• Nenhum resultado encontrado

A práxis social a partir da prática

No documento Download/Open (páginas 78-83)

3 CONCEITOS E ANÁLISES DA PRÁXIS SOCIAL E MISSIONÁRIA DOS

3.3 Análise da práxis no cenário dos metodistas poços-caldenses e breves apontamentos

3.3.1 A práxis social a partir da prática

Vale ressaltar que através do resgate histórico da igreja, visto por intermédio dos escritos de Bosch (2014), a prática social sempre esteve presente na missão cristã, porém em uma relação sempre tensa com a dimensão evangelística. Mas, em especial, no contexto da igreja Metodista em Poços de Caldas desde 1994 verifica-se uma valorização dessa prática

45 Neste caso, considera-se enquanto teoria o documento PVM, o qual contempla a ação social dentro de uma

social a ponto de se organizarem enquanto associação civil de fins não econômicos para oferecer um serviço de assistência social com caráter público. Deste modo, a AMAS-PC foi instituída através de Concilio Local da Igreja Metodista em Poços, com a seguinte estrutura organizacional46:

Assim, a AMAS passa a compor o chamado Terceiro Setor, para melhor entender esse conceito Rodrigues resume da seguinte maneira “(...) a sociedade civil que se organiza e busca soluções próprias para suas necessidades e problemas, fora da lógica do Estado e do mercado” (RODRIGUES, 1998 p.31). Vale observar que o Terceiro Setor vem ganhando cada vez mais espaço no cenário brasileiro, para se ter uma ideia, de acordo com o estudo realizado pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Brasil no ano de 2016 contava com 820 organizações da sociedade civil que possuíam Cadastro Nacional da Pessoa Juridica (CNPJ) ativo. Mas não é possível manter uma visão romantizada sobre a existência dessas instituições, a emergência do crescimento do terceiro setor é justamente pela:

1. substituição gradativa e intencional das funções do Estado de Bem Estar Social pelo chamado Estado Mínimo , resultante da implantação também gradativa da política neoliberal, levando ao sucateamento das políticas sociais públicas. Embora o Estado de Bem Estar Social nunca tenha sido implantado efetiva e amplamente no Brasil, não podemos desconsiderar ações sociais de iniciativa pública, de importante presença no atendimento à questão social brasileira, reforçada, a partir de 1988, pela Constituição Federal seguida de diferentes leis orgânicas relacionadas ao

46 As informações foram coletadas no próprio Estatuto da ASSOCIAÇÃO METODISTA DE AÇÃO SOCIAL -

atendimento a diferentes áreas e segmentos, que as promulgaram como dever do Estado e direito de cidadania;

2. legislação social trazida pela Constituição Federal de 1988 e decorrentes Leis Orgânicas que , garantidoras dos direitos sociais e de cidadania , com ênfase na participação popular , implicou na necessidade do reordenamento técnico e administrativo das instituições estatais e da rede privada . Além disso, houve o surgimento cada vez mais atuante e participativo de grupos sociais organizados, buscando fazer valer os direitos e conquistas trazidas por essa legislação.

3. acirramento da questão social : profundas desigualdades sociais , pobreza acentuada, fome , aumento da violência , etc. (COSTA, 2005)47

Vale lembrar que embora a igreja já desempenhasse algumas ações assistenciais, foi após a formação da instituição AMAS-PC que as atividades ganharam visibilidade e reconhecimento no cenário público, pois se inicia um contato, de forma gradativa, com os órgãos gestores da política pública de assistência social no município48. Neste espaço, a AMAS-PC, vai adquirindo maior consciência política e conhecimento técnico para elaborar, gerir e avaliar seus projetos sociais, e assim é possível observar, ao longo das leituras das atas, o avanço da prática filantrópica e caritativa para uma atuação na perspectiva da práxis, na qual os usuários passam a ser reconhecido enquanto sujeitos de direitos, tendo em vista o alcance de um trabalho qualitativamente diferenciado daquele que antes era feito, o assistencialismo. Aqui a práxis é apreendida na sua dimensão social, pois a instituição sinaliza para uma oferta de serviço ao ser humano de forma integral e radical, por buscar transformar a realidade, pelo menos de seus usuários.

Nesta lógica, há uma diferencia significativa e conceitual entre prática social e práxis social, aonde a contribuição da filosofia da práxis em Vázquez é fundamental, pois a prática alude às ações repetitivas desenvolvidas a partir de algo apreendido49, e já a práxis é uma atividade transformadora, onde é necessário haver uma consciência orientada. Isso fundamenta a afirmação que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis” (VAZQUEZ, 1977, p. 185).

Ainda sobre a práxis social Vazquez (1977, p.200) entende enquanto “atividade de grupos ou classes sociais que leva a transformar a organização e direção da sociedade”. Ele

47 Disponível em <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c-v7n2.htm>

48 São eles: Secretaria Municipal de Promoção Social e Conselhos Municipais de direito.

49 Neste aspecto é valido relembrar que o paradigma missiológico protestante brasileiro esteve, por muito tempo,

associado ao modelo norte-americano que trazia a ideia de colonialidade ao decidir o que é melhor para o “outro” (NASCIMENTO, 2013). Esse fato pode ser verificado na história dos metodistas à partir dos anos 60, quando houve o interesse dos estudiosos pela teologia wesleyana em suas fontes originais pelo anseio em abandonar a influência sectária e intimista que o modelo norte-americano havia deixado (Ribeiro, 2002). Isso está melhor desenvolvido no Primeiro Capítulo.

afirma essa forma de práxis como atividade política cuja forma mais elevada é a práxis revolucionária. Nesta perspectiva, a fundação50 da AMAS, possibilitou um agrupamento de pessoas que conseguiram estabelecer finalidades e objetivos para as ações sociais desenvolvidas pela igreja, “visando à promoção do ser humano em situação de vulnerabilidade social”. Isso favoreceu a elaboração de formas, meios e métodos concretos com o objetivo de transformar as relações econômicas, políticas e sociais de determinados segmentos sociais, nos quais a instituição optou por trabalhar.

É claro que nem todas as atividades práticas da AMAS-PC foram bem-sucedidas51 ou sempre tiveram a característica da práxis transformadora. Mas como o manual missionário do povo metodista afirma, “os agentes de missão aprendem fazendo a missão fora do templo e descobrindo o caminho enquanto se está a caminhar” (MANUAL, 1988, p.7-23). O importante, nesse sentido, é nunca perder de vista que a práxis cristã deve estar comprometida com ações: criadora, reflexiva, libertadora, radical e não reformista (FLORISTÁN, 1933, p.180-181).

Nesta direção, é válida toda preocupação social e missionária dos metodistas em Poços de Caldas, mas na prática as atividades sociais “precisam ser de caráter emancipatório e, por isso, não se divorciam da ação evangelizadora” (LOPES, 2013, p. 222). Este raciocínio demonstra que não há prioridade a evangelização ou à responsabilidade social, mas uma visão cristã que reconhece a integralidade humana. Porém, a ação social nesta perspectiva não se limita ou caracteriza por inciativas individuais, mas de acordo com o PVM, os metodistas devem estar inseridos na dimensão do enfrentamento e denuncia das questões sociais, assim como Wesley,

[...] combatem tenazmente os problemas sociais que oprimem os povos e as sociedades onde Deus os tem colocado, denunciando as causas sociais, políticas, econômicas e morais que determinam a miséria e a exploração e anunciando a libertação que o Evangelho de Jesus Cristo oferece às vítimas da opressão (IGREJA METODISTA, 2017-2021, p.149).

Reconhecer esse compromisso com a práxis social e o apelo para uma atividade reflexiva e consciente, em um documento norteador da prática missionária é algo crucial que sinaliza para uma efetiva mudança no paradigma da missão dos metodistas. Não pode ficar esquecido, que essa mudança paradigmática resultou na construção do PVM, o qual tem seu

50 A AMAS - PC, instituída pelo Concílio Local da Igreja Metodista em Poços de Caldas, foi fundada em 02 de

outubro de 1994.

51 A exemplo o Hospital Metodista que não cumpriu seu objetivo inicia devido à ausência de recursos

fundamento na herança wesleyana52 e também é alimentado por uma perspectiva de Missão que articula o conceito de Missio Dei (Cunha, 2007; LOPES, 2013), ou seja, é reconhecer que a missão é de Deus53.

Entretanto, para que as atividades sociais tenham um caráter emancipatório e transformador, é necessário haver o que Vazquez nomeia por “consciência da práxis” (VÁZQUEZ,1977, p. 283-284). O autor assiná-la que é preciso ultrapassar a consciência comum, conhecida por seu conhecimento imediato, ingênuo e espontâneo, tão comum na caridade ou nas práticas conservadoras, de benemerência e filantrópicas das instituições de assistência social ou nas Igrejas.

Em análise ao histórico da AMAS-PC observa esse exercício de “consciência da práxis” nas atas das reuniões da diretoria, que foram por um período bem constantes, onde é perceptível maior clareza da missão institucional e na execução dos projetos sociais, que resultou no reordenamento das ações, que podem ser visto em detalhes no item 2.4.

No entanto, além da práxis necessitar ser consciente e intencional, Vázquez ainda considera outro elemento relevante, pois não se avalia ou explica a práxis por “suas intenções, ou seja, por seu lado meramente subjetivo, mas sim por seus resultados, isto é, por sua objetivação prática” (VAZQUEZ, 1977, p.325). Como o percurso metodológico eleito nesta pesquisa foi a documental, para seguir a pista deixado pelo autor, foi possível encontrar na história da AMAS-PC alguns documentos que comprovam o bom funcionamento da instituição através Título de Utilidade Pública Federal 306 Seção I 03/04/0154 e do Título de Utilidade Pública Municipal: 643055. Já sobre os resultados das atividades práticas, as inscrições nos Conselhos Municipais do Idoso 06/200656, e de Assistência Social 011/98, os quais dentro de suas muitas funções, está o acompanhamento, avaliação e fiscalização dos projetos no âmbito da assistência social executado por entidades sem fins lucrativos. Essa é

52 O processo histórico da construção do PVM, assim como os detalhes de seu conteúdo, encontram-se descritos

no primeiro capitulo

53 De forma resumida, é entender que a obra é “do Deus Triúno, Criador, Redentor e Santificador por amor ao

mundo, um ministério do qual a igreja tem o privilégio de participar” (BOSCH, 2002, p. 470.)

54 É valido esclarecer que a Lei 91 de 28/08/35 que institui o Título de Utilidade Pública Federal foi revogada, portanto esse título atualmente não tem mais validade, apenas em seu valor histórico para a instituição, por isso fora citado. Mas é importante ressaltar que a Lei 13.204/15 em seu artigo 84B, veio justamente ampliar os benefícios da utilidade pública federal a todas as entidades sem fins lucrativos. Para melhor compreensão sobre esse novo marco regulatório do terceiro setor consultar: https://www.tozzi.com.br/marco-regulatorio-do-terceiro- setor/extincao-do-titulo-de-utilidade-publica-federal.

55 Já o caso do Título de Utilidade Pública Municipal está valido, pois como foram instituídos por legislação

especifica cabe ao município de Poços de Caldas resolver se irá acompanhar a federação.

56 Vale pontuar que a instituição já teve registro no Conselho Municipal da Criança e Adolescente sob o nº 028,

uma forma de controle social57 que visa à garantia da qualidade dos serviços prestados, através da concessão e manutenção anual do registro.

Embora nas avaliações de Silva (2009) muitas instituições religiosas não tem contribuído para mudanças efetivas no modelo da sociedade atual, pelo contrário, reforçam a “manutenção da ordem estabelecida pelos interesses econômicos, sociais, religiosos e políticos” (SILVA, 2009,p.77), pelo o exposto até aqui acredita-se que a AMAS-PC tem adquirido ao “longo do caminho” maior grau de consciência da práxis, talvez suas atividades não tenham gerado a mudança na sociedade na dimensão ansiada por Silva (2009), mas é inegável que tem contribuído na vida de seus usuários, por trabalhar na direção do direito e não favor, da política e não caridade, da práxis transformadora e não da prática.

No documento Download/Open (páginas 78-83)