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Conceituando ação afirmativa

PARTE I – O RACISMO E SEU ENFRENTAMENTO

CAPÍTULO 3 Conceituando ação afirmativa

Acreditamos que o combate a toda forma de racismo, seja direto ou sutil, deva fazer parte de uma agenda que una a sociedade civil e o Estado em torno, não só da efetivação de leis anti-racistas, mas também em ações que promovam a equidade social, como são as chamadas ações afirmativas. As primeiras experiências ocorreram na Índia como nos esclarece D’Adesky (2001), Feres Júnior (2006) e Wedderburn (2005)

O conceito de ação afirmativa originou-se na Índia imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, ou seja, bem antes da própria independência deste país. Em 1919, Bhimrao Ramji Ambedkar (1891-56), jurista, economista e historiador, membro da casta “intocável” Mahar propôs, pela primeira vez na história, e em pleno período colonial britânico, a “representação diferenciada” dos segmentos populacionais designados e considerados como inferiores. A vida política e a obra de B. R. Ambedkar sempre estiveram voltadas para a luta pelo fim do regime de castas. [...] Para ele, quebrar os privilégios historicamente acumulados pelas “castas superiores”, significava

instituir políticas públicas diferenciadas e constitucionalmente protegidas em favor da igualdade para todos os segmentos sociais

(WEDDERBURN, 2005, p. 314, grifo do autor).

“A Índia é o país de mais longa experiência histórica com políticas de ação afirmativa, as quais começaram a ser implantadas ainda sob o domínio colonial inglês [de 1858 a 1947], muitas vezes com o desígnio de dividir os colonizados e enfraquecê- los [...]” (FERES JÚNIOR, 2006, p 47). No entanto, com a independência, o governo indiano livre ratificou aquelas medidas em sua Constituição de 1950. Três anos antes, conforme D’Adesky (2001, p. 208), o governo já havia aprovado cotas para a casta dos “intocáveis” em setores da administração e do ensino público.

Nos Estados Unidos da América (EUA), datam de 1935 as primeiras referências à ação afirmativa com o caráter preventivo, no sentido de corrigir injustiças sociais, na legislação trabalhista. Já as primeiras medidas de políticas de ação afirmativa, com o sentido de tratamento preferencial a certos segmentos ou grupos sociais, ocorrem durante a administração conservadora do Presidente Dwight D. Eisenhower, entre 1953 e 1961 (Guimarães, 1999). Nesse período, os EUA viviam um momento de efervescência política em torno da luta pelos direitos civis, capitaneada, principalmente, por lideranças do movimento negro norte-americano, que lutavam pela expansão da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, juntamente com os segmentos mais progressistas da sociedade. “É nesse contexto que se desenvolve a idéia de uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis anti-segregacionistas,

viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da população negra” (MOEHLECKE, 2002, p. 117). É o que Gomes (2001, p. 37) chamou de ruptura da noção de neutralidade estatal, pois, para esse jurista, nas sociedades em que ocorreu escravidão, não eram suficientes proclamações jurídicas e dispositivos constitucionais para reverter a situação dos grupos historicamente marginalizados. Tais mecanismos revelaram-se inócuos. “Desse imperativo de atuação ativa do Estado nasceram as Ações Afirmativas, [...]”. As negociações entre os movimentos sociais e o Estado resultaram na implantação de vários programas, via de regra apoiados pela Suprema Corte, conforme informa Silvério ( 2002b, p. 92)

1) exigência de desenvolvimento de ação afirmativa em empresas que quiserem estabelecer contrato com o governo [...]; 2) discriminação não intencional no emprego, também chamada de discriminação indireta, proibindo a adoção de requisitos e testes para a contratação, desnecessários à execução das tarefas às quais os candidatos se habilitem; 3) o governo federal assegurou por meio de programas objetivos e mensuráveis, em especial nos altos escalões de sua própria burocracia, a presença de minorias e mulheres; 4) o Congresso norte-americano incluiu um dispositivo na lei sobre obras públicas (Public Works Employment Act), estabelecendo que cada governo, local ou estadual, usasse 10% dos fundos federais destinados a obras públicas para gerenciar serviços de empresas controladas por minorias; 5) o governo federal passou a exigir que as instituições educacionais que tivessem praticado discriminações adotassem programas especiais pra admissão de minorias e mulheres como condição para que se habilitassem à ajuda federal; 6) incentivo às ações voluntárias de emprego e educação: essas ações corresponderiam ao que se passou a chamar de cotas, isto é, assegurar porcentuais mínimos de contratação e promoção de trabalhadores nas empresas privadas e instituições públicas. E admissão de estudantes provenientes de grupos minoritários das universidade, tendo por base a discriminação passada.

Ao fazer o estudo das instituições jurídicas dos EUA, Gomes (2001, p. 44-48) reconhece os seguintes objetivos das políticas de ação afirmativa:

a) proporcionar transformações de mentalidades no sentido de por fim a idéia de supremacia seja por gênero, raça, etnia ou outra forma;

b) “não apenas coibir a discriminação do presente, mas sobretudo eliminar os ‘lingering

effects’, ie [sic], os efeitos persistentes [...] da discriminação do passado, que tendem a

se perpetuar” (GOMES, 2001, p. 47);

c) proporcionar visibilidade aos grupos sub-representados, abrindo espaço para a diversidade nos domínios públicos e privados;

d) criar espaço para o surgimento de “personalidades emblemáticas”, indivíduos que serviriam de exemplo para seus grupos de origem.

Assim, no amplo leque possível de políticas governamentais de combate à discriminação, Gomes (2001, p. 49) identifica, ao lado de políticas “neutras” – normas meramente proibitivas, as políticas “positivas”, também chamadas de ações afirmativas. Estas últimas podem ser políticas de iniciativa do poder executivo, do poder judiciário e mesmo do setor privado. De acordo com o autor, as políticas de ação afirmativa se inscrevem dentro do princípio da igualdade material ou substantiva, que, ao contrário do chamado princípio da igualdade formal, gestado no pensamento liberal33 oitocentista, irá atuar junto ao indivíduo concreto, especificado. Dito de outra maneira, o Direito passa a perceber o indivíduo em sua singularidade, considerando suas determinações de raça, idade, gênero, etc. Pelo princípio da igualdade substantiva é possível atentar para as desigualdades que, de fato, são observadas na sociedade.

Produto do Estado Social de Direito, a igualdade substancial ou material propugna redobrada atenção por parte dos aplicadores da norma jurídica à variedade das situações individuais, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas (GOMES, 2001, p. 4).

Pelo princípio da igualdade material, o legislador pode tratar os desiguais de forma dessemelhante, contribuindo para que as situações de desigualdades não sejam perenizadas e agravadas na sociedade (Gomes, 2001). Segundo Feres Júnior (2006, p. 50), mecanismos contra as desigualdades já estariam presentes nos princípios normativos do Estado de Bem-Estar Social34. A despeito de serem reconhecidas como sendo de cunho universal, as ações focais antecederam o que chamamos, hoje, de ações afirmativas, tais como: “Políticas keynesianas de proteção de setores estratégicos da economia, investimentos públicos pesados em áreas carentes, investimento em habitação popular, seguro desemprego etc. [...]”.

De acordo com Gomes (2001), são variados os postulados filosóficos que subjazem às ações afirmativas, mas comum a todos é serem tributários do pensamento liberal, dentre os quais ele salienta o postulado da Justiça Compensatória e o da Justiça Distributiva. São esses postulados, além da noção de diversidade, que irão fundamentar

33 Em uma concepção liberal clássica, ou pura, o Estado é o locus do valor da igualdade, é só no Estado, ou melhor, por meio de leis que garantem direitos universais negativos (mormente civis), que os cidadãos são verdadeiramente iguais. (FERES JÚNIOR, 2006, p. 49) Assim, na perspectiva liberal era suficiente que o princípio da igualdade estivesse escrito, para que ele estivesse assegurado, conforme Gomes (2001, p. 3).

34 Esse paradigma se opõe à concepção liberal pura. “[...] Estado e mercado não funcionam como esferas autônomas geridas por valores independentes (igualdade e mérito, respectivamente). [ao contrário] o Estado subtrai recursos do mercado [...] e os redistribui com a finalidade de promover uma igualdade maior. Trata-se aqui já de uma concepção de igualdade substantiva” (FERES JÚNIOR, 2006, p. 49).

os argumentos para justificar políticas de ação afirmativa, como informam Gomes (2001, p. 61) e Feres Júnior (2006, p. 46).

A Justiça Compensatória, que fundamenta inúmeros programas de ação afirmativa, mesmo nos EUA, segundo Gomes (2001, p. 62), pode ter como instrumento a “reparação” ou a “compensação” para fazer frente a injustiças e discriminações impingidas, no passado, a um ou vários grupos numa dada sociedade. Considera, principalmente, a persistência dessa subordinação e de seus efeitos perversos no presente, já que a “marginalização” daqueles grupos pelo preconceito, estigmatização e pela falta de oportunidades, tende a se reproduzir ao longo do tempo, geração após geração. Considera, também, que há vantagens competitivas iniciais, quase insuperáveis, a favor dos grupos dominantes, numa sociedade fortemente hierarquizada. Assim, faz-se necessária a participação ativa do Estado, no sentido de estabelecer programas de preferência em defesa daqueles grupos que foram tratados, historicamente, à margem dos benefícios e recursos disponíveis na sociedade (Gomes, 2001).

Gomes (2001), no entanto, não deixa de apontar as falhas no argumento da Justiça Compensatória, lembrando que a idéia de compensação pressupõe a existência de dano, numa relação causal. Assim, muitas vezes, é difícil sustentar, por exemplo, a tese de que o que um indivíduo ou grupo sofre hoje seja conseqüência direta de uma injustiça que seus antecessores sofreram no passado.

Seguindo esse princípio da compensação ou reparação, Walters (1997 apud Santos, 2007, p. 425) declara que

a ação afirmativa é um conceito que indica que, a fim de compensar negros, outras minorias em desvantagens e as mulheres pela discriminação sofrida no passado, devem ser distribuídos recursos sociais como empregos, educação, moradias, etc., de forma tal a promover o objetivo social final da igualdade.

Examinando a definição de Cashmore, autor americano, Santos (2007) conclui que sua definição também está fundamentada nesse mesmo princípio quando ele declara que ação afirmativa é uma política pública que

é voltada para reverter as tendências históricas que conferiram às minorias e às mulheres uma posição de desvantagem, particularmente nas áreas de educação e emprego. Ela visa ir além da tentativa de garantir igualdade de oportunidades individuais ao tornar crime a discriminação, e tem como principais beneficiários os membros de grupos que enfrentaram preconceitos (Cashmore, 2000 p. 31 apud SANTOS, 2007, p. 428, grifo nosso).

Também encontramos essa mesma base em Silvério (2002b, p. 91-92), quando defende que “ações afirmativas são um conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham sido discriminados no passado”. Se por um lado, a Justiça Compensatória propugna uma justiça retroativa para reparar danos que foram causados em tempos anteriores, a Justiça Distributiva tem seu foco na justiça social35 no presente e refere-se

à necessidade de se promover a redistribuição equânime dos ônus, direitos, vantagens, riqueza e outros importantes “bens” e “benefícios” entre os membros da sociedade. Tal redistribuição teria o efeito de mitigar as iniqüidades decorrentes da discriminação (GOMES, 2001, p. 66).

Sendo o racismo e o sexismo barreiras, dentre outras, que são antepostas ao pleno desenvolvimento de pessoas e grupos e ao seu acesso aos recursos e benefícios que a sociedade oferece, é necessário que sejam criados mecanismos, como ações afirmativas, que possibilitem, se não igualar os indivíduos, ao menos reduzir as desvantagens competitivas entre eles. “Portanto, sob essa ótica, a ação afirmativa define-se como um mecanismo de ‘redistribuição’ de bens, benefícios, vantagens e oportunidades que foram monopolizadas por um grupo em detrimento de outros [...]” (GOMES, 2001, p. 68).

Uma ilustração do uso do princípio da Justiça Distributiva, encontramos numa definição abrangente de ação afirmativa, proposta por um historiador norte-americano, segundo o qual, ação afirmativa

significa mais do que o combate contra a discriminação. A ação afirmativa

indica uma intervenção estatal para promover o aumento da presença negra - ou feminina, ou de outras minorias étnicas - na educação, no emprego, e

nas outras esferas da vida pública. Promover esse aumento implica levar em conta a cor como critério relevante na seleção de candidatos para tais oportunidades [...]. Tradicionalmente foram as pessoas brancas as favorecidas para qualquer oportunidade social ou econômica; com a ação afirmativa, o Estado estabelece certas preferências para as pessoas negras, ou mulheres, ou membros de outras minorias étnicas. Essas preferências não são absolutas; a

raça é só um dos critérios utilizados para a distribuição de vagas nas faculdades ou empregos. Um candidato negro de baixa capacidade não pode

substituir a um candidato branco de alta capacidade. Mas, no caso de competição entre dois candidatos de capacidade mais ou menos igual, um branco e outro negro, segundo os critérios da ação afirmativa, o candidato negro teria preferência sobre o branco (Andrews, 1997, p. 137-138, apud SANTOS, 2007, p. 426 grifos do autor).

Também, orientando-se pelo pressuposto filosófico da Justiça Distributiva, Calvès (2004) chama a atenção para o fato de que uma política de ação afirmativa é uma política preferencial e não apenas diferencial, como pôde notar em diversos países. Trata-se de uma política de nivelamento, que visa garantir que ocorra igualdade de oportunidades aos membros de grupos menos favorecidos na sociedade. Segundo a autora, a política de ação afirmativa faz parte de uma lógica de encurtamento das distâncias sócio-econômicas entre os indivíduos36.

Em direito internacional, como ocorre em numerosos países onde é praticada, a ação afirmativa (discriminação positiva) é o instrumento-chave de uma política de nivelamento entre diferentes grupos. Ela visa promover entre eles uma maior igualdade de fato, ou, pelo menos, garantir aos membros dos grupos em desvantagem, uma verdadeira igualdade de oportunidades. Ela se inscreve numa lógica de diminuição da distância no plano de desenvolvimento econômico e social e supõe, então, mais que um tratamento diferencial, um verdadeiro tratamento preferencial (CALVÈS, 2004, p. 7, grifo da autora, tradução livre).

Nesta mesma direção, e acrescentando um alerta quanto ao uso “naturalizado” das categorias “sexo”, “cor”, “raça”, “etnia”, implicando na distribuição de recursos públicos, Guimarães (1999, p. 174-175) afirma que ações afirmativas “são políticas que visam afirmar o direito de acesso a tais recursos a membros de grupos sub- representados, uma vez que se tenham boas razões e evidências para supor que o acesso seja controlado por mecanismos ilegítimos de discriminação (racial, étnica, sexual)”. Guimarães (1999) ainda acrescenta que as ações afirmativas têm caráter preventivo, visando evitar a expropriação de direitos e de oportunidades de indivíduos e grupos fragilizados socialmente.

Ao tecer considerações importantes sobre a base filosófico-constitucional do programa de direitos civis dos EUA, Gomes (2001) declara que é a tese da Justiça Distributiva que apóia grande parte dos argumentos daqueles que defendem as ações afirmativas, por considerarem que assim têm mais poder de convencimento. Mas o

36En droit international comme dans les nombreux pays, ou elle est pratiquée, la discrimination positive est l’instrument clé d’une politique de rattrapage entre différents groupes. Elle vise à promouvoir entre eux une plus grande égalité de fait, ou, à tout le moins, à garantir aux membres des groupes désavantagés une véritable égalité des chances. Elle s’inscrit dans une logique de comblement d’un écart de développement économique et social et suppose donc, plus, qu’um simple traitement différencié, l’instauration d’um véritable traitement préférentiel” (CALVÈS,

autor não deixa de apontar que, também, ocorre o uso de ambas noções para a justificação de políticas de ação afirmativa37, como fica bem ilustrado a seguir:

Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (GOMES, 2001, p. 40).

Depois de percorrer algumas discussões jurídicas e normativas a respeito da questão, Moehlecke (2002) elabora sua conceituação, também tendo como base tanto a noção de Justiça Compensatória quanto a de Justiça Distributiva:

[...] podemos falar em ação afirmativa como uma ação

reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação

de discriminação e desigualdade infringida a certos grupos no passado,

presente ou futuro, durante um período limitado. A ênfase em um ou mais

desses aspectos dependerá do grupo visado e do contexto histórico e social (MOEHLECKE, 2002, p. 203, grifo nosso).

Tendo como base o multiculturalismo, o argumento da diversidade também tem sido usado para a justificação da ação afirmativa (GOMES, 2001; FERES JÚNIOR, 2006). Para Gomes, essa justificação é encontrada em tendências mais moderadas e apresenta uma discussão entre universalismo e particularismo nas democracias liberais. O princípio liberal por excelência não admite particularismos. Ou seja, pretende uma legislação que tenha caráter universal. Diante disto, Gomes (2001) questiona se um Estado com essa postura seria capaz de atender com eqüidade aos “cidadãos detentores de identidades e etnias diversas da dominante”. Reportando-se ao conceito de “reconhecimento” de Charles Taylor, Gomes irá concluir que ações com base numa política de reconhecimento é justificativa válida para se lutar por direitos iguais entre os cidadãos. O exemplo que evoca é o da luta pelos direitos civis nos EUA na década de 1960, que deu origem às ações afirmativas em solo norte-americano, como já dito anteriormente.

Feres Júnior (2006, p. 47) esboça, em seu ensaio como se deu ao longo do tempo nos EUA, a mudança dos argumentos de justificação de ações afirmativas, a partir do

37 Feres Júnior (2006, p. 48-49 ) considera que o discurso do Presidente Lyndon Johnson, proferido para a turma de formandos da Howard University, em 1965, está baseado em ambos pressupostos, de reparação e de justiça social, pois chama a atenção para os efeitos nefastos da escravidão e para o enfrentamento que era necessário em função das dificuldades competitivas dos negros norte-americanos, à época.

que ele chamou de tipologia tripartite: reparação, justiça social e diversidade. No primeiro momento, que perdurou décadas, prevaleceu o argumento da reparação. Segundo Guimarães (1999), as ações afirmativas, nesse momento, estavam sob a inspiração do direito consuetudinário inglês, que era baseado numa “antiga noção” de reparação por uma injustiça passada, noção esta que fundamentou muitas das decisões de Cortes norte-americanas. Feres Júnior (2006) cita os casos emblemáticos, julgados pela Suprema Corte, o Regents of the University of Califórnia v. Bakke, em 1978 e o Adarand Constructors Inc, v. Peña, em 1995. No segundo momento, sobressaiu o argumento da justiça social. Para D’Adesky (2006, p. 7), justiça social é um conceito “fundamentado na percepção de igualdade de oportunidades”. Isso significa promover, em circunstâncias específicas, “políticas públicas capazes de compensar, reduzir, mediante dotações desiguais (portanto, mais equitativas), as disparidades que afetam minorias e membros de grupos em situação de desvantagem por motivos raciais, étnico, religioso, etc”. No entanto, argumento da justiça social sofreu duros golpes nas décadas que se seguiram ao desmonte do Estado de Bem-Estar Social norte-americano, conforme Feres Júnior (2006, p. 52).

A defesa das ações afirmativas pelo argumento da diversidade, nos EUA, veio crescendo nos últimos anos, dadas algumas dificuldades que as políticas de ação afirmativa enfrentaram nesse país, sendo inclusive banidas de estados importantes, como Califórnia, Texas e Flórida. Se, por um lado, o argumento da diversidade pôde ser usado inúmeras vezes no âmbito da Corte norte-americana nas últimas décadas, como nos informa Feres Júnior (2006), por outro, esse mesmo argumento trouxe desdobramentos negativos, no sentido de diluir a importância da raça, de abrandar a idéia de reparação e competir com a idéia de justiça social. No caso da raça, porque outros critérios passaram a ser exigidos; a noção de reparação fica prejudicada, porque “diversidade tem um registro temporal incerto, às vezes sugerindo a produção de um tempo futuro quando as diferenças puderem se expressar em todas as instâncias da sociedade” (FERES JUNIOR, 2006, p. 54). E a idéia de combate à desigualdade, implícita na justiça social, fica comprometida pela “valorização geral da diferença”.

As ações afirmativas não ficaram restritas à Índia e aos EUA, pois diversas outras experiências são registradas pela literatura: Malásia, antiga União Soviética, Israel, Nigéria, Colômbia, Canadá, África do Sul, vários países da Europa Ocidental, Austrália, Argentina, Cuba, México, Líbano, Nova Zelândia, Hungria, etc.

Na Europa, as primeiras experiências ocorreram em 1976, com as denominações de “ação ou discriminação positiva”, ou “ação compensatória” de acordo com Molecke (2002, p. 199) e Pinto (2006, p. 145).

A despeito da origem indiana das políticas de ação afirmativa, é o exemplo norte-americano que mais significado tem para a política de ação afirmativa brasileira,

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