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4.1 O BRASIL DOS ANOS 90

4.1.1 Mulheres, trabalho(s) e maternidade(s) em Barriga de Aluguel

4.1.1.3 Aída

que gestou. Se Ana (Cássia Kiss) sempre questionou a maternidade e a sua infertilidade, Clara começa a fazê-lo quando se vê no impasse de entregar a criança ao casal. Em conversa com o pai diz: “é muito triste mesmo uma mulher que não pode ser mãe, [...] como ela [Ana] pode ser mãe de um filho que saiu de dentro de mim?”. Na primeira instância Clara detém a guarda do bebê, na segunda Ana a consegue, o resultado do julgamento da terceira/ última instância fica em aberto para os telespectadores. Entretanto, ao final, fica implícito que as duas mulheres optaram por criarem a criança juntas (Figura 96).

Figura 96: Clara, Ana e José Carlos (Carlinhos) juntos Fonte: Barriga de Aluguel (Globo, 1990)

lá naquele hospitalzinho costurando os pobre, me dá uma raiva! (Personagem Aída).

Independentemente de Dr. Baroni ter se tornado um famoso médico na área da reprodução assistida, Aída se considera a única responsável por seu crescimento profissional, pois arcou com todas as despesas acadêmicas do marido, que não possuía tanto dinheiro (Figura 97).

Figura 97: Aída e Baroni Fonte: Barriga de Aluguel (Globo, 1990)

Apesar de sua arrogância em relação ao marido, é uma mulher dedicada a ele, organiza eventos em sua casa para receber os amigos e a equipe médica do hospital. Ao desconfiar que Baroni tem uma amante, resolve investigar e passa a segui-lo. Sua melhor amiga, Dina (Vânia de Brito), tenta convencê-la de que “um caso é um caso. E quem é que disse que ele quer sair desse casamento?”. Fica transtornada ao descobrir que a amante do marido é a sua assistente, Luiza (Nicole Puzzi), e que o caso era conhecido por todos do hospital,

noites e noites parada na porta da casa dela e nada, pra dar de cara com os dois justamente quando eu não estava procurando, na porta da clínica, na porta da clínica! [...] [Se beijaram] na boca, eu vi! E é público, hein? O caso dos dois é público. E eu dando jantares para equipe, a descarada frequentando a minha casa, todo mundo sabendo, todo mundo menos eu. [...] Aqueles dois me fizeram passar por idiota, Dina. É horrível, é horrível a gente se sentir assim, enganada no dia a dia, no varejo, ali minuto a minuto. Aquele cafajeste chegava em casa toda noite rindo, despreocupado, depois de ter passado o dia inteiro ao lado da outra. Eu acabo com ele, ora se não acabo, eu reduzo ele a pó! Aquele canalha soube me usar muito bem enquanto precisou, agora ele acha que não precisa mais? Que ficou independente? Ah, nós vamos ver, vamos ver! Eu não perdoo, hein? (Personagem Aída).

Se em um primeiro momento Aída se mostra irredutível, desejando uma separação, ao se ver frente a frente com o marido percebe que ainda é apaixonada por ele e decide fazer de

tudo para manter o casamento. Sem que ele saiba, tentará destruir a relação que ele tem com a amante. Questiona-se: “Por que que eu não dou um basta? Porque eu tenho medo de perder o Álvaro!”. Porém, quando a filha descobre o romance do pai, Aída decide questioná-lo, que nega prontamente: “Que é isso? Mas é naturalmente que tudo isso é uma fantasia da Laura, imagina francamente, a Luiza apaixonada por mim!”.

A vida da personagem muda quando Laura (Tereza Seiblitz) se casa com Tadeu (Jairo Mattos) e permanece morando na casa de seus pais. Aída decide acredita que o jovem está se aproveitando da filha e resolve testá-lo, mas acaba apaixonada e grávida de Tadeu. “[...] eu queria pisar em você, eu queria era desestruturar você, só que agora eu não quero mais, acabou! Eu estou desistindo, não deu certo, desisti!”, diz Aída ao jovem médico.

A socialite percebe o erro em se relacionar com o rapaz e acredita que perderá o amor da filha, motivo que lhe faz apegar ao filho que está em sua barriga, “[...] é como se eu estivesse ganhando um filho depois de ter perdido o único que eu tinha. Eu não tenho mais nenhuma segurança em relação a Laura, é como se a minha maternidade, é como se ela estivesse por um fio”. Ao desabafar com a médica Miss Brown (Beatriz Segall) é advertida que se optar por ter a criança terá de enfrentar a sociedade e será um escândalo.

A relação de Aída com Tadeu é imprópria aos olhos da classe alta por este ser casado com a filha e por ser bem mais novo do que ela. Além disso, a mulher ainda permanece casada legalmente com Dr. Baroni, um médico respeitado. Se o caso do marido não comoveria as pessoas, sendo visto como algo corriqueiro entre os homens, seu caso abalaria as estruturas da sociedade a qual pertence, causaria perplexidade e seria visto como um ato vergonhoso (Figura 98).

Figura 98: Aída e Tadeu Fonte: Barriga de Aluguel (Globo, 1990)

Diante do impasse em sua vida, Aída resolve fazer um acordo com Dr. Baroni, para que este assuma seu filho e permaneçam casados, pois um escândalo acabaria com seus sonhos

de crescimento em Brasília. Em troca, forneceria uma boa quantidade de dinheiro para que reerguesse sua clínica de fertilização, que sofreu um grande impacto com a descoberta do experimento da barriga de aluguel. O médico desiste do acordo ao perceber que não aguentaria a vergonha de criar o filho de outro, diz a Aída que não contará nada a Laura, mas que se recusa a colocar seu nome na certidão de nascimento da uma criança que não é sua.

Laura (Tereza Seiblitz) é a herdeira oficial do avô, pai de Aída, que faz usufruto do dinheiro deixado. Ao descobrir a traição da mãe, resolve tirar-lhe todo o dinheiro e a expulsa de casa. Pela primeira vez na vida, Aída se vê obrigada a procurar emprego, em uma das entrevistas, questiona o empregador: “prática é uma coisa que se adquire, eu nunca vou ter prática se eu não começar. Eu sou uma pessoa muito preparada, eu falo sete línguas. Eu nunca trabalhei até hoje porque eu nunca precisei trabalhar, só isso!”. Consegue emprego como vendedora em uma loja de roupas, além de fazer tradução de textos científicos para um médico conhecido (Figura 99). Ao final, perde o bebê que esperava e é perdoada pela filha.

Figura 99: Aída e Laura, sua filha Fonte: Barriga de Aluguel (Globo, 1990)

A história de Aída mostra o quanto as mulheres da classe alta da época viviam de aparências. Há anos era traída publicamente pelo marido e todos, inclusive a amante e as pessoas que sabiam do caso, frequentavam a sua casa. Ao final, vê-se dependente do ex-marido, pois ser mãe solo de um filho fora do casamento seria complicado.

Percebe-se que Aída sempre esteve subordinada ao domínio dos homens, em um primeiro momento esteve sujeita ao pai e, depois, ao marido. O que levaria um pai a deixar seu dinheiro para a neta e não à filha? Seria a falta de confiança nela ou em seu marido, que era um homem da classe baixa quando se conheceram? Esta subordinação da mulher ao homem foi também evidenciada nos discursos de Luiza (Nicole Puzzi), amante de Dr. Baroni:

14 anos é tempo demais na vida de uma mulher, é tempo demais. Eu passei os melhores anos da minha vida presa dentro de um apartamento escrava do telefone, esperando o telefone tocar. Eu fui perdendo os amigos, porque eles telefonavam, telefonavam, apareciam, queriam que eu saísse, mas eu não podia sair. Era uma obsessão. “E se de repente ele aparece e eu não estivesse em casa? Se ele ele telefonasse, se ele arranjasse uma desculpa casa? Como eu nunca tinha certeza de quando a gente ia ter uma oportunidade, eu nunca tinha certeza, então eu ficava disposição.

A fala de Luiza demonstra toda a sua devoção por Dr. Baroni, renunciou a tudo para viver um romance cheio de incertezas. Em resposta, Aída lhe diz que também deixara de ser feliz para entrar em uma disputa sem sentido:

Quando se é jovem pode se dar ao luxo de se desperdiçar a extrema juventude [...]. É natural que se desperdice. [...] só por volta dos 35 anos é que a gente se dá conta que não somos eternos e, finalmente, aos 40 anos nós temos a certeza disso. Hoje eu tenho certeza que eu não posso desperdiçar mais nada, e não desperdiço.

Aída, uma mulher madura, de 40 anos, evidencia em seu discurso se considerar uma mulher em idade avançada. Já não tinha mais tempo para incertezas e desperdícios, razão que a fez pedir o divórcio.

A personagem é mostrada como uma mulher fina, elegante e arrogante, mas que ao descobrir a traição do marido faz de tudo para manter o casamento. Quando acreditava que já tinha vivido tudo, sua vida é transformada ao encontrar um novo amor, um homem muito mais jovem do que ela. O relacionamento jamais daria certo, pois além de mais novo, era casado com a sua filha. Engravida, perde a criança e se vê obrigada a trabalhar. Ao final, é perdoada pela filha.