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A área costeira de Oeiras

No documento Lisboa Medieval (páginas 98-102)

Marco Oliveira Borges

4. A área costeira de Oeiras

Continuando o nosso trajecto rumo à cidade de Lisboa, para a área do actual concelho de Oeiras, junto à costa, surgem os topónimos Torre (“desde cedo ligado ao local e à fortaleza de S. Julião da Barra”, podendo ter tido origem numa atalaia ou torre fortificada vinda da Idade Média169), Catalazete (Catalazede, Catalazeu170

163 Por sua vez, Jorge Freire apresenta o topónimo como estando ligado à pesca (cf. FREIRE, Jorge –

À Vista da Costa: a Paisagem Cultural Marítima de Cascais. Tese de Mestrado em Arqueologia apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: [s. n.], 2012, pp. 62, 68 e 104).

164 ALVES, Adalberto – “Estoril”. in Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, p. 478. 165 MARQUES, A. H. de Oliveira – “Sintra e Cascais na Idade Média”, p. 146.

166 BORGES, Marco Oliveira – O porto de Cascais, pp. 50-51. 167 FREIRE, Jorge – ob. cit., p. 39.

168 BORGES, Marco Oliveira – O porto de Cascais, pp. 50-51 e 124.

169 BOIÇA, Joaquim Manuel Ferreira; BARROS, Maria de Fátima Rombouts de – “O Bugio e São Julião

da Barra”. in Oceanos. Lisboa. N.º 11 (1992), p. 80.

170 MACHADO, José Pedro – “Catalazede”. in Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa,

p. 374; MARQUES, A. H. de Oliveira – “O «Portugal» islâmico”, pp. 197-198; REI, António – “Ocupação humana no alfoz de Lisboa”, p. 33; LEITÃO, André de Oliveira – ob. cit., p. 35 (n. 97); PIRES, Hélio – Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico, pp. 108-109.

ou Ponta do Catalazete), Jamor (jamur = torre, atalaia)171 e Gibalta172 (entre Caxias

e a Cruz Quebrada).

Catalazete (Fig. 11), cujo étimo ainda hoje dá nome a uma fortaleza, derivará de qal’at al-Zayd, isto é, “a fortaleza de Zayd”173. Neste seguimento, é possível

que Zayd tenha sido o nome do fundador da fortaleza. Ademais, de acordo com as observações de António Rei, é possível que junto à fortificação existisse um povoado. Esta hipótese é baseada na possível existência de um cemitério nas imediações deste local, isto a julgar pelo topónimo Almocovada (possível corruptela de almocavar)174. Todavia, numa outra interpretação, Adalberto Alves

crê que o topónimo Catalazete derive de qal’at az-Zayt, ou seja, “praça-forte do azeite”. Deste modo, a origem do topónimo estaria relacionada com uma suposta feitoria que teria existido no local175.

A ter existido, e se seguirmos a primeira hipótese, que tipo de fortificação seria esta? Qual a sua funcionalidade? Qual a razão para a sua edificação naquele local? Quando teria sido construída? É muito provável que a estrutura em causa, a ter existido, tivesse sido erguida de modo a proteger o local face a desembarques inimigos e o possível povoado que ali existiria, sendo de crer também que pudesse estar associada à utilização frequente daquela área como espaço portuário e à necessidade de defesa do ancoradouro176. Porém, esta suposta fortaleza, que teria

igualmente a função de ribat, isto se inicialmente não fosse mesmo uma destas

171 MACHADO, José Pedro – “Jamor”. in Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Vol. II, pp. 820-821; REI, António – ob. cit., p. 36; PIRES, Hélio – ob. cit., pp. 108-109.

172 MARQUES, A. H. de Oliveira – ob. cit., pp. 197-198. O investigador não refere o possível contexto deste

topónimo, mas é semelhante a Gibraltar, jabal Tariq, ou seja, o “monte de Tarique”, chefe das forças muçulmanas que liderou a invasão da Hispânia visigoda em 711. Neste seguimento, refira-se, ainda, a existência do topónimo “Gibaltar” na Covilhã (cf. ALVES, Adalberto – “Gibalta”, “Gibaltar” e “Gibraltar”. in Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, p. 544). A Gibalta de Oeiras fica numa posição elevada e estratégica junto ao rio Tejo. Ali foi edificado um farol para orientação dos navios ao entrarem na barra pelo canal sul, pelo que em épocas recuadas poderá ter tido algum tipo de estrutura ou funcionalidade no âmbito da defesa costeira ou do apoio à navegação.

173 MACHADO, José Pedro – “Catalazede”. in Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, p. 374;

REI, António – ob. cit., pp. 31 (n. 35), 33 e 36; LEITÃO, André de Oliveira – ob. cit., p. 35 (n. 97).

174 REI, António – ob. cit., pp. 33 e 36. ALVES, Adalberto – “Almocovada”. in Dicionário de Arabismos da

Língua Portuguesa, p. 185, não crê que este topónimo possa derivar de almocavar, referindo que “seria improvável”, pelo menos para o caso de Oeiras, a existência de “um cemitério localizado numa zona à beira-mar”. No entanto, o argumento não é muito convincente. Veja-se o exemplo do Alto da Vigia, local junto ao mar de Sintra onde foram identificadas sepulturas islâmicas, estando associadas ao ribat que está a ser escavado.

175 ALVES, Adalberto – “Catalazete”. in Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, p. 374. 176 No século XV, havia ainda uma tradição de aportagem na área costeira de Oeiras. D. Afonso V, em

1477, aportou algures naquele local depois de ter vindo de França e de ter passado a noite em Cascais. Foi em Oeiras, aliás, que o seu filho foi ter consigo (cf. PINA, Rui de – “Chronica do Senhor Rey D. Affonso V”. in Crónicas de Rui de Pina. Introd. e rev. de Mário Lopes de ALMEIDA. Porto: Lello & Irmão – Editores, 1977, cap. CCIII, p. 864). Damião de Góis, aludindo posteriormente a esta área, fala numa “baía em forma de cotovelo”, sendo que na sua extremidade se encontrava a ermida de São Julião (GÓIS, Damião de – Descrição da Cidade de Lisboa. 2ª ed. Trad. do texto latino, introd. e notas de José da Felicidade ALVES. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 41). Na cartografia do século XIX, um pouco a Sudoeste da Ponta do Catalazete, subsistem os topónimos Portinho e Praia do Portinho (actual praia da Torre).

estruturas, também estaria inserida numa lógica de defesa costeira progressiva, com funções de alerta e de comunicação com outros postos costeiros dentro da barra, para Leste e Margem Sul do Tejo.

O topónimo Algés também poderá estar relacionado com aspectos militares, podendo ter derivado de al-jaysh (“o exército”), situação “que reforça a capacidade de militarização em redor da entrada do Tejo”177. Na área do Restelo, num local

estra-tégico pela sua posição elevada, subsiste ainda o topónimo Alcolena (Figs. 9 e

11), podendo derivar de al-qulay’a, “a pequena fortaleza”178. Este topónimo, segundo

José Pedro Machado, antigamente era chamado de Alcolena de Baixo, situação que faz pensar numa Alcolena de Cima. Neste sentido, António Rei crê que terão existido duas fortalezas chamadas Alcolenas, a de Cima e a de Baixo. “Para além da sua situação estratégica em relação aos movimentos navais na barra, encontravam- -se também nas imediações do caminho que iria para oeste, até Catalazete, ou um pouco mais além”179.

Já à entrada de Lisboa, Oliveira Marques identificou outra marca de protecção costeira que subsistiu na toponímia até ao século XIX: Cata-que-farás180 (Fig. 11).

De acordo com o mesmo historiador, o topónimo “deriva provavelmente de qala’t

al-haraj, a torre do haraj (imposto censitário), talvez porque aí fosse um dos centros

177 CORREIA, Fernando Branco – “A acção do poder político”, p. 22; idem – “Fortificações de iniciativa

omíada”, pp. 79 e 85 (n. 41).

178 REI, António – “Ocupação humana no alfoz de Lisboa”, pp. 35-36.

179 Ibidem, pp. 35-36. Sobre Alcolena, cf. igualmente PIRES, Hélio – ob. cit., p. 108; CORREIA,

Fernando Branco – “A acção do poder político”, pp. 22-23; idem – “Fortificações de iniciativa omíada”, p. 79.

180 MARQUES, A. H. de Oliveira – ob. cit., pp. 197-198.

Fig. 9 – Panorâmica de Belém. Bernardo de Caula, 1763 (© Biblioteca Nacional de

Fig. 10 – O «encastelamento» no Centro e Sul do “Portugal”

de recolha daquele tributo. A torre, bem localizada num dos pontos altos situados à entrada da Lisboa de então (hoje, na extremidade sul da Rua António Maria Cardoso), era provavelmente uma das atalaias da cidade”181. Saliente-se, ainda, que

terá existido uma atalaia na área do actual Bairro Alto, visto que aí ainda hoje existe a Rua da Atalaia182.

No documento Lisboa Medieval (páginas 98-102)