• Nenhum resultado encontrado

3 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

3.3 O Sistema de Solução de Controvérsias

A OMC tem como principal objetivo fazer com que o comércio que ocorre nos atuais tempos de globalização seja realizado da forma mais correta, democrática e leal possível. Para alcançar esses objetivos, é necessário que existam normas multilaterais que sejam fundamentadas sobre uma política de estabilidade e de confiança recíproca entre os Estados e que protejam as condições de concorrência, bem como o próprio fluxo de comércio.

Nesse sentido, torna-se fundamental a existência de um Procedimento de Solução de Controvérsias para que se conquiste, no sistema multilateral de comércio, uma maior segurança e previsibilidade dos institutos normativos da OMC, assegurando assim o cumprimento das obrigações que permeiam as relações

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_71/Artigos/artigo_Marcelodias.htm>. Acesso em 25 de março de 2015.

59 WTO. Venzuela, Brazil versus US: gasoline. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/edis07_e.htm>. Acesso em 25 de março de 2015. 60 WTO. US

– SHRIMP. Disponível em:<https://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/edis08_e.htm>.

comerciais e viabilizam a própria dinâmica do comércio internacional.

Adicionalmente, o Sistema de Solução de Controvérsia tem também a finalidade de interpretar e esclarecer as regras dos acordos por ele abrangidos, fornecendo um entendimento segundo as normas de interpretação do direito internacional público. Muitas vezes, o sistema deve ir além dos dispositivos quando as disposições contêm conceitos implícitos ou não articulados claramente, realizando um trabalho de construção das normas.

Entre os objetivos declarados da OMC, está o de administrar o sistema de solução de controvérsias, o que é realizado pelo Dispute Settlement Body (DSB), traduzido para Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), composto atualmente por representantes de todos os 160 Estados-membros da OMC61.

O Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, resultado do denominado Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC), uma das inovações obtidas após a Rodada Uruguai de 1994, começou a operar efetivamente em 1995, substituindo o sistema de solução de controvérsias existente no âmbito do GATT.

Embora nem todos os problemas do GATT tenham sido até então resolvidos com o novo ESC, este implementou um sistema de solução unificado, com regras claras sobre procedimento a serem aplicadas nas disputas, de modo a garantir maior efetividade às decisões adotadas pelo órgão.

Desde a sua criação, o ESC fora responsável por consolidar uma visão legalista das relações comerciais internacionais e manter algumas importantes brechas para que as soluções negociadas fossem preferíveis ao litígio entre os Membros da OMC. Com o ESC foram elaborados diversos instrumentos legais no sentido de solucionar os impasses entre os países no tocante a mercadorias, serviços e outras temáticas, dentre elas a própria questão ambiental, indo além dos mecanismos clássicos de regulamentação do comércio de mercadorias existentes no âmbito do GATT.

Dessa forma, algumas alterações foram trazidas à ordem jurídica internacional pelo ESC no tocante aos aspectos comerciais e que acabaram inovando a ordem jurídica, como no caso da unificação de procedimentos, com a criação de um único modelo de solução de controvérsias independentemente da

61 WTO. The WTO. Disponível em: < https://www.wto.org/english/thewto_e/thewto_e.htm>. Acesso

matéria tratada; da inversão da regra do consenso (reverse consensus), extinguindo a possibilidade de bloqueio do mecanismo pelo interesse de apenas um Estado- membro da OMC que assim desejasse para a totalidade de seus Estados-Membros, caso optem por recusar o estabelecimento de painel ou adoção de relatório extremamente importantes, e por fim a criação de um Órgão de Apelação.

Tais medidas proporcionaram ao sistema de resolução dos conflitos uma maior segurança, dada a natureza fortemente jurisdicional e vinculativa com que o dotou, e uma maior celeridade, pela redução dos prazos das diversas etapas do processo.

Dessa forma, o OSC da OMC dispõe hoje de uma estrutura desenvolvida capaz de solucionar diversas questões com muita rapidez, além de possuidor de um mecanismo de jurisdição compulsória responsável pela resolução de conflitos mediante aplicação do direito internacional e com possibilidade de aplicação de sanções internacionais importantes para a implementação das decisões e seu cumprimento por parte dos Estados.

O Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias está disposto no Anexo 2 da OMC62, composto por 27 artigos que são aplicáveis às controvérsias entre os Estados-membros nos acordos abrangidos. O OSC é competente para estabelecer painéis, acatar relatórios resultantes dos painéis e do Órgão de Apelação, autorizar e acompanhar a implementação de decisões, recomendações e suspensão de concessões e outras obrigações nos acordos63.

Conforme a evolução do conflito entre as partes, as etapas do mecanismo de solução de controvérsias na OMC podem ser o estabelecimento de consulta, de grupo especial (painel), a interposição de recurso ao Órgão de Apelação, a aprovação de recomendação pelo OSC, a implementação da recomendação, o controle sobre a implementação da recomendação, a aplicação de contramedidas, além de procedimentos alternativos dos bons ofícios, conciliação, mediação e arbitragem.

Inicialmente, a consulta é uma tradição diplomática do GATT de 1947. A consulta, de caráter obrigatório antes do estabelecimento de um painel, tem por

62 OMC. Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC). Disponível em:

<https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu.pdf>. Acesso em 04 abr de 2015.

escopo informar a parte demandada do descumprimento de acordo que porventura esteja ocorrendo. Personifica a busca por uma solução mutuamente satisfatória para os envolvidos e não possui reflexo sobre direito em procedimento posterior.64

Com a consulta, a parte demandada tem o prazo de até 10 dias para responder à parte demandante, e as consultas devem se realizar em até 30 dias. Se as consultas não solucionarem a disputa em até 60 dias do recebimento do pedido, a parte demandante pode requerer o estabelecimento do Painel, que é a fase seguinte do sistema.65

A fase de consulta tem se mostrado proeminente no que concerne a aspectos processuais, pois a parte demandante não poderá invocar, posteriormente, questões que não tenham sido apresentadas no estágio consultivo. Não ocorrendo a mútua compreensão entre os indivíduos envolvidos no litígio, o contencioso será encaminhado para uma esfera diferenciada da consulta, chamada de Painel (Grupo Especial).66

Os painéis podem realizar funções que extrapolam a instância da consulta, possuindo uma jurisdição incidental, que os permite interpretar os argumentos pares a fim de se identificar qual é o pedido e a causa de pedir, além de decidir sobre a competência e analisar todas as questões ligadas à prestação jurisdicional.

Quanto à sua composição, os painéis são compostos por três árbitros, escolhidos pelo Presidente do OSC, dentre uma lista de nomes indicados pelo conjunto de Estados , os quais fornecem parecer circunstanciado sobre a controvérsia e uma análise jurídica no tocante à probidade da reclamação, além de não poderem atuar em questões dos seus Estados pátrios, salvo consentimento da outra parte.

Após serem os painéis regularmente constituídos, deverão ser apresentadas petições escritas e realizadas duas audiências com as partes, de modo que elas possam apresentar seus argumentos aos membros do painel. Durante a fase, a parte demandante poderá solicitar a suspensão dos trabalhos, a qual não poderá exceder 12 meses, sob pena de caducar a autoridade para o estabelecimento do painel.67 64 ESC, Art. 4:2. 65 ESC, Art. 4:7. 66 ESC, Art. 7:1. 67 ESC, Art. 12:12.

Após a apresentação de réplicas e argumentações das partes, o painel deve submeter as seções descritivas do projeto de relatório para comentários das partes. Ultrapassada essa fase, o painel deve elaborar um relatório provisório, em relação ao qual as partes podem oferecer comentários.

Elaborado os relatórios, será emitido o relatório final com a conclusão do painel, que será circulado primeiramente às partes e, depois de traduzido, a todos os Membros. Para os painéis, o prazo para a apresentação do relatório final é de até 06 (seis) meses após o estabelecimento do painel e a determinação de seus termos de referência, sendo o referido prazo prorrogável por mais 3 (três) meses.

Com o relatório do painel já circulado, o mesmo poderá ser adotado pelo OSC, momento em que passará a ser obrigatório para as partes ou, em caso de apresentação de apelação por qualquer uma delas, será iniciada a fase seguinte, a apelação. Caso não haja apelação, o relatório deverá ser adotado pelo OSC dentro de 60 dias, a contar da data de circulação do documento entre os Membros.

Outro órgão bastante importante para o Sistema de Solução de controvérsias é o Órgão de Apelação (OAp), responsável por receber o recurso contra decisões dos painéis. As decisões do OAp apresentam grande embasamento jurídico, além de analisarem diversos tratados multilaterais e demais fontes do direito para subsidiar seus pronunciamentos, os juízes podem determinar que os Estados alterem os dispositivos incompatíveis conformando-os aos compromissos assumidos internacionalmente68. Em muitos casos há concordância entre o Painel e o OAp, porém, com embasamento diverso. Tal procedimento confere maior legitimidade e segurança jurídica nas decisões proferidas.

O prazo total que o sistema de solução de controvérsias da OMC leva para resolver um conflito é de nove meses no caso de não haver apelação e de doze no caso de esta ocorrer, o que demonstra sua agilidade para dirimir as diversas questões a ele direcionadas.69

A característica quase-judicial do sistema decorre do fato de que após ser tomada a decisão de um caso específico, em primeira instância ou pelo Órgão de Apelação, há a necessidade de a decisão passar por um processo político realizado pelo OSC, que seria a reunião do Conselho Geral.

68 VARELLA, M. D. The effectiveness of the Dispute Settlement Body of the World Trade Organization. Journal of Trade Law and Policy, v. 8, p. 09, 2009.

É a reunião do conselho que irá aprovar a decisão final, caso não exista um consenso negativo, ou seja, todos os Estados irem contra a decisão.70 É um mecanismo eficaz que sofreu mudanças desde o GATT (1947), vez que nesse sistema existia o consenso positivo, no qual para a decisão ser bloqueada bastava a sua rejeição por um só membro.

A atratividade do sistema na fixação de prazos para a conclusão de cada fase, que garante segurança e previsibilidade, a impossibilidade de um Estado desistir unilateralmente de um processo após a sua instauração, bem como a obrigatoriedade das decisões tomadas pelo OSC e a facilidade de seu acionamento, tudo isso torna o sistema de solução de controvérsias um dos mecanismos mais eficazes, entre os disponíveis atualmente nas relações internacionais, para assegurar direitos decorrentes das negociações.

Acrescente-se, por fim, o cabimento de demanda, perante o OSC, de qualquer violação das obrigações relacionadas ao comércio internacional, cabendo aos membros invocarem todos os acordos multilaterais firmados no âmbito da OMC, inclusive de seu Acordo Constitutivo.

No âmbito ambiental, o OSC deve se ater apenas às regras da OMC para proporcionar um âmbito significativo de proteção ao meio ambiente, coordenando o comércio e o meio ambiente e utilizando os acordos multilaterais existentes para aperfeiçoar sua interpretação das questões ambientais, conforme analisaremos adiante em alguns casos específicos onde situações envolvendo o meio ambiente e sua proteção foram colocadas em discussão frente algumas medidas comerciais.

70 ESC, Art. 16:4