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A carta arbitral e a cooperação entre os árbitros e o Poder Judiciário

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 173-176)

6. JURISDIÇÃO ARBITRAL E COOPERAÇÃO

6.1. A carta arbitral e a cooperação entre os árbitros e o Poder Judiciário

Como já visto acima, a carta arbitral é mecanismo inovador à Lei de Arbitragem, trazido pelo artigo 22-C, o qual determina que “o árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral, para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro”. Revela-se, portanto, como evidente “remédio à falta de poder coercitivo dos árbitros”

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Com a reforma da Lei de Arbitragem, e pelo Código de Processo Civil, como visto, houve a introdução da carta arbitral para se efetivar o provimento arbitral no mundo dos fatos.

Como o juízo arbitral não tem poder de efetivar na prática, o árbitro solicita ao juiz togado que promova os atos materiais de efetivação da ordem, tal qual se faz no cumprimento de tutelas de urgência ou cautelares. Nestes casos, haverá, sim, uma atividade jurisdicional complementar, provocada pelo árbitro, no âmbito de suas atribuições, mas realizada pelo juízo estatal no regime de cooperação.

Para muitos, trata-se, inclusive, de instrumento misto, uma vez que se reveste de caráter de carta precatória e rogatória, “podendo ser utilizados tanto para cooperação com tribunais arbitrais regidos pela Lei de Arbitragem, quanto na hipótese de auxílio pedido por tribunais arbitrais estrangeiros”

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Mais recentemente, em 29 de setembro de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução 421

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, estabelecendo diretrizes e o procedimento para a cooperação judiciária e a arbitragem. De acordo com a Resolução, a carta arbitral deverá conter: i) a identificação do árbitro único ou membros do tribunal arbitral solicitante do cumprimento da decisão e do juízo do Poder Judiciário competente; ii) a indicação do ato processual a ser

400 ZAKIA, José Victor Palazzi. Um panorama geral da reforma da Lei de Arbitragem: o que mudou com a Lei Ordinária nº 13.129/2015, Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr &

IOB; Kluwer Law International 2016, Volume XIII Issue 51), p. 54.

401 TEIXEIRA. Bruno Barreto de Azevedo. Cartas Arbitrais Como Instrumento de Cooperação Jurídica entre Tribunais Arbitrais Regidos pela Lei Estrangeira e o Poder Judiciário Brasileiro. In: João Bosco Lee and Flavia Mange (eds), Revista Brasileira de Arbitragem, (© Kluwer Law International; Kluwer Law International 2022, Volume XVIV Issue 73), p. 32.

402 Disponível em:

<https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4150#:~:text=Estabelece%20diretrizes%20e%20procedimentos%20sobre,ar bitragem%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=DJe%2FCNJ%20n%C2%BA%2025 9%2F2021,de%20outubro%20de%202021%2C%20p.>. Acesso em: 12 de abril de 2022.

praticado; iii) a assinatura do árbitro; iv) o número do procedimento arbitral e identificação da entidade administradora, em caso de arbitragem institucional; e v) a qualificação das partes.

As cartas arbitrais deverão ser acompanhadas, ainda, de: i) cópia da convenção arbitral;

ii) prova da instituição do tribunal arbitral ou da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função; iii) inteiro teor da petição, e da respectiva decisão arbitral cujo cumprimento é solicitado; iv) procurações outorgadas aos advogados das partes; e v) documento que ateste a confidencialidade do procedimento, quando cabível.

Pode o juiz estatal, excepcionalmente, recusar cumprimento à carta arbitral, nos casos indicados no art. 267 do Código de Processo Civil

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. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a determinação de cumprimento de cartas arbitrais pelo Poder Judiciário não constitui uma atividade meramente mecânica. Por mais restrita que seja, o Poder Judiciário possui uma reduzida margem de interpretação para fazer cumprir as decisões legalmente exaradas por cortes arbitrais”

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No tocante à interpretação da ordem solicitada pela carta arbitral, esclarece Joel Dias Figueira Júnior

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que o juiz togado, ainda que não possa interferir no objeto da decisão, deve praticar todos os atos necessários para efetivação da solicitação, em atenção e dentro dos limites das regras do Código de Processo Civil, nestes termos:

[...] o Estado-juiz não detém poder, porquanto destituído de jurisdição, para interferir ou modificar, a qualquer título, a decisão arbitral ou objeto acerca do qual se funda a carta arbitral. Por outro lado, essa ausência de jurisdição para tal fim não se confunde com as atividades que são inerentes à prática de esforços pelo magistrado voltados ao bom e cabal cumprimento da carta arbitral, o que exige, para tanto, dentro dos limites estabelecidos na própria carta, a realização de atos processuais que se façam necessários, em sintonia com as regras definidas no Código de Processo Civil. Assim, por exemplo, se a carta arbitral tem por objeto o sequestro de determinado bem móvel e, durante o seu cumprimento, constata-se que o bem não mais existe ou não é localizado, pode e deve o Estado-juiz substituir o bem indicado, por se tratar de atos que se assemelham, em tudo e por tudo, à expropriação em execução. Neste exemplo, percebe-se claramente que a atividade praticada pelo magistrado não se sobrepõe,

403 “Art. 267. O juiz recusará cumprimento a carta precatória ou arbitral, devolvendo-a com decisão motivada quando: I - a carta não estiver revestida dos requisitos legais; II - faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia; III - o juiz tiver dúvida acerca de sua autenticidade. Parágrafo único. No caso de incompetência em razão da matéria ou da hierarquia, o juiz deprecado, conforme o ato a ser praticado, poderá remeter a carta ao juiz ou ao tribunal competente.”

404 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.798.089/MG, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, 04 de outubro de 2019.

405 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. Grupo GEN, 2019, p. 317.

interfere ou modifica de maneira alguma o teor da decisão tomada pelo juiz privado que, por sua vez, funda-se na garantia que se faz necessária conceder (sequestro) para fins de salvaguardar o resultado final satisfativo da pretensão do autor. Assim, o ato de substituição pura e simples do bem indicado na carta arbitral por outro que se preste igualmente aos mesmos fins, vem ao encontro das regras fundamentais do processo civil contemporâneo, chanceladas nos arts. 4º e 6º do Código de 2015.

Ademais, desde que a confidencialidade do procedimento arbitral seja comprovada, os pedidos de cooperação judiciária entre juízos arbitrais e órgãos do Poder Judiciário deverão observar o segredo de justiça, na forma prevista no artigo 189, IV

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, do Código de Processo Civil, e no artigo 22-C, parágrafo único

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, da Lei de Arbitragem.

Trata-se de ponto importante, porque há julgados do Tribunal de Justiça questionando a constitucionalidade da obrigatoriedade de concessão de segredo de justiça a processos judiciais relacionados à arbitragem. Nesse contexto, os tribunais estaduais poderão determinar a distribuição preferencial de processos envolvendo arbitragem para determinada vara ou câmara, a fim de propiciar a especialização na matéria

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e, consequentemente, seu célere e adequado cumprimento.

Destacamos, ainda, que para a prática de determinado ato pelo próprio magistrado (ou seu respectivo cartório), pode o árbitro utilizar-se de ofício simples em certas situações específicas de menor complexidade, como para o levantamento de constrições ou liberação de valores e liberação por alvará, hipóteses em que o destinatário já é previamente determinado

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De todo modo, em ambas as hipóteses de solicitação de auxílio por carta arbitral ou ofício, deve o árbitro comprovar a legitimidade da solicitação, a existência de convenção arbitral, a instituição da arbitragem e a decisão pertinente à providência.

406 “Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: [...] IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.”

407 “Art. 22-C. Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem. “

408 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: mediação, conciliação e tribunal multiportas. São Paulo:

Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 348.

409 Idem, p. 346.

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 173-176)