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Interacções e Temperamento

A TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO DE VYGOTSKY

2. Teorias do Temperamento

2.2. A perspectiva de THOMAS E CHESS

Thomas e Chess (1977) conceptualizam o temperamento como uma componente estilística do comportamento; não diz respeito às motivações nem às competências. Os indivíduos podem ter a mesma motivação e competência para determinada tarefa, mas podem diferir marcadamente na forma como a realizam em termos da sua actividade motora, intensidade da expressão do humor, facilidade de adaptação, persistência, distractibilidade, etc, características que representam algumas das componentes do temperamento nesta abordagem. Assim, o temperamento:

- é um atributo psicológico independente; não pode ser derivado da cognição, motivação ou emocionalidade. Interage com esses aspectos em virtude de se influenciarem mutuamente. Por exemplo, através de sequências dinâmicas de interacção entre o temperamento e a

Capítulo3-0 Temperamento

motivação, uma criança com baixo nível de persistência (aspecto temperamental) terá de ser especialmente motivada.

- deve ser sempre diferenciado de motivações, competências e personalidade. Os autores citam como exemplo a diferença entre "saber andar" e "energia para andar".

- é sempre expresso como resposta a um estímulo externo, oportunidade, expectativa ou pedido. Pode ser considerado um factor dinâmico que actua como mediador da influência do meio na estrutura psicológica individual. Uma criança pode, e geralmente acontece, comportar-se de forma diferente em situações sociais que apresentam diferentes pedidos e expectativas, tais como a escola ou em casa. O padrão de temperamento não muda, mas o contexto social pode torná- lo mais intenso ou minimizar a sua expressão.

A influência do temperamento, segundo Thomas e Chess (1987), é bidireccional: o efeito de uma dada influencia ambiental será marcado pelo temperamento da criança. Ao mesmo tempo, o temperamento da criança afectará as atitudes e o comportamento dos indivíduos significativos do seu contexto. Os autores frisam que não advogam uma teoria temperamental da personalidade; para eles, a personalidade pode ser considerada a estrutura composta pelos atributos que constituem a individualidade da pessoa; inclui motivações, valores e mecanismos de defesa, da mesma forma que o temperamento. Diferentes personalidades podem ter semelhanças temperamentais, tal como personalidades semelhantes podem ter diferentes temperamentos.

Acerca das componentes presentes no seu conceito de temperamento, Thomas e Chess (1987) desenvolveram categorias de temperamento a partir de entrevistas aos pais sobre detalhes do comportamento dos seus filhos e definiram nove categorias a partir das quais encontraram três padrões de temperamento com significado funcional: crianças com temperamento fácil, difícil e "lento a aquecer"21.

Capítulo 3-0 Temperamento

Relativamente a questões ligadas ao desenvolvimento deste conceito, os autores postulam que o temperamento existe no recém-nascido como resultado de características inatas do cérebro. Desde que a criança nasce os traços temperamentais entram num processo interaccional constante com outros atributos psicológicos, incluindo cognição e emoção, e com um ambiente intra e extra-familiar. Este processo interaccional pode reforçar, modificar ou trocar uma ou outra característica temperamental. Assim, o temperamento é relativa, mas não absolutamente, estável ao longo do tempo, dependendo especialmente das influências ambientais.

Sobre a questão da ligação temperamento-meio, Thomas e Chess (1977) consideram o temperamento um constructo basicamente personológico, mas não uma entidade fixa e imutável. Desenvolveram o modelo do "melhor ajustamento"22 que afirma que quando há uma consonância entre as características temperamentais da criança e o meio (oportunidades, expectativas e pedidos do meio) é possível um desenvolvimento óptimo numa direcção positiva. Assim, o equilíbrio depende do ajustamento entre as oportunidades, expectativas e exigências do meio e as capacidades e características e o estilo de comportamento do indivíduo. No caso de se verificarem discrepâncias, o desenvolvimento não prossegue de forma positiva. Estas afirmações permitem perceber que os autores atribuem um papel importante à articulação de ambos os aspectos: o temperamento e o meio. Mas este modelo não implica necessariamente uma semelhança de temperamento dos pais e da criança para existir ajustamento; pode acontecer que a criança tenha um temperamento diferente do dos pais, mas corresponder àquilo que eles esperavam ou desejavam e assim a diferença de temperamentos não constitui um problema. É então importante considerar esta noção de ajustamento em função de um determinado contexto, com valores, níveis económicos, aspectos culturais, próprios.

Em resumo, estas duas perspectivas, que analisamos um pouco mais em pormenor, mostram-nos já uma certa diversidade de posicionamentos face às

Capítulo 3 — O Temperamento

mesmas questões; o quadro 3.1 é uma tentativa de síntese destas duas perspectivas, relativamente aos aspectos explorados, que permite uma análise comparativa mais rápida das diferenças e semelhanças existentes entre ambas.

Quadro 3.1 - Síntese de concepções de Buss e Plomin e de Thomas e Chess sobre temperamento.

TEORIAS DO

TEMPERAMENTO Buss E PLOMIN THOMAS E CHESS

Definição do conceito

Traços de personalidade de origem genética. Surge durante o 1o ano de vida.

Exclui: diferenças individuais que não sejam traços de personalidade, que não se mantenham estáveis ou que sejam originados em acontecimentos.

Componente estilística do comportamento. Expresso como resposta a estimulo externo. Exclui: motivações, competências e personali-

dade.

Componentes

Emocionalidade Actividade Sociabilidade

Define três padrões de temperamento: Crianças de temperamento fácil, lento a aque- cer e difícil.

Desenvolvimento do temperamento

Processo de diferenciação semelhante ao bio- lógico.

À medida que o desenvolvimento acontece é necessário considerar as influências do meio.

Inicialmente são características inatas do cérebro.

Ao longo do crescimento em interacção constante.

Interacção com o meio

Enfatiza a pessoa como agente causal que selecciona os ambientes em função de carac- terísticas temperamentais e que os pode modificar.

Modelo do "melhor ajustamento": análise da consonância / dissonância entre caracterís- ticas temperamentais e do contexto.

Como se pode constatar não se verificam grandes pontos em comum entre as perspectivas de Buss e Plomin e de Thomas e Chess. Aliás o aspecto comum mais saliente parece dizer respeito à consideração da influência do meio no desenvolvimento do conceito, atribuindo-lhe, ainda que com pesos diferentes, algum cariz interactivo, mas pressupondo sempre alguma forma de articulação entre temperamento e o contexto. A procura de trabalhos de outros autores que se tenham debruçado sobre o estudo do temperamento, confirma esta ausência de uma concepção global consensual face a todos os aspectos envolvidos no conceito.

Capítulo 3-O Temperamento

Centrando-nos agora apenas na sua definição do conceito de temperamento e na sua conceptualização enquanto variável interactiva, tal como referimos no início deste capítulo, iremos sistematizar as posições de Goldsmith e de Rothbart.