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Autoridade do árbitro na arbitragem comercial

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Academic year: 2023

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Gustavo Dallazem Dalbosco

Autoridade do árbitro na arbitragem comercial

Mestrado em Direito Civil

São Paulo

2022

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Gustavo Dallazem Dalbosco

Autoridade do árbitro na arbitragem comercial

Dissertação apresentada à banca examinadora da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, perante o Núcleo de Pesquisa em Direito Civil, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil, sob a orientação do Professor Doutor Francisco José Cahali.

São Paulo

2022

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Banca Examinadora

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_______________________________________

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Nosso Profe. de latim, Mestre Aristeu, era magro e do Piauí. Falou que estava cansado de genitivos dativos, ablativos e de outras desinências. Gostaria agora de escrever um livro. Usaria um idioma de larvas incendiadas! Mestre Aristeu continuou: quisera uma linguagem que obedecesse a desordem das falas infantis do que das ordens gramaticais. Desfazer o normal há de ser uma norma. Pois eu quisera modificar nosso idioma com as minhas particularidades. Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atraente do que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança. Epa! O profe. desalterou de novo - outro colega nosso denunciou.

Porque o desespero é sempre o que não se espera. Verbi gratia: um tropicão na pedra ou uma sintaxe insólita. O que eu não gosto é de uma palavra de tanque. Porque as palavras do tanque são estagnadas, estanques, acostumadas. E podem até pegar mofo. Quisera um idioma de larvas incendiadas. Palavras que fossem de fontes e não de tanques. E um pouco exaltado o nosso profe. disse: Falo de poesia, meus queridos alunos. Poesia é o mel das palavras! Eu sou um enxame! Epa!... Nisso entra o diretor do Colégio que assistira a aula de fora. Falou: Seo Enxame espere-me no meu gabinete. O senhor está ensinando bobagens aos nossos alunos. O nosso mestre foi saindo da sala, meio rindo a chorar.

(BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: a segunda infância.

Rio de Janeiro: Alfaguara, 2018, p. 44, grifou-se)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço meu orientador Francisco José Cahali, que aceitou o encargo de me orientar nessa jornada. Por isso, registro aqui o meu agradecimento pela inspiração, ensinamentos e esforços empreendidos para a conclusão do mestrado.

Além disso, registro meu agradecimento aos professores da PUC/SP pelos conselhos, debates e recomendações feitos ao trabalho e ao longo do mestrado, todos de extrema importância para o término de mais essa etapa. Registro meu agradecimento especialmente aos seguintes professores, que marcaram minha passagem pela universidade: Cláudio Finkelstein, Clarice Von Oertzen de Araújo, Teresa Arruda Alvim, Arlete Inês Aurelli, João Batista Lopes, Olavo de Oliveira Neto, Alejandro Garro, Mairan Gonçalves Maia Júnior, Rogério José Ferraz Donnini, Nathaly Campitelli Roque, Nancy dos Santos Casagrande, Giovanni Ettore Nanni e Erik Frederico Gramstrup (estes dois últimos especialmente também pelos apontamentos no exame de qualificação, fundamentais para o aprimoramento desta pesquisa).

Aos colegas do CTP - Costa Tavares Paes Advogados, por terem acreditado em mim desde 2016, ano em que ingressei no escritório, e especialmente pela oportunidade de carreira no mundo da arbitragem, já nos meus primeiros anos como advogado.

Aos meus pais, que desde sempre me apoiam incondicionalmente em todas as etapas da minha vida. À minha irmã também agradeço a parceria e amizade durante todo esse período.

Nada disso teria acontecido se não fosse por vocês e pela confiança que sempre tiveram em mim.

Por fim, aos amigos do Mato Grosso do Sul, meu estado natal, e de São Paulo, meu lar

desde 2010, pela amizade e apoio durante todos esses anos.

(6)

RESUMO

O presente trabalho aborda a arbitragem, como método adequado de resolução de disputas, sob o enfoque da autoridade do árbitro na arbitragem comercial no Brasil. A expansão da jurisdição arbitral no país, aliada às recentes alterações legislativas e de jurisprudência demandam atenção e estudo, pois ampliaram o espectro de atuação do árbitro nos últimos anos. Assim, o trabalho se propõe a, inicialmente, estudar a evolução histórica da arbitragem no Brasil para, na sequência, abordar os aspectos gerais da arbitragem comercial no país, notadamente sob o enfoque da função do árbitro. A questão da jurisdição do árbitro é, então, examinada em detalhes a fim de se estabelecer os fundamentos do papel do árbitro na solução de conflitos pela arbitragem. Superada a questão, é apresentado um panorama da autoridade do árbitro e a cooperação do Poder Judiciário na consolidação da arbitragem como método eficaz de solução de conflitos no país no seu papel de ferramenta de pacificação social.

Palavras-chave: Formas adequadas de resolução de conflitos – Arbitragem – Jurisdição - Árbitros - Controle jurisdicional - Cooperação.

DALBOSCO, Gustavo Dallazem. Autoridade do árbitro na arbitragem comercial. 2022.

216 páginas. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) - Programa de Estudos Pós-Graduados

em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

(7)

ABSTRACT

The present essay addresses arbitration, as an adequate method of dispute resolution, with emphasis on the arbitrators' authority in commercial arbitration in Brazil. The evolution of the concept of arbitration jurisdiction in the country, jointly with recent legislative and case-law development, demand attention and study, as they have altered the extent of the arbitrator's practice. Thus, this dissertation aims, initially, to study the historical evolution of arbitration in Brazil and, subsequently, to approach the general aspects of commercial arbitration in the country from the perspective of the arbitrator's role. The matter of the arbitrator's jurisdiction is then analyzed in detail to establish its foundations, as a true source of the role of arbitrators in solving disputes through arbitration in Brazil. Having overcome the issue, an overview of the arbitrator's authority and the cooperation of the Judiciary in the consolidation of arbitration as an effective method of conflict resolution in the country in its role as a tool for social pacification is presented.

Keywords: Adequate methods of conflict resolution – Arbitration – Jurisdiction - Jurisdictional control - Cooperation.

DALBOSCO, Gustavo Dallazem. Arbitrator`s authority in commercial arbitration. 2022.

216 pages. Dissertation (Master`s Degree on Civil Law) – Post Graduate Studies of the Law

School of Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM NO BRASIL ... 15

1.1. A Constituição de 1988 e o acesso à justiça ... 15

1.2. A Lei de Arbitragem, a constitucionalidade do juízo arbitral e desafios iniciais ... 21

1.3. Código Civil de 2002 e as cláusulas gerais ... 30

1.4. Demais legislações infraconstitucionais e o Tribunal Multiportas ... 33

2. ASPECTOS GERAIS DA ARBITRAGEM E DA FUNÇÃO DO ÁRBITRO ... 41

2.1. Natureza jurídica da arbitragem ... 41

2.2. Arbitragem comercial como sistema jurídico autônomo e a liberdade do árbitro...46

2.3. Arbitragem doméstica e arbitragem internacional ... 49

2.4. Convenção arbitral e efeitos negativo e positivo da jurisdição ... 56

2.5. Princípios atinentes à arbitragem e o árbitro no Brasil ... 61

2.5.1. Princípio da autonomia privada ... 65

2.5.2. Princípios constitucionais-processuais ... 69

2.5.2.1. Princípio do contraditório ... 69

2.5.2.2. Princípio da igualdade das partes ... 72

2.5.2.3. Princípio da imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento ... 73

2.5.3. Princípios atinentes à investidura do árbitro ... 77

2.5.3.1. Princípio da independência ... 79

2.5.3.2. Princípio da competência técnica ... 80

2.5.3.3. Princípio da diligência ... 82

2.5.3.4. Princípio da confidencialidade (ou discrição) do árbitro ... 83

2.5.4. Princípio da jurisdição-jurisdição (kompetenz-kompetenz) ... 85

3. ASPECTOS GERAIS DA JURISDIÇÃO DO ÁRBITRO ... 90

3.1. Jurisdição estatal e jurisdição privada arbitral ... 90

3.2. Evolução do conceito de Jurisdição e a arbitragem ... 92

3.3. Jurisdição cognitiva e imperium na arbitragem brasileira ... 103

3.4. Jurisdição voluntária (graciosa) e arbitragem ... 107

3.5. Contrato de árbitro e múnus público ... 111

(9)

4. AUTORIDADE DO ÁRBITRO ... 118

4.1. Sobre a terminologia poderes dos árbitros ... 118

4.2. Autoridade do árbitro na arbitragem no Brasil ... 121

4.2.1. Autoridade normativa ... 122

4.2.2. Autoridade para decretação de tutelas provisórias ... 124

4.2.3. Autoridade instrutória ... 129

4.2.4. Autoridade decisória ... 131

4.2.5. Autoridade executória ... 140

5. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA JURISDIÇÃO DO ÁRBITRO ... 145

5.1. Intervenção prévia exercida pelo Poder Judiciário ... 146

5.1.1. Execução específica da cláusula compromissória vazia ... 147

5.1.2. Medidas de urgência pré-arbitrais ... 151

5.1.3. Mandado de segurança e arbitragem ... 153

5.2. Intervenção posterior exercida pelo Poder Judiciário ... 157

5.2.1. Homologação da sentença arbitral estrangeira ... 158

5.2.2. Ação de nulidade e recepção da sentença arbitral nacional ... 162

5.3. Sentenças parciais e a coisa julgada arbitral ... 165

6. JURISDIÇÃO ARBITRAL E COOPERAÇÃO ... 170

6.1. A carta arbitral e a cooperação entre os árbitros e o Poder Judiciário ... 173

6.2. Execução da sentença arbitral ... 176

6.3. Medidas extrajudiciais para cumprimento das decisões arbitrais ... 180

6.4. Execução de decisões estrangeiras no Brasil e as tutelas de urgência ... 182

6.5. Violação do Dever de Cooperação e a possibilidade de sanção ... 185

CONCLUSÕES ... 189

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - DOUTRINA ... 199

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA ... 214

(10)

INTRODUÇÃO

O tempo de duração dos processos e os custos para a solução de conflitos pelo judiciário são alguns dos motivos que usualmente levam ao incentivo aos métodos alternativos (adequados) de solução de conflitos. Tais obstáculos na efetivação do acesso à justiça pelo judiciário

1

apresentam-se como verdadeiro “problema-social”, uma vez que inviabilizam o exercício de um dos direitos mais básicos dos cidadãos, a garantia dos direitos humanos pelo acesso à justiça mediante o devido processo legal.

Nesse contexto, milita em desfavor dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos a cultura litigiosa e paternalista do Estado brasileiro, segundo a qual o Estado deve resolver toda e qualquer espécie de conflito.

Nesse cenário, o processo judicial continua a ser procedimento muitas vezes demorado e custoso, além de não se revelar como apropriado a todo tipo de conflito, sendo necessário encontrar, nas vias alternativas de resolução de conflitos, métodos que dependam cada vez menos da intervenção estatal e que sejam menos formais e complexos, privilegiando a oralidade e os ritos flexibilizados a fim de sanar tais entraves. Como resultado, a necessidade de ter à disposição novos mecanismos de resolução de disputas, por vezes não judiciais, levou os estudiosos do direito a repensarem o conceito de jurisdição.

1 “A concepção de processo como instrumento técnico destinado a fazer atuar a lei para “resolver os conflitos de interesses” se mostrou insuficiente para atender, integralmente, aos anseios da sociedade, razão por que os processualistas se empenham em pôr em relevo sua predominante função social. A preocupação com a efetividade do processo tem sido uma constante, mas não há consenso a respeito do conteúdo dessa expressão. Como adverte MARCACINI, para se conceituar efetividade é mister saber o que se espera obter do processo, ou seja, quais os fins por ele colimados. Para uns, é simplesmente a solução de conflitos; para outros, preservar a segurança das relações jurídicas; também se deve considerar que o processo deve garantir o respeito aos valores consagrados na Constituição; por igual, é significativo o número dos que defendem a tese de que o processo deve realizar o ideal de justiça, a equidade. De qualquer modo, a preocupação com a efetividade deve estar presente em todas as tentativas de reforma da legislação processual. Vale, ao propósito, invocar o magistério de COMOGLIO que discorre sobre o processo giusto o equo cujos fundamentos são, entre outros, os seguintes: a) o reconhecimento da garantia dos direitos invioláveis do homem; b) a fundamental exigência de efetividade; c) a possibilidade de agir em juízo concedida a todos (cidadãos e estrangeiros), em condições paritárias; c) a defesa considerada direito inviolável em todos os graus do procedimento jurisdicional; d) a garantia dos meios de agir e de defender-se aos pobres frente a qualquer jurisdição; e) a garantia do juiz natural; f) a independência e autonomia da magistratura;

f) a garantia da motivação das decisões judiciais. A esse rol, acrescentem-se a razoável duração do processo, a publicidade das decisões judiciais e a proibição das provas ilícitas, garantias previstas expressamente na Constituição.” (LOPES, João Batista. Processo civil brasileiro: um modelo esgotado. Revista De Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 46, n. 315, maio 2021, p. 17).

(11)

Mais recentemente, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o legislador conferiu destaque ao direito de acesso à justiça também por outros métodos de resolução de disputas. Atualmente, incumbe ao Estado, de acordo com a Constituição Federal e nos termos do Código de Processo Civil, o compromisso de promover o acesso à justiça a todo custo. E, nesse sentido, romper com a sistemática de centralização das demandas na via jurisdicional estatal, ao reconhecer que não há uma única técnica de solução de disputas, mas sim várias possibilidades a serem colocadas à disposição do jurisdicionado, possibilitou a implementação de um modelo multiportas de distribuição da justiça, por meio da mediação, conciliação e arbitragem, agora consagrados na prática.

Justamente em razão das especificidades de cada método “alternativo” de resolução de conflitos que, modernamente, passaram a ser denominados como métodos “adequados” de resolução de disputas

2

, tendo em vista que se deve pensar no método mais correto para a solução do conflito trazido pela parte dentre as várias especificidades dos tribunais multiportas, não somente como resposta aos problemas da jurisdição estatal

3

.

Necessário esclarecer, desde já, que a arbitragem não tem a prerrogativa de aliviar o acúmulo de trabalho do Poder Judiciário. Também não é verdade que a arbitragem se limita a um meio rápido, sigiloso e barato de resolver controvérsias. A arbitragem pode ser bastante demorada em causas complexas e que exijam produção de prova pericial. Em alguns casos, ainda, a arbitragem deixa de garantir segredo em todos os países que exigem a homologação do laudo arbitral ou em todas as hipóteses em que a sentença arbitral não é voluntariamente cumprida e tem de ser levada ao juiz estatal para execução forçada. Por fim, o custo financeiro da arbitragem é, na maioria das vezes, superior ao do processo estatal

4

.

2 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: mediação, conciliação e tribunal multiportas. São Paulo:

Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2022, p. 23.

3 “Na verdade, a convivência entre Judiciário e mecanismos não estatais de solução de controvérsias deve ser encarada sob uma ótica positiva. Isto é, não pelo enfoque negativo – indicativo da utilidade dos segundos diante dos percalços da jurisdição estatal, da demora, da sobrecarga, da falta de estrutura, etc. Mas das vantagens, ínsitas a esses meios ditos alternativos, decorrentes de seus arranjos institucionais, das qualidades de seus procedimentos e da natureza de sua resposta. A esse respeito, correto questionar sobre meios adequados, e não alternativos, de solução de controvérsias.” (SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. São Paulo:

Método, 2011, p. 44).

4 “[...] a fama que se espalha no Brasil é a de que a arbitragem seria um método mais custoso de solução de conflitos para as partes do que o processo judicial e, por isso, apenas se justificaria em grandes demandas. [...] A conclusão a que se chega, ao final, é que não seria absolutamente verdadeira a fama de que a arbitragem, no Brasil, seria um método mais caro de solução de conflitos se comparado com o processo judicial. Como se viu, essa afirmativa é

(12)

Por outro lado, a arbitragem tende a uma finalidade bastante específica: resolver problemas decorrentes do comércio, especialmente do comércio internacional, onde há necessidades específicas tanto de costumes e praxes do comércio, como de direito internacional

5

. Os custos, nestas hipóteses, são bem mais razoáveis, e as vantagens decorrentes da solução arbitral, portanto, mais concretas.

No entanto, apesar das inovações e aprimoramento do regramento do modelo multiportas, notadamente o arbitral, pela legislação ordinária, a utilização da arbitragem no Brasil ainda não alcançou sua plena efetividade (aqui entendida não somente como efetividade pelo cumprimento das decisões, mas sim em respeito ao devido processo legal, com tratamento isonômico e observância das regras procedimentais). A arbitragem ainda apresenta desafios como instrumento de acesso à justiça, apesar de representar método ampliativo de sua promoção, por privilegiar a autonomia das partes e a informalidade do procedimento. A confiança das partes e a capacidade técnica do árbitro, que reforçam a confiança das decisões arbitrais, também revelam o caráter ampliativo da arbitragem como instrumento democrático de alcance do equilíbrio de interesses entre partes litigantes, apesar de suas particularidades.

No que se refere ao objeto do presente trabalho, temos que, na jurisdição arbitral, como regra geral, o julgador limita-se a dizer o direito das partes, sem poderes de fazer exercê-lo.

Conforme apresentado no decorrer do presente trabalho, o árbitro não detém as prerrogativas inerentes às dos juízes estatais de fazer valer suas decisões, ou seja, para ordenar ou efetuar modificações no plano dos fatos, salvo em algumas hipóteses específicas ainda controversas. A eficácia da arbitragem, nesse particular, depende substancialmente da cooperação e suporte do Poder Judiciário (ou, mais recentemente, também de órgãos extrajudiciais, de modo ainda restrito).

verdadeira para a parte com menores chances de êxito, porém falaciosa para partes com maiores probabilidades de sucesso, para as quais a arbitragem acaba se revelando um método mais barato. [...] Com relação às grandes demandas, a arbitragem é, sim, mais adequada. Mas não o é por ser um método “custoso” de solução de conflitos e que comporta apenas grandes causas, mas porque se revela, nessas grandes ações, mais barato do que o processo judicial.” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Custo do processo arbitral versus custo do processo judicial: uma análise econômica da realidade brasileira. In: João Bosco Lee and Flavia Mange (eds), Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Kluwer Law International 2020, Volume XVII Issue 68), p. 64-65).

5 CARMONA. Carlos Alberto. Arbitragem e Jurisdição. Revista de Processo, vol. 58, Thomson Reuters, 1990, p. 5. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/293080/mod_resource/content/0/CARMONA%20-

%20Arbitragem%20e%20jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 12 de março de 2021.

(13)

Atualmente, a satisfação no plano material do direito do vencedor que obteve sentença arbitral favorável, seja ela declaratória, mandamental ou simplesmente executiva, está na dependência da vontade do vencido de cumprir a decisão espontaneamente. Caso contrário, deverá o interessado executar a sentença perante o Poder Judiciário, se condenatória. Se mandamental ou executiva, resta ao árbitro solicitar ao Poder Judiciário, que seria originalmente competente para julgar a causa, que efetive a medida para satisfação do vencedor no plano material

6

.

O mesmo ocorre no tocante às medidas acessórias necessárias no decorrer do procedimento arbitral como, por exemplo, restrições de bens e direitos e concessão de tutelas antecipatória, acautelatória ou inibitória que, atualmente, estão condicionadas ao Poder Judiciário para sua concretização.

A manutenção de tal cenário no país traz como consequência a ausência de eficácia plena do procedimento arbitral, procedimento este custoso e, em sua maioria, de resultado irreversível. Ora, se o árbitro irá regular definitivamente a questão de mérito, com substrato na lei e nos limites em que a convenção de arbitragem assim o autoriza, também não se revelaria plausível, nas mesmas condições, assegurar que a decisão seja cumprida pelos próprios árbitros, a pedido das partes, para que satisfaça seu objetivo?

Por outro lado, uma maior abertura da jurisdição dos árbitros resultaria em uma confusão indesejada entre o processo judicial e o arbitral. A arbitragem tem um funcionamento e uma dinâmica diversos do processo judicial. E reside justamente nessa dinâmica as particularidades que tornam a arbitragem um método cada vez mais escolhido pelas partes se inseridas em um contexto favorável à sua utilização.

Sob esse enfoque, o problema específico tratado no presente trabalho diz respeito à autoridade do árbitro no contexto da finalidade do procedimento arbitral comercial sujeito às normas brasileiras. É mesmo necessária a concessão de amplos poderes coercitivos aos árbitros para que o procedimento arbitral atinja sua finalidade?

6 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. Grupo GEN, 2019, p. 443.

(14)

Na tentativa de responder aos questionamentos acima, buscou-se a sistematização do objeto de estudo.

No C

APÍTULO

1 deste trabalho, abordar-se-á a evolução histórica e o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, resultado da confiança das partes na sua utilização, bem como um panorama dos atuais desafios enfrentados pela arbitragem enquanto alternativa adequada para o acesso à justiça no país.

Apresentado o atual panorama da arbitragem no Brasil, no C

APÍTULO

2 são analisados os aspectos gerais da arbitragem comercial no Brasil, notadamente sob a ótica da função do árbitro e seus princípios norteadores. Para tanto, delimitamos o presente estudo às questões relativas à arbitragem comercial sujeita às leis brasileiras, incluindo a hipótese de a atividade do árbitro ser exercida no âmbito da arbitragem internacional com decisão a ser cumprida no Brasil.

Na sequência, no C

APÍTULO

3 são explorados os aspectos gerais da jurisdição arbitral, sua evolução e atual concepção.

No C

APÍTULO

4 será analisada a extensão da autoridade do árbitro no exercício de sua jurisdição para, então, no C

APÍTULO

5, avaliar-se as hipóteses de intervenção do Poder Judiciário na jurisdição do árbitro, seja este prévio ao encerramento da jurisdição do árbitro, seja este posterior.

Por fim, a cooperação entre o Poder Judiciário e demais órgãos extrajudiciais com a

arbitragem é analisada no C

APÍTULO

6, para fins de completa análise de seu papel na efetividade

da arbitragem no que diz respeito ao cumprimento das decisões emanada pelos árbitros no

mundo dos fatos no alcance da função da arbitragem de meio adequado de pacificação social.

(15)

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM NO BRASIL

7

1.1. A Constituição de 1988 e o acesso à justiça

No Brasil, o primeiro diploma normativo – verdadeiramente brasileiro – a prever a arbitragem foi a Constituição Imperial de 1824, que, no art. 160, dispunha, na primeira parte, que “nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as partes nomear juizes árbitros”, bem como, na segunda parte, que “suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes”

8

.

Os registros, no entanto, reconhecem a existência e a prática da arbitragem no país desde os tempos coloniais

9

. Sua previsão já vigorava no Brasil desde o descobrimento, tendo em vista a absorção, por Portugal, do Direito Romano pós-clássico que já previa regulações de

7 O problema do projeto de pesquisa que resultou no trabalho ora apresentado originou-se de artigo publicado pelo autor desta pesquisa, em conjunto com artigo de colaboração deste, os quais serviram de fonte também para a elaboração deste capítulo. São eles, respectivamente: DALBOSCO, Gustavo. Evolução e desafios da arbitragem na prestação de uma tutela jurisdicional efetiva. In: Finkelstein, Claudio (editor). Arbitragem e Direito – estudos pós-graduados. São Paulo, 2021; e COSTA. Vamilson José. Evolução e desafios da arbitragem como instrumento de acesso à justiça. ARAUJO, Luiz Nelson Porto; CORRÊA, Arsênio Eduardo (orgs.). Ensaio sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Editora LiberArts, 2019.

8 BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Rio de Janeiro, 22 de abr. de 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm.

Acesso em 13 de dezembro de 2020.

9 “É pacífico que o Brasil conhece e reconhece a existência de prática de arbitragem desde a época colonial, através

das Ordenações Filipinas, um sistema legal promulgado pelo rei Felipe II durante o domínio de Espanhol em Portugal, no ano de 1603, que definiu a arbitragem como um meio válido e eficaz de resolução de litígios. Desde então, várias leis do Império Português, bem como demais normas editadas pelo governo colonial brasileiro foram incorporadas a nosso ordenamento e permitiram o uso do procedimento arbitral como meio de resolução de litígios, afastando a jurisdição dos tribunais nacionais e coloniais. Vale ressaltar que o Brasil, enquanto colônia, resultou de imensa exploração territorial e marítima advinda do Tratado de Tordesilhas de 1493, documento que ainda que não assim denominado de fato resultado de uma ‘arbitragem’ realizada pelo então Papa Alexandre VI, entre Portugal e Espanha, para resolver disputa sobre reclamos territoriais de ambas nações; vale lembrar ainda que naquela contenda que foi reconhecida como um marco na relação pacífica entre Estados, buscando uma resolução harmônica e coadunada com a realidade hoje existente e desde então fixada como regra matriz das relações internacionais, o famoso “Alabama Case” de 1872, introduziu definitivamente e se valeu da arbitragem como forma de pacificação das relações diplomáticas, ao invés de uma declaração de guerra, e teve o brasileiro Barão D’Itajubá como um dos árbitros que compuseram seu painel.” (FINKELSTEIN, Cláudio. Arbitragem no Brasil:

Evolução Histórica. Revista Internacional Consinter de Direito, v. 10, 2020, p. 427-428).

(16)

arbitragem como forma de julgamento privado e alternativo ao juízo estatal

10

, apesar de não haver notícias de relevante disseminação da arbitragem no país à época

11

.

Desde então, apesar de diversas previsões nesse sentido terem sido incluídas na legislação, o panorama da arbitragem no Brasil

12

só foi realmente modificado – de maneira decisiva e para melhor – com a promulgação da Lei de Arbitragem brasileira (Lei n.º 9.307/1996).

Mas não sem antes, no entanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

13

dispor largamente em matéria processual, notadamente para fins de ampliar o acesso à justiça e estabelecer e consolidar uma nova ordem democrática no país, ampliando as garantias de um justo processo às partes

14

.

10 “Historicamente, a arbitragem se evidenciava nas duas formas do processo romano agrupadas na ordo judiciorum privatorum: o processo das legis actiones e o processo per formulas. Em ambas as espécies, que vão desde as origens históricas de Roma, sob a Realeza (754 a.C.) ao surgimento da cognitio extraordinaria sob Diocleciano (século III d.C.), o mesmo esquema procedimental arrimava o processo romano: a figura do pretor, preparando a ação, primeiro mediante o enquadramento na ação de lei e, depois, acrescentando a elaboração da fórmula, como se vê na exemplificação de Gaio, e, em seguida, o julgamento por um iudex ou arbiter, que não integrava o corpo funcional romano, mas era simples particular idôneo, incumbido de julgar, como ocorreu com Quintiliano, gramático de profissão e inúmeras vezes nomeado arbiter, tanto que veio a contar, em obra clássica, as experiências do ofício. Esse arbitramento clássico veio a perder força na medida em que o Estado romano se publicizava, instaurando a ditadura e depois assumindo, por longos anos, o poder absoluto, em nova relação de forças na concentração do poder, que os romanos não mais abandonaram até o fim do Império. Nesse novo Estado romano, passa a atividade de composição da lide a ser completamente estatal. Suprime-se o iudex ou arbiter, e as fases in iure e apud iudicem se enfeixam nas mãos do pretor, como detentor da auctoritas concedida pelo Imperador – donde a caracterização da cognitio como extraordinária. Foi nesse contexto, como visto, que surgiu a figura do juiz como órgão estatal. E com ela a jurisdição em sua feição clássica, poder-dever de dizer o direito na solução dos litígios” (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A Arbitragem no sistema jurídico brasileiro. Revista de Processo, São Paulo v. 85, 2006, p. 190).

11 RANZOLIN, Ricardo. Controle judicial da arbitragem. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2011, p. 19.

12 Para fins de um completo panorama da arbitragem no Brasil anteriormente à constituição de 1988, veja-se:

FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luis. Teoria geral da arbitragem. Rio de Janeiro, Forense, 2018, págs. 26 e seguintes.

13 BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 de dezembro de 2021.

14 “Por fim, chegou o processo ao século XXI inspirado nos novos desígnios do Estado Democrático de Direito, aperfeiçoado no pós-segunda guerra mundial, cujos traços mais significativos se situam na constitucionalização de toda a ordem jurídica, e mais profundamente da atividade estatal voltada para a tutela jurisdicional. Nessa altura, o devido processo legal ultrapassa a técnica de compor os litígios mediante observância apenas das regras procedimentais, para assumir pesados compromissos éticos com resultados justos. O direito, sob influência das garantias fundamentais traçadas pela Constituição, incorpora valores éticos, cuja atuação se faz sentir não apenas na observância de regras procedimentais, mas também sobre o resultado substancial do provimento com que a jurisdição põe fim ao litígio. Daí falar-se, no século atual, em garantia de um processo justo, de preferência a um devido processo legal apenas. Mesmo no plano de aplicação das regras do direito material, o juiz não pode limitar- se a uma exegese fria das leis vigentes. Tem de interpretá-las e aplicá-las, no processo, de modo a conferir-lhes o

(17)

Sendo a Constituição a base de toda a ordem jurídica, nela apoiam-se todas as normas ordinárias que regulam as matérias presentes no dia a dia da população. Nesse contexto, e para evitar que, com a promulgação de uma nova Constituição, as normas anteriormente em vigor perdessem eficácia, as normas anteriores compatíveis com a atual Constituição de 1988 persistiram vigentes e eficazes, sendo recepcionadas pela nova ordem jurídica em vigor, tornando-se imediatamente eficazes.

É nesse contexto que foi promulgada, em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, aprovada pela Assembleia Legislativa Constituinte em 22 de setembro de 1988 como resultado de um processo de redemocratização do país.

O direito de ação para defender direitos individuais violados foi ampliado pela Constituição de 1988. É o que se extrai do artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Trata-se de dispositivo que surgiu, ainda que com redação diversa, já na Constituição de 1946, com o objetivo de pôr fim à supremacia de tribunais e autoridades administrativas sobre o Judiciário, que impedia o reexame de questões decididas em inquéritos administrativos

15

, e passou a ganhar considerável destaque com a Constituição de 1988, para que quaisquer litígios não fossem deixados de ser apreciados pelo Poder Judiciário.

sentido justo, segundo o influxo dos princípios e regras maiores retratados na Constituição.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2: procedimentos especiais: codificados, jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária, legislação extravagante. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118).

15 “A Carta de 1946, que pela primeira vez inseriu, de forma expressa, o preceito em questão, objetivou pôr fim à experiência ditatorial e expungir seus efeitos perniciosos, onde autoridades e tribunais administrativos faziam tábula rasa dos direitos e garantias assegurados nos sistemas democráticos de governo. Não raro, o Judiciário via- se impedido de reexaminar questões decididas em inquéritos levados a efeito por comissões paralegais, onde o direito à ampla defesa era sistematicamente desprezado. Ocorria, pois, efetiva vedação ao direito do indivíduo de buscar as vias da justiça estatal para dirimir o litígio. As conclusões desses procedimentos eram finais e impositivas, sem que o interessado pudesse submeter, ao Poder Judiciário, a questão apreciada a nível administrativo, em razão de interpretação que se dava a determinadas regras inseridas em nosso sistema legal. [...]

Na realidade, o que estava em questão no período em que antecedeu a CF de 1946 não era a opção dada ao particular de utilizar-se do judiciário ou do Juízo Arbitral para solucionar seus conflitos, mas, sim, a vedação de o cidadão acessar a Justiça Comum para fazer valer seus direitos, em caráter subsidiário à decisão do órgão administrativo parajudicial.” (MARTINS, Pedro A. Batista. Acesso à justiça. In: MARTINS, Pedro A. Batista;

LEMES, Selma M. Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto. Aspectos fundamentais da arbitragem. Rio de Janeiro:

Forense, 1999, págs. 21-22).

(18)

A Constituição Federal de 1988, ainda, propiciou o fortalecimento institucional do judiciário ao aparelhá-lo consideravelmente (notadamente em comparação com as Constituições anteriores), trazendo importantes ferramentas para sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária (listados nos artigos 96 a 99), visando garantir o amplo acesso, pela população, aos direitos individuais, coletivos e sociais, bem como resolver com eficiência conflitos entre cidadãos, entidades e o Estado.

Com efeito, a facilitação do acesso à justiça foi uma das pedras de toque da atual Constituição, principalmente mediante o reconhecimento da ampla participação popular nas causas conciliativas de menor complexidade, ao exigir o procedimento oral e sumaríssimo para as pequenas causas

16

.

A Carta de 1988 privilegiou, portanto, procedimentos adequados mais conectados à realidade social da população e às relações jurídicas materiais a ela subjacentes

17

. Também visou estimular as modalidades não-jurisdicionais dos conflitos, tornando-se menos relevante que esta venha do Estado ou de outros meios, desde que eficientes, tendo em vista ter o Estado falhado, ao menos em parte, na missão de resolver conflitos de forma eficaz com as tradicionais formas do processo civil

18

.

Precisamente a fim de reverter tal cenário se desenvolveram os meios não judiciais de solução de disputas, menos formais e complexos, orais e de ritos flexibilizados. Com os novos métodos de resolução de disputas, visou-se: i) adequar a prática brasileira aos padrões já adotados em outros países; ii) reduzir custos por métodos gratuitos ou consideravelmente mais céleres; e iii) conferir maior liberdade ao julgamento das demandas privadas (ao, por exemplo, permitir o uso da equidade).

16 “Artigo 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”

17 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 136.

18 Idem, p. 32.

(19)

No Brasil, com a adoção de tais medidas, objetivou-se, ainda, desafogar o judiciário, processo que restou devidamente consolidado posteriormente à promulgação da Constituição de 1988, com a Emenda Constitucional n. 4

19

que, depois de 13 anos de tramitação no Congresso Nacional, foi promulgada em 30 de dezembro de 2004. A Emenda Constitucional n.

4 trouxe, como inovação, a criação do Conselho Nacional de Justiça, a consagração do direito à razoável duração do processo e o instituto das Súmulas Vinculantes.

Trata-se da consolidação da denominada “terceira onda” de enfrentamento do embaraço do setor litigioso, de modo a superar as barreiras econômicas, organizacionais e processuais existentes, conforme idealizado por Cappelletti e Garth e elucidado por Pedro A. Batista Martins

20

:

Historicamente, os embaraços no setor litigioso civil redundaram em barreiras econômicas, organizacionais e processuais cujo enfrentamento deu-se através do denominado movimento das três ondas. Para enfrentar a barreira econômica que inviabilizava, de todo, o acesso à justiça da camada mais pobre da população, possibilitou-se, dentre outros, a assistência judiciária e a utilização dos quadros do Ministério Público e da procuradoria de Justiça, como forma de melhor atender a necessidade de uma representação satisfatória desse núcleo da sociedade. De modo a suavizar os problemas organizacionais – “segunda onda” - consubstanciados nas dificuldades de o indivíduo, isoladamente, buscar a tutela jurisdicional para satisfazer direitos que, por sua natureza, deveriam ser tratados coletivamente, procurou-se incrementar mecanismos de defesa de direito difuso e coletivo, como meio de viabilizar a proteção de determinadas classes ou categorias. Daí as funções institucionais do Ministério Público e as proteções legais previstas no Código do Consumidor e na lei de Abuso do Poder Econômico, dentre outras, como expedientes de superação da chamada “segunda onda”. Por fim, o movimento da “terceira onda”, preconizada por Garth e Capelletti, representa a busca por instrumentos alternativos para a solução dos conflitos levados a efeito fora das arenas judiciais, através de sistema informal, não contencioso, onde se busca o consenso ou qualquer forma amistosa que vincule as partes, arrefecendo os espíritos mais belicosos e reduzindo, assim, os argumentos plantados por emulação; o resultado, consequentemente, é bem mais palatável para o não vencedor. A mediação, a conciliação e a arbitragem são alguns desses instrumentos legais utilizados, mundo afora, na composição de conflitos.

19 Congresso Nacional. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez. 2004.

20 MARTINS, op. cit., p. 7.

(20)

Segundo Cappelletti e Garth

21

, no tocante aos métodos extrajudiciais de resolução de disputas:

Se os juízes devem desempenhar sua função tradicional, aplicando, moldando e adequando leis complicadas e situações diversas, com resultados justos, parece que advogados altamente habilitados e procedimentos altamente estruturados continuarão a ser essenciais. Por outro lado, torna-se necessário um sistema de solução de disputas mais ou menos paralelo, como complemento, se devemos atacar, especialmente ao nível individual, barreiras tais como custas, capacidade das partes e pequenas causas.

Os reformadores estão utilizando, cada vez mais, o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos para a solução dos litígios fora dos tribunais.

Verifica-se, portanto, que a Constituição de 1988 cuidou de tratar sobre o Poder Judiciário como nenhuma outra Constituição, dotando-o dos instrumentos necessários à proteção do Estado Democrático de Direito em resposta à nova era democrática que surgia com o declínio do período militar. E, nesse contexto, o destaque aos métodos alternativos de resolução de disputas revelou a mudança de pensamento quanto à necessidade de se incentivar tais medidas a fim de proporcionar um adequado acesso à justiça pela população.

A Constituição de 1988, diferentemente de suas antecessoras

22

, consagra, ainda que de forma econômica, expressamente a arbitragem nos §§ 1º e 2º do artigo 114

23

(Seção V – Dos Tribunais e Juízes do Trabalho, Capítulo III – Do Poder Judiciário, Título IV – da Organização dos Poderes), tendo a Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Lei Marco Maciel - disciplinado, em nível infraconstitucional, a arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro.

21 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 81.

22 Apesar de a Constituição de 1988 ter sido a primeira a utilizar, de forma direta, a arbitragem como método de resolução de disputas, as constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937 já faziam referência, de algum modo, à arbitragem (ALVES, Francisco Rafael. A inadmissibilidade das medidas antiarbitragens no direito brasileiro.

São Paulo: Atlas, 2009, p. 136).

23 “Artigo 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”

(21)

No entanto, tendo em vista a forma preferida de resolução de disputas escolhida pelos brasileiros ainda ser a judicial, garantida pelo supramencionado artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o uso da arbitragem gerou, inicialmente, resistência por alguns operadores do direito, notadamente após o advento da Lei de Arbitragem, em 1996.

Sua pouca utilização no país também trazia incertezas, uma vez que a até então vaga experiência nacional gerava desconfiança. A população tinha ideia do que significava o processo judicial, as decisões dos Tribunais estatais, bem como as consequências daí advindas.

A arbitragem, todavia, permanecia desconhecida.

Se comparado a nível internacional, explica Ricardo Ranzolin

24

que era um instituto, até então, com pouca aplicação no direito brasileiro, notadamente considerando a tardia elaboração de uma legislação infraconstitucional arbitral:

A defasagem pontual da legislação brasileira, de quase meio século, em relação a praticamente todos os países ditos desenvolvidos, bem como o fato de o Brasil ter se notabilizado, do pós-guerra até o final do século passado, por ser um dos países mais fechados economicamente, participando timidamente do comércio internacional, explicam, em grande parte, o porquê de ter remanescido à margem daquele movimento internacional ao encontro da arbitragem, que iniciou ainda na década de 50.

1.2. A Lei de Arbitragem, a constitucionalidade do juízo arbitral e desafios iniciais

Somente com o advento da Lei 9.307 e, após o reconhecimento da constitucionalidade do juízo arbitral pelo Supremo Tribunal Federal, em 2004, à luz da Constituição de 1988, é que o instituto passou a ser largamente utilizado no país, ainda que com ressalvas.

Até então, as incertezas quanto à sua efetividade estabeleciam entraves à sua ampla e efetiva utilização pelas partes litigantes.

Anteriormente à promulgação da Constituição de 1988 e à edição da Lei da Arbitragem, a matéria era regida pelo Código de Processo Civil de 1973, sendo que, segundo tal diploma processual, para que produzisse efeitos entre as partes, a sentença arbitral deveria ser

24 RANZOLIN, op. cit., p. 32.

(22)

homologada pelo juízo estatal, a fim de ganhar eficácia de título executivo (Livro IV – Dos procedimentos especiais; Título IV – Dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa;

Capítulo XIV – Do juízo arbitral).

Pelos posteriormente revogados artigos 1.072 a 1.102, do Código de Processo Civil de 1973, determinava-se que, para que o laudo arbitral produzisse os mesmos efeitos da sentença judicial, conferindo-lhe eficácia de título executivo judicial (artigo 1.097

25

), far-se-ia necessária sua homologação, pelo juízo estatal (artigo 1.096

26

).

Não havia, portanto, à época, discussão quanto à eventual constitucionalidade do instituto, em razão da ainda necessária homologação, pelo judiciário, para que fossem as sentenças arbitrais consideradas títulos executivos

27

.

Militava em desfavor da arbitragem, ainda, o fato de a legislação também não reconhecer a cláusula compromissória, dispositivo contratual por meio do qual as partes preveem que resolverão disputas por meio da arbitragem. Com efeito, o legislador ignorava sua existência tanto no Código Civil de 1916, quanto no Código de Processo Civil de 1973. A legislação apenas permitia a instauração da arbitragem mediante compromisso arbitral, sendo que impunha, ainda, diversos requisitos, inviabilizando a posterior execução da sentença arbitral em razão do entendimento dos tribunais brasileiros quanto à execução específica da obrigação

28

.

Ou seja, as leis que regulamentavam a matéria faziam uma clara distinção entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, podendo apenas o segundo instaurar um procedimento de arbitragem, havendo a obrigatoriedade de homologação dos laudos arbitrais.

Deste modo, as partes não se vinculavam ao compromisso de arbitragem eventualmente celebrado. A parte recalcitrante em participar do procedimento arbitral poderia, àquela época,

25 “Artigo 1.097 - O laudo arbitral, depois de homologado, produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença judiciária; e contendo condenação da parte, a homologação lhe confere eficácia de título executivo (art. 584, n. III).”

26 “Artigo 1.096 - O laudo será publicado em audiência de julgamento. O escrivão dará, no mesmo ato, a cada parte 1 (uma) cópia do laudo e remeterá os autos, em que este foi proferido, ao cartório do juízo competente para homologação, dentro em 5 (cinco) dias.”

27 ALVIM, José Eduardo Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 38.

28 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/98. 3. ed. São Paulo, Grupo GEN, 2012, p. 4-5.

(23)

recorrer ao Poder Judiciário para dirimir sua disputa, ficando resolvida a prejudicialidade do procedimento arbitral em perdas e danos em benefício da parte que se viu frustrada em resolver o conflito pela arbitragem.

Posteriormente, com a Lei de Arbitragem, todo este cenário foi alterado, uma vez que:

i) a cláusula compromissória e o compromisso arbitral foram equiparados, ambos denominados

"convenção de arbitragem" (artigo 3º

29

, da Lei de Arbitragem); ii) foi criado procedimento próprio para forçar a parte recalcitrante a submeter-se ao juízo arbitral, desaparecendo a sujeição da arbitragem à jurisdição estatal (artigo 7º

30

, da Lei de Arbitragem); e iii) foram equiparados os efeitos do laudo arbitral aos de uma sentença proferida por um juiz togado, sendo que as decisões arbitrais proferidas em território nacional não mais precisavam passar pelo processo de homologação para serem executadas (artigos 18

31

e 31

32

, da Lei de Arbitragem).

Diante do acima, a discussão quanto à constitucionalidade do juízo arbitral foi levada a debate. Isto porque, ao entrar em vigor, o fato de a execução da sentença arbitral não mais depender de homologação judicial abriu a possibilidade de resolução de conflitos por meio diverso daquele do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Daí emanaram as discussões quanto à inconstitucionalidade do juízo arbitral, notadamente em razão da alegada infração ao princípio da inafastabilidade da jurisdição que a atividade exercida pelos árbitros traria. Sendo a sentença proferida pelo tribunal arbitral terminativa, seu reconhecimento como título executivo judicial perfeito e acabado terminaria por subtrair, do Poder Judiciário, a apreciação de questões de direito. Sua utilização implicaria, portanto, renúncia das partes, antes da ocorrência da lide, à jurisdição estatal.

29 “Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”

30 “Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.”

31 “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”

32 “Art. 31 A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.”

(24)

Em suma, como relatado por Francisco Rafael Alves

33

, a inconstitucionalidade estaria fundamentada em três principais argumentos: i) violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição (uma vez que sua utilização implicaria afastamento do juízo estatal em benefício do arbitral, o que seria vedado pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal); ii) violação da garantia à ampla defesa e ao devido processo legal, ante a possibilidade de as partes escolherem as regras do procedimento e as normas aplicáveis ao litígio posto em discussão, possivelmente com alguma limitação, e.g., quanto às provas a serem produzidas; e iii) violação ao duplo grau de jurisdição, tendo em vista a ausência de previsão legal de recursos contra sentenças arbitrais proferidas pelo tribunal arbitral.

A questão, no entanto, encontra-se atualmente pacificada no sentido de ser constitucional a jurisdição arbitral, tendo sido já examinada pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Com efeito, o Congresso Nacional, ao analisar o projeto convertido na Lei n. 9.307/96, por meio de suas Comissões de Constituição e Justiça do Senado e da Câmara dos Deputados, aprovaram-no, por unanimidade, ante sua manifesta constitucionalidade e juridicidade.

Também nessa linha o Poder Executivo, que elaborou projetos e editou medidas que incluíam a utilização da arbitragem como método de resolução de conflitos já antes mesmo de a Lei de Arbitragem entrar em vigor.

Por fim, o Poder Judiciário, que já apreciou e julgou constitucional o instituto, notadamente por ocasião do julgamento da Sentença Estrangeira n. 5206-7, pelo Supremo Tribunal Federal, consagrando a constitucionalidade do juízo arbitral e conferindo maior segurança à utilização da arbitragem. Mas não sem antes intenso debate.

Em seu voto à ocasião do julgamento da SE n. 5206-7, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence entendeu por constitucional o compromisso arbitral – documento por meio do qual as partes renunciam ao Poder Judiciário e se submetem à arbitragem após o surgimento do conflito – pois os titulares dos interesses em conflito, embora podendo submetê-los à apreciação do Poder Judiciário Estatal, escolhem a arbitragem como forma de resolução de seus conflitos. No

33 ALVES, Francisco Rafael. A inadmissibilidade das medidas antiarbitragens no direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 140.

(25)

entanto, entendeu ser insuficiente a vontade manifestada na cláusula compromissória (convenção prévia por meio da qual as partes se submetem à arbitragem), dada a indeterminação de seu objeto

34

.

A questão, entretanto, foi posteriormente superada, mediante o reconhecimento da constitucionalidade da cláusula compromissória e, consequentemente, da Lei de Arbitragem, tendo em vista a expressa determinação da relação jurídica estabelecida entre as partes, não se configurando, portanto, como indeterminada, ainda que futura

35

.

34 “A constitucionalidade do juízo arbitral – perdoe-se a insistência – deriva da renunciabilidade, no caso, do exercício do direito de ação – que é o reflexo subjetivo da garantia da prestação jurisdicional, insculpida hoje no art. 5º, XXXV, da Lei Fundamental – relativamente a uma pretensão material disponível. Mas, a renunciabilidade da ação – porque direito de caráter instrumental – não existe in abstracto: só se pode aferi-la em concreto, pois tem por pressuposto e é coextensiva, em cada caso, da disponibilidade, do direito questionado, ou melhor, das pretensões materiais contrapostas, que substantivam a lide confiada pelas partes à decisão arbitral. [...] Na cláusula compromissória, entretanto o objeto dessa opção, posto que consensual, não são lides já determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e eventuais, de contornos indefinidos; quando muito, na expressão de Carnelutti (ob. cit., p. 550), lides determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir. [...] Sendo a vontade da parte manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo, nesse sentido, a lição de Pontes (ob. cit., XV/224) que fere o princípio constitucional invocado hoje, art. 5º, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes, “eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem”. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Sentença Estrangeira SE n. 5206-7. Tribunal Pleno. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília/DF, 30 de abril de 2004, págs. 1.002 a 1.007).

35 Nesse sentido, o voto do Ministro Ilmar Galvão: “Não se cuida, entretanto, de ato por meio do qual alguém declara haver renunciado, de forma absoluta, a todo direito de ação, a partir de determinado momento, o que seria inadmissível, mas de simples cláusula contratual em que as partes vinculadas a determinada avença, que tenha por objeto direito patrimonial de natureza disponível, deliberam, de livre e espontânea vontade, que toda dúvida que o contrato vier a suscitar será, obviamente, por elas próprias dissipadas de comum acordo; e, com certeza, se não lograrem êxito nesse propósito, será ela, aí já qualificada como controvérsia, resolvida, necessariamente, por terceiro ou por terceiros de sua confiança, cuja decisão será obrigatoriamente por eles acatada. [...] O reconhecimento da validade de cláusula que preveja a arbitragem para litígios futuros, embora perfeitamente determináveis, porque circunscritos a contrato certo, de resto, é postura que se acha em consonância com convenções internacionais subscritas pelo Brasil, como o Protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais, de 1923 (em vigor no Brasil por força do Decreto n° 21.187, de 22.03.32), cujo artigo 1° dispõe que “cada um dos Estados Contratantes reconhece a validade de um acordo relativo a diferenças atuais ou futuras entre partes sujeitas, respectivamente, à jurisdição de diferentes Estados contratantes, pelo qual as partes em um contrato convêm em submeter a arbitragem todas ou quaisquer diferenças que possa suscitar tal contrato, relativo a assuntos comerciais ou qualquer outro.” (BRASIL, op. cit., págs. 1.129 a 1.138).

Tal posicionamento foi posteriormente reforçado pela Ministra Ellen Gracie, nos seguintes termos: “Negar possibilidade a que a cláusula compromissória tenha plena validade e que enseje execução específica, importa erigir em privilégio da parte inadimplente, o furtar-se à submissão à via expedita de solução da controvérsia, mecanismo este pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contrato original em que inserira essa previsão. É dar ao recalcitrante o poder de anular condição que - dada a natureza dos interesses envolvidos - pode ter sido consideração básica à formação da avença.” (BRASIL, op. cit., p. 1.147).

(26)

Considerando que o inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, representa um direito à ação, e não um dever, entendeu-se que sua renúncia, pela arbitragem, não implica desrespeito à Carta Magna.

Nesse sentido, Nelson Nery Júnior

36

afirma que:

O que não se pode tolerar por flagrante inconstitucionalidade é a exclusão, pela lei, da apreciação de lesão a direito pelo poder Judiciário, que não é o caso do juízo arbitral.

O que se exclui pelo compromisso arbitral é o acesso à via judicial, mas não à jurisdição. Não se poderá ir à justiça estatal, mas a lide será resolvida pela justiça arbitral. Em ambas há, por óbvio, a atividade jurisdicional.

Além da possibilidade de postular eventual anulação da sentença arbitral em juízo, poderá a parte vencida se opor à execução da sentença perante o juízo estatal, reforçando o respeito à inafastabilidade da jurisdição determinado constitucionalmente. Não está o Estado, portanto, excluindo da apreciação do Poder Judiciário a lesão a um direito, mas sim oferecendo meio diverso de resolução de conflitos, quando se tratar de direitos patrimoniais disponíveis

37

.

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco

38

assim discorrem sobre a coexistência da garantia ao devido processo legal com a Lei de Arbitragem:

Essa garantia não é infringida pela Lei de Arbitragem (lei n. 9.307, de 23.9.1996), que não mais submete o laudo arbitral à homologação pelo Poder Judiciário, produzindo ele os mesmos efeitos da sentença judicial (arts. 18 e 31). A eficácia da sentença arbitral é legitimada pela vontade das partes, manifestada ao optarem por esse modo de solução de seus conflitos e assim renunciando à solução pela via judicial; e se uma delas não quiser cumprir a cláusula compromissória, a outra deverá recorrer ao Poder Judiciário para o suprimento da vontade de quem se recusa. Além disso, a lei contempla o acesso aos tribunais para a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos nela previstos.

A constitucionalidade da arbitragem é, ainda, amparada pela inclusão, na Constituição de 1988, da eleição de árbitros para solucionar controvérsias ligadas a dissídios coletivos de

36 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4 ed. rev. e aum. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997 (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebmann, v. 21.), p. 80.

37 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/98. 3. ed. São Paulo, Grupo GEN, 2012, p. 393.

38 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 87.

(27)

trabalho, conforme acima já apresentado (art. 114, § 1º) e, ainda, no art. 12, §2º

39

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando prevê a utilização da arbitragem na demarcação das linhas divisórias entre Estados e Municípios. Ou seja, não ignorou o instituto, não havendo que se amparar eventual inconstitucionalidade tendo em vista sua inclusão no próprio diploma constitucional.

Por fim, em 23 de julho de 2002, por meio do Decreto 4.311, foi ratificada pelo Brasil e incorporada em seu ordenamento jurídico interno a “Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras”, celebrada em 1958 em Nova Iorque.

Trata-se do mais relevante regramento internacional relativo à arbitragem, tendo sido a grande incentivadora do desenvolvimento da arbitragem no âmbito internacional. Sua ratificação, pelo Brasil, confirmou a consolidação definitiva da arbitragem no país.

Conforme salientam Eleonora Coelho Pitombo e Renato Parreira Stetner

40

:

Sendo as disposições da Convenção de Nova York e as da Lei de Arbitragem bem parecidas, a ratificação de tal Convenção não traz mudanças práticas significativas, sem que se desconsiderem os efeitos simbólicos importantes dela decorrentes. [...]

Controvérsias à parte, a ratificação da Convenção de Nova York pelo Brasil representa um dos mais importantes marcos na consolidação da arbitragem internacional no Brasil como método eficiente de solução de conflitos.

No mesmo sentido também o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça

41

.

39 “Artigo 12, § 2º - Os Estados e os Municípios deverão, no prazo de três anos, a contar da promulgação da Constituição, promover, mediante acordo ou arbitramento, a demarcação de suas linhas divisórias atualmente litigiosas, podendo para isso fazer alterações e compensações de área que atendam aos acidentes naturais, critérios históricos, conveniências administrativas e comodidade das populações limítrofes.”

40 STETNER, Renato Parreira; PITOMBO, Eleonora Coelho. A Convenção de Nova York: ratificação pelo Brasil. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (Org.). Aspectos da arbitragem institucional: 12 anos da Lei 9.307/1996. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 56.

41 Nos termos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, à ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 904.813/PR: “Com efeito, a arbitragem, não obstante se tratar, em sua gênese, de forma convencional de solução de conflitos, ostenta natureza jurídica de "jurisdição", o que se infere de diversos dispositivos da Lei 9.307/1996, tais como, por exemplo: Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário. Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.” (Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso Especial nº 904.813/PR, Rel. Min.

Nancy Andrighi, 28 de fevereiro de 2012, págs. 24-25).

Referências

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