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4 O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS EM QUESTÕES AMBIENTAIS

4.2 Existência da perspectiva ambiental nos julgados do OSC: contenciosos

Estados Unidos – Gasolina e Estados Unidos – Camarões

O primeiro caso a ser analisado, contencioso Estados Unidos – Gasolina,

foi o primeiro contencioso levado ao Órgão de Solução de Controvérsia sob o âmbito da OMC, em 1996, após denúncia da Venezuela de que os Estados Unidos estariam aplicando regras discriminatórias à importação de gasolina venezuelana para favorecer as refinarias americanas.

O caso surgiu porque os Estados Unidos haviam promulgado uma legislação interna pela qual as indústrias nacionais estariam obrigadas a reduzir o nível de poluição causado pela gasolina, assim como as indústrias estrangeiras, sob a alegação de que tais exigências seriam para a proteção do ar, classificado pelos EUA como um recurso esgotável.

A Venezuela alegou injustiça por parte dos EUA, vez que as normas e exigências aplicadas a gasolina norte-americana desfavoreciam a gasolina venezuelana, pois esta não atingia os critérios norte-americanos. Logo, estaria os Estados Unidos violando o princípio do tratamento nacional87 e, portanto, a medida não poderia ser justificada com base nas exceções às regras da OMC para fins de saúde e de conservação ambiental previstas nas alíneas do artigo XX do GATT.

Pouco mais de um ano depois, em abril de 1996, após o painel de disputa ter elaborado o seu relatório final, concordando com as alegações trazidas pela Venezuela de que os EUA violariam as regras da OMC ao discriminar as importações de gasolina venezuelana, o Brasil aderiu ao caso e fora integrado na disputa junto à Venezuela.

86 Decreto 56.435. Convenção de Viena. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm>. Acesso em 09 abr de 2015.

87 ART III GATT - Impede o tratamento diferenciado de produtos nacionais e importados, quando o

Os Estados Unidos apelaram da decisão inicial e o Órgão de Apelação concluiu o seu relatório alegando que as indústrias norte-americanas dispunham de três opções para estarem de acordo com a legislação nacional, enquanto que as indústrias estrangeiras tinham apenas uma opção, caracterizando-se, portanto, ofensa ao princípio do “tratamento nacional”.88 Os EUA argumentavam que não era possível conceder as mesmas opções aos estrangeiros, em virtude da inexistência de instrumentos de controle no caso concreto, o que não fora considerado pelo OAp, vez que os EUA deveriam ter negociado soluções equivalentes com os países exportadores.

No que concerne à classificação do ar como um recurso esgotável, o OAp concordou com o posicionamento dos EUA e realizou uma análise positiva de que a interpretação de esgotável é a mesma utilizada no direito ambiental, compreendendo tanto os bens minerais, quanto os seres vivos e outros recursos considerados indispensáveis à manutenção da vida, como a água e o ar, demonstrando-se que existia nexo causal entre a produção de gasolina menos poluente e uma melhor qualidade do ar. No entanto, entendeu que essa classificação do ar, mesmo que ampare a medida norte-americana nas exceções do artigo XX do GATT, não a desqualificaria como discriminatória, vejamos:

A análise da ilegalidade da medida não está na hierarquização comércio/meio ambiente ou na recusa em considerar o meio ambiente um bem juridicamente protegido. Ela apoia-se, de fato, na ausência de iniciativas para permitir às indústrias do país em desenvolvimento se adaptar às novas regras ambientais. Esta ausência de negociações e disponibilização de escolhas pelos Estados Unidos foi considerada uma restrição unilateral, com o objetivo de favorecer suas próprias indústrias, utilizando o meio ambiente como desculpa.89

O Órgão de Apelação, portanto, concluiu que a verificação do caráter arbitrário de uma medida é feita não só da análise da medida em si, mas a partir da análise do modo como esta é aplicada. A solução seria encontrar um equilíbrio entre o direito de um país de adotar medida de restrição comercial fundamentada em uma das exceções do artigo XX e o seu dever de liberação comercial.

88 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

2003,p. 273.

Ademais, a aplicação de uma medida não pode, para efeito de adaptação, ter caráter extrajurisdicional ao ponto de obrigar que um país altere a sua legislação nacional. É necessário que a medida seja, antes de tudo, negociada entre as partes, de forma bilateral ou multilateral, principalmente quando o conflito envolver um país desenvolvido contra um em desenvolvimento, vez que, nesses casos, os países desenvolvidos devem conceder ajuda aos países em desenvolvimento para que estes possam ter condições e tempo para implementação dessas medidas.

Aprovado o relatório de recurso do Órgão de Apelação pelo OSC, um ano e quatro meses após a apresentação da denúncia pela primeira vez, permaneceram as conclusões do painel de que Estados Unidos e Venezuela teriam de chegar a um acordo sobre o que os Estados Unidos deveriam fazer para dirimir a questão.

A solução encontrada foi que os EUA deveriam alterar a sua regulamentação nacional, disponibilizando de um prazo de 15 meses para a sua implementação, a contar da data da conclusão do recurso, período em que o Órgão de Solução de Controvérsias monitorou todo o progresso até a sua conclusão em 26 de Agosto de 1997, quando os EUA relataram a assinatura de nova lei em 19 de Agosto.

O segundo caso a ser aqui analisado, o contencioso Estados Unidos – Camarões, de 1998, teve início após uma queixa conjunta da Índia, Malásia,

Paquistão e Tailândia contra os Estados Unidos, vez que este estariam impossibilitando a importação de algumas espécies de camarões e seus produtos em prol da preservação das tartarugas marinhas.

Através da Lei de Espécies Ameaçadas (US Endangered Species Act), de 1973, os EUA listaram cinco espécies de tartarugas marinhas em águas norte- americanas que estavam em perigo ou sendo ameaçadas, proibindo assim a caça dessas espécies dentro do país, em seu mar territorial e em alto-mar. Segundo a lei, o governo norte-americano exigia que os navios pesqueiros fossem equipados com um dispositivo que permitia que as tartarugas marinhas escapassem quando na pesca de camarões.

O artigo 609 da Lei Pública 101-102, promulgada em 1989, tratou das importações, prevendo, entre outras coisas, que os camarões capturados com tecnologia que pudesse afetar adversamente certas tartarugas marinhas não

poderiam ser importados para os EUA, a menos que o país responsável pela colheita fosse certificado para ter um programa de regulamentação idêntico ao americano e seus pescadores adotassem medidas de proteção comparadas às utilizadas pelos pescadores nos Estados Unidos, sem que representassem uma ameaça para as tartarugas.

Na prática, os países que tivessem qualquer uma das cinco espécies de tartarugas marinhas dentro de sua jurisdição e colhessem camarão com meios mecânicos, teriam de impor aos seus pescadores o atendimento de requisitos comparáveis aos suportados pelos pescadores de camarões nos EUA, vez que este exigia uma espécie de certificação dos países que quisessem exportar seus produtos de camarão para os EUA.

Inicialmente, o OSC concedeu razão aos Estados Unidos, alegando que a medida tomada pelo mesmo estaria consistente com a exceção da alínea g) prevista no artigo XX do GATT e em razão de ter sido tomada após os EUA terem tentado, por diversas vezes e de boa-fé, negociado com a Malásia.

Em fase de recurso, o Órgão de Apelação deixou claro que, sob as regras da OMC, os países têm o direito de adotar livremente medidas comerciais que protejam o meio ambiente (em particular, humana, animal ou vegetal vida e saúde), espécies ameaçadas de extinção e os recursos não renováveis.

Nesse sentido, o OAp disse que as medidas adotadas pelos EUA para proteger as tartarugas marinhas estariam legitimadas no âmbito do GATT em seu artigo XX, alínea g), que lida com a exceção às regras comerciais da OMC nos casos conservação dos recursos naturais esgotáveis, respeitando-se o princípio a não discriminação e a classificação das tartarugas como recurso esgotável.

De acordo com o OAp, os EUA deveriam ter agido de modo justificado, negociando suficientemente, com os países em desenvolvimento, outras alternativas possíveis, como a implementação de programas de cooperação para aquisição dos instrumentos exigidos pela lei norte-americana, o que não ocorreu.

Interessante verificar também que o OAp não só aplicou a exceção do artigo XX como aceitou a utilização de normas de outros regimes normativos internacionais para julgar a controvérsia. Como exemplo, o OAp utilizou o argumento de que os Estados Unidos apresentaram a questão da proteção das tartarugas e dos camarões, mas não assinaram a Convenção sobre a conservação das espécies

migratórias pertencentes à fauna selvagem, nem a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar e a Convenção sobre a Diversidade Biológica.90

Ademais, o OAp se utilizou de argumentos constantes em outras Convenções ambientais, tais como a Agenda 21 e a CITES, para a interpretação da noção de recurso natural esgotável, da necessidade de negociação entre as partes e para condenar os EUA com base na proteção do Desenvolvimento Sustentável, eis que as conferências analisadas condenam expressamente toda ação unilateral visando resolver grandes problemas ecológicos além das suas fronteiras.91

No final, conforme decisão do OAp, os EUA perderam o caso, não porque ele procurou proteger o meio ambiente, mas porque suas medidas estavam revestidas de extraterritorialidade e geraram uma discriminação ilegal entre os membros da OMC, vez que os EUA criaram uma legislação visando impor a particulares de um outro país a adoção de suas próprias normas, sem considerar as condições locais, como, por exemplo, a própria existência de tartarugas marinhas mas águas do país ou as possibilidades financeiras dos pescadores locais.

Alguns autores discordam da decisão do OAp, pois afirmam que a legislação americana previa uma fase de negociações anterior à implementação das medidas de retorsão, alegando o fato de que os EUA teriam, frustradamente, proposto negociações com as partes, no entanto, findado o prazo e não havendo nenhum acordo, fora obrigado a aplicar retorsões econômicas. O OAp considerou que a forma de negociação utilizada pelos EUA não fora a mais adequada para a resolução de um conflito, na medida em que se utilizou apenas de uma simples ameaça econômica e política em vez de acionar a estrutura diplomática e outros instrumentos de negociação.

Como sanção, os EUA teve de fornecer aos países do hemisfério ocidental, principalmente no Caribe, assistência técnica e financeira, além de períodos de transição mais longos para os seus pescadores começarem a utilizar dispositivos de exclusão de tartarugas. As mesmas vantagens, no entanto, não foram fornecidas para os quatro países asiáticos (Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia), que apresentaram a queixa na OMC.

90 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. 276.

Em 2001, após a queixa, houve uma terceira decisão no processo em que o OSC considerou a medida americana válida, sob justificativa de que o governo sos EUA teriam intentado diversas negociações com os países em desenvolvimento, embora todas sem êxito.