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O arcabouço institucional do meio ambiente na OMC: Art XX do GATT e suas alíneas b) e g)

3 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

3.2 O arcabouço institucional do meio ambiente na OMC: Art XX do GATT e suas alíneas b) e g)

Muito embora não exista, no âmbito da OMC, um acordo específico que trate do tema meio ambiente, bem como os textos do GATT não prevejam regras específicas para a sua proteção, podemos encontrar, nos vários acordos firmados até o presente momento, diferentes disposições relativas a preocupações ambientais:

Não existe, no âmbito da OMC, nenhum acordo específico que trate do tema meio ambiente, mas em vários acordos firmados podemos observar disposições relativas a preocupações ambientais: preâmbulo da OMC, artigos X e XX do Acordo Geral sobre as Tarifas e Comércio (GATT), o Acordo sobre as Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual que dizem respeito ao comércio (ADPIC/TRIPS) e o Acordo sobre a Agricultura.53

Dentre as disposições citadas acima, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual que dizem respeito ao comércio (ADPIC/TRIPS) e o Acordo sobre as Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) são acordos específicos que buscam basicamente garantir que os produtos comercializados preencham certos requisitos ambientais e não criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional, reconhecendo explicitamente os direitos dos membros à proteção da saúde animal, vegetal e do ambiente ao nível que escolher.54

O ponto central da regulação jurídica ambiental no âmbito comercial encontra-se no próprio texto do GATT, mais especificamente em seu artigo XX, que reconhece a importância da proteção ao meio ambiente, mas o associa a duas exceções previstas em suas alíneas, sendo elas: medidas de restrição ao livre comércio em casos de proteção à vida das pessoas e dos outros seres vivos (b) e para a conservação dos recursos esgotáveis (g):

53 PIFFER, Carla. Comércio Internacional e Meio Ambiente: A organização mundial do comércio

como locus de governança ambiental. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.8,nº15, p. 125, Janeiro/Junho de 2011.

54 WTO. An introduction to trade and environment in the WTO. Disponível em:

Artigo XX – Exceções gerais. Sob reserva que estas medidas não sejam aplicadas de modo a constituírem um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, ou ainda uma restrição disfarçada ao comércio internacional, nenhum ponto do presente Acordo será interpretado para impedir a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante das medidas (…)

b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou à preservação dos vegetais (…)

g) relacionando-se a conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional55

Tais exceções previstas nas alíneas do artigo XX não podem ser analisadas sem uma análise sistêmica de todo o corpo normativo do GATT e não podem ser medidas de discriminação injustificada ao livre comércio:

Este artigo do GATT esboça a rejeição ao unilateralismo dos Estados que se utilizam da proteção ambiental como uma falsa barreira ao comércio internacional. O dispositivo estabelece que as medidas expostas nas alíneas não podem constituir uma discriminação arbitrária e injustificável entre Estados com as mesmas condições [...]56

Dessa forma, é inegável a importância do artigo como argumento a ser utilizado pelos Estados ao implementar novas políticas e regulações ambientais que tenham impacto direto no comércio internacional e gerem consequências a outros Estados, fazendo-se necessário identificar se a razão da medida restritiva é um disfarce para uma medida comercial que não precisaria ser adotada.

Em busca do equilíbrio entre os objetivos de liberalização comercial e a proteção da saúde dos seres humanos, dos vegetais e dos animais, o artigo XX b) exige o cumprimento de três condições.

Primeiramente, o Estado que deseja praticar a política de proteção deve necessariamente provar que a medida adotada deve visar essencialmente à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais, bem como da preservação dos vegetais. A escolha das medidas faz parte do poder discricionário do Estado, que são livres para instituir o nível de proteção interna desejado. Em seguida, faz-se mister identificar se a medida é realmente necessária, devendo-se demonstrar o elo de causalidade entre a medida e o efeito desejável, devendo aquela ser possível e disponível.

55GATT. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_07_

e.htm>. Acesso em 22 de março de 2015.

56 OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora

Por fim, deve-se procurar evitar de uma forma sistemática toda a discriminação arbitrária ou injustificada ao comércio internacional. Ainda que uma medida seja teoricamente possível, os Estados podem impugná-la sob alegação de que a mesma seria nefasta em função das condições concretas, por sua implementação gerar uma discriminação arbitrária ou injustificada a alguns membros.

A alínea g), que trata da conservação dos recursos naturais esgotáveis, adquire uma interpretação que, no entanto, não deve ser tão ampla, mas limitada em função do objeto e dos objetivos do acordo geral. A medida deve ter uma relação com a conservação dos recursos naturais esgotáveis, mas isso não significa que a mesma terá menos impactos sobre o meio ambiente. Deve também estar inserida na margem discricionária do poder público nacional. É preciso demonstrar o nexo de causalidade entre a medida em questão e o objetivo "conservação". A demonstração do nexo de causalidade dá legitimidade à medida.

Analisando-se então o caput do artigo XX, percebe-se o quanto o texto é ambíguo, vez que se faz necessário a presença rigorosa de três condições para que se autorize as exceções ambientais previstas nas alíneas b) e g) e comprove-se, portanto, que o Estado utiliza dessas exceções para chegar aos objetivos previstos pelas mesmas e não para maquiar uma barreira ao comércio internacional, são elas: uma "discriminação arbitrária" (entre os países onde as mesmas condições existem); uma "discriminação injustificável" (entre dois países onde as mesmas condições existem) ou uma "restrição disfarçada ao comércio internacional".57

A interpretação do artigo XX e suas alíneas, portanto, suscita algumas questões interessantes diante da incerteza quanto aos seus limites por conta das ambiguidades ainda existentes na própria redação do artigo e suas exceções. Por outro lado, a existência de ambiguidade permite maior maleabilidade em novas soluções para questões futuras:

A imprecisão das expressões utilizadas deixa uma margem de manobra considerável aos intérpretes do Acordo Geral, a exemplo do Órgão de Solução de Controvérsias. Embora a análise das expressões tenha sido aplicada somente a dois casos concretos, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC muito contribuiu a consolidação para uma interpretação coerente sobre o tema [...]58

57 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. 271/272.

58 VARELLA, Marcelo Dias. O acúmulo de lógicas distintas ao Direito Internacional: Conflitos

Nesse panorama, a jurisprudência da OMC, como veremos no próximo capítulo, não conseguiu delimitar os casos de aplicação coerente dos enunciados do artigo XX, gerando assim insegurança e imprevisibilidade nas soluções comerciais.

No entanto, a interpretação das exceções se tornou mais clara a partir de alguns casos levados ao Órgão de Solução de Controvérsias, dentre eles o caso "Normas sobre novos combustíveis e antigos combustíveis" (gasolina)59, opondo de um lado os Estados Unidos e de outro, o Brasil e a Venezuela, e o caso "Proibição da importação de certos camarões e certos produtos à base de camarão" (camarões)60, onde os Estados Unidos enfrentavam a Índia, o Paquistão, a Tailândia e a Malásia.

Abordaremos detalhadamente cada um desses casos no próximo capítulo, mas antes, faz-se necessário realizar uma análise da estrutura e do funcionamento do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, principal responsável por dirimir conflitos existentes entre o ordenamento jurídico interno da OMC e a própria legislação internacional vigente, dentre elas os Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente (AMA's).