• Nenhum resultado encontrado

Objetivo: controlar o Gharb

No documento Lisboa Medieval (páginas 134-137)

Após conquistar Mértola e consolidar um centro de operações, os muridinos lançaram o ataque às mais importantes praças do Gharb. Ibn al-Mundhir partiu de Silves em direção a Évora, para se juntar a Ibn Wazir. Pelo caminho, terá atacado o castelo de Marachique, identificado como o Castro da Cola, Ourique. Os almorávidas de Beja, face a esta notícia, limitaram-se a abandonar a cidade e a fugir para Sevilha, o que denota grande debilidade defensiva. Mais tarde, Beja foi tomada por um contingente de Ibn Wazir e, com o auxílio das tropas de Santa Maria (Faro), Ibn al-Mundhir conquistou Huelva e Niebla. Na última, teve a ajuda de outra personagem que também alcançou relevo no contexto da revolta: al-Batrugi.

Mas o objetivo de Ibn Qasi parece ter sido mais arrojado. O exército de Ibn al-Mundhir, que entretanto se apoderou de Tejada e foi engrossando devido às vitórias, dirigiu-se para Sevilha, à época sem governador. O projeto para conquistar a capital almorávida traduz as elevadas ambições de Ibn Qasi, alicerçadas na aliança com Ali b. Isa b. Maymun. Sobrinho do alcaide do mar almorávida, Muhammad b. Maymun, era o senhor da frota de Cádis e também se tinha rebelado contra os emires de Marraquexe. As fontes não o mencionam como integrante do movimento dos muridinos, mas terá estado ao lado de Ibn Qasi desde cedo18. É muito provável

que Ali b. Isa tenha participado na tentativa de tomar Sevilha em nome do místico. Sem capacidade naval, não faria grande sentido ensaiar a operação, de resto, como veio a provar-se com as conquistas almóada de 1147 e cristã de 1248, cujo sucesso esteve dependente do bloqueio marítimo. Com uma esquadra instalada a escassos quilómetros da embocadura do Guadalquivir, Ali b. Isa b. Maymun seria o aliado perfeito para garantir os desejos de Ibn Qasi. Mas a operação falhou e a dupla teve de procurar outra estratégia.

Não obstante, a ser verdade a presença de Ali em Sevilha, o mahdi de Mértola tinha maiores aspirações e recursos do que alguma vez se supôs. Ao visar a capital almorávida, o movimento dos muridinos pretendia, pelo menos, controlar o Gharb. Mas Sevilha não estava destinada a cair nas mãos de Ibn Qasi. O governador Ibn Ghanya enviou um destacamento para defender a cidade, e os partidários do místico tiveram de retirar para Niebla, onde foram sitiados por aquele. Ibn Ghanya foi, no entanto, obrigado a levantar o acampamento ao saber que o juiz (qadi) de Córdova, Ibn Hamdin, tinha aproveitado a sua ausência – e a morte do emir Tashfin no Magrebe – para também se rebelar. Os Anales Toledanos colocam estes eventos

em março de 114519. Segundo Ibn al-Abbar, a morte do governante almorávida

em Oran, atual Argélia, constituiu um incentivo para ainda mais tumultos no al-Andalus20.

A data de março de 1145 para o início da rebelião em Córdova faz-nos pensar que o ataque de Ibn Qasi a Sevilha terá ocorrido em novembro de 1144. Sabemos, por Ibn al-Abbar, que Ibn Ghanya teve de levantar o cerco a Niebla, que mantinha há três meses sob inverno rigoroso, para acudir a Córdova e que este assédio se seguiu à tentativa falhada de Ibn Qasi para conquistar Sevilha21. Se regredirmos

três meses face a março e levarmos em conta algum tempo para a deslocação dos exércitos, caímos em novembro. Esta conclusão indica que, pouco depois de ter sido reconhecido pelos senhores do Gharb, Ibn Qasi não esperou muito até se lançar à conquista de Sevilha. Mas, se Ibn Qasi não teve sorte nesta cidade, o desfecho também não lhe seria favorável em Córdova. A população da antiga capital omíada dividiu-se entre os que continuavam fiéis aos almorávidas, os que apoiavam Ibn Hamdin ou Ibn Qasi e os que preferiram mandar chamar Ibn Hud, o rei Zafadola das fontes cristãs, vassalo de Afonso VII22. Após muitas peripécias,

o que fez o controlo da cidade oscilar entre estes contendores, o qadi Ibn Hamdin saiu temporariamente vencedor.

As fontes não são claras quanto à estratégia de Ibn Qasi em Córdova. Estaria interessado na conquista, uma vez que parte da população o apoiava, ou tentava sobretudo esmagar o movimento de Ibn Hamdin? Ao afirmar-se amir al-Muslimin (“príncipe dos muçulmanos”), título reservado à dinastia almorávida, o qual ficou bem documentado nas muitas moedas que mandou cunhar no curto período em que reteve o poder23, Ibn Hamdin parecia querer reclamar a herança dos emires

de Marraquexe. Numa fase de particular anarquia, existiam, assim, dois grandes chefes religiosos a disputar um estatuto político no Gharb: Ibn Qasin e Ibn Hamdin. O último seria altamente funesto para as ambições do primeiro, já que provinha de uma família com legitimidade religiosa, associada ao poder almorávida.

Se as fontes não esclarecem as intenções de Ibn Qasi, também pouco falam sobre as circunstâncias que impediram que se apoderasse de Córdova. Limitam-se

19 Anales Toledanos. Trad. por Ambrosio HUICI MIRANDA – Crónicas Latinas de la Reconquista, I.

Valencia: Hijos de F. Vives Mora, 1913, p. 346.

20 Al-Hullat al-Siyyara. Trad. por Martim VELHO, p. 104. 21 Al-Hullat al-Siyyara. Trad. por David LOPES, p. 105.

22 EL HOUR, Rachid – “La transición entre las Épocas Almorávide y Almohade vista a través de las

Familias de Ulemas”. in FIERRO, Maribel; ÁVILA, Maria Luísa (ed.) – Estudios Onomástico-Biográficos de al-Andalus, IX. Madrid/Granada: CSIC, 1999, pp. 263-264.

23 Alguns exemplares figuram nos compêndios de Vives y Escudero e Codera (cf. VIVES Y ESCUDERO,

Antonio – Monedas de las Dinastías Arábigo-Españolas. Madrid: Establecimiento Tipográfico de Fortanet, 1893; CODERA Y ZAIDIN, Francisco – Tratado de Numismática Arábigo-Española. Madrid: Librería de M. Murillo, 1879).

a referir que os exércitos de Silves e Niebla voltaram a casa, vítimas do insucesso, sem sequer mencionar um eventual recontro militar. Abdallah Khawli argumenta que o regresso dos chefes militares de Ibn Qasi pode ter correspondido a uma desistência a favor de Ibn Hud. Esta possibilidade é alicerçada na descoberta de um dinar do vassalo de Afonso VII, onde figura o nome de Ibn Qasi acompanhado dos seus títulos de mahdi24. Ao aliar-se a Ibn Hud, o senhor de Mértola pode ter pensado

que o perigo de Ibn Hamdin estaria controlado. Não obstante, como se viu, foi Ibn Hamdin quem acabou por assumir o controlo da cidade. Este reconhecimento de Ibn Qasi como messias por um senhor exterior ao seu território reforça a hipótese de o movimento dos muridinos ter ido além de uma dimensão local. Ainda que por um breve período, poderá ter-se aproximado da esfera de influência de Afonso VII. No entanto, Ibn Hamdin guardou o poder por pouco tempo. Em fevereiro de 1146, foi expulso de Córdova e perseguido pelo governador Ibn Ghanya25. Fugiu

para Andújar, onde se viu sitiado, e apelou para Afonso VII. À chegada das tropas do imperador, o cerco foi levantado e Ibn Ghanya retirou para Córdova. Afonso VII seguiu no seu encalce e conseguiu conquistar a cidade, mas não a alcáçova, onde o almorávida manteve resistência. Foi quando se espalhou a notícia de que um exército almóada estava para desembarcar no al-Andalus. O calendário tinha avançado até maio de 1146. O imperador fez as contas aos seus interesses e abandonou Ibn Hamdin. Estabeleceu um pacto com Ibn Ghanya, que se tornou seu vassalo, e entregou-lhe Córdova26. A partir desta cidade, o governador conseguiu

alcançar o Mediterrâneo e tomar Algeciras. Aqui, recebeu a visita do qadi de Ceuta, Iyad b. Musa b. Iyad al-Yahsubi, que se tinha rebelado depois da conquista almóada e pedia agora um governador almorávida. O escolhido foi o príncipe Yahia al-Sahrawi, ex-governador de Fez, que fugiu para Córdova quando a sua cidade caiu em poder dos almóadas. A conquista de Algeciras, num momento em que Ceuta era também sua aliada, pode indicar uma tentativa de Ibn Ghanya para controlar a passagem entre o al-Andalus e o Magrebe e manter o poder.

Durante o ataque a Sevilha, Ibn Qasi, o messias do Gharb, depôs e prendeu em Mértola Ibn Wazir, o senhor de Évora e Beja. Diz Ibn al-Abbar que, em setembro de 1144, depois da viagem à praça do Guadiana para prestar homenagem a Ibn Qasi, Ibn Wazir terá percebido uma especial proximidade entre Ibn al-Mundhir, senhor de Silves, e o mahdi, e terá sentido inveja. Mais tarde, Ibn al-Mundhir queixou-se das ambições políticas de Ibn Wazir e Ibn Qasi parece ter levado os avisos muito a sério. Com o clima de intriga instalado, o místico pode ter querido evitar que o

24 KHAWLI, A. – “Le Garb al-Andalus à l’Époque des Secondes Taifas”, p. 27. 25 Anales Toledanos, p. 347.

senhor de Évora e Beja se apoderasse da cidade do Guadalquivir se a operação fosse bem sucedida.

Ora, se a tentativa de conquistar Sevilha tiver ocorrido em novembro, Ibn Wazir esteve muito pouco tempo ao lado de Ibn Qasi, pelo que a base de apoio dos muridinos começou a desmoronar-se desde cedo. Seria, de resto, o corte entre Ibn Qasi e Ibn Wazir a ditar em grande medida a perda do primeiro, que parece ter subestimado a habilidade política do então seu apoiante. Ibn Qasi acabou por libertar Ibn Wazir e, depois dos eventos de Córdova, chamou-o à sua presença, mas este recusou comparecer. Não se trataria apenas de receio por ter sido aprisionado anteriormente. Sabemos que juntou interesses com o novo homem forte de Córdova, Ibn Hamdin, facto atestado pela numismática. Provavelmente, a aliança já estava em marcha e, ao convocar Ibn Wazir, Ibn Qasi procurava explicações. A falta de comparência justificou o envio de tropas, lideradas por Ibn al-Mundhir, para aniquilar o agora inimigo. Mas o plano falhou. Ibn al-Mundhir foi derrotado e feito prisioneiro em Beja. O próprio Ibn Qasi perdeu o castelo de Mértola e foi obrigado a instalar-se em Silves. Ibn al-Mundhir só foi libertado pelo exército almóada que conquistou o Gharb no verão de 1146 e passou a partilhar o governo de Silves com Ibn Qasi. De candidato a senhor do Gharb, em menos de um ano, o último viu-se reduzido a meio senhor de Silves.

No documento Lisboa Medieval (páginas 134-137)