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A relação entre práxis e teoria na dimensão prática

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3 CONCEITOS E ANÁLISES DA PRÁXIS SOCIAL E MISSIONÁRIA DOS

3.3 Análise da práxis no cenário dos metodistas poços-caldenses e breves apontamentos

3.3.2 A relação entre práxis e teoria na dimensão prática

Até agora foi abordado a práxis enquanto atividade social transformadora, mas também é necessário abordar a atividade teórica pois ela proporciona um conhecimento ou traça finalidades indispensáveis para a transformação da realidade. Em resumo, Vazquez apresenta da seguinte forma:

A práxis se nos apresenta como uma atividade material, transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela, fica a atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado, não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica. (VAZQUEZ, 1977, p.208)

Na verdade, o autor na citação está afirmando que não há práxis sem teoria e não existe práxis teórica, trata-se de uma diferença no seio de uma unidade indissolúvel. Entretanto, nessa relação entre teoria e prática, a primeira depende da segunda, “na medida em que a prática é fundamento da teoria, já que determina o horizonte de desenvolvimento e progresso do conhecimento” (Vazquez, 1977, p.215). Isso é fato, e pode ser percebido no cenário do metodismo brasileiro na própria construção do PVM, pois o documento é resultado da reflexão teológica que levava em consideração uma análise crítica da realidade brasileira e a herança wesleyana, que entendia que a verdadeira fé nasce do relacionamento e

57 Os conselhos são regidos por princípios e diretrizes, conforme determina a Norma Operacional Básica NOB-

Suas/2005, e a Lei nº 12.435/11 que dispõe sobre a organização da assistência social através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

compromisso com Deus e se expressa no cuidado com o outro a favor de conquistas sociais que possibilitem a libertação aos oprimidos58.

Desta forma, essa consciência reflexiva trouxe aos metodistas brasileiros um novo paradigma da missão ou conhecimento teórico, pois havia o anseio, por parte dos teólogos, em abandonar a influência sectária e intimista que o modelo norte-americano havia deixado. Assim, o PVM é resultado do próprio desejo do homem ao “sentir a necessidade de novas atividades práticas transformadoras para as quais carece do necessário instrumental teórico” (Vazquez, 1977, p.232).

Nesta lógica, a prática é fundamento e finalidade da teoria, mas é importante frisar que isso não significa que a atividade teórica irá se transformar automaticamente em prática. Dentro da história da AMAS-PC vê que a instituição vai tomando conhecimento ou compreensão da práxis na medida do desenvolvimento de seus projetos na prática, reconhecendo os limites e possiblidades no cotidiano, até chegar ao momento aonde consegue avaliar o que é sua missão ou construir sua objetivação prática, que se realiza através do Centro Integrado de Atendimento Diurno ao Idoso, o qual está detalhado no item 2.4.2.

Todavia, pode-se pensar que a prática se esclarece e fala por si mesma, mas Marx já adverte ao se referir a Tese de Feuerbach que toda a vida social é prática e que todos os mistérios que condicionam a teoria ao misticismo tem sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis, ou seja, existe a práxis e a compreensão dela, e para isso é necessário a racionalidade. Então, o ato de pensar caracteriza uma atividade teórico-práxis e práxis-teórico, e para esse exercício é indispensável desprender do cotidiano e acender o plano reflexivo. Esta lógica encontra-se fundamentada em Vazquez, o qual afirma:

Enquanto a consciência comum não percorrer a distância que a separa da consciência reflexiva, que tem na filosofia da práxis sua mais alta expressão, não pode desenvolver uma verdadeira práxis transformadora (VAZQUEZ, 1977, p.38)

Diante disso, Vásquez (1977) aborda duas atitudes do homem comum, denominados pelo autor por: politicismo prático e apoliticismo. A primeira diz respeito a uma concepção pragmática da política das ações práticas, que resulta na manutenção da força opressora do ser

58 Na prática, o fundador do movimento metodista e seus seguidores, empenharam grandes esforços

“destacando-se pela opção pelos pobres, pela luta contra todas as formas de injustiças, pelo combate aos vícios e à venda de bebidas alcoólicas, pelo combate à pobreza, ao desemprego e em seu apelo por reformas no sistema educacional e das prisões inglesas” (OLIVEIRA, 2011, p. 49).

humano e perpetuação das relações de poder. Já a segunda é o abandono total da reflexão política e apego as iniciativas individuais. Ambas constituem formas de manter as estruturas sociais, pois são destituídos de reflexão, elemento fundamental para uma práxis transformadora.

Para completar essas considerações, Vázquez ainda afirma:

Tanto o politicismo pratico como o apoliticismo, por motivos práticos satisfazem as aspirações e interesses do ser humano comum e corrente, do ser prático, mas na verdade, só servem para afasta-lo de uma verdadeira atividade política e, especialmente de uma práxis transformadora (VAZQUEZ, 2007, p.117).

Nesta dimensão política da práxis se encontra uma raiz da atividade social e missionária desenvolvida pelos metodistas em Poços de Caldas. É facilmente perceptível, através da leitura das atas, a constante presença da instituição no espaço público através do contato com a Secretaria de Promoção Social, órgão gestor da política pública de assistência social, para discussão das necessidades do município, onde por várias vezes aparece registrado a consulta para execução de novos projetos e constantes avaliações no decorrer do desenvolvimento de cada projeto conveniado. Sobre esse processo de avaliação, Vazquez considera como consciência ativa, pois ao seu ver não se trata apenas de impor um objetivo, mas também existe modificações necessárias em prol de sua realização (VAZQUEZ,1977, 243).

Portanto, neste estudo, considera-se que a dimensão política fez total diferença para que a instituição adquirisse consciência da práxis. É interessante observar que Renders (2014), em seu artigo “As obras de misericórdia e piedade em John Wesley e no metodismo contemporâneo: base para uma teologia pública?”, já se questionava se ao lado das obras físicas e espirituais de misericórdia não caberia uma nova categoria, as obras políticas da misericórdia. Para o autor “dessa forma, articular-se-ia uma dado fundamental da mudança do mundo: a nova possibilidade de participação do povo na construção de um mundo melhor” (RENDERS, 2014, p.362).

Renders (2014), ainda destaca que o próprio PVM é testemunho dessa perspectiva política das ações da Igreja. Para essa análise o autor recorre ao relato de César sobre essa nova reformulação da missão durante o período de ditadura militar e manutenção da integralidade da igreja:

Nos embates iniciais para a tentativa de implementação do Plano, [para a Vida e Missão da Igreja Metodista, o autor] alguns Bispos sugeriram a radicalização tanto nos atos de piedade quanto nas obras de misericórdia. De fato, foi na base dessa espiritualidade que se construiu a ponte que aproximou progressistas, carismáticos e conservadores. A ‘ação social’, incluindo-se aí o engajamento político, poderia compor autêntica espiritualidade integrada. A devoção incluindo-se a recuperação da prática do jejum, e o culto se revalorizaram, com ‘o novo cântico’ e o convite ao “entra na roda você também”, canalizando autentica alegria. (CÉSAR apud RENDERS, 2014, p.361).

Porém, Renders denuncia que apesar desse documento ter sido construído em um ambiente de redemocratização, a dimensão política ainda não foi compreendida e acolhida pelas igrejas (RENDERS, 2014, p.362). Neste caso é oportuno sinalizar para uma estatística que corrobora com essa afirmação. Entre as atas analisadas da diretoria executiva da AMAS- PC, que compreende os anos de 1994 a 2011, aparece 51 vezes no total de 97 atas, o assunto sobre os meios ou ações concretas em prol de envolver a igreja na sua práxis social e missionária. Para melhor visualização desse dado, observe o gráfico:

Fonte: Autora da pesquisa Lays Santos

Vale pontuar, que dentre as iniciativas dos representantes da AMAS-PC na direção de mobilizar a Igreja, encontram-se descritas ações como: manter uma mesa em caráter permanente durante os cultos para divulgação; reuniões técnicas para esclarecimentos da missão institucional; campanhas temáticas; distribuição de carnes e relatório de atividades; panfletos; avisos no horário dos cultos; criação de um departamento de comunicação, propaganda e marketing; inserção de informações sobre a instituição no boletim da Igreja; divulgação nas células; vídeo institucional; folder; eventos beneficentes; dentro outras. Vale ressaltar que até medidas foram tomadas pela diretoria executiva para conscientizar o

Conselho Fiscal e Deliberativo sobre suas responsabilidades e incentivar maior grau de envolvimento.

Contudo, não pode ser negligenciada a participação de alguns membros nas atividades práticas da AMAS-PC, enquanto voluntários ou contribuintes. Mas, por existir a necessidade de maior envolvimento, as iniciativas foram aqui registradas, tanto que o próprio pastor no ano de 1999 “conclamou a igreja a se envolver de maneira real como os trabalhos sociais da AMAS [...] A AMAS é Igreja Metodista59”.

Portanto, nesta perspectiva da AMAS enquanto igreja é possível observar o compromisso com a práxis cristã transformadora dos metodista poços-caldense, entretanto, como foi apresentado, essa consciência aparece centralizada nas mãos dos dirigentes da AMAS-PC. Mas o que leva no meio de uma comunidade cristã apenas algumas pessoas a darem esse salto da consciência comum em direção da consciência reflexiva? Acredita-se que justamente pela proximidade com a atividade prática. Sobre isso, Josgrilberg traz sua valiosa contribuição ao voltar seus olhos para os ensinamentos de John Wesley,

Recomendava o estudo sério, as obras de piedade e as obras de misericórdia. Às vezes, para confrontar o(a) cristão(ã) com a sua situação humana real, recomendava: visite os presos! Visite os pobres! Ele sabia que, além do serviço cristão bíblico ao próximo, o contato com o que sofre é uma experiência da real condição humana e de nossa dependência da Graça. Com um simples conselho prático mostrava a natureza social do cristianismo, a reciprocidade de vidas, para que a santidade pessoal pudesse ser desenvolvida sem cair no erro individualista. (JOSGRILBERG, 1993, p. 51)

Nas palavras de Vazquez (1977) seria o homem, enquanto tal, afirmando-se através de sua atividade prática transformadora, práxis revolucionaria, práxis produtiva e outras formas de práxis, nada mais é do que forma concreta de uma práxis humana, “graças à qual o homem como ser social e consciente humaniza os objetos e se humaniza a si próprio” (VÁZQUEZ, 1977, p.202).

No ponto de vista do PVM, essa consciência social e humana é adquiria através dos atos de piedade e obras de misericórdia.

A Igreja participa na missão e cresce em santificação, o que acontece quando produz atos de piedade e obras de misericórdia. Os atos de piedade são principalmente, o culto e o cultivo da piedade pessoal e comunitária e as obras de misericórdia são, preferencialmente, o trabalho que valoriza e realiza a pessoa enquanto constrói, em amor e justiça, a nova comunidade e o Reino de Deus. (IGREJA METODISTA, 2017, p.159).

Entretanto, embora o documento citado sugira um modelo de práxis cristã aos metodistas, Renders (2014) considera que o metodismo brasileiro ainda não alcançou o necessário equilíbrio entre obras de misericórdia e obras de piedade, e nem um entendimento sobre a importância igualitária das obras físicas e espirituais de misericórdia.

Sendo esta a realidade, e talvez não exclusiva dos metodista, neste momento considera-se relevante elevar a discussão ao tentar resgatar o ministério diaconal voltado para a sociedade, dentro de uma perspectiva fundamentado na missão de Cristo, pois é a partir daí que a “Igreja toda e cada comunidade nela devem e precisam ser Igreja que serve” (WENDLAND, 2003 p.262), pois ao contrário disso a Igreja está em perigo de decair ou trair sua missão. Portanto, a palavra Igreja60 a partir de agora, não diz respeito aos metodistas, mas ao povo de Deus.

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