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O nível de actividade e sua relação com os problemas comportamentais, as relações interpessoais e a linguagem

Interacções e Temperamento

A TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO DE VYGOTSKY

3. O Nível de actividade da criança

3.1. O nível de actividade e sua relação com os problemas comportamentais, as relações interpessoais e a linguagem

Estes dados que relacionam o temperamento, e em especial o nível de actividade, com problemas comportamentais são confirmados por Thomas e Chess (1977) que referem que o temperamento não é uma causa directa, mas coloca a criança em alto risco de problemas comportamentais. Teglasi (1987,

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citado por Mcintosh & Cole-Love, 1996) salientou que um alto nível de actividade pode exacerbar problemas comportamentais associados a alta distractibilidade e pode mesmo fazer a criança ficar fora de controlo ou ser incapaz de parar uma actividade absorvente. Nas crianças pequenas, o nível de actividade alto é, segundo o autor, o comportamento visto como mais problemático. A falta de atenção e a impulsividade também são evidentes nas falhas destas crianças no completamento de tarefas, que manifestam ainda dificuldade em seguir direcções e apresentam grande número de "descuidos".

Num outro estudo de Jewsuwan, Luster e Kostelnik (1993) os autores também revelam ter encontrado essa correlação entre o nível de actividade temperamental e problemas comportamentais. Segundo estes autores, as crianças com maior nível de actividade apresentam mais problemas de comportamento; as crianças mais activas envolvem-se mais em situações de conflito, tais como levar para longe os brinquedos de outras crianças, atirá-los para longe ou bater nos outros.

Estas afirmações, que associam as crianças mais activas a situações de conflito social, parecem traduzir também a necessidade de perceber um eventual impacto desta dimensão temperamental, o nível de actividade, nas relações interpessoais.

Segundo Buss (1981) o nível de actividade também apresenta uma correlação significativa, dentro e ao longo de uma determinada idade, com avaliações relativas às relações interpessoais: as crianças mais activas eram vistas como menos concordantes, menos obedientes e mais competitivas do que as menos activas. Outros estudos corroboram esta ideia (cf. Battle & Lacey, 1972; Halverson & Waldrop, 1973).

Muitas vezes este tipo de características individuais da criança, bem como a forma como os pais as percebem, acarreta determinadas formas de actuação parental. Como uma disposição que emerge desde cedo e permanece ao longo do tempo, o nível de actividade da criança pode afectar a forma como se estabelece a interacção com os seus pais. Segundo Buss (1981), as crianças mais activas, cheias de energia e, frequentemente, de movimento, podem exceder os limites de tolerância parental mais do que as menos activas. Os

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seus estudos permitiram concluir que os pais de crianças mais activas tendem a encetar mais "lutas de poder", interferem mais nas tarefas e têm dificuldade em estabelecer boas relações de trabalho com os seus filhos. Estes resultados são, na opinião do autor, congruentes com a teoria de Bell (1968)23 acerca dos comportamentos parentais de controlo: as crianças mais activas elidam nos seus pais comportamentos de controlo de limite superior; assim, estes tendem a responder-lhes com distracção, reforços rápidos ou não reforços, proibições verbais e punições.

Pelo contrário, as interacções com crianças menos activas eram geralmente mais pacíficas, harmoniosas e calmas. Nestas interacções os pais davam mais suporte e encorajamento e estabeleciam uma boa relação de trabalho com os seus filhos.

Buss (1981) salienta como limitação nestas conclusões o facto de os pais das crianças mais activas serem, provavelmente, também eles mais activos, dado tratar-se de uma característica com base genética. Utiliza ainda a noção de causalidade bidireccional pela qual sublinha que talvez os pais e as crianças mais activas sejam ambos competitivos o que no seu efeito conjunto resulta em "lutas de poder". No entanto, o seu estudo não avaliou essas disposições parentais.

A linguagem é também um outro aspecto que aparece associado às diferenças de nível de actividade da criança. Paul e Kellogg (1997) realizaram um trabalho que analisa características temperamentais de crianças que aos dois anos eram identificadas como tendo baixo nível no desenvolvimento da linguagem expressiva, em comparação com crianças cujo desenvolvimento nessa área é considerado normal. Quando as crianças tinham seis anos, os pais preencheram uma escala de temperamento, onde se verificou que as crianças que tinham baixo nível de linguagem expressiva eram avaliadas com

Bell (1968) propõe dois tipos de comportamentos de controlo parental, contingentes ao comportamento da criança: o primeiro, a que chamou "controlo de limite superior" diz respeito aos comportamentos parentais que pretendem reduzir ou redireccionar o comportamento da criança que excede o limite parental razoável de intensidade e frequência. O outro, o controlo de limite inferior, refere-se ao comportamento parental destinado a estimular a acção da criança.

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valores altos de timidez e não obtinham valores diferentes dos das outras crianças relativamente ao nível de actividade, à distractibilidade, persistência e facilidade/dificuldade de pais e técnicos lidarem com elas.

No entanto, e de acordo com os autores, estes resultados são surpreendentes confrontando-os com os dos trabalhos de Paul e James (1990) onde é referido que os pais avaliam as crianças com baixo desenvolvimento da linguagem expressiva, aos 2 anos, como mais activas, desatentas e mais difíceis de lidar. Estes dados confirmam também as conclusões de Caulfield (1989, citado em Paul e Kellogg, 1997) que refere que os problemas comportamentais das crianças com dificuldades na linguagem expressiva eram devidos à sua frustração pela dificuldade de comunicação. Assim, enquanto um alto nível de timidez era considerado como um "quadro" temperamental de crianças com dificuldades nesta área e podendo contribuir para esse atraso, os problemas comportamentais eram vistos como resultantes de "entraves" à comunicação. Ou seja, as crianças que tendem a ser tímidas podem estar menos motivadas para comunicar e esta menor motivação pode funcionar, juntamente com outros factores, para atrasar o desenvolvimento da sua

linguagem.

Relativamente ao nível de actividade, Paul e Kellogg (1997) verificam, no entanto, uma correlação significativa negativa com a variável comprimento

médio do enunciado24, o que, em sua opinião, pode reflectir o facto de as

crianças mais activas estarem menos dispostas a produzir frases longas, dado que estão mais motivadas para a actividade motora do que para desenvolver

uma conversação prolongada. y O nível de actividade não mostra, no entanto, uma correlação

significativa com a variável nível desenvolvimental da frase25. Assim, não se

pode dizer, segundo os autores, que a complexidade sintáctica do discurso da criança esteja relacionada com este factor comportamental. Em vez da qualidade, parece ser a quantidade de verbalizações que se encontra associada ao nível de actividade.

24 Tradução de "mean lenght of utterance". 25 Tradução de "developmental sentence score".

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