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As obras de síntese histórica

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 53-60)

1.2 A historiografia do Contestado

1.2.5 As obras de síntese histórica

A partir da década de 1970, houve uma considerável quantidade de publicações que problematizaram a temática do Contestado, porém, publicações que não necessariamente aspiraram novas possiblidades metodológicas e/ou inovações interpretativas. Por tais aspectos, convencionou-se chamar estes textos de obras de síntese histórica, uma vez que, em sua maioria, foram produzidas por historiadores amadores, os quais procuraram apenas tratar do tema com perspectivas baseadas no senso comum, com base bibliográfica nos textos clássicos e memorialistas, não os problematizando com efeito e, tampouco, não os questionando enquanto produtores de verdades, parciais e elitistas. Raro algumas exceções, as quais tratar- se-ão durante a discussão aqui proposta.

Nesse sentido, convém mencionar que mesmo os trabalhos clássicos de Cabral (1979)

e Ávila da Luz (1999) terem demonstrado uma interpretação por vezes preconceituosa sobre as motivações do movimento sertanejo, foram promotoras de um avolumar de interesse sobre o Contestado, ensejando a publicação de variadas obras de escritores acadêmicos ou entusiastas. Há de se considerar tal positividade dessa historiografia clássica, pois deu estímulo a uma discussão do tema, mesmo que questionável no seu sentido interpretativo. É de fato um material que alcançou níveis diferentes da intelectualidade e que, ao menos, tornou o Contestado algo conhecido.

Além disso, o distanciamento temporal dos eventos da guerra promoveu uma certa quebra do silêncio daqueles que testemunharam o episódio e seus descendentes diretos. A oralidade em conversas cotidianas e os relatos ouvidos por pessoas de outras regiões do estado e do país incitaram a produção escrita do Contestado por diversos profissionais, entre acadêmicos, jornalistas e entusiastas.

Esses autores vão buscar, principalmente, nas fontes tradicionais como os artigos de jornal e os textos publicados até então o material para referenciar as histórias ouvidas nas conversas das rodas de chimarrão, e produzir, cada qual, sua narrativa sobre a Guerra Sertaneja do Contestado. É como se estivessem desfiando a trama construída até então e através dos diversos fios tecendo novas texturas (LAZARIN, 2005, p. 86).

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Na categoria que neste trabalho denominou-se de síntese histórica, a obra inaugural foi o livro Curitibanos na história do Contestado, de Zélia de Andrade Lemos44, lançado em

1977 pela IOESC. Narrativa bastante emotiva, produzida sob a égide de sentimentos particulares para com o território do município de Curitibanos e com certo nível de tributo aos coronéis e a elite local, Lemos procura em sua reflexão realizar uma narrativa cronológica do contexto de sua terra natal, enfatizando a participação das principais oligarquias locais no desenvolvimento da região. Para tal, procede, em forma de síntese, a abordagem de um largo período temporal que vai desde o início do século XVII, com o tratamento da influência das missões jesuítas para o povoamento do território, até o princípio do XX, adentrando no cenário de Curitibanos na Guerra do Contestado. O texto, apesar de produzido no final da década de 1970, é metodologicamente caracterizado pelos princípios historiográficos do positivismo do século XIX, ou seja, baseado essencialmente em aspectos político-administrativos sem qualquer tipo de questionamento sobre as fontes utilizadas e considerando a textualidade destas como verdades absolutas.

Em 1983, integrando a conhecida coleção Tudo é história, a Editora Brasilense publicou texto do historiador Antonio Pedro Tota, intitulado Contestado: a guerra o novo mundo. No pequeno livro, Tota reproduz uma série de interpretações sobre o Contestado, entre elas, a ideia de que o conflito de Canudos teve maior divulgação em comparação com o conflito do Sul, sobretudo por causa de Os sertões, de Euclides da Cunha, livro reconhecido nacionalmente. Todavia, como já demonstrou-se neste trabalho, a produção textual acerca do Contestado foi consideravelmente vasta, tão quanto Canudos. Peixoto, por exemplo, foi bastante elogiado pela crítica ao publicar Campanha do Contestado. Rodrigues (2012, p. 249-250)

comenta que o “livro de Demerval Peixoto [...] foi saudado pela imprensa nacional, inclusive na prestigiada revista Fon-Fon (RJ)”.

Outra menção questionável de Tota (1983, p. 8) refere-se à atenção do meio jornalístico. Segundo este autor, os jornais não deram o devido crédito ao movimento, no máximo uma repercussão local. Porém, como já demonstrou-se, a atenção dos jornais foi sim significativa, perceptível através de boas pesquisas já desenvolvidas tomando por fonte estes impressos45.

Por mais que o grande volume noticioso tenha sido gerado em Curitiba e Florianópolis,

44 Zélia Andrade Lemos, ou Lile como era conhecida pelos íntimos, foi uma historiadora autodidata natural do

município de Curitibanos. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, dedicando-se também na produção de poesias e crônicas jornalísticas.

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impressos do Rio de Janeiro e de outras regiões do país, por vezes, reproduziram as notícias publicadas no Sul. Sobre os conflitos do Timbó e Paciência, por exemplo, encontram-se publicações em jornais de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro46.

Em Contestado: a guerra o novo mundo, não efetivou-se um olhar inovador sobre a guerra, como também não se abordou os conflitos nos vales do Timbó e Paciência. Muito por seu caráter de síntese, a narrativa é toda embasada no trabalho sociológico do movimento47, de

base bibliográfica, sem fazer uso de qualquer outra fonte. Um aspecto negativo, considerando Tota como um dos bons historiadores brasileiros, é o excessivo uso do termo fanáticos, empregado pelo autor para denominar os rebeldes. Entretanto, é preciso considerar o início da década de 1980 como um momento de ditadura no Brasil, com isso as interpretações dos militares sobre a Guerra do Contestado não tinham ainda sido postas completamente em julgo, exercendo influência nas narrativas que se fazia do movimento.

Tais influências estão vigorosamente presentes em outro livro da década de 1980, Contestado: distorções e controvérsias, trazido a público mais precisamente em 1987, por Mario Marcondes de Albuquerque, volume 30 da coleção Estante Paranista, editada pelo IHGEP. O texto é um exímio protesto pela rememoração do Contestado, tanto que logo na sua apresentação, escrita pelo então presidente do instituto, Luiz Carlos Pereira Tourinho, esta constatação se faz patente:

Hoje, unido por laços matrimoniais a tradicional família catarinense, reside em Campos Novos, onde dirige empresa de exploração agrícola. Revoltado com o procedimento das autoridades de Curitibanos, que permitiram melhorar com obelisco e placa o aniversário do incêndio e saque da vila pelos fanáticos,48 traduziu seu ponto de vista de homem culto e sem preconceitos, que publicamos neste Volume 30 da nossa Estante Paranista (TOURINHO apud ALBUQUERQUE, 1987, p. 8).

Durante a narrativa, evidencia-se a intenção do autor em fazer apologia aos coronéis, colonos europeus, capital estrangeiro e ao Exército Brasileiro, em detrimento dos rebeldes, dos fanáticos, como Albuquerque declaradamente os chama. Já em referência aos conflitos no

46 Jornal O Pharol (MG), 06 de janeiro de 1906; jornal Correio Paulistano (SP), 06 de fevereiro de 1906; jornal

Correio do Amanhã (RJ), 10, 11 e 13 de fevereiro de 1906; jornal Correio de Notícias (RJ), 30 de fevereiro e 12 de maio de 1906. BN.

47 Obras de Pereira de Queiroz (1957), Vinhas de Queiroz (1977) e Monteiro (1974).

48 Em 26 de setembro de 1914, um piquete de 250 a 300 rebeldes ocuparam e incendiaram alguns prédios públicos

de Curitibanos, marcando historicamente a cidade. O ato simbolizou a recusa dos sertanejos à dominação coronelista. Para melhor compreensão deste caso, sugere-se o artigo de Machado (2008).

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Timbó e Paciência, a única menção é realizada durante o desenvolver do quarto tópico, denominado de Sementes da discórdia, trecho em que, muito brevemente, comenta o assassinato do coronel João Pacheco dos Santos Lima, em Canoinhas49, fazendo menção sobre

as desavenças entre o capitão Aleixo Gonçalves de Lima e a família Pacheco pela documentação duplicada de terras em Três Barras. Porém, não aprofunda análise sobre a Questão de Limites, bem como sobre as tensões geradas por tal. Sua abordagem é descritiva. Em nenhum momento utiliza-se de documento inédito que viesse a contribuir para o esquadrinhar do tema.

A obra de Albuquerque é na verdade uma crítica ao então governador de Santa Catarina, Esperidião Amin Helou Filho, que, durante seu primeiro mandato (1983-1987), construiu uma série de placas e monumentos na região do Contestado em homenagem aos sertanejos que por ela morreram. Amin utilizou-se da imagem do conflito desde sua campanha em 1983, procurando integrar o movimento rebelde a um contexto de identidade cultural do catarinense, naquilo que ele chamou de “escolha pelos pequenos” (LAZARIN, 2005, p. 106).

Albuquerque (1987, p. 39) é incisivo ao dizer que

Não é cabível nem concebível que um governador, como é o caso de Esperidião Amin quando exercia o poder em Santa Catarina, se propusesse a um caciquismo político dos mais absurdos, colocando monumentos e placas glorificando a desordem mística, naturalmente com a alça mira visando futuros cargos públicos.

Dois anos antes da publicação da obra de Albuquerque, a Fundação Catarinense de Cultura editou livro do geógrafo Beneval de Oliveira, intitulado Planaltos de frio e lama: os fanáticos do Contestado – o meio, o homem, a guerra, escrito originalmente em 1965, segundo menção do próprio autor em nota explicativa (OLIVEIRA, 1985, p. 9). O texto de Oliveira, apesar de tratar-se de um professor universitário de conceituadas instituições de ensino superior50,

ainda manteve-se preso aos diversos usos feitos pelas obras clássicas do movimento. A narrativa, mesmo que consideravelmente extensa, o que poderia sugerir seu não enquadramento

49 Albuquerque (1987, p. 43) cita 1905 como ano de morte do coronel João Pacheco dos Santos Lima, quando, na

verdade, este morreu em 1907 (jornal A República (PR), 22 de julho de 1907). Foram levados a julgamento pelo assassinato, João dos Passos e Antonio Moreira dos Santos, tendo os mesmos sido absolvidos por unanimidade em dezembro de 1907 (DIÁRIO DA TARDE, 13 dez. 1907). Contudo, o jornal A República chegou a noticiar como autor um tal de Nicolau Ferreira, que estaria na época homiziado na região do Timbó (A REPUBLICA, 30 de ago. 1907, p. 4).

50 Oliveira também dedicou-se a estudos de Filosofia, foi docente da Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro,

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como texto de síntese histórica, é, neste trabalho, assim categorizada, por não utilizar fontes primárias e pouquíssima referência bibliográfica. Chama atenção que tenha sido produzido durante a década de 1960, momento em que a Sociologia dava considerável crédito sobre a interpretação do conflito, e mesmo assim não tenha influenciado o autor a estabelecer discussão com esta disciplina na obra, o que com certeza poderia ter melhorado tenazmente o nível de observação.

Marilene Weinhardt51, professora de Literatura Brasileira da UFPR, que produziu

interessante trabalho de estudo analítico teórico de obras ficcionais sobre o Contestado, também mostrou-se surpresa ao deparar-se com a insistente visão etnocêntrica na produção bibliográfica:

Não se justificam os comentários sobre a exiguidade da bibliografia bem como não se aplica o desconhecimento do assunto, diante da existência de textos como La ‘Guerre Sainte’ au Brésil: Le mouvement messianique Du ‘Contestado’ (1957) e O messianismo no Brasil e no mundo (1967), ambos de Maria Isaura Pereira de Queiroz; Messianismo e conflito social (1960), de Maurício Vinhas de Queiroz; e Os errantes do novo século (1974), de Duglas Teixeira Monteiro. Em tais estudos há um esforço no sentido de superar a visão etnocêntrica, exercitando-se o reconhecimento da cultura do outro

(WEINHARDT, 2000, p. 21).

Destarte, é importante considerar que Beneval de Oliveira deu um sentido geográfico a seu trabalho, haja vista seu ofício, tratando de aspectos geológicos e históricos, mas, infelizmente, manteve os discursos de criminalização da população sertaneja e a heroicização do Exército. Não faz qualquer consideração sobre os eventos no Timbó e Paciência. Já no final da obra deixa evidente a intenção de seu expediente:

Toda a história da guerra do Contestado está marcada por uma sequência de erros, de bravuras e covardias, de grandezas e misérias, pois todos os empreendimentos e comedimentos humanos estão impregnados de ambiguidades e contradições, de afirmações e simulações. E se rendemos aqui homenagens à memória dos nossos bravos soldados que tombaram e lutaram pela manutenção da legalidade e pela restauração da ordem, não podemos também silenciar ante a bravura e a tenacidade inexcedíveis daqueles jagunços transviados que lutando até o fim, jamais se amedrontaram ante a

51 O livro Mesmos crimes, outros discursos?, de Weinhardt, redigida no ano de 1995 como tese para o concurso

de professor titular de Literatura Brasileira da UFPR, materializa-se como um elucidativo esforço de compreensão teórica acerca de um conjunto de obras ficcionais que tematizaram o Contestado. Nesse sentido, fica aqui registrado tal trabalho como profícua fonte para compreensão das construções literárias da temática, aspecto que não será abarcado nesta pesquisa por motivos de recorte bibliográfico, uma vez que o alongamento neste expediente exigiria um excessivo alargamento da observação, desfigurando o objetivo da pesquisa.

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superioridade esmagadora das armas do governo, quando disparavam as metralhadoras e estrondavam os canhões (OLIVEIRA, 1985, p. 189).

Também em 1985, Henrique Richter traduziu a obra de seu pai, Friedrich W. Richter52

(Frederico Richter), texto originalmente escrito no idioma alemão, em 1933. O livro, Os profetas sanguinários do Contestado: em luta através da floresta e campo contra o bando de fanáticos da América do Sul (1914-1915), apesar de não ter nenhuma menção de referência, leva-nos a crer que foi redigida com base nos textos dos oficiais memorialistas, devido à semelhança na apresentação cronológica dos eventos e a própria maneira de apresentar os acontecimentos, apontando basicamente os dados trazidos pelos escritores militares, acrescido de uma e outra informação colhida através de possíveis entrevistas (RICHTER, 1993, p. 7).

Quanto aos conflitos no Timbó e Paciência, Richter os apresenta logo nos primeiros parágrafos, porém, de maneira muito sucinta. Faz menção apenas da participação do coronel Demétrio Ramos nas escaramuças com o governo do Paraná em 1905. Contudo, diferentemente dos historiadores de farda, cita Demétrio como um patriota, tendo agido sem intenções de saques (RICHTER, 1993, p. 13). Como não foi possível o acesso ao texto original de 1933, somente à versão de 1993, em que o próprio tradutor declara ter feito algumas adaptações, ocorre a possibilidade de haver inserções não presentes na versão em alemão, o que exige tratá-lo com certo cuidado. Mesmo assim, é uma das narrativas mais antigas sobre o assunto, podendo ser, em determinados casos, considerada fonte primária, devido à proximidade temporal de sua redação com o respectivo conflito.

Um trabalho que causou certo espanto desde a primeira leitura53 é o texto de Walter

Tenório Cavalcanti, Guerra do Contestado: verdade histórica, de 1995, pedante já no seu título. A tese da obra impõe-se contrária a qualquer observação histórica então realizada e, nas palavras de seu autor, busca restaurar a verdade, enfatizando opiniões particulares, sem

52 Segundo consta na edição de 1993 da obra, Frederico Richter era imigrante austríaco-tirolês, teria sido voluntário

no exército austro-húngaro imperial na Primeira Guerra Mundial, tendo vindo a morar no Brasil depois do fim do conflito, naturalizando-se brasileiro. Foi professor em vários estados, incluindo Santa Catarina, onde residiu durante a década de 1930 em Cruzeiro, hoje município de Joaçaba. Teria sido durante este período que recolheu depoimentos dos habitantes da região e escreveu seu livro sobre o Contestado, o qual não pode ser publicado na época devido às imposições decorrentes da Segunda Guerra Mundial (RICHTER, Henrique apud RICHTER, Frederico, 1993, p. 11).

53 O espanto aqui mencionado decorre do contexto em que o livro foi produzido. Primeiro por ter sido editado pela

UFSC, conceituada instituição que aceitou tornar público uma obra sem qualquer aprofundamento acadêmico, obra que inclusive veio a contrariar um longo caminho de aprimoramento das interpretações sobre o tema. Segundo, pelo fato da apresentação ter sido redigida por um distinto historiador daquela universidade, o qual apenas menciona que o texto merece mitologicamente alguns questionamentos, evitando explicitar os vários equívocos da tese de Cavalcanti.

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qualquer raciocínio teorizado, de que a Guerra do Contestado foi apenas e tão somente efetivada por fanatismo. Segundo Lazarin (2005, p. 97), no discurso do autor

[...] estão postas claramente suas opções políticas e utiliza seu livro para atacar o que a seu ver é uma visão ideológica equivocada. Cavalcanti acredita que outros trabalhos, por pretenderem exaltar os caboclos heróicos, acabam por lhes emprestar intenções de lutas de classes, ou por terras, ou por direitos. Ele chega a utilizar a narrativa de versões anteriores para provar que a guerra não foi feita pelos sertanejos, mas contra eles, que apenas teriam revidado à agressão das forças policiais. E estando esta premissa provada pelos fatos, segundo o autor cairiam por terra todas as teorias dos novos historiadores que afirmam que os sertanejos teriam promovido uma guerra pela terra.

Em contrário às observações de Cavalcanti, no ano de 1999 o professor de história da Universidade Federal de Santa Catarina, Élio Serpa, foi responsável pela redação de um breve ensaio, com 75 páginas, denominado A Guerra do Contestado (1912-1916). Obra integrante da coleção Rebento, organizada pela UFSC, a qual tratou, em sete volumes, de diversos temas da história de Santa Catarina, sendo o trabalho de Serpa o volume um da coleção.

Por toda a revisão realizada acerca das obras de síntese, o pequeno livro de Serpa é, sem dúvida, o melhor em termos de análise histórica. Mesmo tendo utilizado pouca referência bibliográfica, sem tratamento documental, apresenta-se como um dos bons textos de caráter introdutório na temática do Contestado. Suas observações levam em consideração as principais análises acadêmicas sociológicas e históricas que o antecederam, deixando de maneira pincelada, mas precisa, sua consideração de historiador sobre o conflito. Para Serpa (1999, p. 71):

Muitas pessoas que escreveram sobre a Guerra do Contestado consideraram que os sertanejos eram ‘fanáticos’ e que o fanatismo tinha-os levado à guerra. Talvez esta não seja a melhor maneira de encará-los. Quem está dizendo que eles são fanáticos? Por que estão sendo considerados dessa forma? São perguntas sobre as quais devemos refletir para não fazermos raciocínios demasiado simplistas. Outros que escreveram também consideram os sertanejos derrotados. Será que podemos encarar isto como algo pontual, exato? Muitos dos sertanejos que sobreviveram engendraram outras formas de lutas e, como já foi dito acima, a luta pela terra continua, ainda que em outro contexto, com outros sujeitos e outras formas de organização.

Tanto pela qualidade da narrativa, simples e objetiva, como pela sua formação acadêmica, Serpa apresenta-se em um contexto diferente dos demais textos que nesta dissertação considerou-se de síntese histórica. Sua maneira de ver o Contestado, negando análises depreciativas e questionando pensamentos elitistas, lhe dá status de texto acadêmico, podendo inclusive ter sido incluído no tópico seguinte da classificação – obras acadêmicas e

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dos historiadores. Contudo, assim foi categorizado, pela brevidade do trabalho, sistematizando um complexo e largo espaço temporal em pouco mais de 70 páginas de texto.

Um trabalho parecido com o de Serpa, de qualidade sintética, todavia com menor rigor acadêmico, é o pequeno livro Os guerrilheiros do Contestado, de Renato Mocellin. Integrante da coleção Lutas do nosso povo, publicado ainda em 1989 – possivelmente inspirado pelas observações de Auras (1984) que publicara sua obra cinco anos antes, a qual é frequentemente citada no texto de Mocellin –, o livro, em termos gerais, pouco agrega interpretativamente, no entanto, é passível de mérito pelo caráter didático que apresenta.

Como pode-se perceber, apesar do considerável avolumar que houvera a partir da década de 1970 na produção bibliográfica sobre o movimento do Contestado, os trabalhos, na sua brutal maioria, são repetitórios, circulando em torno dos textos já produzidos, em geral, dos categorizados como memorialistas e clássicos. Em poucos casos se agregou às narrativas interpretações sociológicas.

Como manifesto na descrição e análise realizada, o contexto anterior à batalha do Irani é praticamente negado, exceto a influência dos monges e as consequências da construção da EFSPRG. Um agravante é o constatar que estes materiais, deficientes interpretativamente e propagadores de visões estereotipadas, continuam a terem reedições, muitas das vezes, financiadas pelo poder público através de seus órgãos de imprensa oficial. O próprio acesso a materiais de melhor qualidade interpretativa ainda é diminuto, demonstrado no pouco conhecimento apresentado pelos professores que atuam na região sobre o Contestado (TONON;

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 53-60)