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Autoridade decisória

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 131-140)

4. AUTORIDADE DO ÁRBITRO

4.2. Autoridade do árbitro na arbitragem no Brasil

4.2.4. Autoridade decisória

A autoridade decisória é o dever de o árbitro resolver todas as questões que lhe forem submetidas ou que se apresentarem como necessárias, com vistas a tutelar os interesses sujeitos à sua apreciação ou proteção. Sem prejuízo do fato de que deve o árbitro atuar, durante o procedimento arbitral, de forma a conciliar as partes, com o objetivo final de pôr fim ao conflito.

Assim leciona Carlos Eduardo de Vasconcelos

316

:

Em verdade, o árbitro será, ao final, o julgador, mas deve atuar, durante o procedimento, como um facilitador, um mediador, um colaborador, adiando o ofício de julgador para a ultima ratio, ou para ocasiões em que se façam necessárias medidas de urgência (art. 22, § 4°, da LA). Afinal, o poder de decidir não é privativo do árbitro.

Em qualquer instante do procedimento arbitral o modo dialogal da dialética procedimental poderá conduzir as partes à transação, pondo fim à controvérsia. Nesta hipótese, caberá ao árbitro apenas a verificação da conformidade daquela decisão às normas de ordem pública e reconhecer, declarar, a sua validade, mediante sentença (art. 28 da LA).

315 PINTO, José Emilio Nunes. Anotações Práticas sobre a Produção de Prova na Arbitragem, Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB 2010, Volume VII Issue 25), p. 17.

316 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Dialética nos Contraditórios Judicial e Arbitral: a Arte do Direito e Sua Regulação. Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB 2010, Volume VII Issue 28), p. 25.

Não há dúvida de que o árbitro exerce autoridade decisória em toda a sua amplitude, como, aliás, lhe garante a Lei de Arbitragem brasileira ao explicitar que "o árbitro é juiz de fato e de direito" (artigo 18), bem como que "a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo" (artigo 31), tudo dentro dos limites da convenção de arbitragem. Nesse sentido, Joel Dias Figueira Junior

317

:

Em observância ao princípio da congruência, o juiz privado, assim como o juiz estatal, não pode conceder tutela jurisdicional de natureza jurídica diversa da pedida nem decidir além, aquém ou fora do pedido, que, por sua vez, haverá de estar em sintonia com os contornos delineados na convenção arbitral; em outras palavras, deve haver observância e pertinência estrita entre o pedido, a convenção arbitral e o pronunciado.

Por conseguinte, se a parte pede declaração, constituição, condenação ou ordem, a sentença proferida pelo árbitro será, necessariamente, de natureza declaratória, constitutiva (ou desconstitutiva), condenatória ou mandamental. É a força preponderante do ato decisório contida no comando da sentença que define a sua natureza jurídica, sem perder de vista que os conteúdos declaratórios e constitutivos sempre estão presentes nas sentenças condenatórias e mandamentais, porém, com menor força.

Humberto Theodoro Júnior

318

, sobre a classificação das sentenças, explica que:

[...] ensina Chiovenda que, “se a vontade da lei impõe ao réu uma prestação passível de execução, a sentença que acolhe o pedido é de condenação e tem duas funções concomitantes, de declarar o direito e de preparar a execução; se a sentença realiza um dos direitos potestativos que, para serem atuados, requerem o concurso do juiz, é constitutiva; se, enfim, se adscreve a declarar pura e simplesmente a vontade da lei, é de mera declaração”. Classificam-se, portanto, as sentenças em: (a) sentenças condenatórias; (b) sentenças constitutivas; (c) sentenças declaratórias. Há casos, porém, em que a definição do direito subjetivo dos litigantes não parte do juiz;

verifica-se a autocomposição da lide, e o juiz se limita a comprovar a capacidade das partes para o ato e a regularidade formal do negócio jurídico para opor-lhe a chancela de validade e força de ato judicial (ato processado em juízo). É o que se passa naqueles

“julgamentos de mérito”, que o Código afirma ocorrerem nas hipóteses de reconhecimento do pedido, transação e renúncia ao direito subjetivo em que se funda a ação (art. 487, III, a, b e c); isso porque o ato judicial no caso não penetra no mérito do negócio jurídico realizado pela parte e restringe-se a homologá-lo, a fim de conferir-lhe eficácia de composição definitiva da lide. Assim, de par com a tradicional classificação das sentenças em condenatórias, declaratórias e constitutivas, existem também as sentenças homologatórias, que são aquelas de mera verificação de legitimidade de ato das partes para alcançar a autocomposição do litígio. Na sua essência, no entanto, o negócio jurídico homologado, ao instar do que se passa com as autênticas sentenças, pode ter eficácia de constituição, declaração ou condenação, conforme o ajuste estabelecido entre as partes. A sentença, porém, que sobre ele se profere, por nada lhe acrescentar em termos substanciais, exerce um papel assemelhado ao declaratório: torna certo que as próprias partes puseram fim à lide, nos termos do acordo homologado.

317 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. Grupo GEN, 2019, p. 331.

318 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Vol. 1. 63. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021, p. 915.

Quanto aos efeitos da sentença arbitral, em consonância com o artigo 31 da Lei de Arbitragem, explicam José Antonio Fichtner, Sérgio Nelson Mannheimer e André Luis Monteiro

319

que esta também oferece tutela jurisdicional plena se comparada com a sentença judicial, mesmo diante da ausência de autoridade coercitiva dos árbitros e a necessária cooperação com o Poder Judiciário:

Na arbitragem, segundo nos parece, também pode ser oferecida tutela jurisdicional plena. No que diz respeito às sentenças declaratórias e constitutivas, o árbitro outorga tutela jurisdicional plena a quem tem razão, pois a realização do direito material de quem tem razão se exaure com a prolação da sentença de mérito, não havendo necessidade de uma fase posterior de execução forçada da decisão. Nas hipóteses, contudo, de sentença condenatória, a tutela jurisdicional plena somente será alcançada com o cumprimento espontâneo da sentença arbitral pelo vencido ou com a colaboração do Poder Judiciário na fase de execução do julgado arbitral. Ainda assim, pensamos que como o ordenamento arbitral brasileiro pressupõe e instrumentaliza a cooperação entre arbitragem e Poder Judiciário, pode-se dizer que a arbitragem também é um mecanismo capaz de outorgar a quem tem razão tutela jurisdicional plena, mesmo nas demandas de natureza condenatória. Em resumo, pensamos que a parte que inicia arbitragem pleiteando seus direitos exerce, de fato, direito de ação, sendo certo que a sentença de mérito proferida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral possui o condão de oferecer a quem atribuiu razão tutela jurisdicional plena, ainda que para tanto tenha que contar com a cooperação do Poder Judiciário na fase de execução da decisão.

Explica Ricardo Ranzolin, ainda, a existência de efeitos anexos à decisão arbitral (como, por exemplo, a hipoteca judiciária, a incidência de juros moratórios sobre a sentença condenatória ou, ainda, juros nos casos de condenação pecuniária), também admitidas quando compatíveis com o ordenamento jurídico “dentro do espírito de conferir máxima equiparação possível à decisão arbitral em relação à sentença judicial”

320

.

319 FICHTNER, Jose Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, Andre Luis. Teoria geral da arbitragem. Rio de Janeiro, Forense, 2018, p. 17.

320 “Há uma ordem distinta de efeitos da sentença judicial estatal que é denominada pela doutrina de efeitos anexos à sentença. Esses efeitos não são dados pela eficácia interna da sentença. São elementos com origem externa a ela, anexados em razão de prévia determinação da lei e que se desencadeiam em face da simples verificação da edição da sentença em determinado sentido. Exemplo comum de efeito anexo é a hipoteca judiciária, prevista no artigo 466 do CPC. Não se encontra qualquer razão maior no sistema jurídico que impeça a equivalência dos efeitos entre sentenças estatal e arbitral, nesse particular. Na linha de que só não se pode estender a equivalência dos efeitos da decisão judicial à arbitral quando estes forem incompatíveis com normas superiores do sistema jurídico - ou com a natureza das fontes de eficácia do microssistema da arbitragem e do processo judicial -, os efeitos anexos previstos pela lei para as sentenças judiciais podem, em princípio, ser aplicados às decisões arbitrais. Nesse tocante impõe-se in totum e sem reservas a previsão do artigo 31 da nova Lei, que confere à decisão arbitral os mesmos efeitos da decisão judicial estatal. [...] E, ainda dentro do espírito de conferir máxima equiparação possível à decisão arbitral em relação à sentença judicial, parece, por exemplo, que a multa ex lege de 10% sobre o montante da condenação - no caso de não pagamento em 15 dias após a comunicação da decisão às partes (art. 475-J do CPC), outro típico efeito anexo à sentença-, é também perfeitamente compatível com a execução da decisão arbitral. Enfim, como nenhuma norma superior do sistema impede que a lei anexe efeitos também aos atos jurídicos perfeitos, apenas eventuais efeitos anexos às sentenças judiciais que se revelarem absolutamente incompatíveis

Como ressalva, devemos distinguir as sentenças arbitrais estrangeiras, ou seja, aquelas de natureza internacional, as quais deverão ser homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça para que gere efeitos internamente no Brasil, o que será objeto de análise no próximo capítulo deste trabalho.

Diversas, no entanto, são as complicações no que se refere à extensão da matéria a ser julgada pelos árbitros, notadamente quando envolve terceiros não signatários da convenção arbitral. Como exemplo, a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica no âmbito da arbitragem.

Em estudo sobre o tema, Humberto Theodoro Júnior

321

explica que esta só é possível de ser analisada pelo Poder Judiciário após a prolação da sentença arbitral, por demandar a extensão do julgamento a terceiro, não vinculado ao compromisso arbitral. Portanto:

Não cabe ao tribunal arbitral tomar conhecimento de pretensão de estender o julgamento do objeto do compromisso a terceiro sob argumento de configurável hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, segundo a norma legal. Se os sócios ou administradores não participaram da convenção de arbitragem, não tem o tribunal jurisdição sobre eles e seus respectivos atos, ainda que fossem idôneos a gerar responsabilidade por negócios concluídos pela pessoa jurídica (objeto do procedimento arbitral). Nessas condições, somente depois de concluída a arbitragem que se poderia cogitar de, pelas vias judiciais ordinárias, obter condenação dos referidos terceiros a responder também pela obrigação já acertada em face da pessoa jurídica. Esse acertamento a ser promovido pela justiça estatal será cabível, tanto por meio de ação autônoma como por intermédio de incidente de desconsideração processado durante a execução judicial da sentença arbitral. Convém lembrar que tal incidente é uma forma de intervenção provocada de terceiro, que o art. 134 do CPC admite no curso do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial, mas sempre perante juiz estatal, nunca em face do árbitro competente para julgar apenas o litígio entre o credor e o devedor originário.

A competência em questão é reconhecida ao juízo da execução inclusive no cumprimento de sentenças estrangeiras.

com as decisões arbitrais serão inaplicáveis frente a elas.” (RANZOLIN, Ricardo. Controle judicial da arbitragem. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2011, p. 202-203).

321 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2: procedimentos especiais:

codificados, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária, legislação extravagante. 56. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2022, p. 547.

Em sentido contrário, Rafael Branco Xavier

322

afirma que, sem prejuízo do óbice resultante da não vinculação de terceiro à convenção de arbitragem, a desconsideração é possível de ser decretada pelos árbitros, ainda que direcionada a terceiros não signatários da convenção arbitral, considerando que a efetivação da desconsideração se dará posteriormente à ordem, pelo Poder Judiciário. Deste modo:

5. Os limites objetivos da convenção de arbitragem não afastam a possibilidade de a desconsideração ser determinada no processo arbitral como regra de imputação de responsabilidade patrimonial às partes; 6. A adesão tácita de não signatários à convenção arbitral vem sendo admitida pelo Direito brasileiro; 7. Não se confunde a adesão tácita (“extensão” da eficácia da cláusula compromissória) com a desconsideração da personalidade jurídica. A primeira envolve a verificação do consentimento, ainda que não envolva assinatura no documento escrito que enforma o contrato, já a segunda diz respeito à regra de atribuição de responsabilidade patrimonial. O art. 50 do Código Civil não é fundamento hábil a vincular terceiro à arbitragem; 8. A desconsideração de não signatário da convenção arbitral somente se verificará se primeiro o tribunal arbitral verificar ter havido consentimento com a convenção arbitral (ainda que tácito). A desconsideração será um posterius em relação ao consentimento, que é prius; 9. O prejudicado pelo abuso não perde o direito subjetivo de buscar a desconsideração por ter escolhido a arbitragem. O prejudicado tem a alternativa de propor demanda de desconsideração em face do terceiro junto ao Poder Judiciário, durante ou após o processo arbitral; e 10. O princípio do Kompetenz-Kompetenz privilegia a atuação do árbitro, inclusive no que diz respeito a apreciar o pedido de desconsideração e negá-lo para o efeito de fundamentar a adesão tácita de terceiro à convenção arbitral.

Ao prolatar a sentença, o árbitro deverá atentar a uma série de elementos obrigatórios previstos nos artigos 26

323

e 32

324

da Lei de Arbitragem. No tocante ao mérito da decisão, a sentença deve satisfazer os bons costumes e a ordem pública nacional, conforme dicção do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem

325

, ainda que o julgamento seja por equidade.

322 XAVIER, Rafael Branco, A desconsideração na arbitragem? O consentimento atrás do véu. In: João Bosco Lee and Flavia Mange (eds), Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB;

Kluwer Law International 2020, Volume XVII Issue 66), p. 65.

323 “Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade; III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida.”

324 “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nula a convenção de arbitragem; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.”

325 “Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.”

Nesse sentido, Carlos Eduardo de Vasconcelos

326

:

Não se deve admitir que o julgamento arbitral por eqüidade possa ignorar completamente as regras de direito e deliberar exclusivamente em função daquilo que lhe inspirem as circunstâncias da causa, consoante o entendimento particular do árbitro. [...] Em suma, os limites quanto aos bons costumes e à ordem pública – aos quais se sujeita tanto a arbitragem de direito quanto a de eqüidade – não são absolutos e devem ser considerados caso a caso. Arbitragem por eqüidade não equivale, pois, a uma autorização para julgamento puramente subjetivo. O árbitro estará afrontando os bons costumes ou a ordem pública e, dessarte, prolatando uma sentença que pode estar inquinada de nulidade, quando aplica uma eqüidade concreta não compatível com a eqüidade sistêmica inferível a partir de uma analogia de princípios do ordenamento jurídico onde deva produzir efeitos.

Controversa, no entanto, é a obrigatoriedade de o árbitro sujeitar-se às normas constitucionais, precedentes e súmulas vinculantes previstos na legislação brasileira.

Afirma Gustavo Favero Vaughn

327

que os árbitros estão sujeitos às normas constitucionais, inclusive de ofício, uma vez que a autoridade que os árbitros têm para dirimir lides advêm do próprio ordenamento constitucional, estando, portanto, a ele sujeitos:

A inconstitucionalidade pode ser suscitada a qualquer tempo no curso do processo arbitral. A interpretação e a aplicação da Constituição Federal são elementos intrínsecos à jurisdição arbitral, por isso são cognoscíveis inclusive de ofício pelos árbitros, dada a imperatividade da norma constitucional, soberana que é a todas as demais normas do ordenamento jurídico nacional. Todavia, a questão constitucional deve, tanto quanto possível, ser arguida na primeira oportunidade que a parte tiver.

Não se fala, aqui, em preclusão. [...] A declaração de inconstitucionalidade no caso concreto não é apenas um poder que os árbitros têm; é, antes de tudo, um efetivo dever jurisdicional, que se propõe a dar concretude à força normativa e à supremacia constitucionais. Esse poder-dever dos árbitros é idêntico ao dos juízes nas mesmas situações e é restrito ao controle difuso. Os poderes-deveres que os árbitros têm para dirimir lides advêm do ordenamento constitucional, daí por que é imperioso que interpretem e apliquem o direito brasileiro à luz da Constituição Federal, fazendo prevalecer as normas constitucionais em detrimento das leis que as contradizem. As decisões dos árbitros declaratórias de (in)constitucionalidade devem ser devidamente motivadas.

326 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Problemas da Arbitragem por Eqüidade, Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB 2006, Volume III Issue 9), p. 60.

327 VAUGHN, Gustavo Favero. Arbitragem comercial e controle de constitucionalidade. São Paulo: Grupo Almedina, 2022, p. 235.

Para Ricardo Marques Dalmaso

328

, no tocante às decisões e súmulas judiciais vinculantes do Supremo Tribunal Federal, a sentença arbitral não se vincula às decisões constitucionais e não está sujeita à ação de anulação de sentença arbitral, mas sim apenas e tão somente responsabilidade civil do árbitro quando violarem questão de ordem pública

329

, in verbis:

A escolha processual pela arbitragem implica renúncia às regras e aos ritos aplicáveis estritamente ao sistema judicial, o que inclui a vinculação dos órgãos judiciais e administrativos às decisões e súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal, caracterizadas pela existência de órgão de sobreposição hierárquico e por ferramentas processuais que lhe assegure autoridade. Não há, na arbitragem doméstica e internacional, hierarquia ou sistema homogêneo que devem ser seguidos, seja entre as sentenças proferidas na esfera arbitral em si e muito menos com relação às decisões e aos precedentes advindos da esfera judicial. [...] Não suficiente, o sistema arbitral brasileiro tal como hoje vigente não comporta a invalidação ou denegação de homologação da sentença arbitral – e tampouco qualquer outro remédio ou ferramenta – por possível descompasso com decisão ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de questão enquadrada pela análise de mérito a ser realizada pelo árbitro e, portanto, não pode ser revisitada pelo Poder Judiciário, seja por meio de reclamação (meio processual claramente incabível, dada a sua limitação à esfera judicial), seja pelas vias impugnativas da sentença arbitral conforme a lei brasileira (que não admitem a ingerência judicial no mérito sob nenhuma circunstância). A sentença arbitral proferida em desafino com precedente do Supremo Tribunal Federal é, no limite, uma sentença com mau emprego da lei brasileira (se aplicável), comportando, em situações extremas, apenas a responsabilização civil do árbitro pelos danos eventualmente causados por seu erro de mérito. Importante ressalvar, no entanto, que essa inexistência de vinculação não importa a autorização para que, na arbitragem, sejam praticadas fraudes ou quaisquer outros negócios jurídicos viciados de qualquer modalidade. Nessa hipótese – e somente nessa –, as vias da invalidação ou denegação da homologação da sentença arbitral estarão abertas, em função da evidente e flagrante violação à ordem pública pela sentença arbitral. O fiel da balança pode ser a ordem pública, mas não uma suposta sujeição da arbitragem a remédios de alcance e propósitos puramente judiciais.

328 MARQUES, Ricardo Dalmaso. Inexistência de Vinculação do Árbitro às Decisões e Súmulas Judiciais Vinculantes do Supremo Tribunal Federal, Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB 2013, Volume X Issue 38), p. 136.

329 Em sentido ampliativo quanto aos meios de controle judicial de sentença arbitral que decide questão constitucional, também Gustavo Favero Vaughn: “A ação do artigo 33 da Lei de Arbitragem é o meio mais comum de controle judicial da sentença arbitral. O rol taxativo de cabimento dessa ação, elencado nos incisos do artigo 32 da referida legislação admite que determinadas situações não expressas na lei de regência, porém excepcionais, deem lastro à invalidação da sentença arbitral. Essa excepcionalidade não tem o condão de enfraquecer a arbitragem, dando maior poder de ingerência ao Poder Judiciário sobre as decisões dos árbitros; na verdade, serve para garantir o funcionamento do sistema arbitral à luz do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro em sua integralidade, sobretudo em função das normas constitucionais. Por isso é que se admite – dentro do corte metodológico deste trabalho – a ação do artigo 33 para impugnar a decisão dos árbitros que eventualmente aplique:

(I) lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle abstrato; (II) lei cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição, em razão de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo em controle difuso; e (III) lei cuja execução foi suspensa pelo Supremo em medida cautelar deferida no bojo de ação direta de inconstitucionalidade. Essas três hipóteses, claramente excepcionais, justificam o cabimento da ação anulatória porque os árbitros teriam aplicado uma lei que não faz parte do direito brasileiro, como que julgando por equidade, seja porque a lei inconstitucional desponta nula desde o nascedouro, seja porque a lei suspensa (aparentemente inconstitucional) não repercute efeitos no plano jurídico.

Aqui, o amparo legal da ação anulatória da sentença arbitral seria o inciso IV do artigo 32, pois o julgamento que afronta os ditames constitucionais brasileiros, pressupondo-se ser este aplicável à disputa, desborda dos limites da convenção de arbitragem.” (VAUGHN, Gustavo Favero, op. cit., p. 240).

Afirma Eduardo de Albuquerque Parente

330

, ainda, que o árbitro não está, de forma alguma, obrigado a julgar em conformidade com súmula vinculante, considerando a autonomia da vontade das partes:

Não nos parece que o árbitro esteja obrigado pela súmula vinculante. Ainda que cause estranheza a alguns, nada há a se fazer em caso tal. Obviamente não cabe recurso.

Tampouco é possível a demanda do art. 33. Em resumo, é o mesmo que ocorre quando o árbitro julga mal o direito, quando julga contrariamente à lei. Não é possível anular a sentença, pois que, repetimos, esta demanda não visa atacar erros in judicando, mas apenas anulabilidades in procedendo. Logo, o fato é que a súmula vinculante obriga ao juiz, mas não ao árbitro. O motivo é simples: o tão repetido princípio fundamental do sistema do processo arbitral, que não se encontra no judicial, da autonomia da vontade. Quando opta pelo processo arbitral, a parte se sujeita a eventualmente não ter um julgamento conforme uma súmula vinculante que poderia lhe favorecer. Assim como ocorre com a lei. A parte escolhe com liberdade, com suas vantagens, mas também com riscos quanto à liberdade de julgar o mérito pelos árbitros. Em verdade, esse risco é uma vantagem do processo arbitral, pois redunda em dizer que ele terá apenas um julgamento e, com isso, será mais célere. Este é um dado do fechamento operacional do processo arbitral. E é também de abertura cognitiva, de influência e não de interferência, pois que a súmula vinculante até poderá ser utilizada pelos árbitros em suas razões de decidir, se quiserem, se visualizarem no caminho posto pela súmula uma maneira de bem julgar, mas isso não quer dizer que eles não poderão tomar uma direção totalmente diferente à qual chegou o Supremo quando a elaborou.

Afinal, sempre é bom lembrar, quanto ao mérito os árbitros são soberanos, não estando vinculados a nenhum prévio juízo, principalmente de outro sistema processual, ainda que de seu órgão máximo.

Se, por um lado, não podemos afirmar que existem dois regimes jurídicos no plano material, um aplicável à arbitragem e outro às demandas judiciais, por outro lado, o controle da aplicação dos precedentes judiciais é muito mais rígido no sistema judicial, pela criação de mecanismos processuais previstos no Código de Processo Civil, que não podem ser aplicados completamente às decisões arbitrais, notadamente considerando a necessária segurança jurídica a ser conferida à arbitragem e a finalidade do instituto. Como explica Leonardo Greco

331

:

O árbitro, como o juiz estatal, tem o dever de seguir o precedente no caso de precedente obrigatório (ADIn, ADC e súmula vinculante), embora nem sempre suscetível de controle judicial. E tem um dever de motivação em todos os casos de inobservância de jurisprudência constante e de precedentes de maior valor (NCPC, art. 489, § 1°, incisos V e VI). Outros podem ser simplesmente ignorados. A proporcionalidade, a razoabilidade e a terminalidade justificam a preservação de decisões arbitrais contrárias à lei ou contrárias a precedentes judiciais, nos limites aqui expostos, em face dos fins da arbitragem. A segurança jurídica também milita em favor da preservação da decisão arbitral. Não há automaticamente violação da ordem

330 PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. Org. Carlos Alberto Camona. São Paulo:

Atlas, 2012. p. 286-287.

331 GRECO, Leonardo. Controle Jurisdicional da Arbitragem. In: João Bosco Lee and Daniel de Andrade Levy (eds), Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Kluwer Law International 2018, Volume XV Issue 57), p. 21.

pública pela violação de precedentes, porque, mesmo entre os considerados vinculantes, pode haver muitos que tratem de matéria plenamente disponível. A invocação da perspectiva da análise econômica do direito, na medida em que alimenta a expectativa da solução do litígio de acordo com as normas e os critérios de julgamento de determinado ordenamento jurídico escolhido, não recomendaria uma vinculação mais forte da arbitragem à lei e à jurisprudência. A análise econômica do direito fornece argumentos nos dois sentidos, porque também contraria a eficiência na solução da controvérsia e a terminalidade da arbitragem, como as exigências de um mercado bem regulado e ágil, e a admissão de revisão judicial da decisão arbitral por qualquer erro de direito.

Com efeito, salvo estipulação expressa das partes, o procedimento arbitral não se sujeita inteiramente ao Código de Processo Civil, uma vez que a “autonomia da vontade, a informalidade e a especial ênfase ao dever de cooperação, essenciais à arbitragem, lhe conferem especificidades que tornam com ela incompatível a aplicação de muitas normas do CPC”

332

.

Notadamente no que se refere aos precedentes judiciais infraconstitucionais e sua finalidade, esclarece Danilo Orenga Conceição

333

que os precedentes servem para solucionar problemas exclusivos do Poder Judiciário, servindo apenas de fonte secundária aos árbitros, razão pela qual:

Independentemente do acerto ou do desacerto do legislador ao prever um sistema de precedentes, o fato é que esse sistema foi criado pensando em solucionar problemas exclusivos do Poder Judiciário e sem a pretensão de transformar os precedentes judiciais em fonte primária de lei, fato confirmado pela leitura da exposição de motivos do CPC que, a bem da verdade, mostra-se como a única interpretação possível para admitir a constitucionalidade do sistema de precedentes previstos no CPC. Todos os precedentes judiciais não constitucionais previstos no art. 927 do CPC visam, claramente, tentar solucionar os problemas estruturais do Poder Judiciário, não havendo como se justificar que tais hipóteses seriam transetoriais. A arbitragem deve ser vista como um sistema próprio e independente do mundo do processo civil, tal como desejado pelo legislador, que previu não caber revisão do mérito da sentença arbitral pelo Poder Judiciário, mesmo em caso de má aplicação da lei, ou posterior ratificação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário. A influência sobre o mérito da sentença arbitral terá lugar apenas nas exceções pontuais previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem ou quando a sentença arbitral ofender a ordem pública. Por isso, concluímos que o CPC não visa regular o procedimento arbitral e não pode ser aplicado de forma ampla ao procedimento arbitral, salvo quando o legislador expressamente o desejar. De todo modo, mesmo sendo um sistema independente, os precedentes judiciais não constitucionais podem influir na arbitragem, sem que isso implique em vinculação obrigatória. Os árbitros devem se amparar em fontes secundárias para proferir suas decisões. Isso demonstra que estão atentos aos precedentes e à influência que estas decisões podem gerar perante a sociedade. O papel persuasivo dos precedentes judiciais é incontestável e isso não implica em violação ao princípio da universalidade do direito, à isonomia ou à segurança jurídica.

332 Idem, p. 22.

333 CONCEIÇÃO, Danilo Orenga. Os precedentes judiciais e sua relação com a arbitragem. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2020. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/23476>. Acesso em 12 de março de 2022.

No documento Autoridade do árbitro na arbitragem comercial (páginas 131-140)