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3 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

3.1 O comércio internacional e a proteção do meio ambiente

Foi a partir da Segunda Guerra Mundial, e principalmente com o fim da Guerra Fria, que assuntos como o livre-comércio, direitos humanos e meio ambiente, antes secundários, adquiriram, no cenário internacional, importância tão grande quanto as tradicionais questões de segurança e paz mundial, modificando-se assim a agenda de discussões internacionais.40

Nesse panorama, o meio ambiente destaca-se, portanto, como um dos principais focos de atenção nas relações internacionais contemporâneas, uma vez que sua relação com outras áreas das atividades humanas podem resultar em consequências globais que necessitem de ações e acordos multilaterais para a sua solução, ou mitigação.41

39 OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora

Nuria Fabris: Porto Alegre, 2010, p. 124.

40 QUEIROZ, F.A. Meio Ambiente e Comércio Internacional: Relação Sustentável ou Opostos

Inconciliáveis? Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável). Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 252.

Ainda no pós-guerra, a intensificação do intercâmbio comercial continuou sendo uma das grandes forças que moviam a economia globalizada. No entanto, a estrutura do comércio internacional sofreu uma tremenda mudança com os países buscando, por intermédio de negociações mais amplas, a gradativa liberalização comercial e a consequente eliminação de todo tipo de barreiras comerciais e protecionistas existentes, até culminar, em 1995, com a criação da Organização Mundial do Comércio.42

A intensificação do fluxo e das negociações comerciais trouxe, contudo, uma superexploração dos recursos naturais, assim como gerou uma grande perda de biodiversidade e elevou o nível de emissão de resíduos poluentes. É nesse contexto, a partir dos anos 70 e 80 e após intensas e numerosas discussões em foros internacionais sobre o assunto, sobretudo pelas agências das Nações Unidas, que a proteção da natureza, conforme visto anteriormente, adquire importância e gera um aumento do número de acordos ambientais internacionais.

Ao longo das negociações comerciais iniciais e das primeiras Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, a exemplo da ECO/92, a temática do meio ambiente foi considerada uma moeda de troca para o acesso dos produtos do Sul aos mercados do Norte, uma vez que os países do Sul, geralmente o Brasil, a Índia e China, aceitavam os avanços das normas ambientais em troca de regras comerciais favoráveis aos seus produtos.43

Ainda que atualmente os países do sul aceitem bem o direito ambiental, no início das discussões sobre a proteção da natureza a realidade era outra. apressão em favor dos limites ambientais pedidos aos países do sul era vista como um instrumento utilizado pelo norte para bloquear o desenvolvimento econômico dos países emergentes; atitude esta refletida nos discursos dos diplomatas do sul, que se opunham à questão ambiental e defendiam o mesmo direito de destruir a natureza que tinham usufruído os países do norte durante as épocas de maior desenvolvimento econômico. embora não se possa dizer que esta era a posição geral de todos os países do sul, pode-se afirmar que era, nos países mais representativos, como o Brasil, a índia e a china.44

42 QUEIROZ, F. A. Meio Ambiente e Comércio Internacional: Relação Sustentável ou Opostos

Inconciliáveis? Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável). Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 253.

43 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. 31.

Durante as negociações, os adeptos do livre-comércio, por exemplo, argumentavam que as políticas ambientais utilizadas por alguns países não passavam, muitas vezes, de instrumentos comerciais protecionistas com vistas a resguardar os seus mercados internos da concorrência internacional, vez que os países-membros muitas vezes tinham que se adequar às normas ambientais impostas pelas negociações comerciais.

Os ambientalistas, por sua vez, visando ao leal cumprimento dessas normas, utilizavam-se do argumento do deslocamento das empresas altamente poluidoras para países com padrões ambientais menos rigorosos, na medida em que tais práticas acabavam por gerar maior poluição, desequilibravam o país hospedeiro e ainda por cima desestimulavam esses países à criação de normas de proteção ambiental. Outro argumento era o da enorme perda de biodiversidade resultante da liberalização comercial, vez que esta conduz a uma superexploração dos recursos naturais e, consequentemente, à deterioração do meio ambiente.45

Muito embora os textos iniciais do GATT não previssem regras específicas para a proteção do meio ambiente, elas foram gradualmente inseridas em razão das consequências comerciais advindas de uma crescente migração das empresas para Estados que dispusessem de menor controle ambiental. Ademais, impunham-se ao livre-comércio novas barreiras de caráter técnico, como, por exemplo, as regulamentações sanitárias e fitossanitárias e as normas de qualidade aplicadas a produtos e serviços ambientais, gerando assim empasses econômicos e desentendimentos políticos e comerciais entre os membros.46

Com base nisso e buscando uma solução para o problema, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), desde novembro de 1991, estabeleceu um Grupo de trabalho sobre o meio ambiente e o comércio internacional. No entanto, após uma decisão de 15 de abril de 1994, esse grupo de trabalho fora substituído por um Comitê do comércio e do meio ambiente, responsável por apontar

45 QUEIROZ, F.A. Meio Ambiente e Comércio Internacional: Relação Sustentável ou Opostos Inconciliáveis? Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável). Centro de

Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília, Brasília, 2003, pág. 258/259.

46 OLIVEIRA, Bárbara da Costa Pinto. Meio ambiente e desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio: normas para um comércio internacional sustentável. IOB Thomson: 2007, p. 305.

soluções importantes no que diz respeito à aplicação das normas que tratam da proteção ambiental no GATT e do próprio conceito de sustentabilidade.47

Ainda no âmbito da Rodada Uruguai (1986 – 1993), fora assinada a Ata de Marraqueche, responsável por criar a OMC e dispor em seus artigos, ou mesmo no próprio preâmbulo do Acordo Constitutivo, que os Estados deveriam assegurar uma utilização sustentável dos recursos mundiais para a proteção do meio ambiente, vejamos:

[...] suas relações na esfera da atividade comercial e econômica devem ter como foco a elevação dos níveis de vida, permitindo ao mesmo tempo a utilização adequada dos recursos mundiais, em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e procurando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico.48

Foi justamente para evitar conflitos e analisar possíveis problemas que surjam quando as políticas de meio ambiente tiverem consequências para o comércio internacional, que o tema relativo ao comércio e meio ambiente foram inseridos na OMC, por influência da Conferência das Nações Unidas do Meio Ambiente (ECO/92) e da instituição do Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente (CCMA).49

Ainda que a política de atuação deste Comitê não possa ultrapassar a competência da OMC para lidar com controvérsias comerciais, o CCMA adquire importância fundamental quando a questão é identificar qual o limite entre uma medida legítima de proteção ambiental e uma que represente medidas protecionistas.

Percebe-se, portanto, a partir dessas mudanças, que a OMC, enquanto principal organismo internacional relacionado ao comércio internacional, passa a observar as questões do livre comércio com um olhar mais atento para o meio

47 OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora

Nuria Fabris. Porto Alegre: 2010, p. 125.

48 Organização Mundial do Comércio

OMC. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em: 24 de novembro de 2014.

49

“O Comitê de Comércio e Meio Ambiente é um foro permanente dedicado ao diálogo entre os governos sobre o efeito das políticas comerciais no meio ambiente e das políticas ambientais no comércio. Criado em 1994, o Comitê vem realizando um amplo programa de trabalho, identificando e compreendendo a relação existente entre comércio e meio ambiente na busca pelo desenvolvimento sustentável”. Disponível em <https://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/wrk_committee_e.htm>. Acesso em: 23 março de 2015.

ambiente e outras questões que a ele se relacionam. Tamanha mudança reflete a imperatividade, no contexto da globalização, de se compreender melhor a complexa e dinâmica relação entre as políticas comerciais e o meio ambiente, possibilitando-se assim beneficiar todos os Membros e melhorar a relação entre o livre comércio e o desenvolvimento sustentável.

Com as questões ambientais agora fazendo parte da agenda internacional, a Conferência Ministerial de Doha50 também enalteceu a importância da proteção do meio ambiente e deu continuidade à promoção do desenvolvimento sustentável nas novas negociações e ao estabelecer novas tarefas ao CCMA .

A partir de Doha, muitos Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente (AMA's) foram firmados. Atualmente, encontram-se em vigor mais de 240 acordos referentes às mais diversas questões ambientais. Desses 240 acordos, aproximadamente 30 incluem disposições que podem afetar o comércio internacional.51 No entanto, mesmo com essa convergência, as regras da OMC representam uma lógica própria que está, muitas vezes, em contradição com a lógica de algumas convenções sobre o meio ambiente

A inserção das questões ambientais nos acordos da OMC resultaram de um aumento da relação entre as medidas de manutenção do livre comércio e da proteção da natureza, que culminaram com a formação de dois sistemas, um comercial e um ambiental. Logo, a existência de dois sistemas, muitas vezes antagônicos, gera um conflito de normas e faz com que, quase sempre, a liberdade de comércio prepondere e anule o valor das normas ambientais, carecendo, portanto, de soluções.52

50 Primeira rodada de negociações comerciais sob a égide da OMC, cujo principal objetivo era

aperfeiçoar as regras e disciplinas do sistema multilateral de comércio e promover nova rodada de compromissos de liberalização de políticas comerciais com ênfase nas necessidades e interesses dos países em desenvolvimento.

51 RUIZ FABRI, Hélène. Apud CARINA OLIVEIRA, Carina Costa de. Solução de Conflitos Ambientais no Direito Internacional. Editora Nuria Fabris, Porto Alegre, 2010, pág. 124.

52 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

3.2 O arcabouço institucional do meio ambiente na OMC: Art. XX do GATT e