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A última fase dos conflitos

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 153-159)

Ainda em finais de 1906 alguns boatos sobre a presença de Demétrio Ramos na região do Timbó circularam nos jornais do Paraná. A intensa repercussão que o caso teve na imprensa nacional promoveu, durante os anos que se seguiram, recorrentes notícias sobre investidas de Demétrio contra a população paranaense na região. Porém, todas foram desmentidas ou pouco discutidas pelos periódicos, o que leva a crer que não tenham passado de meras especulações152.

O que de fato perpetuou foi o clima de tensão, apesar das mudanças de governo e a menor atenção da imprensa sobre o assunto, algumas reclamações sempre estiveram em pauta. Ainda no mês de dezembro de 1906, o então novo governador eleito de Santa Catarina, Gustavo Richard, protestava contra a insistente permanência de força policial do estado vizinho em Vila Nova do Timbó (DIÁRIO DA TARDE, 25 dez. 1906, p. 4). As rivalidades e a disputa entre diferentes coronéis pelo vale do Timbó e Paciência tornavam-se enfáticas.

Um caso, ora e outra, citado na historiografia e ligado às disputas de terras e a Questão de Limites, é o assassinato do coronel e deputado paranaense João Pacheco dos Santos Lima, em julho de 1907. A família Pacheco tinha posse de vasta área de terras próxima a Canoinhas, mas registrada em cartórios do Paraná, área reivindicada pelo coronel Aleixo Gonçalves de Lima, defensor da causa catarinense.

Aleixo era também paranaense, nascido em Arraial Queimado, mas radicado em São Bento do Sul. Tornara-se inimigo de seu estado natal lutando contra as barreiras que o Paraná procurava criar a fim de obter impostos do mate colhido em território sob a jurisdição de Santa

152 Várias edições dos jornais paranaenses trouxeram a público a notícia de que o coronel Demétrio Ramos estava

em Canoinhas liderando grande milícia contra o distrito policial de Vila Nova do Timbó. Na maioria das vezes, as informações eram prestadas por comandantes do destacamento policial da própria vila. Entretanto, nenhum desses alardes pôde ser comprovado durante a pesquisa, é provável que a figura do coronel causava apreensão ao governo do Paraná, por isso a notícia de sua presença na região era utilizada pelos comissários de maneira a reforçar seus contingentes sempre que sentiam-se ameaçados.

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Catarina (VINHAS DE QUEIROZ, 1977, p. 166). Detinha grande área com erva-mate na região, parte dela ocupada pela família Pacheco. Enquanto Aleixo remetia seu mate por Joinville, os Pacheco utilizavam Curitiba e Paranaguá, cada qual contribuindo para com os aportes fiscais dos respectivos estados que lhe davam apoio.

Na noite do dia 10 de julho, enquanto dormia em paiol de sua propriedade próximo a Canoinhas, João Pacheco foi alvejado com três tiros. Através das investigações realizadas pelo comissário de Rio Negro, alferes Francisco Avelino de Oliveira, o assassino do coronel foi um morador do lugar chamado Paredão, de nome Nicolau Ferreira, o qual após o homicídio fugiu para o Timbó (A REPÚBLICA, 30 ago. 1907, p. 4). A acusação de mando do crime recaiu sobre Aleixo, devido conflito que o mesmo mantinha com a família Pacheco153. Contudo, depois de

completo o inquérito, foram levados a júri, em Rio Negro, João dos Passos e Antônio Moreira dos Santos, ambos absolvidos da acusação (DIÁRIO DA TARDE, 13 dez. 1907).

Os desejos de apossamento dos ervais nativos dos vales do Timbó e Paciência promoviam intensas disputas. Durante o ano de 1907, várias ocorrências de invasão de território foram noticiadas pela imprensa dos dois estados. Fica evidente que a indefinição do território não apenas envolvia o controle administrativo e policial implementado pelo Estado, mas também econômico, motivando coronéis a agirem cada vez mais sobre áreas ditas indefinidas. Pois, o próprio clima implantado pelo intenso discurso da imprensa criava uma sensação de não haver claro controle por nenhum dos lados. Iniciou-se então uma verdadeira corrida pelo poder na região do Timbó. Poderosos coronéis, como Fabrício Vieira e Artur de Paula, alargavam seus controles sobre aquele espaço.

Em fevereiro de 1908, concessões de ervais foram efetivadas pelo governo do Paraná a Fabrício Vieira em áreas próximas a Canoinhas. O coronel, dono de um escritório de negócios em Porto União da Vitória, possuía sob seu controle um grande número de empregados, os quais executavam uma série de serviços, incluindo abertura de estradas, construção de cercas, realização de poda e colheita de erva-mate, além de trabalhos de milícia154. Personagem

influente, Fabrício detinha relações comercias por uma vasta região, incluindo a Argentina e o

153 A disputa de terras também envolvia um conflito familiar. Segundo Tokarski (2002, p. 84), Aleixo Gonçalves

de Lima era primo de Leocádio Pacheco dos Santos, o qual era filho de João Pacheco dos Santos. Sendo assim, João era tio de Aleixo.

154 O coronel Fabrício Vieira liderou, durante a Guerra Sertaneja do Contestado, grande número de vaqueanos,

conhecidos como fabricianos. Mediante contratos feitos com o Exército brasileiro, seu bando, que passava de 300 pessoas, foi responsável por uma série de assassinatos durante e depois da Guerra.

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Paraguai155, de tal maneira que as concessões a ele destinadas nos vales do Timbó e Paciência

foram repassadas a empresários paraguaios que enviaram 70 homens daquele país para realizar a colheita do produto. Notícia que em nada agradou o superintendente de Curitibanos, coronel Albuquerque, que de imediato encaminhou telegrama ao governador Richard comunicando o ocorrido. O caso não atingiu proporções maiores porque Fabrício desfez o contrato e não usufruiu das concessões a ele dadas pelo Paraná (O DIA, 23 fev. 1908, p. 2).

Em reação às atitudes do governo paranaense, Santa Catarina intensificou seu trabalho de medição de terras a fim de emitir documentos de posse. Missão esta que fora atribuída ao juiz de paz de Canoinhas, Rodolfo Wolf Filho, e ao primeiro suplente de juiz distrital, Miguel Pereira dos Santos, os quais passaram a ser perseguidos pelo destacamento policial do Timbó, este reforçado por novos soldados enviados de Ponta Grossa. Uma expedição paranaense dirigiu-se a Canoinhas para prender Rodolfo e Miguel Pereira, porém o destacamento não conseguiu chegar até a vila, devido resistência empregada por populares liderados pelo comissário Antero Alves.

Depois de um certo tempo de calmaria na imprensa sobre os conflitos no Timbó, novamente a contenda estampou as páginas dos principais jornais de Curitiba. Várias edições com a transcrição de telegramas trocados entre as autoridades policias e os governos dos dois estados eram publicadas. Na versão paranaense, as medições estavam sendo feitas contra a vontade da população, a qual buscava na força policial ajuda para conter o avanço das autoridades catarinenses sobre a região, em especial a localidade de Barreiros, próximo à margem esquerda do Rio Paciência, a pouco mais de 10 quilômetros de Canoinhas.

Em edição de 03 de novembro de 1908, o A República chegou a publicar carta enviada por posseiros do lugar em que estes protestavam contra as atitudes do juiz de Canoinhas:

Ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Sr. Doutor Francisco Xavier da Silva, Digníssimo Presidente do Estado do Paraná.

Protesto – Os abaixo assinados, posseiros de terras e benfeitorias no lugar denominado Barreiro, aquém do rio Paciência, zona sob jurisdição deste Estado vêm perante v. exa. protestar contra a medição efetuada em referidas terras, pelo sr. Rodolfo Wolf Filho, juiz de terras de Canoinhas e nomeado pelo Estado de Santa Catarina, a requerimento de Miguel Pereira dos Santos; medição essa feita arbitrariamente, independente do necessário acordo com os legítimos posseiros, os quais se acham documentados submetendo alguns à apreciação de v. exa.; e como verdadeiros conhecedores do direito e da lei,

155 Durante o trabalho de pesquisa nos jornais, pôde-se verificar, através das notas de hospedagem publicadas nos

periódicos, a intensa movimentação que Fabrício Vieira fazia pelos três Estados do Sul, como também a São Paulo e à América Platina.

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que somos, viemos apresentar a v. exa. o referido protesto, para assim sermos garantidos dentro do território Paranaenses, que tão dignamente se acha sob vossa Presidência. Barreiro da Vila Nova do Timbó, 14 de outubro de 1908. José Romão de Nogueira, Agostinho Ribeiro da Silva, Joaquim Campolim de Nogueira, a rogo de José Nogueira Filho, por não saber ler, nem escrever – Ermelno Rodrigues de Oliveira, a rogo de Antonio Nogueira Filho, por não saber ler, nem escrever Joaquim Carlos Cino (A REPÚBLICA, 30 nov. 1908, p. 2).

Nada obstante, é difícil atestar a veracidade da missiva, uma vez que o próprio teor do documento sugere um certo exagero no seu rebuscamento e nas congratulações ao presidente do Paraná. Porém, mais importante que sua autenticidade, é o fato da imprensa utilizar-se de artifícios como este para implementar seu discurso de posse do território. Discursos que vinham desde de 1900 sendo empregados de modo a conquistar algum tipo de benefício na ação de embargo proposta pelo Paraná, em análise no STF, a qual foi rejeitada pela suprema corte em 1909 e, novamente, em 1910, mantendo a decisão proferida em 1904, atestando assim as reivindicações de Santa Catarina sob o território.

Com a enfim decisão da suprema corte, apesar de não aplicada efetivamente na prática até 1917156, os conflitos nos vales do Timbó e Paciência deixaram de estampar as primeiras

páginas dos principais jornais de Santa Catarina e Paraná157. Longos anos de intenso conflito

discursivo implantaram e rotularam toda aquela região como um espaço de violência. A própria historiografia considerou estes conflitos como promotores de tensão durante o desenrolar do movimento do Contestado anos depois. Destarte, a influência destes enunciados será objeto do próximo capítulo, o qual procura esclarecer a influência discursiva dos jornais para a representação dos vales do Timbó e Paciência como uma região de práticas ditas violentas.

156 Para Machado (2004, p. 136), “faltou a Santa Catarina força política para fazer executar a sentença. A partir de

1910, os governantes paranaenses passam a defender uma arbitragem independente, ou um acordo direto, para a solução da questão, enquanto os catarinenses insistiam no cumprimento da sentença, embora soubessem que isto estava cada vez mais longe de acontecer”.

157 É importante enfatizar que o debate jornalístico continuou em voga, todavia, o teor das matérias passou a ater-

se com ênfase aos aspectos legais da Questão de Limites, sem apresentar grandes matérias sobre conflitos no Timbó. Por outro lado, é também essencial frisar que a não referência dos jornais não atesta que os casos de violência deixaram de existir, apenas demonstram menor atenção da imprensa.

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CAPÍTULO 4

REGIÃO E VIOLÊNCIA: DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES NOS JORNAIS

Durante a pesquisa foram catalogadas mais de 200 edições de jornais que publicaram notícias sobre os conflitos nos vales do Timbó e Paciência, entre 1900 e 1908, evidenciando-se uma considerável disparidade quantitativa do periódico A República para com os demais impressos158. Isso se deu pela própria utilização do jornal como elemento discursivo do governo

paranaense. O A República era órgão oficial do Partido Republicano Federal no Paraná, expressando, por meio de suas matérias, as ações da administração estadual, além de ser, também, o principal canal para divulgação das questões referentes à disputa por território no Contestado, exercendo pressão sobre o estado de Santa Catarina, bem como sobre o Presidente da República e os seus ministros.

Entretanto, uma análise sobre o quantitativo das publicações, considerando o número constante em cada periódico, não demonstra um maior ou menor grau de relevância ou atenção quanto à abordagem dos conflitos neste trabalho problematizados. Primeiro, porque, conforme discutido no capítulo 2, o jornal catarinense República teve suas atividades suspensas em 1903, devido à ação do governador Felipe Schmidt e à ala laurista do partido, dando vida ao periódico O Dia. Já o A Notícia iniciou suas atividades apenas no final de 1905, existindo também apenas em parte do recorte temporal proposto na pesquisa. Um segundo fator, que corrobora para uma desproporção dos quantitativos, é o fato de cada estado ter utilizado diferentes instrumentos de enunciação para tratar dos conflitos, pois, enquanto o governo de Santa Catarina buscava uma decisão rápida junto ao STF, por ter a seu favor maior aproximação política com o poder executivo federal, o Paraná tentava desestabilizar tal condição, fazendo uso da imprensa para movimentar a população paranaense em prol de seus objetivos no Contestado, inclusive pagando por publicações em jornais de outros estados (MACHADO, 2004, p. 157).

158 No total de publicações encontradas que noticiaram os conflitos do Timbó e Paciência, 85 delas foram

publicadas no A República, 48 no O Dia, 32 no Diário da Tarde, 23 no A Notícia, 6 no Gazeta de Joinville, 4 no República, além de pequenas notas que circularam em outros jornais locais.

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Nesse sentido, considerando que não é propósito principal realizar análise de conteúdo159, da mesma forma que também não é intenção metodológica fazer aprofundamentos

em análise quantitativa do discurso160, buscou-se proceder uma seleção desse conjunto de

fontes baseada em critérios sugeridos por Capelato (2015). Obteve-se, assim, um recorte mais enxuto dos documentos, norteados pela problemática central da pesquisa, que é analisar as representações produzidas através do discurso jornalístico referentes a conflitos narrados como violentos e atrelados em uma particular noção de região, em um momento de forte tensão política sobre a Questão de Limites, especificamente nos vales do Timbó e Paciência.

Portanto, adotou-se, para esta seleção, um enquadramento das notícias sob determinados aspectos que são sugeridos como pesquisa interna161, privilegiando análise dos

editoriais, espaço destinado à exposição das ideias e causas defendidas pelos donos dos periódicos, como também artigos publicados por jornalistas da casa ou colaboradores externos

(CAPELATO, 2015, p. 131). Estes aspectos do processo de triagem permitiram obter, no rol das edições, matérias estritamente ligadas aos ideais dos editores e proprietários dos jornais estudados demonstrando aspectos que não estavam na literalidade, mas sim submersas em jogos de poder político.

Um segundo nível de seleção deu-se pela diagramação estabelecida nos periódicos, seja pela disposição da malha – com destaques específicos às matérias, incluindo tipografias diferentes nos títulos e uso de imagens –, ou pela disposição da seção no corpo do jornal. Em razão de que diferentes disposições, nem sempre, evidenciaram uma preocupação explícita de destaque. Elegeu-se as publicações de capa como principal critério de análise, pois é em primeira página que se exteriorizam os objetivos da redação para com aquela edição. É nela que

159 Diferentemente da Análise de Discurso que procura articular linguagem e sociedade, a Análise de Conteúdo

tem em sua metodologia uma preocupação maior com os aspectos profundos e específicos do objeto estudado, atribuídos pelo próprio autor no ato de produção textual. Enfim, é “um conjunto de técnicos de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (BARDIN, 1979, p. 42).

160 Como a própria designação já diz, este campo metodológico objetiva a elucidação de aspectos quantitativos do

discurso, aferindo, através de dados numeráveis, informações que podem determinar situações discursivas. Por exemplo, pode-se através do quantitativo de notícias em que distintas figuras políticas aparecem na primeira página de um jornal, durante uma eleição, cotejar que lado dessa disputa o jornal tende a dar maior destaque.

161 Capelato sugere que no estudo histórico do jornal devem ser considerados aspectos internos e externos. A

análise externa refere-se “a uma série de dados referentes ao periódico que não estão disponíveis no jornal” (CAPELATO, 2015, p. 133), justamente aquilo que se propôs realizar no segundo capítulo deste trabalho. Já a análise interna “pressupõe a compreensão do conteúdo (textos opinativos e informações) e da forma (diagramação, imagens, anúncios)” (CAPELATO, 2015, p. 131), tarefa que objetiva-se realizar neste capítulo.

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os editores determinam o que consideram de maior importância, evidenciando o que se objetiva como oferta principal de leitura ao público.

As matérias de primeira página têm por desígnio serem lidas antes de todas as outras, imbuindo aos leitores uma imperiosidade que não pode ser medida nas páginas seguintes, haja vista que a leitura destas dependerá da tarefa da busca, não garantindo assim que, efetivamente, tenham sido consultadas. Mas, são também as capas que fazem do jornal um objeto de compra, de desejo, têm como objetivo estimular os leitores a abrir e ler o jornal (MEDEIROS; RAMALHO; MASSARANI, 2010, p. 440).

Sob tal reflexão, a análise discursiva deu-se sob as edições que noticiaram os conflitos do Timbó e Paciência em primeira página e com texto redigido por seus editores e/ou colaboradores diretos. Todavia, salienta-se que era praxe da imprensa não mencionar o nome dos autores dos textos publicados. Nestes casos, reconheceu-se, durante o estudo, que tais artigos expressavam a opinião do periódico em si.

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 153-159)