• Nenhum resultado encontrado

Dos jornais ao debate político

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 114-118)

3.1 As primeiras violências

3.1.2 Dos jornais ao debate político

Em outubro de 1900, o A República reclamou dos ataques que o governo do Paraná vinha sofrendo por meio dos periódicos oposicionistas, em especial aqueles publicados pelo República, de Florianópolis. Seu redator, Vicente Machado, dizia sentir-se profundamente ofendido e prometia não mais referir-se às publicações alheias, e, complementava, “toda esta questão há um quixotismo pulha, este está do lado do jornal catarinense, verdadeiro manchego a combater moinhos de vento e a dar batalhas ... pelo telegrafo” (A REPÚBLICA, 05 out. 1900).

Até aquele momento, o jornal que poderia ser apontado como verdadeiro oposicionista do A República, o Diário da Tarde110, não havia publicado nada a respeito da ação policial

praticada em Poço Preto. Silêncio que não duraria muito tempo. Em 08 de outubro publicou, com o título de Questão de Limites, matéria alegando não ter se pronunciado a respeito do caso por estar aguardando o desenrolar do mesmo, o que lhe permitia dar informações mais precisas, com toda a franqueza e independência com que costumava enfrentar e discutir os assuntos de interesse do estado do Paraná. Enfatizava que o Diário da Tarde teria sido criado exclusivamente para defender a causa paranaense. O fato de estar à frente de sua redação um filho de Santa Catarina111 não o inibia em absoluto de expender, como julgava de seu dever, a

opinião que adotava mesmo sobre assunto de tal natureza (DIÁRIO DA TARDE, 08 out. 1900). Como é perceptível, a forma de narrativa utilizada pela imprensa, naquele contexto, procurava firmar posição, garantirem-se como detentores de uma verdade, conquistando assim a confiança do público leitor.

Contrariando um lado e outro, ou seja, governo catarinense e paranaense, o Diário da Tarde inseria-se no debate sobre a Questão de Limites propondo uma possibilidade ousada, a união dos dois estados litigantes para formar um novo, mais forte e poderoso, fazendo frente a São Paulo e Rio Grande do Sul (DIÁRIO DA TARDE, 08 out. 1900). Na opinião do periódico, esta

110 Durante o tempo em que Vicente Machado foi redator do A República, o Diário da Tarde empreendeu forte

oposição. Não foram raras as vezes em que discursos acalorados renderam acusações e questionamentos entre um periódico e outro. Se por um lado o Diário da Tarde pronunciava-se como imparcial e fiscalizador das ações do governo, por outro, a própria figura de Vicente Machado não era de aceitação unânime entre os republicados do Paraná. Para maior aprofundamento sobre esta relação ver Corrêa (2009).

111 O redator a que se refere o Diário da Tarde é o médico Reinaldo Machado, nascido no ano de 1869 em São

113

ação poderia dar fim amigável aos conflitos que vinham ocorrendo, já que o Paraná deixara os ricos vales do Timbó e Paciência serem tomados aos poucos por gente de Santa Catarina e a indefinição dos limites promovia incerteza de jurisdição, propiciando a ocorrência de crimes e o desrespeito à justiça.

Com a repercussão publicitada da conduta do alferes Estevam, não tardou para que debates acalorados chegassem até o legislativo. O próprio governador de Santa Catarina enviou telegrama à bancada do seu estado no Rio de Janeiro informando:

Acabo receber seguinte telegrama juiz direito Curitibanos: – Força pública Paraná acaba assaltar lugar denominado Timbó, incendiando propriedades. População alarmada defendem margens Iguaçu, havendo mortes. Devo informar-vos entre Canoinhas, Timbó existem mais 400 famílias catarinenses que Paraná deseja expulsar, pretexto zona contestada. População ali sempre obedeceu nossa jurisdição não aceita outra (A REPÚBLICA, 20 out. 1900, p. 2).

Após os conflitos terem tomado proporções nacionais, as cobranças por ações mais efetivas, a ambos os governos, ampliaram-se. A própria população e os líderes locais, temendo a segurança das propriedades e a continuação do lucrativo exercício de extração de erva-mate, sem o devido pagamento de impostos112, passaram a procurar os representantes da justiça em

busca de solução. Alguns proprietários e comerciantes de Canoinhas dirigiram-se a Curitibanos para interceder junto ao juiz da comarca, Antonio Gomes Ramagem, na intenção de que este enviasse contingente de força policial para conter as investidas do Paraná no território contestado. O juiz, alegando não dispor de pessoal para tal, comunicou o governador do estado solicitando reforços (O DIA, 09 jan. 1901, p. 2).

Vale destacar que, em termos de comparação, os regimentos de segurança113 dos dois

estados eram muito distintos. A força pública do Paraná era consideravelmente mais numerosa e atuante, sem contar o superior poder político dos coronéis, membros da guarda nacional, que facilmente reuniam dezenas de capangas a seus serviços. Nos vales do Timbó e Paciência, os catarinenses tinham enormes dificuldades em mobilizar pessoal armado, pois constituíam-se

112 Conforme constatou Machado (2004, p. 128), havia “uma espécie de guerra fiscal entre os estados pela erva-

mate. O estado de Santa Catarina sempre tributou a menor a erva produzida e comercializada no planalto, tentando, muitas vezes, receber a erva paranaense para exportar pelo seu Porto de São Francisco. O governador de Santa Catarina já possuía uma autorização permanente do Congresso Representativo do Estado para diminuir os impostos de exportação segundo o estado dos mercados. O governo do Paraná procurava inibir este corredor comercial erigindo barreiras fiscais, principalmente na região que ficava entre Canoinhas e São Bento do Sul, onde havia uma saliência paranaense no espaço ocupado por Três Barras, Itaiópolis e Papanduva (esta vila ficava 40 quilômetros ao sul do rio Negro, limite reivindicado por Santa Catarina)”.

114

em grande parte de posseiros e pequenos lavradores independentes (MACHADO, 2004, p. 129). O próprio contingente policial sediado em Florianópolis não passava de pouco mais de duas centenas quando fora enviado à região de Taquaruçu em 1912, com a finalidade de expulsar o monge José Maria e seus seguidores114, o que vale supor não ter tido também condições de

enviar significativo reforço à zona contestada doze anos antes. Sendo assim, a solução foi proceder nomeação de subcomissários e suplentes entre os próprios habitantes de Canoinhas. Em resposta, o Paraná criou o distrito policial de Vila Nova do Timbó, em 24 de agosto de 1901, subordinado a Porto União da Vitória (TOKARSKI, 2002, p. 168).

A presença, mesmo que modesta, de autoridade policial catarinense garantiu certa quietude. Nos meses que se seguiram, depois da repercussão negativa para o governo do Paraná sobre a diligência de prisão em Poço Preto, a imprensa dedicou tempo e tinta na redação de longas matérias que discutiam a legalidade da ação impetrada por Santa Catarina contestando os limites estaduais. Personagens como Romário Martins, no A República, e o conselheiro Manuel da Silva Mafra, no O Dia, debateram, através das folhas impressas, seus argumentos sobre a questão. Enquanto isso, nas vilas, mobilizavam-se as lideranças políticas. A Câmara Municipal de Rio Negro, por exemplo, enviou ao Supremo Tribunal Federal carta na intenção de persuadir aquela corte para uma decisão favorável ao Paraná. Dizia a missiva:

A Câmara Municipal da cidade do Rio Negro, Estado do Paraná, representada pela unanimidade de seus membros, abaixo assinados, vem respeitosamente, em nome dos habitantes deste município, perante esse Tribunal representar contra a desarrazoada pretensão do estado de Santa Catarina, se querer anexar a maior parte deste município, situada à margem esquerda do Rio Negro, ao seu território. Por mais de uma vez esta Câmara tem protestado contra descabida pretensão, que funda-se somente em imaginários documentos, que nunca tiveram visas de realidade. Santa Catarina, não satisfeita com a espoliação que fez ao Paraná do território de São Bento e Campo Alegre, que há muito poucos anos faz parte deste município, quer agora transpor o Rio Preto, que é a nossa divisa atual, para estender sua desarrozoada pretensão à metade desta cidade, situada à margem esquerda do Rio Negro juntamente com a zona que se estende, neste município, da Colônia Lucena aos povoados das Canoinhas e Timbó, limitada para serra do Espigão, em demanda dos nascentes do Rio do Peixe no município da União da Vitória, também pertencente ao Paraná. Esta Câmara, representando a totalidade de seus

114 Em agosto de 1912, na região de Curitibanos, em local denominado Taquaruçu, o monge José Maria foi

convidado a participar da festa do Senhor Bom Jesus. Na tradição popular, este tipo de festejo prolongava-se por até três dias ou mais. No fim das festividades grande parte da população acabou por permanecer no local, junto daquele que para eles simbolizava uma possibilidade de alento a suas adversidades, José Maria. A permanência de um número expressivo de sertanejos pobres junto ao monge não agradou o então intendente municipal de Curitibanos, coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, fazendo-o solicitar apoio policial do governo estadual, que enviou um pequeno contingente à região para debandar o grupo de rebeldes, naquilo que já era noticiado no Rio de Janeiro como um movimento semelhante ao de Canudos (VINHAS DE QUEIROZ, 1977, p. 89).

115

municípios, que persistem em continuar a ser paranaense, protesta contra a indébita pretensão de Santa Catarina, ora submetida a esse venerado Tribunal; pois só pela violência poderia este povo, parcela valiosa do Povo Paranaense, submeter-se a um Estado, ao qual lhe diga somente a solidariedade de filhos da grande Pátria Brasileira. Joaquim Teixeira Saboia, presidente. - Nicolau Valerio, vice-presidente. - Theodoro Ruthes. - Emilio Von Linsingen. - Verissimo de Oliveira Ribas. - Guilherme Kühl. - Francisco Elias (A REPÚBLICA, 14 set. 1901).

Fica perceptível que a situação, dia após dia, tornava-se mais instável. Interesses políticos e econômicos achavam-se ameaçados e precisavam ser defendidos, na maioria das vezes, camuflados por meio de discursos patrióticos enunciados através dos jornais. O problema da violência na região era abordado pelos periódicos do Paraná como principiado na índole de seus habitantes; entendidos como um povo pobre, sem escola, ignorantes, criminosos e sem lei. Os verdadeiros motivos da discórdia territorial, o ouro verde115, e o alargamento das fronteiras,

ideal de Estado próspero no pensamento republicano, ficavam em segundo plano. A origem da população, mescla de rio-grandenses, catarinenses e paranaenses, distinguia da narrativa nacionalista dos jornais. Por vezes, o enunciado da traição foi utilizado para referir-se a determinadas personagens. Depoimentos publicados por paranaenses em defesa de Santa Catarina, e vice-versa, por vezes estampavam as páginas. Texto do Diário da Tarde, de 12 de novembro de 1901, expressa bem esta reflexão:

De longa data é conhecido e estado anormalíssimo em que se encontra a população domiciliada na extensa e rica zona compreendida entre os rios Canoinhas e Timbó. A população desta zona cresce dia a dia, e hoje pode ser avaliada em cerca de 5.000 habitantes. É admirável, entretanto, que uma população relativamente densa como essa, viva até agora completamente anarquizada, sem lei e sem governo. Aquela localidade constitui-se um valhacouto de quanto criminosos foge à ação da justiça, certo de que ninguém o vai incomodar. E como não existam ali autoridades, comete-se repetidos crimes, ficando os autores impunes. Grande numeroso de crianças permanecem sem os benefícios da instrução, criando se na mais absoluta ignorância, crianças essas que, forçosamente, serão candidatas ao crime, atendendo ao meio em que vivem. Ali não se pagam impostos e vive-se em perfeita anarquia. Aqueles que pacata e honestamente procuram aquela região, vivem em constante sobressalto, temendo de uma hora para outra qualquer saque ou carnificina promovidos pelo grande número de bandidos que a infestam. Estas tristes condições em que se encontra essa localidade, são determinadas em grande parte, pelo fato de encontrar-se aquele território na zona contestada pelo vizinho Estado de Santa Catarina. Há necessidade, pois, de pôr cobro a esse estado anárquico de coisas, para tranquilidade de muitas famílias pacíficas, que residem no Canoinhas, e principalmente para que o

115 O termo ouro verde foi muito utilizado para referir-se ao mate em tempos áureos de lucratividade. O próprio

116

governo não seja obrigado mais tarde a agir como fez em Canudos. Como medida preliminar favorável à realização desse desiderato, insto é, de atrair ao nosso convívio essa população, é fora de dúvida a abertura de uma via de comunicação através daquele território, vindo tem à margem do Rio Negro. Ouvimos que o governo do Estado cogita dessa obra, e se assim for é caso de louvá-lo por esse cometimento, que vem satisfazer uma necessidade (DIÁRIO DA TARDE, 12 nov. 1901).

Segundo Machado (2004, p. 130) “nos vales do Timbó e Paciência, ocorria uma disputa entre grandes criadores e pequenos lavradores (que nesta região também exerciam a atividade de coletores de erva-mate), entre os quais os primeiros eram oficiais da Guarda Nacional do Paraná”. As disputas não se efetivavam apenas entre os coronéis dos diferentes estados, mas também entre estes e pequenos posseiros e coletores, os quais eram espoliados e expulsos de suas terras pela ação latifundiária da oligarquia local.

No documento ELOI GIOVANE MUCHALOVSKI (páginas 114-118)