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Ação social na perspectiva missionária cristã

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2 O METODISMO EM POÇOS DE CALDAS E SUAS PRÁXIS SOCIAIS E

2.3 Trajetória da ação social

2.3.2 Ação social na perspectiva missionária cristã

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 2012, p. 120).

Esse aparato legal conferiu a assistência social o caráter de política pública que deve atender a todos, configurando-se desta forma enquanto direito do cidadão e dever do Estado, conforme ratificado no artigo primeiro da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), n° 8.742 de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da assistência social no Brasil;

A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento as necessidades básicas. (BRASIL, Lei n° 8.742, 1993).

É importante destacar que a LOAS foi atualizada pela Lei 12.435/2011. Este aparato legal trouxe maturidade aos serviços socioassistenciais, por ter em seu conteúdo definições e traçar os objetivos da assistência social, além das diretrizes de atendimento, da organização e gestão. Esta lei instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o qual é instância máxima de deliberação, que por sua vez tem a competência de aprovar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), além de normatizar e regular a prestação de serviço, sejam eles de caráter público ou privado, no campo da política em questão.

Portanto, todo este aparato legal demonstra a evolução histórica na construção da política de assistência social, além de instituir a responsabilidade do Estado e das instituições assistenciais em consolidarem um trabalho em rede de uma política de direito, que rompa com as práticas conservadoras, de benemerência e filantrópicas.

2.3.2 Ação social na perspectiva missionária cristã

Em primeiro lugar, a intenção não é definir ação social como única forma de cumprir a missão. Segundo o missiólogo David Bosch (2014) não há como definir algo que é infinito, mas ele compreende que “missão constitui um ministério multifacetado em termos de

testemunho, serviço, justiça, cura, reconciliação, libertação, paz, evangelização, comunhão, implantação de igrejas, contextualização etc” (BOSCH, 2014, p. 610).

Entretanto, apesar da compreensão de Bosch (2014) abranger as dimensões evangelísticas e sociais da missão, essa relação sempre se deu de forma tensa na história da igreja cristã. Para melhor entender essa complexa relação o mesmo autor faz uma retrospectiva na história da igreja sobre esses dois pontos, a qual será vista de forma resumida aqui.

Bosch retorna sua reflexão ao Antigo Testamento onde havia uma tradição profética. Naquele tempo, os profetas contestavam os reis por suas injustiças, porque as maiorias professavam acreditar em Javé. Já na história da igreja primitiva, o cristianismo era uma religião ilícita no Império Romano e por isso muitas vezes perseguido. Este contexto conduziu a uma compreensão equivocada sobre o Novo Testamento como mais “espiritual” que o Antigo. Desta maneira a dimensão inata de justiça da fé cristã foi consequentemente sendo negligenciada (BOSCH, 2014, p. 480).

Já durante o reinado de Constantino, o cristianismo passou a ser não apenas uma religião licita, mas a única reconhecida pelo império. Agora as injustiças eram tratadas com soluções conciliatórias, e os governantes se sentiam responsáveis pela vida religiosa e política de seus súditos. Assim, a religião e a política eram mantidas juntas, o que silenciava a voz profética (BOSCH, 2014, p. 480).

Com Agostinho veio a tendência de dividir rigidamente, em dois opostos irreconciliáveis, Deus-mundo, espirito e corpo. Essa dicotomia foi passada do catolicismo ao protestantismo, e pensar em mudar as estruturas sociais injustas deste mundo mau não pertencia à esfera de responsabilidade da igreja (BOSCH, 2014, p. 481)

O iluminismo intensificou a radical diferenciação entre as esferas pública e privada, e por isso a religião e a moral foram enquadradas no segundo espaço. Desta maneira foi desfeito a aliança entre igreja e estado, e, portanto, não havia mais um compromisso de fé compartilhado. Desta maneira não era mais possível a igreja contestar as estruturas sociais ou injustiças, restava-lhe apenas o papel de fazer caridade no espaço público (BOSCH, 2014, p. 481).

Na tentativa de aprofundar ainda mais nesta questão dualista Bosch (2014) recorre a Reinhold Nieburhr ao abordar a ética racional e ética religiosa. A primeira tem por objetivo a justiça, já a segunda diz respeito ao amor como algo ideal. A ética religiosa está fundamentada “em ver a alma de outro ser humano a partir da perspectiva absoluta e transcendente” (Bosch, 2014, p. 481), mas isso dentro de uma religião vital significa

esperança de uma sociedade onde o amor e equidade se realize plenamente. Porém, isso se complica por existir dentro do ideal religioso, um lado místico e outro profético.

Dentro da dimensão mística, o indivíduo ou grupo se atenta apenas para comunhão com Deus sem se preocupar com o próximo e com as coisas da terra. Já a dimensão profética incentiva o crente a se dedicar na sociedade por amor ao próximo. Portanto, com essas tensões existentes na ética cristã surgiram duas posições diferentes: os ecumênicos e os evangelicais.14

No movimento ecumênico geralmente predomina a ética racional, ou seja, o motivo é profético. O evangelho social, por exemplo, enfatizou exclusivamente a preocupação social deixando a mensagem da salvação eterna à margem. Já na ética do amor, a demanda é mais do que por justiça, não se limita a algo político, pois “as esperanças ultrarracionais na religião proveem a coragem e matem vivo o amor” (BOSCH, 2014, p.482).

Porém, o perigo das “esperanças ultrarraconais” da posição evangelical no que diz respeito a justiça social é pelo fato do mundo perder sua importância e sentido. Então, a preocupação “é que o ideal religioso tende estar mais interessado no motivo perfeito do crente do que na concretização das consequências do amor” (BOSCH, 2014, p.482). Isso resulta em ações não tão efetivas contra as estruturas e injustiças sociais.

Esse recorte sobre a ética cristã demonstra as questões subjetivas que estão implicadas na tensa relação entre evangelização x ação social. Na sequência Bosch (2014) retorna aos principais acontecimentos destes dois mandatos: espiritual x social. O primeiro diz respeito em anunciar a salvação em Jesus Cristo, já o segundo, é a participação dos cristãos de forma ativa na vida em sociedade, em prol da justiça e bem-estar humano.

Segundo Bosch (2014), talvez essa distinção no protestantismo norte americano tenha sua origem com Jonathan Edwards (1703-1758), por conceituar que a obra de redenção de Deus tem duas facetas, uma consiste na conversão e santificação do indivíduo, e, a outra sobre o plano de Deus na criação e história. Porém, para Edwards esses “mandados” eram inseparáveis. Vale ressaltar que neste momento os evangelicais que haviam passado pelo despertar religioso assumiam esse compromisso com a reforma social.

Entretanto, o interesse pela ação social e política foi perdendo força gradualmente. Primeiro, com o fundamentalismo houve constantes protestos contra o evangelho social e sua “terrenalidade”. Depois, a preocupação social progressista tornou-se suspeita. Deste modo, o

14 Os evangelicais tem suas raízes nos grandes movimentos de avivamentos como ocorridos na Inglaterra e Estados Unidos, é uma iniciativa dos próprios cristãos, portanto um movimento pessoal. Já o movimento ecumênico caracteriza-se por sua participação no Conselho Mundial de Igrejas (CMI), e se organizam por meio de delegações das igrejas membros, vale ressaltar que tem influência progressistas. (LONGUINI NETO, 2002)

envolvimento social característico dos reavivamentos dos séculos 18 e 20 reduziu-se a um estado estreito e intolerante. Isso ficou conhecido como a “Grande Reversão” (BOSCH, 2014, p. 483).

Mas em 1947, Carl F. H. Henry deixa sua contribuição ao segmento do evangelicalismo ao enfatizar que no evangelho não há espaço para indiferenças as necessidades do homem, de forma integral ou global. Demorou um tempo, mas esse pensamento ecoou. Isso pode ser percebido na conferência evangelical de Wheaton em 1966, onde se reconhece a importância de atender as necessidades físicas e sociais, mas a primazia mantinha-se na evangelização. Billy Graham é um bom exemplo do discurso de muitos evangelicais deste período, pois resgatou a dimensão social, porém, agregou “que a melhora das condições sociais era um resultado da evangelização exitosa” (Bosch, 2014, p.484).

Nesta lógica, é possível encontrar novamente uma relação entre ação social e evangelização, mas esse conceito não era único. As pressões continuaram e vários estudiosos evangelicais retomaram as reflexões do século 19 e os escritos de Henry. Assim, os chamados evangelicais radicais começaram a contribuir de maneira significativa ao pensamento e práticas sociais. Um marco foi em 1947 o Congresso Internacional de Evangelização Mundial em Lausanne, onde começaram novos avanços nesse sentido social. Um exemplo foi Jonh Stott que lançou seu livro15 após a Conferencia onde reconhece que a responsabilidade da igreja é tanto social como evangelística, pois para ele são áreas que não podem ser negligenciadas para não distorcer aos ensinamentos de Jesus.

Mas, até aqui continuava a operar os dois mandatos, e permanecia a prioridade na evangelização. Apesar de existir vantagem nessa abordagem de John Stott ao entender evangelização mais ação social, pois o que reinou por muito tempo no evangelicalismo foi apenas a dimensão da evangelização, esse pensamento sofreu muita pressão deste o começo por considerar a missão em dois componentes distintos. “Isso, então, implica dizer que é possível ter evangelização sem uma dimensão social e envolvimento social cristão sem uma dimensão evangelística” (BOSCH, 2014, p.485).

Outro evento que marcou essa discussão foi a conferência do CLEM em 1980 realizada em Pattaya, onde resultou a Declaração da Tailândia, a qual reforça os compromissos sociais assumidos no Pacto de Lausanne, mas ao mesmo tempo enfatiza que esses têm que estar relacionados a evangelização mundial. Dois anos depois dessa conferência, estudiosos se reúnem para “Consulta sobre a Relação entre Evangelização e

Responsabilidade Social” (CRESR), pois estavam incomodados sobre a posição quanto a primazia da evangelização e assim argumentam:

Raras serão as ocasiões, se é que elas ocorrerão, em que nós teremos que optar entre satisfazer a fome física e espiritual, entre curar o corpo ou salvar a alma, pois um amor autentico pelo próximo nos levará a servi-lo com um ser integral. No entanto, se tivermos que fazer essa opção, é bom lembrar que a necessidade suprema e máxima de todo ser humano é a graça salvadora de Jesus Cristo. Portanto, a salvação espiritual e eterna de uma pessoa é de maior importância do que seu bem-estar temporal e material (CRESR apud BOSCH, 2014, p.486).

Contudo, a dicotomia ainda estava presente, a posição evangelical oficial permanecia na evangelização e a justiça social ainda era vista enquanto resultado de uma evangelização exitosa, ou seja, um pensamento estruturado de causa e efeito. Mas isso seria algo teologicamente defensável? Esse questionamento foi feito e por isso construído uma declaração conhecida como “Uma resposta a Lausanne” que tem como conteúdo a não separação entre palavra falada e palavra visível, ou seja, seria a superação da dicotomia entre evangelização e ação social.

Ainda neste período de 1980, entre reuniões da área de Ética e Sociedade dos evangelicais e representantes do Terceiro Mundo, aparece um novo tema para discussão, era a preferência de Deus pelos pobres. A palavra pobre não se restringia apenas a questão material, mas era tida como uma categoria para se referir aos que se encontravam excluídos da sociedade.

Em segmento, o próximo passo em busca da superação dessa intermitente dicotomia foi em 1983 em Wheaton, onde surgiu a primeiro documento oficial de uma conferência evangelical internacional que não atribuía prioridade a evangelização ou à responsabilidade social, no qual consta:

O mal não está apenas no coração do homem, mas também em estruturas sociais. [...] A missão da igreja inclui tanto a proclamação do evangelho quanto sua demonstração. Precisamos, pois, evangelizar, responder a necessidades humanas imediatas e pressionar por transformações sociais. (DECLARAÇÃO DE WHEATON 83 PARAGRAFO 26 apud BOSCH, 2014, p. 487)

Portanto, nessa linha de raciocínio somada as experiências missionarias permitiram que os grupos evangelicais reconhecessem que o pecado é tanto pessoal como estrutural, e

manter a posição dualista seria negar o evangelho. Isso não demonstra apenas o retorno ao século 19, mas representa uma importante alteração onde tanto evangelicais como ecumênicos compartilhem de uma compreensão sobre a profundidade do mal no mundo, e a incapacidade de implantar o reino de Deus sem contestar e transformar as estruturas sociais.

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