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Ação de nulidade e recepção da sentença arbitral nacional

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 162-165)

5. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA JURISDIÇÃO DO ÁRBITRO

5.2. Intervenção posterior exercida pelo Poder Judiciário

5.2.2. Ação de nulidade e recepção da sentença arbitral nacional

No Brasil, como se sabe, o sistema adotado para a homologação das sentenças estrangeiras é o da delibação, que não admite a análise do mérito do julgado ou a verificação da justiça ou injustiça, correção ou incorreção da solução da lide e aplicação do direito pelo órgão estrangeiro. Ao STJ é vedado o reexame das questões de fundo decididas no julgado delibando, pois essa matéria é subtraída ao conhecimento do juiz no exame de delibação. Mas a exceção de ordem pública material suscita questionamentos mais profundos sobre os limites do exame de delibação, na medida em que, nesses casos, não há como furtar-se à análise dos fatos e fundamentos que motivaram a aplicação do direito pelo tribunal arbitral. [...] o STJ vem aplicando a ordem pública em seu terceiro nível, quando confrontado com alegações, muitas vezes protelatórias, de ofensa à ordem pública, que se revestem de uma camuflada tentativa de rediscutir o mérito da sentença arbitral estrangeira.

Ressalvadas as possibilidades legais de negativa de homologação da sentença arbitral,

a inviabilidade de revisão do mérito da disputa é, pois, uma consequência da própria ratio da

arbitragem, cujo objetivo, como já dito acima, é retirar do Poder Judiciário, em favor do árbitro,

pelas mais diversas razões e motivos, a jurisdição para decidir sobre determinadas disputas no

contexto de determinada relação jurídica.

de inexistência, conforme a importância do bem jurídico tutelado e a gravidade da sua violação.

Ou seja, pode o Poder Judiciário declarar a sentença inexistente, nula ou rescindível.

As sentenças decorrentes de convenção de arbitragem nula, fato que será determinado a partir dos requisitos de nulidade dos negócios jurídicos, ou, mais especificamente, que violem os requisitos de arbitrabilidade objetiva e subjetiva da Lei de Arbitragem (artigo 1º

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), serão em verdade inexistentes. O mesmo destino terá as sentenças que extrapolem os limites da convenção de arbitragem, ou que contrariem a vontade manifestada por ambas as partes. Por fim, serão nulas as decisões proferidas por aquele que não poderia ser árbitro, por emanar de sujeito sem jurisdição para tanto. Assim, sua avaliação poderia ocorrer de ofício pelo juiz estatal e os efeitos gerados pela declaração de inexistência seriam ex tunc.

Por outro lado, as hipóteses de nulidade abordadas pela lei que violam as normas protetoras da ordem pública, ensejam a nulidade absoluta da sentença arbitral.

Por fim, os motivos de rescindibilidade provêm da sua prolação em desconformidade com as regras de direito postas para a proteção de interesses privados das partes na arbitragem, como as sentenças que não resolvam todo o litígio, aquelas proferidas fora do prazo ou que não cumpram os requisitos formais enumerados no artigo 26

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, da Lei de Arbitragem.

Como bem resume Felipe Scripes Wladeck

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no tocante aos efeitos da anulação da sentença arbitral:

O art. 32 da Lei n° 9.307/1996 refere-se a (i) casos em que o vício se verifica na instauração ou no curso do processo arbitral e se transfere para a sentença nele proferida, contaminando-a- por exemplo, incisos I, 11, VIII; e (ii) casos em que o vício reside na própria sentença - por exemplo, incisos 111, Vll. Essas duas categorias de defeitos correspondem aos vícios extrínsecos e intrínsecos da sentença arbitral, respectivamente. Entre os vícios que se enquadram na categoria "i", há casos de

384 “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

385 “Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade; III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida. Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.”

386 WLADECK, Felipe Scripes. Impugnação da sentença arbitral. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 194-196.

nulidade absoluta (por exemplo, impedimento do árbitro), nulidade relativa (por exemplo, suspeição do árbitro), de inexistência (v.g., ausência de chamamento de parte para participar da fase de instrução probatória) e casos de ineficácia de ato processual (v.g., convenção ineficaz): esses vícios na instauração ou curso do processo podem contaminar a sentença arbitral, gerando a sua nulidade, inexistência (material ou jurídica) ou ineficácia jurídica. Uma invalidade verificada no curso do processo arbitral pode, tanto quanto um vício de inexistência ou ineficácia, gerar a nulidade (que não será nem relativa nem absoluta, mas simplesmente nulidade) da sentença arbitral, sua inexistência ou a sua ineficácia jurídica. A natureza do vício processual e o grau de contaminação da sentença é que definirão, em conjunto, o tipo de "irregularidade" que inquinará esta última. Por exemplo: a suspeição e o impedimento podem gerar a nulidade da sentença arbitral, a despeito de consistirem em casos de nulidade relativa e absoluta, respectivamente; a nomeação de sujeito absolutamente incapaz como árbitro consiste em invalidade que determina a inexistência jurídica da sentença arbitral; a falta de chamamento de uma das partes do conflito e signatária da convenção para integrar o processo arbitral faz com que a sentença a ela desfavorável seja-lhe juridicamente ineficaz; e assim por diante. Entre os vícios que se enquadram na categoria "ii", ou seja, os vícios intrínsecos da sentença, verificam-se casos de nulidade (por exemplo, ausência de motivação na sentença), inexistência material (v.g., sentença citra petita, em relação ao pedido não apreciado) ou jurídica (como a sentença proferida por quem não apresenta condições de ser árbitro), ineficácia jurídica (sentença proferida por sujeitos regularmente investidos em sua função mas contrária a quem não teve a oportunidade de integrar a arbitragem) e, ainda, casos de irregularidades ou defeitos materiais relevantes (em que o vício não afeta diretamente a existência, validade ou eficácia jurídica da sentença, mas cuja eliminação se põe como necessária para que se possa verificar a sua higidez formal e também para a definição do procedimento a ser adotado para a sua efetivação e controle judicial).

Deve-se ter em mente, no entanto, que a anulação das sentenças arbitrais é medida restrita, a ser utilizada somente nos casos em que a sentença flagrantemente viole os princípios inerentes à arbitragem, como medida de proteger as particularidades e a efetividade do instituto.

Como bem esclarecido por Yuri Maciel Araújo

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:

Muito embora não se duvide da importância da ação anulatória e da impugnação ao cumprimento de sentença arbitral para promover o respeito ao due process of law, não se pode permitir que essas vias de questionamento judicial minem a efetividade do processo arbitral, menos ainda sejam capazes de lhe retirar a aptidão de atingir alguns de seus principais objetivos, como a pacificação efetiva de conflitos, a celeridade processual e a possibilidade de livre escolha pelas partes de julgador privado e especializado na matéria debatida. Hoje, é bem verdade, esse entendimento já parece encontrar suficiente amparo na jurisprudência e na doutrina nacional. [...] se todo e qualquer erro dos árbitros pudesse levar à anulação da sentença arbitral, a arbitragem jamais teria o condão de transmitir a necessária segurança ao mercado e ao tráfego das relações jurídicas, tornando-se método de resolução de conflitos ineficaz e falido.

387 ARAUJO, Yuri Maciel. Arbitragem e devido processo legal. São Paulo: Almedina, 2021, p. 186-189.

Ademais, deve existir relação harmônica e cooperativa entre a atividade jurisdicional

estatal e a arbitral, sob pena de fazer com que o jurisdicionado perca um meio alternativo de

resolução de seus conflitos bastante democrático, que privilegia a participação do povo na

administração da justiça, conforme veremos em detalhes no próximo capítulo.

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 162-165)