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4.5 O ano de 2011: As primeiras transformações metodológicas

4.5.1. A alfabetização e tecelagem: proposições metodológicas

Outro elemento relevante de 2011, e que contribui para a reflexão acerca do processo de educação de educadores, diz respeito à mudança metodológica em relação às atividades na área da alfabetização e tecelagem.

Esse foi o primeiro movimento de transformação do formato do trabalho na alfabetização. Se nos anos anteriores a organização das atividades acontecia em turmas fixas ao longo da semana, em 2011 as atividades passam a ser organizadas em formato de oficinas pedagógicas.

Essas oficinas poderiam ser ofertadas ao longo da semana (dois ou três dias, 6h) e nos três turnos. Além disso, poderia ser ofertada mais de uma oficina por turno, o que abria um leque de escolhas por parte das pessoas. Os temas poderiam também ser variados; a recomendação era de que dialogassem com os interesses dos sujeitos e demandas já observadas ao longo dos anos. Outra novidade diz respeito aos coordenadores desses trabalhos. Anteriormente, a figura do professor estava centrada nos discentes da Universidade, que coordenavam “suas” respectivas turmas. Na nova proposição, qualquer pessoa poderia sugerir e coordenar oficinas. Nesse movimento, o papel do “Tecelendo” era garantir que os processos de alfabetização acontecessem de modo articulado aos interesses propostos nas oficinas.

Com isso, inicialmente, segundo os registros documentais, há um movimento de garantir oficinas de leitura e escrita e tecelagem no eixo das oficinas “obrigatórias”, deixando as demais oficinas no eixo das optativas. Segundo os documentos, o objetivo imediato da mudança de formato das atividades foi atingir o público alvo de maneira mais eficaz: “A organização em forma de oficina teve como objetivo chamar a atenção de jovens, adultos e idosos a participar das atividades do projeto „Tecelendo‟, uma vez que os tipos de oficinas oferecidas eram as mais procuradas pelas pessoas na comunidade.” Além disso, segundo os registros, outro fator fundamental na reorganização das atividades em oficinas tentava combater a “„vergonha‟ que jovens, adultos e idosos têm em voltar estudar, um dado observado nas antigas divulgações em que convidávamos a comunidade a participar do

projeto „Tecelendo‟, „Um projeto de Alfabetização de Jovens, Adultos e Idosos‟”. (Relatório “Tecelendo”, 2011, p. 6). Em relação a esse período, há também o desafio de experienciar o “novo”, o “desconhecido” a partir de proposições próprias.

Ah vamos lá, outro desafio! Vou fazer um negócio diferente... Fizemos a divulgação e o pessoal se inscreveu e de repente menina, o “Tecelendo” estava cheio, mas tinha gente saindo pelo ladrão! E a gente chegou lá e viu o “Tecelendo” cheio de gente para participar das oficinas. Então tinha mais de uma oficina acontecendo ao mesmo tempo... Então foi muito legal... Foi um momento muito massa de ver o “Tecelendo” cheio. A gente trabalhando ali todo mundo junto... (Educadora Beatriz).

Com o passar do tempo, esse formato também será avaliado e modificado como apresentarei adiante. Porém, ele traz contribuições significativas, pois tensiona o grupo a novos aprendizados: a superação do medo do novo; a horizontalização das relações; o diálogo entre os membros da equipe para superar as crises etc.

A gente tem uma proposta diferenciada, mas tem alguns momentos que por mais que a gente tente trabalhar essas noções da Educação Popular diferenciada, a gente se pega com algumas questões que são da escola tradicional, das nossas metodologias tradicionais. Quando a gente trabalhava por turmas, começamos a nos dar conta que estava em um modelo meio que tradicional, porque não permitia essa socialização com o Outro. Então minha turma de manhã é a turma X, de tarde é a turma Y e de noite é turma Z. E aí não havia uma relação das turmas e havia também essa questão do educador ser o professor daquela turma, então havia uma personificação... E partindo dessas reflexões, a gente percebeu que deveria modificar e aí começou a trabalhar por oficinas que seria a possibilidade que eu não me feche enquanto educador de uma turma e nem os educandos se fechem também naquelas turmas específicas. Eles podem se movimentar e assim como os educadores podem se movimentar por cada oficina. (Educador Marcos).

Nesse formato, o educador é convidado a assumir o lugar de aprendente e o educando também é convidado a assumir o lugar de ensinante! Com isso, foram postos em cheque conceitos tradicionais da educação ‒ e que, na prática, precisam acontecer para não nos transformar em meros retóricos.

Hoje, é corrente dizer o quanto os educadores e educandos aprendem juntos no processo, e que o educador tem muito a aprender com o educando. Na prática, esse é um dos aprendizados mais difíceis para um o educador, pois ele carrega impregnada em si a autoridade “do saber”. Do ponto de vista dos papéis sociais, ele é quem detém o conhecimento nessa relação. Isso é cultural, e transformar um elemento arraigado na cultura exige muitos esforços e tempos propositivos. É fundamental que haja muitas experiências de

aprendizado coletivo e muitas reflexões sobre esses aprendizados para que possamos nos reconhecer aprendendo com o outro, porque enquanto educadores é preciso ficar “menos importante” do que as pessoas com quem trabalhamos. Destacará Myles Horton:

Antes dessa visão, achávamos que pelo menos éramos iguais às pessoas com quem estávamos lidando. Mas não sabíamos que tínhamos que ficar fora do ato. Nossa função era fazer com que eles atuassem. Aí reagiríamos àquela ação e usaríamos o que pudéssemos para fazer com que funcionasse. Portanto, houve uma inversão total. (FREIRE; HORTON, 2003, p. 67).

Naquela ocasião, observei que a mudança de formato de turmas para oficinas causou um silenciamento do grupo e um “medo” em relação a perder a turma. O formato de turmas vinha contribuindo para um revanchismo entre educadores e também fortalecendo o preconceito em relação aos estudantes usuários do CAPS. No momento de reconfiguração do trabalho, apenas uma das educadoras verbalizou seu não visualizar a proposta e sua preocupação com relação a perder sua autoridade, já que não teria mais “sua turma”.

[...] chega na outra reunião vamos mudar esse negócio de turma... E aí, a gente precisa incluir, vamos pensar, vamos discutir, chegamos nas oficinas. Rapaz, aquele dia também eu saí... e agora? Como é que a gente vai fazer isso aí? Não consegui entender bem esse negócio aí não! Que foi o primeiro impacto... vamos de novo nos reunir para planejar novamente e aí já mais tranquilo, pensando aquilo já mais tranquilo. E aí começamos entender melhor o que significava naquele momento a oficina e pensando a organização do “Tecelendo” [...] (Educadora Beatriz).

Como resultado desse movimento, segundo os registros, as atividades do “Tecelendo” passaram a ser organizadas em oficinas: Tecelagem I – seu objetivo central é a discussão acerca da introdução teórica da história da tecelagem, a introdução a técnicas básicas, a introdução à discussão da criatividade, do trabalho, da economia solidária etc.; Tecelagem II - aprofundamento das questões introdutórias, discussão da ética, do trabalho coletivo e demais princípios do projeto; Tecelagem III - momento de conhecimento de técnicas mais complexas e trabalho nos teares de padronagem, além do aprofundamento dos princípios do projeto e discussão acerca dos contextos sociais etc. Além dessas, foram propostas as oficinas de 1) Ervas Medicinais; 2) Cantigas de Roda; 3) Samba de Roda; 4) Crochê; 5) Refletindo sobre a Bíblia; 6) Meditação; 7) Reflexões sobre Sexualidade, Violência, Discriminação e Drogas; 8) Matemática Financeira; 9) Escrita de Cartas; 10) Canto.

É importante destacar que, com as oficinas, pela primeira vez as pessoas que ingressaram no “Tecelendo” como educandos efetivamente puderam ser reconhecidas no

papel de educadores. Em 2011, Valdelice assume a oficina de Crochê, Lailton em conjunto com Roque e Maria a oficina de Tecelagem I, e Maria dos Santos a oficina de Ervas Medicinais (que, apesar de não ter finalizado as atividades, mostrou muitos conhecimentos sobre as ervas).

Um limite dessa organização foi apontado por Marcos e diz respeito ao aprofundamento dos estudos específicos que são necessários a esse formato. Com a organização por oficinas, os educadores precisam se debruçar em estudos específicos relacionados ao trabalho específico e nem sempre isso acontece.

Uma fragilidade que eu reconheço é a questão da reflexão específica dessas oficinas. Por exemplo, da meditação, que é um processo que a gente já vem fazendo, eu e Beatriz, a gente já vem fazendo, dessa necessidade de ter um olhar apurado sobre essa prática específica. Porque como a gente vivencia essas várias práticas dentro do “Tecelendo”, muitas vezes a gente escapa de pensar. Escapa não, a gente perde algumas noções de pensar aquilo que é específico da oficina que eu estou desenvolvendo. [...] Falta algumas leituras específicas que não são iguais dentro do “Tecelendo” como um todo. Então a gente vivencia coisas pontuais e diferenciadas e são relacionadas, mas é preciso a gente estudar aquilo específico. São muitas atividades, então a gente não consegue se aprofundar naquilo que é específico e necessário daquele momento ali, daquela oficina específica. (Educador Marcos).

Em relação à tecelagem, o “Tecelendo” viveu em 2011 um período interessante. O grupo de trabalho ganhou força com a inserção dos jovens do Grupo Rumo ao Futuro. O destaque vai para Manuela e Roque, que se empenharam em levar o grupo ao crescimento. Houve a criação de peças exclusivas tais como casaquinhos e batas. Pela primeira vez, educadores começaram a perceber e verbalizar a associação da tecelagem com os processos educativos. Passaram a organizar rodas de novelação com contação de histórias e estórias, produção de projetos contextualizados às atividades da alfabetização etc.

[...] o que temos procurado fazer em relação a isso é organizar todos esses interesses a partir de discussões coletivas. Desse modo, não há uma discussão fechada privilégio de um ou de outro membro da equipe. Durante todo o ano organizamos como dinâmica central o espaço de avaliação e planejamento de atividades (encontros quinzenais em pequenos grupos – educadores, grupo de trabalho, grupo de estudo) e uma vez por mês, avaliação do trabalho realizado no período e planejamento geral das atividades (assembleias gerais com todos os membros do projeto). Nesses espaços os limites dos grupos são colocados, bem como as atividades interessantes e positivas. (Relatório do “Tecelendo”, 2011, p. 30).

De um modo geral, essas atividades mostraram o potencial da proposta e também do coletivo que se formava em torno dela. A intensidade com que o grupo assumiu a

coordenação das atividades demonstrou que o “Tecelendo” estava, apesar das resistências e das dificuldades dos processos, se colocando como uma proposta de Educação Popular na cidade de Amargosa.

[...] nos esforçamos na compreensão de que reforçaríamos ainda mais o processo de gestão compartilhada e que todos os sujeitos do grupo são responsáveis pelo bom desenvolvimento do projeto e como tal, são sujeitos constituintes da história do “Tecelendo”. (Helena, Relatório “Tecelendo”, 2011, p. 29).