilizamos a HP como interessante recurso metodológico quando propõe três etapas para a análise discursiva: a do contexto sócio-histórico, a das formas simbólicas e a da interpretação-reinterpretação.

(24)

Antes de prosseguirmos, é necessário conhecermos como John B. Thompsom (1995) define formas simbólicas. Na introdução de seu livro, o autor reuniu considerações históricas acerca da importância que as formas simbólicas foram alcançando com o desenvolvimento capitalista, o qual ampliou, de forma antes inimagináveis, as possibilidades de sua produção, reprodução e de circulação na mediação da cultura. Para o autor, formas simbólicas são construções reconhecidas socialmente como significativas, podendo ser lingüísticas, não-lingüísticas ou mistas (envolvendo imagem e palavras), tais como: falas e expressões, textos escritos, gestos e ações, imagens, rituais, programas de televisão e obras de arte, etc. Para o autor interessa que as formas simbólicas são produzidas, vinculam e são recebidas em contextos sociais estruturados, ou seja, contextos que envolvam relações de poder, formas de conflito e desigualdades. As formas simbólicas não são apenas representações, mas servem tanto para articular quanto para obscurecer relações entre pessoas e grupos. O autor ainda afirma que as formas simbólicas, continuamente e criativamente, estão implicadas na composição das relações sociais como tais, pois as formas simbólicas também produzem realidade.

(25)

interações. Esses contextos sociais são espacial e temporalmente específicos e são estruturados, ou seja, implicam em “assimetrias e diferenças relativamente estáveis em termos de distribuição de, e acesso a, recursos de vários tipos, poder, oportunidades e chances de vida” (JOHN B. THOMPSON, 1995, p. 198).

Levando em conta que as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas, e que a preocupação exclusiva com a interpretação da doxa é tão ilusória como o equívoco de não levá-la em consideração, Thompson (1995) propõe irmos além da hermenêutica de vida cotidiana, para então assim examinarmos as maneiras como as formas simbólicas estão estruturadas, bem como as condições sócio-históricas que as engendram. Deste modo, o autor estabelece três fases para a HP que servem de inspiração para esta tese: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e interpretação/re-interpretação. Tais fases “devem ser vistas não tanto como estágios separados de um método seqüencial, mas antes como dimensões analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo” (1995, p. 365).

(26)

Assim, entendemos que os discursos produzidos por candidatos ao Programa IFP, e que foram analisados nesta tese, constituem formas simbólicas. Além disso, consideramos que o contexto sócio-histórico de sua produção, circulação e recepção assimetricamente estruturado, ou seja, hierarquizado, comportando inúmeras desigualdades, dentre elas a desigualdade racial. Segundo Costa (2007, p. 240), a sociedade brasileira por um lado “se apresenta política e juridicamente como liberal”, por outro lado “funciona como uma sociedade estamental ou de castas que limita sistematicamente as chances de ascensão social dos grupos demográficos [...]”. Neste trabalho focalizaremos as desigualdades raciais, particularmente no campo da Educação.

Elaborada uma reflexão sobre o contexto sócio-histórico em que são construídos, transmitidos e recebidos os relatos sobre experiências raciais, passarei à segunda fase da HP que consiste na análise formal ou discursiva. Para John B. Thompsom (1995), esta fase tem por objetivo descrever as formas simbólicas quanto à sua organização interna, focalizando suas características narrativas e estruturais, seus padrões e valores. Para o autor, os objetos e expressões que transitam nos campos sociais são também “construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada” (JOHN B. THOMPSON, 1995, p. 369, grifo do autor). Ou seja, as formas simbólicas são o resultado de ações situadas, mas que também dizem algo mais e isto exige um diferente tipo de análise, que deve levar em conta o contexto sócio-histórico de sua produção. Apesar de sugerir alguns métodos tais como análise semiótica, análise da conversação, análise sintática, análise narrativa e análise argumentativa o autor não deixa de sinalizar a possibilidade de uso de outros métodos que sejam mais adequados, pois a escolha do procedimento de análise depende dos objetivos e circunstâncias específicas da pesquisa. Neste sentido, acompanhando o que já vem sendo feito em diversas pesquisas do NEGRI, usaremos o método de análise de conteúdo apoiando na perspectiva de Bardin (1977) e Rosemberg (1981), para o estudo dos relatos sobre experiências eventuais étnico-raciais, que será desenvolvido na Parte III. A técnica de análise de conteúdo

(27)

A terceira e última fase da HP é a interpretação/re-interpretação. Os resultados das fases anteriores servem de ponto de partida para esta fase, indo além de ambas pelo seu caráter sintético. Pela análise sócio-histórica obtêm-se luz sobre as condições sociais de produção, circulação e recepção das formas simbólicas e pela análise discursiva, suas características formais. É ao mesmo tempo momento de interpretação e de re-interpretação, pois se trata de re-interpretação de um objeto-domínio que já está interpretado e compreendido por aquelas pessoas que compõem o mundo sócio-histórico, ou seja, trata-se de atribuir novos sentidos às formas simbólicas estudadas.

Nesta introdução é necessário, ainda, justificar a opção por adotarmos a expressão “discursos étnico-raciais” e não outras expressões, por exemplo, discursos raciais. Optamos por manter esta expressão em decorrência do fato de ela ter sido utilizada em todo material veiculado pelo Programa IFP, inclusive na solicitação ao candidato para que produzisse um relato “relacionado às suas vivências ou experiências étnico-raciais” (Formulário para Candidatura, Seleção 2007).

(28)

PARTE I – O RACISMO E SEU ENFRENTAMENTO

Nesta tese entendemos ação afirmativa com recorte racial, como uma das estratégias de enfrentamento ao racismo. Deste modo, era indispensável uma incursão bibliográfica nos estudos sobre o racismo e seu enfrentamento, particularmente no que diz respeito as ações afirmativas. Focalizaremos aqui: estudos sobre racismo; conceito de ação afirmativa; o racismo no Brasil; ação afirmativa no Brasil: debates e práticas e classificação racial no Brasil e ação afirmativa.

CAPÍTULO 1 – Estudos sobre racismo e seu enfrentamento

O racismo, no formato de teoria científica, aparece no final do século XIX. Com a efetiva ocupação colonial da África é que teorias pseudo-científicas legitimaram e justificaram tanto a escravidão, quanto a colonização. O preconceito em relação ao negro, tratado como um ser humano inferior e primitivo, já ocorria entre os europeus “antes do aparecimento da escravatura no Novo Mundo [séc. XVI e XVII]” (TAGUIEFF, 1997, p. 47) Mas é a partir de produções discursivas de diversos intelectuais do século XIX que se institui o racismo. Como afirma Munanga (1988, p.20): “Numa época em que a ciência se tornava um verdadeiro objeto de culto, a teorização da inferioridade racial ajudou a esconder os objetivos econômicos e imperialistas da empresa colonial”.

Ao efetuar uma discussão semelhante à de Munanga (1988), Taguieff (1997) identifica autores que não reconhecem a existência de um local e data de nascimento para o racismo, o que ele chamou de visão antropológica. Por esta maneira de ver, o racismo seria inerente ao homem ou à natureza da sociedade. Mas, por outro lado, numa visão que denomina “modernista”7, haveria aqueles que caracterizam o racismo como fenômeno ideológico e sociopolítico que teria surgido na Europa e no Novo Mundo na idade moderna. Assim, se colocariam, de um lado, os que pensam o racismo como herança do etnocentrismo e de outro aqueles que o vêem8 como resultado de uma modernidade capitalista, individualista, igualitarista ou científica.

(29)

Taguieff (1997) irá concordar com a origem européia e moderna do racismo, mas antes irá considerar ingênuo imaginar que o racismo só tenha passado a existir depois de ser nomeado. Afirma que, no idioma francês, a palavra surgiu nos anos 1920.

A geminação [sic], num discurso explícito, da “doutrina das raças” ou da “mística das raças”, com uma visão expressamente hostil que tem como alvo algumas categorias raciais ou racializadas, preexistiu, e isto, desde a segunda terça parte do século XIX, à formação da palavra “racismo”. O fenômeno “racismo” precedeu o surgimento do termo, referindo-se a ele explicitamente (TAGUIEFF, 1997, p. 25).

As várias formas de emergência do racismo na modernidade, desde os séculos XV e XVI, caminharam de forma independente até o século XIX, como informa Taguieff (1997), mas destaca um elemento que permaneceu para caracterizar este como um fenômeno ocidental moderno: a tendência à classificação hierarquizada da variedade dos seres humanos enquanto “raças” diferentes, como “espécies” diferentes, pondo, assim, em xeque, o pensamento monogenista difundido até então. Na perspectiva monogenista, era necessário definir o negro, explicar o seu aparecimento, já que acreditava-se que a origem da humanidade era uma só. Para uns, o negro era um branco degradado, para outros, ele se tornara o que era devido às condições ecológicas e outros, ainda, preferiram explicá-lo pela “maldição de Cam”, segundo a qual a descendência deste deveria ser escrava dos outros filhos de Noé. Por esta última explicação, decorria que escravizar o negro era uma forma de redenção9. Era a forma “cristã” de salvar-lhe a alma, argumento este que apaziguava a consciência dos europeus em pleno iluminismo, de modo que, mesmo algumas ordens religiosas tinham seus escravos ou se beneficiavam financeiramente daquele comércio des-humano e lucrativo10.

Também identifica-se outra origem do racismo no nascimento da era moderna ocidental. Para Munanga (2004), foi o momento de substituição do saber teológico hegemônico pela explicação científica. Ou seja, a partir dos princípios do iluminismo, do liberalismo, e apoiando-se em classificações naturalistas, o pensamento racista colocou em dúvida a unidade do gênero humano, fazendo ruir o argumento bíblico da criação. Nesta mesma linha de pensamento, tem-se a contribuição de Taguieff (1997, p. 26):

9A pintura intitulada “A Redenção de Cam”, de 1895, de Modesto Brozos y Gomes, mostra uma avó negra de pé

com as mãos para o alto, como que em agradecimento: a filha mestiça sentada carregando o neto branco no colo.

Sentado, mais ao lado, um homem branco. Para o artista, a redenção do negro seria o branqueamento.

10 Carta Régia de 22/02/1502 mandando pagar à Ordem de Christo a vintena de ouro, dos escravos e de todas as

(30)

[...] Visto que a distinção entre as “raças humanas” é pensada como diferença de natureza ou como desigualdade irremediável, ela desempenha o papel do argumento principal contra a tese da unidade, actual ou original, do género humano. A biologização vai de par com a fragmentação da espécie humana.

A Biologia desempenhou, portanto, essa função, através da classificação científica dos grupos humanos, baseada nos caracteres físicos, tais como a cor da pele, os traços morfológicos, etc., “características imaginadas”, no dizer de Seyferth (2002, p. 24), para explicar as diferenças raciais. A tese poligenista, que preconizava múltiplas origens do ser humano, respaldada pela inserção do ser humano num sistema zoológico, favoreceu o pensamento racista. Munanga (2004) considera que esse momento de substituição do saber teológico para um novo tipo de saber, no qual prevalece uma explicação biológica para o determinismo racial, constituiu a grande virada ideológica de construção do racismo.

Fundamentando-se em concepção biológica de raças, o racismo seria teoricamente uma ideologia de cunho essencialista que pressupõe a divisão da humanidade em grandes grupos humanos denominados raças, que se diferenciariam por caracteres físicos e hereditários comuns, hierarquicamente valorizados11. O fundamental nesta ideologia é que o racismo consiste em considerar que os traços físicos e biológicos determinam as características intelectuais e morais de um grupo específico. Para Munanga (2004), foi quando começou-se a considerar que havia relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais que, de fato, surgiu o racismo, desaguando na hierarquização das chamadas raças humanas.

Uma síntese elucidativa das origens modernas do racismo é proposta por Taguieff (1997, p. 26). O autor estabelece três formas de pensar o racismo como um fenômeno moderno: “uma teoria modernista restrita, uma teoria modernista ultra-restrita e uma teoria modernista alargada”. Pela “teoria modernista restrita” identifica-se o racismo como sucessor direto das elaborações taxonômicas de Lineu, Buffon, Blumenbach, Camper e outros naturalistas-antropólogos, que se ocuparam, ao longo do século XVII, de diferenciar as “raças” humanas por suas características morfológicas, que seriam fixas e hereditárias.

Já pela “teoria modernista ultra-restrita”, seria reservado o termo “racismo” para aquelas teorias e práticas, denominadas hoje de pseudo-científicas, que estabeleciam uma relação determinista entre fenótipo e qualidades psíquicas, morais e culturais,

11

(31)

enfatizando uma hierarquia entre os grupos humanos. Essas teorias, biológicas e antropológicas, foram iniciadas no final do século XVII e aperfeiçoadas no século XIX. O racialismo de Gobineau e o racialismo evolucionista, com base na teoria de Darwin, são exemplos deste racismo. Um racismo secular que teria como princípio de autoridade o conhecimento científico (TAGUIEFF, 1997, p. 36).

A “teoria modernista alargada” apreende características pré-racialistas do racismo, que teriam surgido à revelia das classificações das “raças humanas” e seriam anteriores a elas. O que Taguieff (1997) chama de “proto-racismo moderno” caracteriza-se por modos de exclusão e de configurações ideológicas que legitimam tais práticas. Teria surgido entre o século XV até início do século XVIII, e apresentaria os seguintes ideologemas, como são nomeados pelo autor: 1) o mito da pureza de sangue; 2) o racismo escravagista e antinegrista e 3) “racismo aristocrático à francesa”:

[...] o mito do “sangue puro” e a obsessão correlativa de uma “mácula do sangue”; a convicção de uma inferioridade natural de alguns grupos percebidos como infra-humanos, em razão de seus costumes [...] ou da cor da pele [...]; a visão, na doutrina aristocrática francesa dita das “duas raças” com uma diferença hierárquica entre linhagens que distinguem e opõem as suas qualidades hereditárias, donde a idéia de uma “luta” fatal entre nobres [...] e os outros [...] (TAGUIEFF, 1997, p. 37-38, aspas do autor).

Foi na Península Ibérica, entre os séculos XV e XVI, que surgiu o primeiro proto-racismo ocidental. Em Espanha e Portugal, a instituição de “estatutos de pureza de sangue”12 tinha como objetivo impedir o acesso de judeus ao exercício do poder político. Imaginava-se que a pureza e a impureza fossem transmitidas hereditariamente. Um judeu, mesmo que se convertesse, continuaria judeu. Ocorreu uma judeofobia racializada que essencializava o diferente. Ao menos nessa parte da Europa, de meados do século XV a início do século XVIII, nota-se um racismo maniqueísta - “nós, os puros versus eles, os impuros” (TAGUIEFF, 1997, p, 38 e 43) - aliado à prática de discriminação social.

Os outros dois ideologemas, o racismo escravagista e antinegrista, bem como o “racismo aristocrático à francesa”, são considerados, por Taguieff (1997, p. 45), a partir dos autores que datam o surgimento do racismo desde a expansão européia. É o racismo

12

“[Estatuto Puritate Sanguinis] uma sucessão de normas jurídicas, reais e eclesiásticas, instituídas na Espanha no

(32)

que surge no contato com as colônias, estruturado a partir da relação vencedores e vencidos ou senhores e escravos. Na construção da ideologia da superioridade racial dos dominadores primeiramente interpretaram-se, de forma imaginada, as características dos povos dominados: seriam idólatras, canibais e anti-cristãos. Posteriormente, adotou-se o critério da “pureza de sangue”, permitindo legitimar a estigmatização e a discriminação dos mestiços “brancos/negros ou brancos/índios” (TAGUIEFF, 1997, p. 46).

O proto-racismo anti-judeu e o racismo colonial dos séculos XVI e XVII antecederam o surgimento do pensamento tipológico. Os doutrinadores destes proto-racismos não recorreram à ciência para “sacralizar as diferenças hierárquicas entre as ‘raças’, com referências a heranças de grupo erguidas em tantos destinos” (TAGUIEFF, 1997, p. 46).

Conforme a “teoria modernista alargada”, Taguieff (1997) conclui que não é a classificação taxonômica, fundamentada pela Biologia e Antropologia que dá origem ao racismo moderno, mesmo que este procedimento científico tenha contribuído, no século XIX, para justificar e propagar os seus ideologemas. Para fundamentar seu argumento, o autor recorre à tese de Eric Williams para afirmar que foi a escravatura que esteve na origem do racismo. Taguieff (1997, p.46) completa ainda, informando que

O “preconceito de cor” é, nesta perspectiva [sic] explicado de acordo com um modelo funcionalista: a sua função é legitimar um modo de exploração que supõe um sistema de domínio, que naturaliza o preconceito racial, tem por assim dizer acumulação da condição servil e da segregação ligada à cor.

Taguieff (1997), no entanto, não nega a ocorrência de um preconceito anti-negro anterior à escravidão, como pode ser evidenciado pelos proto-racismos voltados para a idéia de pureza de sangue e de inferioridade dos povos vencidos, como explicado acima. Da soma de preconceito com racionalidade econômica resultou o surgimento de uma “ordem sócio-racial”, que combinou segmentação racial com estratificação social e econômica (TAGUIEFF, 1997; MUNANGA, 1988 e 2004).

(33)

mesmo destruir a diferença entre os grupos. Mas, também, o racismo pode se apresentar de forma heterófila, caracterizando-se pela denegação da humanidade do grupo alvo do racismo (negação de uma humanidade comum). Assim, ocorre uma absolutizacão da diferença, valorizando-a no sentido de manter-se a separação entre os grupos: por uma “recusa de identidade (não reconhecer como digno de respeito tal cultura, desumanizamos tal comunidade humana)”, por uma “recusa de humanidade (declar infra-humanos tal grupo de aparência humana)” (TAGUIEFF, 1997, p. 109).

Para melhor compreensão de seu modelo (veja forma adaptada na página 15), D’Adesky (2001) informa que Taguieff estabelece dois eixos para sua análise do racismo. No eixo horizontal, ele coloca em oposição, de um lado, os modernos valores absolutos do indivíduo e do universal e, de outro os valores holísticos de pertencimento a determinada comunidade. Assim, tem-se num eixo o racismo universalista, baseado no modo “indivíduo-universalista”, que se fundamenta na denegação da identidade do grupo e na afirmação da desigualdade, podendo conduzir-se por uma prática de assimilação, de uniformização ou de dominação, tendo como pressuposto essencial a ocorrência de classificação hierárquica entre os grupos. A assimilação dos diferentes pode se dar por via da miscigenação e pela mestiçagem, como destaca Munanga (1999). No outro lado desse eixo horizontal, tem-se o racismo “diferencialista/comunitarista”, que se pauta pelo modo “tradício-comunitarista”: seu pressuposto ontológico é que existe uma diferença natural entre os grupos humanos, o que lhes permite defender a diferenciação, a separação, a expulsão e a eliminação, se for preciso. É aquele racismo próprio de sociedades pluriculturais hierarquizadas, tendo a segregação como prática, como foi o sistema do apartheid na África do Sul e o Jim Crow, nos Estados Unidos. Nesse racismo não há lugar para a mestiçagem, pois ela apaga a “diferença que confere o status de superioridade à ‘raça’ dominante e que legitima a dominação e a exploração” (MUNANGA, 1999, p. 117).

Já no eixo vertical, o antagonismo é entre as categorias “espiritualistas/culturalistas” e as categorias “materialistas/biologizantes”, colocando, de um lado concepções ontológicas (aquilo que é), e de outro, as maneiras de se conhecer (gnoseologia). O resultado do encontro destes dois eixos resulta na caracterização dos quatro tipos básicos do racismo, conforme Taguieff (1995, 1988 apud D’ADESKY, 2001).

(34)

as demais. Concebe um progresso indefinido da civilização, o qual será atingido pelas raças mais evoluídas. Deste modo, os grupos humanos são avaliados pelo grau de evolução, “esclarecimento” e de aptidão para a civilização, sendo mais ou menos assimiláveis.

2) “Racismo universalista de tipo bioevolucionista ou biomaterialista”: dentro do processo evolutivo existiriam raças mais adiantadas que outras. É o pertencimento racial que determina a primazia intelectual e civilizatória, definindo hierarquias fixas entre os seres humanos. “Esse tipo de racismo, ressalta Taguieff, legitima a dominação colonial ou a exterminação das raças inferiores, inaptas para o progresso” (D’ADESKY, 2001, p. 27).

3) “Racismo diferencialista do tipo espiritualista”: a ênfase aqui recai na incompatibilidade de mistura entre os grupos humanos, reconhecidos como portadores de especificidades identitárias espirituais/culturais que devem ser preservadas de modo a não se misturarem. Na verdade, a mistura é percebida como algo degradante.

4) “Racismo diferencialista do tipo biomaterialista”: tem como pressuposto o poligenismo, ou seja, que a humanidade não tem origem comum, sustentando que dos diversos grupos humanos, as chamadas raças, derivam de espécies distintas, não havendo assim, qualquer possibilidade de cruzamento entre elas. Há expressa rejeição à miscigenação, considerada como uma transgressão às leis naturais.

Para cada tipo de racismo corresponderia um tipo de anti-racismo similar, comportando outra forma de identidade. Segundo Taguieff (1995, 1988 apud D’ADESKY, 2001), tem-se, então, os anti-racismos universalistas, que preconizam a igualdade e unidade da espécie humana, rejeitando a concepção poligenista. Orientam-se pelos valores universalmente consagrados de respeito ao Orientam-ser humano, Orientam-sem discriminação de qualquer natureza. No dizer de Munanga (1999), é um tipo de integracionismo que se pauta no indivíduo “universal”. E os anti-racismos diferencialistas, defensores da conservação das identidades coletivas e a manutenção das diferenças entre os grupos humanos. Preconizam sociedades plurirraciais e pluriculturais, onde as culturas diversas poderiam compartilhar um espaço geopolítico, tendo direitos iguais, conforme Munanga (1999). Portanto, os duplos dos racismos anteriormente apresentados são:

(35)

possível, desde que haja uma educação que combata os preconceitos e as especificidades culturais e que também racionalize os costumes;

2) “anti-racismo universalista de tipo bio-materialista”: defende que as raças humanas são realidades temporais, pois acredita que exista a unidade humana. Pressupõe a existência de uma raça “adiantada”, que estabeleceu um parâmetro a seguir, a moderna civilização ocidental. Preconiza uma assimilação universal de todos os grupos, através da miscigenação;

3) “anti-racismo diferencialista de tipo espírito-cultural”: preconiza a preservação das identidades culturais e a proteção das comunidades chamadas naturais, contra um processo “imperialista” de homogeneização e uniformização;

4) “anti-racismo diferencialista de tipo biomaterialista”: exige respeito às particularidades culturais, preconiza que as raças têm características psicossocioculturais específicas, irredutíveis e não repassadas a outra raça. “Respeitar essas diferenças bioculturais naturais é deixar cada raça desenvolver-se livremente:

‘separadas mas[sic] iguais’”(D’ADESKY, 2001, p 29, grifo do autor).

(36)

combatido imperiosamente, no plano da ação, independentemente de ser bem conhecido ou compreendido.

As dificuldades especulativas encontradas pela tentativa de basear a luta contra o racismo podem e devem ser postas entre parênteses nos contextos onde a acção [sic] não puder esperar. [...] A questão agora já não é senão de oportunidade, e a finalidade reduz-se à obtenção de resultados, através da adaptação às condições de contexto. A eficácia da estratégia adoptada [sic] [...] impõe-se como o critério provisório da escolha que incide sobre a orientação geral – universalista ou diferencialista – da acção [sic] anti-racista, com a condição de defendermos apenas o direito à diferença, subordinando-o à exigência de universalidade (TAGUIEFF, 1997, p. 125).

É pertinente o que o autor destaca, quanto ao caráter de urgência da luta anti-racista, particularmente para a realidade brasileira, uma vez que já se passaram 121 anos da Abolição da Escravatura e a população negra, em sua maioria, ainda não alcançou seu status de cidadania. No entanto, deparamos com um tropeço em nossa viagem. O modelo do Taguieff parece situar-se exclusivamente no plano do simbólico, do pensamento, da ideologia. Assim, a pergunta a si fazer é mais ampla: como entender o racismo institucional usando este modelo? Em que uma teoria de racismo, que coloca a questão da estratégia anti-racista em termos de universalismo ou diferencialismo pode nos ajudar na implementação de um programa de ação afirmativa? Antes de responder, atentos à complexidade do fenômeno, façamos um breve exame de uma mudança no conceito de racismo, estudada por alguns autores.

O racismo atual não é aquele teorizado e praticado entre os séculos XVI e o século XVIII. Não é fruto da secularização, do positivismo científico e do “pensamento classificatório”, do mesmo modo teorizado e praticado entre o final do século XVIII e o final do século XIX. Tampouco, “uma mitologia mortífera que atingiu o seu resultado final com o genocídio nazi dos judeus da Europa, cujos traços apenas teríamos de reconhecer e denunciar”. O racismo é, pois, um fenômeno que se recicla e se re-contextualiza, como afirma Taguieff (1997, p. 60).

(37)

Houve uma tendência, em estudos e textos, de chamar de racismo qualquer ação discriminatória ou atitude preconceituosa contra mulheres, pobres, homossexuais, etc. “Trata-se aqui de um racismo por analogia ou metaforização, resultante da biologização de um conjunto de indivíduos pertencendo a uma mesma categoria social” (MUNANGA, 2004, p. 26). Essa forma de racismo seria qualificada como “qualquer atitude ou comportamento de rejeição e de injustiça social” (MUNANGA, 2004, p. 40). Tal maneira de ver o racismo é muito criticada, como veremos mais adiante.

Kabengele Munanga (2004) considera que a virada mais importante no conceito do racismo se deu no momento em que se passou a valorizar a diferença, mas no sentido de manter-se a separação. O principal exemplo que esse autor nos traz é a legislação do

apartheid a partir de 1948, um projeto fundamentado no multiculturalismo, política e ideologicamente conduzido por interesses de grupos dominantes. Assim, reivindicando o respeito à diferença e à identidade cultural, o chamado novo racismo prescinde da noção de raça. Segundo Taguieff (1997, p. 60), tem-se que: “O princípio da metamorfose ideológica recente do racismo reside precisamente na deslocação da desigualdade biológica entre as raças para a absolutização da diferença entre as culturas”.

(38)

anos de 1980, fez agravar a situação de escassez de recursos e isto fez crescer os nacionalismos e “as questões de identidades”. De acordo com Wieviorka (1996, p. 13),

Esses nacionalismos traduzem o sentimento de que a identidade e a cultura nacionais encontram-se ameaçadas. Voltam-se contra os imigrantes, mas também contra os judeus ou os ciganos, para denunciar a invasão cultural que esses povos possam representar, realçando o caráter irredutível de sua cultura ou de sua religião. O racismo, então, torna-se cultural.

O racismo foi reformulado e passou-se a combater os imigrantes na Europa e os chamados grupos étnicos em diversas partes do mundo. É de triste lembrança as guerras de “limpeza étnica” na antiga Iugoslávia ou em Ruanda, por exemplo.

Esse novo racismo caracteriza-se por seu foco na “cultura” e não na “raça”; na absolutização da diferença, posta como irreduzível, o que irá definir a não assimilabilidade entre elas e “por fim, o seu caráter simbólico, no que respeita às regras da aceitabilidade ideológica (daí uma certa complexidade retórica): trata-se de rejeitar os diferentes, celebrando ao mesmo tempo a diferença” (TAGUIEFF, 1997, p. 64).

Este racismo sutil e indireto é praticado sob eufemismos como o direito à diferença, em nome da tolerância e respeito às culturas. O conteúdo para a definição do novo racismo é diferente para cada país: nos países europeus utilizam-se categorias culturais fechadas e estáticas, como a categoria raça; já nos Estados Unidos, diferentemente, conforme Guimarães (1999, p. 180)

o “novo racismo” estaria mais próximo do racismo à brasileira, no qual categorias biológicas são ainda utilizadas para discriminar e excluir, mas tais categorias não são reconhecidas ou confessadas, escondendo-se sob codinomes, alusões e figurações. No Brasil, mas não nos Estados Unidos, a marca principal desse racismo é que, em vez de categorias culturais, como religião ou valores, serem consideradas irredutíveis e irremovíveis, é uma categoria econômica – a classe ou a posição econômica – que é considerada responsável pela discriminação ou exclusão social.

Imagem

Tabela 2: Composição do universo e da amostra de candidatos
Tabela 3: Subconjuntos mais frequentes identificados na  amostra
Tabela 4: Caracterização da amostra por sexo
Tabela 5: Caracterização da amostra por idade
+7

Referências

Documentos relacionados

[r]

Os maiores coeficientes da razão área/perímetro são das edificações Kanimbambo (12,75) e Barão do Rio Branco (10,22) ou seja possuem uma maior área por unidade de

A par disso, analisa-se o papel da tecnologia dentro da escola, o potencial dos recursos tecnológicos como instrumento de trabalho articulado ao desenvolvimento do currículo, e

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

Atualmente os currículos em ensino de ciências sinalizam que os conteúdos difundidos em sala de aula devem proporcionar ao educando o desenvolvimento de competências e habilidades

O destaque é dado às palavras que abrem signi- ficados e assim são chaves para conceitos que fluem entre prática poética na obra de arte e sua reflexão em texto científico..

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue