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Demais legislações infraconstitucionais e o Tribunal Multiportas

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM NO BRASIL

1.4. Demais legislações infraconstitucionais e o Tribunal Multiportas

Atualmente, há dispositivos legais prevendo a arbitragem em muitos diplomas, como a Lei dos Juizados Especiais Cíveis, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei das Sociedades Anônimas, a nova Lei de Licitações e Contratos Públicos, a Lei de Concessões, a Lei de Parcerias Público-Privadas, a Leis dos Portos, a Consolidação das Leis do Trabalho (após a Reforma Trabalhista de 2017), entre outras.

Para que tais previsões fossem possíveis, no entanto, entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015, que deu mais destaque ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, também como resultado da consolidação da intenção do legislador de conferir destaque aos diversos métodos de resolução de disputas.

O artigo 3º, do Novo Código de Processo Civil, reproduzindo a norma do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, estabelece que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão de direito”. E, nesse sentido, disciplina o parágrafo primeiro que

“É permitida a arbitragem, na forma da lei”, incluindo-se aí, nos termos do parágrafo terceiro, que “§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”.

Ao reproduzir a norma do artigo 5º, o legislador conferiu destaque ao atual direito de acesso à justiça, ainda que fora do âmbito do Judiciário. De tal modo, incumbe ao Estado, de acordo com a Constituição Federal, mas também nos termos do Código de Processo Civil, o compromisso de promover o acesso à justiça. Assim, “romper com a sistemática atual de centralização das demandas na via jurisdicional, ao reconhecer que não há uma única técnica de solução de disputas, mas sim várias possibilidades a serem colocadas à disposição do jurisdicionado.”

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60 SAID FILHO, Fernando Fortes. A Crise do Poder Judiciário: Os Mecanismos Alternativos de Solução de Conflitos como Condição de Possibilidade para a Garantia do Acesso à Justiça. Porto Alegre: Revista da AJURIS, v. 44, n. 142, junho 2017, págs. 194-195.

É o chamado modelo multiportas de distribuição da justiça, inicialmente previsto na Resolução 125/2010 do CNJ e agora consagrado pelo Código de Processo Civil de 2015

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Explica Francisco José Cahali

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Consolidou-se no Brasil, então, com a Res. 125/2010 a implantação do chamado Tribunal Multiportas, sistema pelo qual o Estado coloca à disposição da sociedade alternativas variadas para se buscar a solução mais adequada de controvérsias, especialmente valorizados os mecanismos de pacificação (meios consensuais), e não mais restrita a oferta ao processo clássico de decisão imposta pela sentença judicial. Cada uma das opções (mediação, conciliação, orientação, a própria ação judicial contenciosa etc.), representa uma “porta”, a ser utilizada de acordo com a conveniência do interessado, na perspectiva de se ter a maneira mais apropriada de administração e resolução do conflito. [...] Neste novo ambiente, bem germinada, crescida e com os melhores frutos a semente do Tribunal Multiportas plantada pela Res. CNJ 125, em campo fértil pois bem cuidado por todos os envolvidos (CNJ, Tribunais, mediadores, conciliadores judiciais, e de um modo geral os gestores do sistema e pessoas que o integram) veio o passo seguinte em homenagem aos meios consensuais de solução de conflitos: o Código de Processo Civil de 2015. Assim, confirmada a utilidade do sistema criado pela Res. CNJ 125, e das diversas iniciativas de promoção da autocomposição, o novo Diploma Processual, reconhecendo os expressivos benefícios trazidos à estrutura do Judiciário e à própria sociedade, prestigia na essência, a ideia do Tribunal Multiportas.

Especialmente no tocante à arbitragem, o Código de Processo Civil de 2015 reconheceu e deu força: i) à carta arbitral, que prevê a comunicação entre juízo arbitral e juiz togado (artigo 237, IV

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), permitindo que o árbitro possa se comunicar com o juiz estatal para efetivação de decisões, pedido liminar, cautelar ou antecipação de tutela que se fizerem necessários; ii) ao segredo de justiça atribuído à arbitragem (artigo 189, inciso IV

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); bem como iii) à obrigação

61 “A Justiça Multiportas, aparece no CPC através de seus institutos mais conhecidos, a conciliação, a mediação e a arbitragem, mencionados em diversas passagens, deixando clara a sua intenção de incentivar uma nova postura de todos aqueles envolvidos com a tutela dos direitos, inclusive os próprios consumidores da justiça, dos quais é exigida a cooperação, como na audiência obrigatória de conciliação e mediação, prevista no Art. 334.” (ZANETI JR., Hermes (Coord.); CABRAL, Trícia Navarro Xavier (Coord.). Justiça multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. In: Coleção Grandes temas do novo CPC.

Coordenador Geral: Fredie Didier, Jr. São Paulo: Editora Juspodivm, 2017, p. 7).

62 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: mediação, conciliação e tribunal multiportas. São Paulo:

Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 66.

63 “Artigo 237. Será expedida carta: IV - arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.”

64 “Artigo 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.”

de o próprio tribunal arbitral reconhecer sua jurisdição para apreciar e julgar eventual controvérsia com base no princípio da kompetenz-kompetenz (artigo 485, inciso VII

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).

A possibilidade de se executar a sentença arbitral em foros diversos, mediante a distribuição de nova ação, também aparece como destaque no que tange ao reconhecimento da arbitragem como método alternativo de resolução de disputas. Determinou o Código de Processo Civil de 2015 que, em tais ocasiões, pode o exequente optar, tanto pelo juízo em que estão os bens do executado, quanto onde deva ser cumprida a obrigação de fazer ou de entregar coisa (artigo 516, III e parágrafo único

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).

Posteriormente ao advento da nova lei processual, também vieram modificações na Lei de Arbitragem. Com efeito, em 26 de maio de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.129 que, já em seu preâmbulo, expôs como objetivo “ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral”.

A primeira mudança relevante decorrente das recentes alterações da Lei de Arbitragem se refere à expressa menção à utilização da arbitragem pela Administração Pública, inserida nos artigos 1º e 2º da Lei 9.307/96. Apesar de não se revelar inovação, uma vez que “nada mais é que uma explicação daquilo já consagrado pela própria Lei de Arbitragem”

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, tratou-se de positivação da participação do poder público na arbitragem, a fim de evitar qualquer resistência quanto à sua participação por parte dos jurisdicionados.

65 “Artigo 485. O juiz não resolverá o mérito quando: VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;”

66 “Artigo 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.”

67 ZAKIA, José Victor Palazzi. Um panorama geral da reforma da Lei de Arbitragem: o que mudou com a Lei Ordinária n. 13.129/2015. In: Revista Brasileira de Arbitragem. Curitiba: Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr; Kluwer Law International, v. 51, jul./set. 2016, p. 40.

Outra inovação trazida pelas modificações na Lei de Arbitragem diz respeito às regulações específicas para as disputas relacionadas aos contratos de adesão, a fim de garantir a arbitrabilidade dos litígios decorrentes de relações de consumo e de trabalho. Tais alterações decorrem da inserção dos §§ 3º e 4º, no artigo 4º

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, bem como alteração do já existente § 2º

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, de modo a explicitar a necessidade de que a parte expressamente concorde com a submissão da disputa à arbitragem.

Também relevante destacar as alterações no que diz respeito à escolha dos árbitros em arbitragens institucionais, quais sejam, aquelas em que o procedimento é administrado por uma câmara de arbitragem eleita pelas partes. Com o novo texto, “As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros” (artigo 13, § 4º).

Necessário destacar, ainda, a inovação quanto à prescrição. Com as novas alterações, reconheceu-se que a instauração de um procedimento arbitral também interrompe o prazo prescricional, “ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição” (§ 2º, do artigo 19), encerrando eventual discussão quanto à interrupção da prescrição prevista no Código Civil também nas arbitragens

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. Para fins de contagem do prazo prescricional, considera-se interrompida a prescrição quando aceita a nomeação do árbitro único ou do tribunal arbitral, retroagindo, todavia, à data do requerimento de instauração da arbitragem, ainda que posteriormente extinta a arbitragem por ausência de jurisdição, nos termos do artigo 19 e seu parágrafo segundo

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, da Lei de Arbitragem.

68 “Artigo 4º, § 3º - Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição. § 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição.”

69 “Artigo 4º, § 2º - Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado”

70 NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e prescrição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 203.

71 “Artigo 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários. § 2º. A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição.”

Ainda merecem destaque a inclusão da previsão da possibilidade de os árbitros proferirem sentenças parciais, permitindo que sejam analisadas antecipadamente eventuais questões que não demandam dilação probatória (artigo 23, § 1º

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), bem como a regulação das arbitragens nas sociedades anônimas, incluindo-se o artigo 136-A

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à Lei das Sociedades Anônimas, sanando uma das maiores controvérsias existentes para a utilização da arbitragem no âmbito societário empresarial, a saber, a questão acerca do consentimento dos acionistas

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Não menos importante, as disposições atinentes às tutelas cautelares, medidas de urgência e carta arbitral (artigos 22-A

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e 22-B

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). O artigo 22-A permitiu que as partes busquem eventual pretensão urgente perante o Judiciário quando ainda não constituído o tribunal arbitral, enquanto o artigo 22-B conferiu aos árbitros o poder de modificar ou revogar eventual medida cautelar concedida pelo judiciário.

72 “Artigo 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. § 1º. Os árbitros poderão proferir sentenças parciais.”

73 “Artigo. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45. § 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou. § 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável: I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe; II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei.”

74 “Ponto que vem levantando grandes debates na doutrina pátria diz respeito aos efeitos desta cláusula compromissória, ou seja, quem estaria a ela vinculado. Nas pequenas companhias fechadas, onde todos aprovaram o estatuto original e onde, em regra geral, as deliberações são tomadas por unanimidade de votos, a questão é de mais fácil solução, pois se todos expressamente anuíram com a arbitragem, por óbvio que há renúncia expressa à jurisdição estatal. O problema maior ocorre em duas situações específicas, quais sejam: (i) quando o acionista adquire suas ações após a deliberação social que inseriu a cláusula compromissória no estatuto social; e (ii) quando o acionista, em assembléia geral, não concorda com eleição da via arbitral, embora vencido pela maioria.” (DIAS, Jader Augusto Ferreira. A arbitragem como meio alternativo na solução de conflitos societários. In:

BERALDO, Leonardo de Faria (coord.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo Horizonte:

Editora Del Rey, 2007. págs. 420-421).

75 “Artigo 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.”

76 “Artigo 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.”

Tanto o é que, após a inclusão da matéria na Lei de Arbitragem, as câmaras arbitrais, utilizando-se de sua experiência, começaram a encontrar meios viáveis de aprimorar o instituto.

Nesse sentido, as alterações promovidas pela Resolução Administrativa nº 44/2020, do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, publicada em 25 de novembro de 2020 e que incluiu a possibilidade de atuação de árbitro de emergência na resolução de questões urgentes e de natureza cautelar que possam surgir antes da formação do Tribunal Arbitral no âmbito dos procedimentos por ela administrados

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Atualmente, no entanto, diversos ainda são os problemas enfrentados pela arbitragem como método de eficácia plena de resolução de conflitos.

Destacamos, como exemplo, as discussões quanto à prova na arbitragem, que estão intrinsecamente ligadas à efetiva garantia do acesso à justiça, igualdade de tratamento às partes e do devido processo legal. Para muitos, a flexibilidade quanto à instrução probatória, na arbitragem, resulta em violação ao devido processo legal. Isto porque, ao fim, a valoração da prova fica a cargo do árbitro e, quando aplicável, ao regramento da câmara arbitral. Ou seja, inexiste regramento geral sobre a prova na arbitragem. No procedimento arbitral, sequer há previsão legal sobre a distribuição do ônus da prova ou, ainda, sobre a preclusão quanto ao momento de produção da prova e seus custos

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77 CAM/CCBC – Câmara de Comércio Brasil/Canadá. RA 44/2020 – Regras do Procedimento de Árbitro de Emergência. Disponível em: <https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/ra-44-2020/>. Acesso em: 12 de setembro de 2021.

“Artigo 1º. A parte que necessitar de medidas de urgência antes da constituição do Tribunal Arbitral nos termos do artigo 4.14. do Regulamento do CAM-CCBC poderá requerê-las, para a designação de um árbitro de emergência (“Requerimento de Medidas Urgentes”), nos termos das regras dispostas abaixo:

Artigo 21. As ordens e decisões proferidas pelo árbitro de emergência deverão ser fundamentadas por escrito e observar os requisitos do artigo 10.4 do Regulamento do CAM-CCBC. Parágrafo único. O árbitro de emergência poderá estabelecer condições que entenda necessárias para assegurar o cumprimento de suas decisões, incluindo multas cominatórias e prestação de garantias.”

Artigo 22. A decisão do árbitro de emergência deverá ser proferida no prazo de 15 (quinze) dias contados da apresentação do Termo de Independência assinado, ou conforme estabelecido no cronograma provisório. O Presidente do CAM-CCBC poderá prorrogar esse prazo (i) mediante pedido fundamentado do árbitro de emergência, (ii) por sua própria iniciativa nas circunstâncias apropriadas, ou, ainda, (iii) se as partes assim acordarem.”

78 “Em princípio, a parte que solicitou a prova arcará com os ônus iniciais para sua produção (em outros termos:

fará os adiantamentos necessários para custear tal prova); mas a regra poder ser alterada a critério das partes, que poderão estabelecer nos procedimentos que quiserem ver aplicados pelo árbitro outros critérios (por exemplo, podem determinar que toas as despesas serão divididas pela metade, ou que antecipará as despesas a parte que

O alto custo envolvido nos procedimentos arbitrais também se revela como questão de fundamental importância. Como defende Marcelo Roberto Ferro

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Ninguém discute que o processo arbitral custa caro, pois a velocidade e a solução especializada dos litígios representam um alto preço para os litigantes. De fato, no Poder Judiciário, uma demanda cujo valor em disputa é de R$ 1 milhão, R$ 10 milhões ou R$ 100 milhões terá custas muito similares em razão da adoção de valores máximos praticados pelas tabelas de custas dos diversos Estados da federação. Todavia, na esfera arbitral, essas mesmas demandas sofrerão uma enorme variação de custos, a tal ponto que certas instituições que administram arbitragens sugerem a adoção de árbitro único para causas que, no Judiciário, estão longe de serem irrisórias. Com efeito, a opção pela arbitragem quando da celebração do contrato requer enorme reflexão das partes, as quais nem sempre levam em conta os custos de uma possível demanda.

O financiamento das arbitragens por terceiros (third-party funding)

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, no entanto, vem se revelando como saída viável para superar tal entrave.

Também merece destaque o atual cenário de incertezas criado pelo regramento de escolha e impugnação de árbitros que, ultimamente, vem gerando debates perante o judiciário ante sua imprecisão, tendo em vista a utilização de lacunas legais para justificar a indevida judicialização do instituto. Como esclarece Cláudio Finkelstein

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A implementação deliberada de mecanismos que [ainda que lícitos] de forma antiética visam a obstruir, atrasar, desviar atenções ou mesmo sabotar os procedimentos com a introdução de dúvidas e eventuais "nulidades de algibeira" deve a qualquer custo ser ferrenhamente combatida tanto pelos tribunais arbitrais, quanto pelas instituições responsáveis pela condução dos mesmos e pelos juízos encarregados da execução ou anulação da sentença arbitral.

instaurar o procedimento arbitral).” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/98. 3. ed. São Paulo, Grupo GEN, 2012, págs. 313/314).

79 FERRO, Marcelo Roberto. O Financiamento de arbitragens por terceiro e a independência do árbitro. In:

CASTRO, Rodrigo R. de Monteiro et al., Direito empresarial e outros estudos de direito em homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 621.

80 “O investimento em arbitragens por terceiros certamente não é a solução única, tampouco uma panaceia.

Contudo, é a solução que o sistema da arbitragem, em especial a internacional, criou para superar ou minimizar o conflito entre o acesso à justiça por uma parte que ficou sem condições de arcar com as custas, e a necessidade de se remunerarem os árbitros e demais atores do procedimento arbitral de forma a viabilizar sua independência. [...]

Em resumo, o sistema da arbitragem criou uma solução muito clara e objetiva para contornar a dificuldade financeira das partes que, a princípio, poderia dificultar-lhe o acesso à justiça. Embora sua aplicação prática certamente apresentará problemas, não há qualquer razão jurídica para impedir sua prática, mas sim razões para incentivá-la. É por meio da garantia desse mecanismo, mesmo às partes em condições financeiras desfavoráveis, que a arbitragem ganhará ainda mais credibilidade e reforçará sua autonomia. No mínimo, evitaremos que a impecuniosidade conjuntural seja utilizada como manobra dilatória para a instauração da arbitragem ou para criar embaraços a esta.” (FILHO, Napoleão Casado. Arbitragem e acesso à justiça: o novo paradigma do third party funding. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 59).

81 FINKELSTEIN, Cláudio. A ‘guerrilha’ no procedimento arbitral: O dever de revelação do árbitro.

Disponível em: <https://www.fgvblogdearbitragem.com.br/post/a-guerrilha-no-procedimento-arbitral-o-dever-de-revela%C3%A7%C3%A3o-do-%C3%A1rbitro >. Acesso em: 29 de agosto de 2021.

Por fim, destaca-se como eventual entrave à plena eficácia da arbitragem os limites da jurisdição do árbitro, considerado por muitos como uma das desvantagens da arbitragem tendo em vista a necessária cooperação do Poder Judiciário para execução forçada das decisões proferidas pelos árbitros.

Como já amplamente reconhecido no Direito brasileiro, aos árbitros são conferidas tão somente as prerrogativas de cognição, diferentemente dos juízes estatais, que detêm também o poder coercitivo. Assim, a fim de assegurar que as decisões (notadamente incidentais) dos árbitros produzam efeitos, a alteração na Lei de Arbitragem permitiu, além da ação de execução específica de sentença arbitral, a expedição da carta arbitral, pelos árbitros, com o intuito de fazer cumprir suas decisões perante o judiciário.

A carta arbitral, de construção inovadora da Lei de Arbitragem e trazida pelo artigo 22-C, determina que “o árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral, para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro”.

Trata-se de conforto à falta de poder coercitivo dos árbitros, mas que eventualmente submete o instituto à ingerência do Poder Judiciário para que alcance sua plena eficácia no mundo dos fatos, gerando, assim, para muitos, entraves temporais e peculiaridades de execução específica (como, por exemplo, a eventual sujeição da decisão à interpretação do juiz togado).

No entanto, como se verá no decorrer deste trabalho, as dificuldades devem ser vistas como riscos naturais de um sistema que atualmente se revela extremamente benéfico e da maior importância para a solução de litígios. Com efeito:

[...] desde que se faça a opção adequada pela jurisdição privada, notadamente no que concerne à escolha acertada de árbitros ou de entidades arbitrais que gozem de elevado conceito ético e técnico, não se vislumbram propriamente desvantagens na arbitragem, sobretudo quando cotejada com a morosa tutela jurisdicional prestada pelo Estado-juiz em face dos mais de cem milhões de processos que assoberbam o Poder Judiciário.82

82 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. Grupo GEN, 2019, p. 135.