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4 O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS EM QUESTÕES AMBIENTAIS

4.4 A adequação do OSC para a resolução de conflitos ambientais

98 Idem, p. 48.

99OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora

Nuria Fabris. Porto Alegre: p. 155, 2010.

100 FRAZÃO, Letícia; LEME, Alexandre de Moraes. O Tratamento especial e diferenciado dos países em desenvolvimento. Do GATT à OMC, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília, 2011.

São várias as propostas para melhorar resolução dos conflitos ambientais no âmbito da OMC, dar maior efetividade às decisões do OSC e aumentar a integração entre os acordos multilaterais envolvendo o meio ambiente e o seu conjunto de normas, dentre elas: a) valorizar o caráter ambíguo e flexível das exceções gerais do artigo XX, deixando que o sistema de solução de controvérsias resolva os litígios caso a caso, adequando-os aos casos concretos; b) realizar uma emenda ao artigo XX do GATT; c) criar, no âmbito da OMC, um acordo específico para as questões ambientais; d) criação de uma organização internacional do meio ambiente.101

A primeira proposta, de valorizar o caráter ambíguo e flexível das exceções do artigo XX, baseia-se na análise jurisprudencial do GATT/OMC ao longo dos anos, a exemplo do caso apresentado Estados Unidos – Camarões, em que a

medida unilateral tomada pelos EUA fora respaldada no artigo XX, alínea (g), após diversas tentativas de negociação sobre a matéria, especialmente com a Malásia.

A decisão levou em conta também que, além de se encaixar na hipótese da alínea g), a medida estava em conformidade com o caput do artigo XX, vez que não constituiu meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre Estados, nem uma restrição disfarçada ao comércio internacional.

A partir dessa decisão, argumenta-se, portanto, que medidas comerciais que sejam tomadas de acordo com tratados multilaterais ambientais e que sejam aplicadas, entre partes dos tratados, de maneira transparente e não discriminatória, provavelmente estariam consistentes com as normas do GATT, mesmo que tais medidas tivessem que passar pelo escrutínio do OSC a fim de que este certifique a sua adequação ao ordenamento interno da OMC.102

Caso as medidas sejam tomadas tendo como base um acordo multilateral de meio ambiente, porém, contra Estados não-partes do acordo, ou medidas unilaterais, deve-se criar um nexo territorial para a questão, já que o nexo jurisdicional não existirá, assim como ocorreu no caso Estados Unidos – Camarões.

Logo, percebe-se que a ambiguidade do artigo XX dá mais espaço para que o OSC leve em consideração acordos multilaterais ratificados entre os Membros como meios suplementares de interpretação, principalmente no que se refere às

101FERREIRA, Gustavo Assed. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otavio (coord.). Comércio Internacional e desenvolvimento. Fundação Boiteux: 2006, p. 51.

relações entre comércio e meio ambiente. Tamanha ambiguidade e flexibilidade, no entanto, contribuem para a falta de previsibilidade das decisões do órgão e, consequentemente, contribuem para uma insegurança jurídica dentro da OMC.

A proposta de emendar o artigo XX, por outro lado, seria no sentido de modificar as alíneas b) e g), assim como o caput do artigo, a fim de que acomodem medidas de proteção ambiental que estejam em adequação aos princípios e normas da Organização Mundial do Comércio, bem como com os princípios que norteiam os acordos ambientais multilaterais. Tais medidas seriam então responsáveis por balizar a interpretação das exceções do artigo XX a fim de se evitar maiores conflitos normativos. No entanto, dada a dificuldade atual dos Membros da OMC de realizarem acordos, a exemplo do fracasso da Rodada Doha, propostas como a negociação de emendas ao artigo XX dificilmente irão se concretizar.

No que tange à proposta de criar, no âmbito da OMC, um acordo específico para as questões ambientais, a principal motivação para se pensar nessa solução é a atual existência de um acordo específico para os direitos de propriedade intelectual dentro da estrutura da OMC, denominado TRIPS.

As semelhanças apontadas entre os dois casos são as seguintes: na medida em que foi o fato de que os direitos de propriedade intelectual são afetados pelo comércio que determinou sua inclusão no rol de acordos da OMC, as questões ambientais, que também são afetadas pelo comércio, deveriam contar com regulação equivalente; na medida em que disposições do TRIPS aplicam-se ainda que não se dê atividade de fronteira, ou seja, mesmo sobre relações puramente domésticas, partindo-se do princípio de que os direitos de propriedade intelectual são inerentemente dignos de proteção, o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao direito ambiental [...]103

Da mesma forma que a propriedade intelectual influi nos custos para a produção de bens e comércio de serviços, o mesmo serve para as questões ambientais presentes na utilização de tecnologias ecologicamente corretas, medidas nacionais e internacionais dirigidas mais ao processo pelo qual algo é produzido do que ao produto, ou mesmo na questão de subsídios nacionais para exportações ou produtos domésticos. Tudo isso, dentre outros fatores, associam as questões ambientais aos fluxos de comércio.

103FERREIRA, Gustavo Assed. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otavio (coord.). Comércio Internacional e desenvolvimento. Fundação Boiteux: 2006, p. 53.

No entanto, dificuldades no que tange à identificação de um conjunto de princípios centrais de Direito Internacional do Meio Ambiente, bem como dificuldades na conformação dos acordos multilaterais envolvendo a questão ambiental e consenso nas decisões do sistema de solução de controvérsias, impedem que ocorra a criação desse acordo específico junto ao ordenamento da OMC.

Por fim, quanto à hipótese de criação de um organismo internacional responsável pela proteção do meio ambiente (WEO – World Environment Organization), verifica-se que a possibilidade de sua criação representaria um

verdadeiro contrassenso ao direito internacional, na medida em que abriria uma distância ainda maior entre os temas comércio e meio ambiente e aumentaria, consequentemente, os potenciais conflitos existentes entre os dois.104

Apesar de a ideia ter sido lançada pela França e hoje contar com o apoio de mais de 100 Estados, recentemente, durante a Conferência da Rio+20, alguns países, a exemplo do Brasil, foram contra a criação desse organismo uma vez que seria responsável por isolar a temática do meio ambiente das vertentes econômica e social do desenvolvimento sustentável, o que por si só seria considerado um retrocesso. 105

Argumentou-se, também durante a Rio+20, que a ONU e os demais países presentes na conferência deveriam se concentrar no fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) ou mesmo de sua conversão em uma agência internacional. Criado há 40 anos, o PNUMA carece de força e meios adequados para cumprir suas metas e objetivos, necessitando portanto de uma reformulação em sua estrutura. 106

No mais, a criação de um organismo internacional independente geraria um problema quanto à multiplicidade de foros e à possibilidade da existência de decisões conflitantes sobre a matéria, vez que poderia um Estado recorrer a diversos foros para a resolução dos conflitos, dentre eles a Corte Internacional de Justiça (CIJ).

104 FERREIRA, Gustavo Assed. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otavio (coord.). Comércio Internacional e desenvolvimento. Fundação Boiteux: 2006, p. 54.

105 G1. Brasil contesta organização ambiental mundial proposta pela Europa. Disponível em: <

http://g1.globo.com/natureza/noticia/2012/02/brasil-contesta-organizacao-ambiental-mundial-proposta- pela-europa.html>. Acesso em 02 maio de 2015.

A não-vinculação da OMC a um tribunal superior e a inexistência de um tribunal superior a todos os tribunais é também um elemento que contribui para a fragmentação do direito internacional. A Corte Internacional de Justiça não é, portanto, superior ao OSC da OMC. Essas duas instâncias de resolução de conflitos podem ter competência sobre os mesmos casos, mas não há instrumentos de resolução de conflito de competências como existe no direito interno dos Estado.107

A possibilidade de escolha da CIJ, por exemplo, caracteriza-se pelo fato de sua competência abranger quaisquer litígios submetidos por partes de acordos multilaterais, Estados-membros da ONU ou não, podendo o conflito ser fundado na Carta da ONU ou em qualquer outro tratado vigente.108.

Ao contrário da CIJ, a OMC, através do seu OSC, concentra-se em resolver as controvérsias suscitadas somente entre seus Membros e desde que haja relação com os acordos firmados em seu âmbito, dentre eles o Ato Constitutivo.

Apesar de que a CIJ sempre concentrou seus esforços em casos ligados ao direito internacional clássico, geralmente envolvendo problemas fronteiriços, a Corte, uma vez que possui função jurisdicional e consultiva, ainda é competente para decidir e emitir pareceres consultivos sobre qualquer questão de direito internacional, entre elas a ambiental.

Uma das soluções para esse problema seria a inclusão de cláusulas específicas de eleição de foro, tanto nos acordos multilaterais ambientais, quanto na OMC, estipulando que a escolha de um sistema de solução de controvérsia tornaria precluso o recurso aos demais.109

Passado o problema da multiplicidade de foros, persiste o problema da possibilidade de tomada de decisões conflitantes pelo sistema de solução de controvérsia da OMC, uma vez que o Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC) não dispõe claramente sobre as fontes normativas a serem levadas em consideração pelos órgãos do sistema no julgamento de um contencioso.

O artigo 3.2 do ESC, esclarece apenas que o sistema de soluções de controvérsias serve para preservar os direitos e obrigações dos Membros, sem que isto implique em aumento ou redução de direitos, podendo-se concluir, portanto, que

107 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. 287.

108 OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora

Nuria Fabris. Porto Alegre: 2010, pág. 167/168.

109FERREIRA, Gustavo Assed. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otavio (coord.). Comércio Internacional e desenvolvimento. Fundação Boiteux, 2006, pág. 55.

as interpretações ficam restritas ao disposto nos Acordos firmados no âmbito da OMC, inclusive seu ato constitutivo, conforme já mencionado.

No entanto, ressalte-se que o mesmo artigo 3.2 é claro ao indicar que a interpretação dos acordos da OMC deve ser feita de acordo com as “normas usuais de interpretação do direito internacional público”, logo, com as normas contidas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. A aplicação da Convenção de Viena possibilita então que os órgãos do sistema utilizem os acordos multilaterais do meio ambiente (AMA’s) e/ou outros meios suplementares para se fazer uma análise interpretativa mais abrangente e coerente com a atual sistemática do direito internacional, vez que a OMC omite-se em estabelecer qualquer regra específica nesse sentido.

Em geral, o OSC utiliza a Convenção de Viena para tentar integrar o direito internacional econômico às outras normas do direito internacional público. A utilização de princípios gerais do direito prevalecem na maior parte do tempo, no entanto, outras normas internacionais podem vir a ser utilizadas como referencial necessário para a interpretação das normas da OMC, a exemplo das normas ambientais.110

Portanto, cabe ao OSC considerar o direito internacional como um sistema coerente de normas e princípios, visualizando-o de forma unificada, integrada e coerente, não ignorando a existência de normas em conflito e nem utilizando no julgamento do caso concreto apenas as normas do ramo do direito específico do sistema de controvérsias atuante, que no caso da OMC seria o direito internacional econômico.

110 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,