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Interacções e Temperamento

A TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO DE VYGOTSKY

2. Teorias do Temperamento

2.1. A abordagem de Buss E PLOMIN

Buss e Plomin (1987) definem o temperamento como um conjunto de traços de personalidade hereditários, portanto de origem genética, e que aparecem desde idades precoces, mais especificamente durante o primeiro ano de vida. Segundo os autores, o que distingue o temperamento de outros grupos de traços de personalidade é precisamente este seu aparecimento precoce.

Os autores excluem do conceito diferenças individuais que não sejam traços de personalidade. Por exemplo, referem a inteligência e outras capacidades como diferenças individuais que não são agrupadas como traços de personalidade. Excluem também diferenças individuais que ocorrem na infância e que desaparecem sem ter um efeito prolongado; não constituem elementos diferenciadores. Um exemplo disto é a ritmicidade. Portanto, para serem considerados como temperamento, os traços deverão manter-se ao longo do processo de desenvolvimento. Buss (1981) concluiu que "as disposições que emergem nos primeiros tempos de vida e são relativamente estáveis ao longo do tempo, podem afectar o comportamento parental, mais do que características transitórias ou facilmente alteradas pela pressão ambiental." (p. 60). Ou seja, os comportamentos transitórios da criança afectam temporariamente os pais, mas não se espera que exerçam uma influência sistemática na interacção pais-criança ao longo do tempo. Buss e Plomin (1987), excluem também traços de personalidade originados em acontecimentos ambientais.

Relativamente aos componentes deste conceito, os autores consideraram inicialmente (Buss & Plomin, 1975, citados por Rothbart & Bates, 1998) quatro componentes no temperamento: a emocionalidade, a actividade, a sociabilidade e a impulsividade. Este último aspecto, a impulsividade, compreendia componentes como o controlo inibitório, tempo de decisão, ou persistência (Kochanska, 1993). Estes aspectos apareceriam aos 2/3 anos de vida e eram responsáveis pelo controlo de funções corporais, adiamento de recompensa, controlo do afecto e, mais tarde, a tomada de decisão. Posteriormente, Buss e Plomin (1987) reformularam a sua perspectiva da

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impulsividade e propuseram-na, não como uma dimensão independente, mas sim como "travão" às outras dimensões do temperamento por si consideradas: emocionalidade, actividade e sociabilidade (Kochanska, 1993). Conceptualizaram então o temperamento como contendo três componentes:

- Emocionalidade: varia desde a quase ausência de reacção, a reacções emocionais intensas, fora de controlo, como chorar, fazer birras, etc. Envolve excitabilidade emocional e, numa extensão menor, excitabilidade comportamental.

- Actividade: compreende as noções fundamentais de tempo e vigor. Varia desde a letargia a comportamento energético. É medido pelo quantidade de fala, movimentação corporal e duração do comportamento energético. Envolve também excitabilidade comportamental, mais especificamente, elevada amplitude e frequência de respostas, mas é diferente da excitabilidade fisiológica e experiencial que ocorre na emocionalidade.

- Sociabilidade: é a preferência de estar com os outros mais do que estar sozinho, procurando partilhar actividades, receber atenção dos outros, etc. As medidas típicas são a frequência e as tentativas para iniciar contacto social, quantidade de tempo gasto pelos outros, reacções ao isolamento e responsividade social.

Segundo os autores, estas três componentes têm uma base genética forte, mas variam sob o efeito dos acontecimentos desenvolvimentais e das forças ambientais. No entanto, o facto de terem origem genética sugere maior estabilidade ao longo do tempo. Em sua opinião, os traços de temperamento são os fundamentos para a personalidade posterior, considerando que a descrição de uma criança mais velha ou um adulto será incompleta se forem omitidos estes três traços, dado que, como referem, são visíveis e não desaparecem após a infância. Nesta perspectiva, seria surpreendente se uma criança extremamente activa não fosse um adulto activo e isto aplica-se também ao aspecto emocional e à sociabilidade.

Relativamente ao desenvolvimento do temperamento, os autores referem que se processa por diferenciação, num processo semelhante à diferenciação

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biológica. Ou seja, da mesma maneira que uma célula evolui para diferentes tecidos de maior complexidade, também o temperamento, especialmente a emocionalidade, como os autores referem, partindo da angústia primordial no primeiro ano de vida, evolui para outras disposições temperamentais no segundo ano: a angústia, o medo e a raiva. No que diz respeito à actividade, é esperado que as componentes de tempo e vigor, dificilmente separáveis nas primeiras fases de desenvolvimento, divirjam um pouco à medida que os acontecimentos de vida canalizem a energia para rapidez ou amplitude, embora a relação entre tempo e vigor permaneça alta. No caso da sociabilidade, à medida que os outros se vão tornando responsivos para com a criança, é esperado que esta também se vá tornando mais responsiva.

À medida que a criança vai crescendo é suposto, nesta perspectiva, que se altere o nível de significado na expressão do temperamento; a maturação do sistema nervoso e as experiências sociais "flexibilizam" a emocionalidade; à medida que o indivíduo cresce em tamanho e força, também se torna maior o dispêndio de energia; acontecem também mais oportunidades de contacto social e isso provocará um aumento da sociabilidade. Mas a estabilidade dos traços mantém-se, refere-se a uma dada posição na distribuição. Como foi já referido Buss e Plomin (1987) consideram o temperamento como sendo estável ao longo do desenvolvimento, apesar de ser necessário considerar que os acontecimentos ambientais o podem influenciar. Por exemplo uma criança activa será sempre activa, mas poderá momentaneamente mostrar-se mais lenta se estiver doente. Ou seja, a origem genética dos traços não os torna, como afirmam Buss e Plomin (1987), imutáveis, embora sejam as características de personalidade mais estáveis.

Acerca da interacção pessoa-meio, os autores recordam a sua definição de traços de personalidade, assumindo o temperamento como uma dimensão de cariz essencialmente pessoal. Em termos teóricos, admitem conceber o meio como um agente causal, mas que recebe mais atenção do que as evidências justificam. No entanto, optam por enfatizar o papel da pessoa como agente causal, na medida em que são os indivíduos que podem seleccionar os ambientes e muitas vezes avalia-se o temperamento nessa base. Assim, uma

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pessoa activa encontrar-se-á mais frequentemente em situações de grande agitação; um indivíduo sociável seleccionará naturalmente mais actividades com pessoas; um emocional tende a evitar situações de stress.

Para estes autores, os extremos do temperamento podem ser importantes na determinação da natureza do ambiente social. O que isto significa é que características temperamentais marcadas de cada indivíduo podem imprimir nos contextos mudanças em função dessas características. Buss e Plomin (1987) usam também o conceito de "encontros e desencontros" entre a pessoa e o ambiente. Apresentam como exemplo uma criança com alto nível de actividade que se sentirá confortável em tarefas de execução rápida, mas ficará irritada quando colocada numa situação de actividade calma ou simplesmente for forçada a permanecer sentada durante algum tempo. Assim, Buss e Plomin (1984) sublinham a forte componente genética dos traços temperamentais, mas reconhecem também a importância do ambiente, considerando que este pode afectar significativamente o modo como a personalidade da criança se desenvolve: crianças com temperamentos similares, à partida, podem desenvolver diferentes personalidades, como resultado das suas interacções com o meio.