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Interacções e Temperamento

A TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO DE VYGOTSKY

4. A leitura conjunta de livros de imagens

A possibilidade de um adulto "afastar" a criança do presente imediato, promovendo a sua capacidade de representação, pode concretizar-se através das mais diversas actividades interactivas do quotidiano da criança. Vamos, no entanto, centrar-nos numa dessas actividades, a leitura conjunta de livros de imagens, mais especificamente nas interacções em situação de leitura partilhada de livros de imagens14 A razão desta opção prende-se não só com o facto de ser considerada uma actividade que dá à criança boas oportunidades de descontextualização (Sorsby & Martlew, 1991), mas também porque o nosso trabalho empírico será desenvolvido a partir de uma situação interactiva deste género.

A capacidade que a criança exibe para lidar com pedidos que envolvem representações pode variar consoante a actividade proposta. A este respeito, Sorsby e Martlew (1991) salientam o facto de a leitura de livros ser um estímulo estático, onde é preponderante a linguagem, mais do que noutras actividades. Neste tipo de actividade a criança pode revelar-se mais capaz de lidar com pedidos linguísticos abstractos, do que noutra qualquer situação em que a atenção tem também de ser dirigida para outros aspectos como, por exemplo, a coordenação motora. Como Snow e Ninio (1986, citados por Sorsby & Martlew, 1991) sublinham, esta é uma tarefa que deixa pouco espaço à

14 O termo "leitura conjunta de livros de imagens" refere-se à situação em que o adulto e a criança vêem

em conjunto um livro de imagens; assim a palavra leitura, embora seja a que aparece referida na literatura, não deverá ser entendida como leitura de texto em sentido restrito.

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actividade motora, apelando mais à atenção da criança, que deve dirigir-se para os aspectos simbólicos.

Num trabalho que estes autores desenvolveram com crianças de 4 anos, verificaram a utilização de um discurso materno abstracto mais elevado na situação de leitura de livros do que numa actividade de modelagem. Na situação de leitura de livros, as crianças mostravam-se mais capazes de lidar com a linguagem abstracta, do que na tarefa de modelagem, provavelmente porque aquela estava apenas centrada na linguagem. O discurso do adulto pode ir desde colocar questões sobre material directamente observável, até o desenhar de relações ou prever consequências. Quanto mais abstracto for o discurso do adulto, mais elevado será o nível de representação em que a criança é colocada. Segundo Sorsby e Martlew (1991) a noção de representação é mais facilmente introduzida através de uma situação como a leitura de livros, dado não se tratar de uma tarefa essencialmente centrada no produto, como é o caso da tarefa de modelagem. As tarefas de acção não envolvem níveis elevados de representação, apesar de poderem envolver a linguagem abstracta para explicações, planeamento de objectivos e previsão de resultados.

Wells (1983) salienta que os livros de histórias constituem a ponte entre os diálogos em actividades diárias e o contexto escolar. Refere-se especificamente a situações de interacção com mães, cuja leitura de livros com os seus filhos possibilita a abstracção para lá do imediato, trabalhando num sistema simbólico secundário, que reflecte a ligação entre linguagem, pensamento e socialização referida na perspectiva vygotskiana ao conceptualizar as funções psicológicas superiores como resultantes da actividade conjunta adulto-criança.

Debaryshe (1993) sublinha também a leitura de livros como uma actividade fundamental em crianças de idade pré-escolar, na medida em que parecem facilitar a aprendizagem da linguagem de diversas formas:

- É uma actividade na qual os pais fornecem modelos linguísticos mais sofisticados do que em qualquer outra actividade do dia-a-dia (Snow,

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Arlman-Rupp, Hassing, Jobse, Joosten & Vorsten, 1976; Hoff- Ginsberg, 1991; citados por Debaryshe, 1993).

- Constitui um momento óptimo para o ensino intensivo de vocabulário (Ninio, 1980, 1983; Snow & Goldfield, 1983; citados por Debaryshe, 1993).

- Os pais, pela sensitividade às capacidades das suas crianças ajustam o seu comportamento de leitura (Pellegrini, Brody & Sigel, 1985).

- A frequência da leitura em voz alta durante o período pré-escolar está associado à competência de linguagem oral, prontidão para a leitura e capacidades linguísticas e de leitura na escola (Share, Jorm, Maclean, Matthews & Waterman, 1983; Wells, 1985; citados por Debaryshe, 1993).

Segundo esta autora, parece ser mais importante o momento em que as mães começam a fazer leituras do que a frequência com que o fazem; os seus resultados mostram que o início da rotina de leitura é o aspecto que mais se correlaciona a competência linguística. É interessante verificar como é que os pais determinam esse momento; Debaryshe refere estudos (por exemplo, Sigel, 1985; Goodnow, 1988) que sugerem que as crenças dos pais relativas ao desenvolvimento, à importância da estimulação da linguagem e à idade a partir da qual a criança pode beneficiar desta actividade, são determinantes nessa decisão. Mas podem também ser as crianças a interferir neste processo através da suas características individuais como, por exemplo, verifica-se que os pais de crianças mais faladoras, ou que são capazes de se concentrar durante maiores períodos de tempo, ou que exprimem mais interesse nessa actividade, iniciam mais cedo essa rotina (Clark, 1975, citado por Debaryshe, 1993).

Valdez-Menchaca e Whitehurst (1992) estudaram uma situação de interacção onde se procedia à leitura de livros de imagens, com crianças de idade pré-escolar, e demonstraram a existência de efeitos significativos na linguagem, obtidos através de interacções que encorajam a criança a falar sobre as imagens na visualização conjunta e partilhada de livros da colecção

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Teo Descubre el mundo15. Concluíram tratar-se de uma situação interactiva

que permite o fornecimento à criança de modelos apropriados e feed-back no uso progressivamente mais sofisticado da linguagem.

Um aspecto que estes estudos permitem salientar é o impacto deste tipo de actividade interactiva no desenvolvimento da linguagem em crianças de idade pré-escolar.

A este respeito, Whitehurst, Falco, Lonigan, Fishel, DeBaryshe, Valdez- Menchaca e Caufield (1988) demostraram os efeitos da leitura em diálogo^6 em

contraste com a mera exposição ao livro; na opinião dos autores, este tipo de leitura, permite acelerar o desenvolvimento da linguagem em crianças de dois anos, sendo baseado nos princípios de prática, feed-back e interacções com

andaimes apropriados. O trabalho destes autores consistiu na elaboração de

um programa onde eram transmitidas aos pais técnicas específicas para usar em interacções com livros de imagens com crianças de idade pré-escolar. Os princípios da leitura em diálogo, que constituíam o cerne do programa, apelavam para uma actividade que era mais do que a simples leitura do texto, devendo o adulto transmitir à criança um modelo de linguagem, colocar questões, fornecer feed-back e conduzir a criança a descrições progressivamente mais sofisticadas, ensinando gradualmente a criança a contar ela própria a história.

Este trabalho provou que as competências de linguagem em crianças pequenas podem ser significativamente aumentadas com a utilização deste programa. No entanto, os efeitos a longo prazo são ainda desconhecidos, embora os autores coloquem como hipótese que estes ganhos se venham a reflectir mais tarde na literacia17 Pelo menos, os autores acreditam que as competências relativas ao conceito de andaime transmitidas aos pais continuem a facilitar o processo de crescimento da criança nos diferentes domínios.

15 No nosso trabalho empírico foi também utilizado um livro desta série. 16 Tradução de dialogic reading (Whitehurst et ai, 1988).

17 O termo literacia, tal como referido por Payne, Whitehurst e Angell (1994) compreende aspectos como

frequência de leituras, duração das leituras, número de livros em casa, frequência de pedidos da criança para efectuai leituras, frequência de manuseamento privado de livros pela criança, frequência de idas a uma livraria, etc. No seu trabalho os autores encontraram uma correlação forte entre o ambiente de literacia e a linguagem da criança.

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Arnold, Lonigan, Whitehurst e Epstein (1994) referiram a existência de três classes de comportamento parental em histórias e que consideram ligadas ao desenvolvimento da linguagem:

- técnicas evocativas que encorajam a criança a ter um papel activo; por exemplo, perguntar à criança "o quê?" é preferível do que pedir à criança a leitura directa ou para apontar. Tal como Wells (1985; citado por Arnold et ai, 1994) refere a criança retira mais benefícios de uma aprendizagem activa do que passiva.

- feed-back parental que fornece à criança informação sobre a linguagem. Os autores referem a existência de vários trabalhos (cf. Scherer & Olswang, 1984) que demonstram a importância de fornecer à criança exemplos ligeiramente mais avançados, em termos linguísticos, do que aqueles que a criança utiliza.

- mudanças progressivas nos padrões do adulto é um aspecto importante para promover o desenvolvimento das competências linguísticas. Este é um princípio baseado na noção de ZDP de Vygotsky.

Assim, o uso de formas mais avançadas de linguagem na leitura em diálogo implica oportunidades frequentes para a criança falar de um livro com um adulto responsivo, justificando-se a interacção "um para um" (Whitehurst et

ai, 1988). Valdez-Menchaca ef ai (1992) citam o trabalho de Karweit (1989)

onde o autor reflecte que os grupos, nas instituições, são muitas vezes responsáveis por tornar os tempos de histórias em actividades de crianças "sentadas a escutar" não as implicando numa participação activa. No entanto este aspecto parece ser diferente quando considerados os níveis socio- económicos. Num trabalho posterior, Whitehurst, Arnold, Epstein, Angell, Smith e Fischel (1994) verificaram que há melhores resultados em crianças de nível sócio-económico baixo quando a leitura em diálogo é feita em pequenos grupos.

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