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4.7 O ano de 2013 – A envergadura da vara II

4.7.1 O Grupo de Estudos Preparatório para o Enem – GEPE

No início de 2013, em conjunto com o planejamento das demais atividades, o grupo se colocou a discutir as atividades do GEPE. Houve também as recordações acerca da união dos professores e a mudança de metodologia no ano anterior. Os educadores se colocaram em buscar de “assuntos vinculados a partir da realidade dos alunos” (Eduarda) e a interligação dos temas a ser trabalhados. Isso foi destacado como ponto positivo do trabalho em 2012. Relembraram o grupo de estudos do ano anterior, as leituras sobre interdisciplinaridade e a teoria da complexidade de Edgard Morin.

Quando questionados acerca de como aconteceu essa mudança metodológica no ano anterior, o grupo explicou que os assuntos foram sendo trabalhados com dois professores que

os interligavam em uma mesma aula, porque, segundo eles, queriam “fugir da ideia de que passamos conteúdos” de forma tradicional.

Nesse contexto, o grupo tentou sistematizar o que, enquanto “Tecelendo”, buscavam com o trabalho no GEPE, e indicaram: 1) ser diferente do cursinho; 2) levar em consideração a realidade do aluno; 3) construção de metodologias diferenciadas; 4) colaborar com um maior número de jovens e adultos de comunidades periféricas e rurais na Universidade; 5) formar novos grupos de trabalho; 6) formar novas lideranças em Amargosa.

Quando questionados acerca do que fazer para atingir tais objetivos, o grupo respondeu: 1) com a organização dos conhecimentos que circularão no trabalho do grupo; 2) com a ampliação do diálogo – planejamento em conjunto, tendo clareza dos momentos distintos e por meio de ações, reflexões e avaliações em conjunto; 3) com a mobilização da juventude – disputar com drogas, trabalho, falta de perspectivas, baixa estima; 4) com o fortalecimento da luta institucional para aplicação dos recursos na educação; 5) com a organização da discussão sociopolítica.

Após essas discussões, lancei a questão: quais os conhecimentos e como iríamos trabalhar? E aqui teve início o momento mais tenso da reunião, uma vez que até então os educadores estavam na posição de indicar o que já havia acontecido e tentar sistematizar uma proposição para o ano de 2013.

Reli com o grupo as indicações feitas por eles até aquele momento e então, no papel de coordenadora, tomei o processo em minhas mãos e assumi a responsabilidade de dizer o que não iríamos fazer em 2013 em relação ao trabalho com o GEPE. Com isso, passei a indicar que 1) não iríamos assumir o modelo de disciplinas como nos anos anteriores; 2) construiríamos uma proposição de trabalho próxima ao que já havia sido indicado pelo grupo até aquele momento e 3) todos os educadores participariam do movimento, respeitando as potencialidades, mas sobretudo pautando as ações enquanto um trabalho coletivo.

Esse movimento foi um dos primeiros grandes desafios enfrentados pelo grupo em 2013. A mudança metodológica do GEPE marcou também a figura “Andreia” e todas as suas contradições. Além disso, todos os sujeitos do grupo ficaram em suspenso, como se o chão tivesse sido retirado de seus pés bem diante de seus olhos.

E aí no ano de 2013... a primeira evidência dessa relação que é quando você chama o grupo para o movimento da mudança de metodologia. Puxando a gente para aquilo que a gente estava fazendo e que era necessário dar o próximo passo que é essa mudança radical de metodologia. Então talvez aquilo tenha representado um marco na presença da coordenadora, da professora enquanto coordenadora, eu não digo nem professora, da

coordenadora geral, aquele conduzir, aquele forçar para mudança radical. O grupo ofereceu uma resistência. Não foi uma resistência longa, porque o grupo não conseguiu argumentos para manter a sua resistência, não foi uma resistência longa. Então no primeiro momento que a coordenadora geral ela traz, ela chama essa mudança, o grupo cede à mudança. (Educadora Maria Clara).

Acredito, hoje, que cometi um profundo desrespeito com o grupo. Escrevi na lousa o que estávamos discutindo e fui listando com eles o que haviam feito e como haviam feito. Tirei deles “a palavra”. Com isso, o grupo deixou de se reconhecer no processo e então a mudança metodológica passa a ser a proposta da “Andreia”. Percebi isso quando novamente me defrontei com as reflexões que Myles Horton faz acerca do trabalho que desenvolveu nos sindicatos e nas discussões dos problemas que as pessoas enfrentavam.

[...] Eu sabia mais sobre seus problemas que eles mesmos, mas eu não lhes dizia isso. Eu nunca, nunca escrevi um problema no quadro-negro ou listei um problema que eles não tivessem listado, mesmo sabendo que era um de seus problemas. Nem fazia o que vejo algumas pessoas fazendo hoje, colocar o que eles diziam com as minhas próprias palavras, revisando para ficar mais claro. Já vi isso acontecer nesses programas de treinamento, quando alguém diz alguma coisa e o professor escreve a mesma coisa outra vez para fazer mais sentido. Isso é uma humilhação para o trabalhador, editar sua maneira de expressar as coisas. (FREIRE; HORTON, 2003, p. 166).

Além disso, atropelei a coordenação pedagógica a quem competia a coordenação das reuniões de planejamento, afinal eu estava no grupo na função de coordenadora geral e pesquisadora. Diante disso, as reações foram as mais diversas ‒ e é evidente que precisei aguentar a rebombada!

Na ocasião do planejamento do GEPE, enquanto coordenadora, não esperava que o grupo indicasse de pronto os conhecimentos que seriam trabalhados a partir de conteúdos no grupo, mas que os mesmo pudessem reconhecer o grande avanço que haviam atingido na segunda metade de 2013 e pudessem propor algo semelhante dando continuidade ao processo. Porém, inicialmente o movimento foi o contrário. Havia ainda um desejo de “vamos deixar como está”, “vamos com calma”... Os educadores permaneceram como que parados e às vezes com as típicas brincadeiras entre eles.

O GEPE vinha desde 2010 buscando não reproduzir o modelo de cursinho, porém na realização do trabalho o modelo posto em ação era justo o de disciplinas e aulas no modelo tradicional. Havia uma maturidade no grupo e os próprios educadores apontavam que o novo já havia chegado em 2012, e que em 2013 o movimento seguiria.

Porém, como na mudança metodológica em 2011, era necessária uma proposição e esta não seria feita pela coordenadora. A coordenação pontuava na lousa os elementos trazidos pelo grupo e deixou claro que o grupo precisava propor.

O medo do novo é sem dúvida um dos grandes desafios a ser enfrentado, seja individual como coletivamente. Não posso dizer que não identifiquei esse medo diante de mim e do grupo em muitos momentos do “Tecelendo”. Porém, o que era, a meu ver, mais animador, principalmente em relação ao perfil do grupo de 2013, é que apesar do “medo do novo” todos se colocavam dispostos a enfrentá-lo. Por ser um grupo audacioso, o desafio que lancei em relação à necessidade de mudança metodológica no GEPE foi cortado inicialmente por um misto de medo e da certeza que a proposta era um grande desafio para todos.

Compreendi que a minha presença representava para o grupo a figura do professor “dono do conhecimento”. A figura do professor que inibe. Além disso, a minha presença vinha carregada com tantos “causos e fama”.

Certo dia, em um dos encontros de construção da proposta do GEPE, fui convidada gentilmente a me retirar da reunião. Os educadores alegaram que precisavam propor e a minha figura não permitia. Aceitei o convite e retornei no tempo combinado. O grupo apresentou uma proposta.

O GEPE, segundo a proposta apresentada pelo grupo, passaria a ser organizado em três “Momentos”. Esses Momentos seriam compostos de 15 alunos cada (número máximo) e seriam rotativos a cada 15 dias. Os primeiros três Momentos planejados inicialmente foram: 1) Momento histórico cultural; 2) Lógica e suas aplicações e 3) Comunicação, Mundo e Linguagem.

A ideia inicial era que houvesse mudança de Momentos a cada 15 dias. Os Momentos articulariam os conhecimentos a ser trabalhados no período. A partir das questões “o que eu sei?; o que eu quero aprender?; o que aprendi?” os alunos eram orientados nas escolhas dos momentos. A partir da segunda rodada de Momentos, os educadores, após avaliação, decidiram por também interferir nas escolhas dos educandos, pois havia uma tendência de eles se fecharem em panelinhas e isso gerava novamente o formato das turmas fixas. Os educadores almejavam para o grupo experiências com a diversidade e o coletivo.

Diante de tanta intensidade: uma metodologia alicerçada no movimento. No primeiro dia, uma apresentação teatral, poesias, a apresentação do “Tecelendo” e da proposta do GEPE. Os olhares tímidos e assustados fizeram o grupo acreditar em um primeiro momento que aqueles sujeitos não voltariam no outro dia! No dia seguinte, mais pessoas, e assim seguiu... Os primeiros movimentos do GEPE fizeram o grupo sair de uma média de sete

alunos para 45 em menos de dois meses. O que marcou positiva e intensamente é que a decisão tomada pelo grupo apontava para novos horizontes.

Os maiores desafios enfrentados para a realização do trabalho no novo formato do GEPE estavam relacionados ao pouco tempo para planejamento e às relações estabelecidas entre os educadores. Como a decisão envolvia um planejamento coletivo e dois professores em cada Momento, então era necessário que houvesse integração entre os novos e os antigos bolsistas, além de vínculos fortes entre estes últimos.

A mudança metodológica do GEPE fez emergir conflitos antigos e no centro das discussões a figura “Andreia”. O que acontecia ou deixava de acontecer (de ruim) por um momento passou a ser “por causa da Andreia”.

A integração dos novos bolsistas não foi nada tranquila. Além disso, entre os mais experientes se estabeleceu um clima de tensão que, entre outros motivos, envolvia o meu retorno ao grupo. Em algumas discussões, tentei compreender a situação, pois ora aparecia como ciúmes, ora havia falas de que eu estava protegendo os novos, ora diziam que eu precisava ser mais rígida (ou seja, a Fideia precisava voltar, segundo alguns). Ao mesmo tempo, houve um recuo da coordenação pedagógica, que em alguns momentos disse temer o meu retorno: “a volta de Andreia”. Por outro lado, os atropelos da coordenação geral em relação à coordenação pedagógica. Desconfortos e mais desconfortos. Em suma: o caos! O caminho se faz caminhando, mesmo!

E o ano de 2013 transcorreu com muitas atividades e muitos conflitos. A partir das primeiras reuniões de avaliação do trabalho no GEPE, o grupo de educadores se mostrou entusiasmado. Destacaram a atenção que deveria ser dada ao ritmo de aprendizagem de cada um, uma vez que havia estudantes jovens e adultos acima de 35 anos. Também chamavam a atenção para as histórias de vida de cada sujeito. Foi a primeira vez que o “Tecelendo” agregou, no mesmo grupo, estudantes da zona rural e urbana provenientes de escolas públicas e também das particulares. Também indicaram a dificuldade dos educadores em relação ao acompanhamento do trabalho realizado pela dupla de professores do dia anterior.

Em relação à avaliação dos discentes, estes por sua vez declararam que as maiores dificuldades estava relacionadas à “timidez” e ao “autocontrole” (disciplina nos estudos, autonomia). As primeiras atividades envolveram muitas dinâmicas relacionadas ao teatro, isso exigia deles uma exposição não habitual, por esse motivo trouxeram a timidez. Solicitaram a “farda”, uma camiseta do “Tecelendo” para “uniformizar” o grupo e, no caso das mulheres, também “mostrar às pessoas o porquê estavam saindo à noite”. Além disso, cobraram atividades que pudessem ser realizadas em casa e mais conteúdos. Uma estudante ainda

trouxe a seguinte declaração: “Achei que iríamos fazer uma revisão de conteúdos, mas estamos trabalhando coisas que nunca vimos na vida.”

Com o transcorrer do trabalho, as dificuldades de planejamento, as inseguranças dos educadores relacionadas à dificuldade em fazer os educandos perceberem que estavam sendo trabalhados os conteúdos, as dificuldades de coordenação, o trabalho começou a pesar. Daí a findar o diálogo no grupo e retornar ao velho modelo da escola conteudista foi um pulo.

[...] Eu acho que o “Tecelendo” me ensinou bastante. Preciso aprender bastante. Olhar para o aluno enquanto aluno. Sabe, estão acontecendo algumas coisas ali na sala de aula que são movimentações da sala de aula... não é você olhar para o aluno e julgar ele por você. Ah eu não fui com a cara desse fulano, ah é fresca... O que tem por traz disso? É o que eu vejo. Os meus colegas de trabalho implicam com algumas coisas dos alunos e que eu não consigo olhar assim. O que será? A sala de aula quando está muito burburinho, quando está muito barulho... como aconteceram algumas coisas em 2013 de brigar, de dar esporro nos meninos... é tudo maior de idade, vacinado, não tem que dar esporro em ninguém, quando isso começou a acontecer muito dentro do “Tecelendo” eu comecei a tentar a olhar isso e isso é coisa de professor. (Educadora Beatriz).

Nas reuniões coordenadas pela Marta, houve a tentativa de aprofundar as discussões e mediar os conflitos. As pessoas precisavam falar abertamente o que se passava. O silêncio cortante em muitos momentos imperou.

O que a gente está fazendo de diferente que está levando os meninos a se desinteressarem pelas aulas? Isso eu estou aprendendo dentro do “Tecelendo”, eu preciso olhar isso. Eu não posso olhar isso e achar que é só porque os meninos são desinteressados, isso eu acho que é uma coisa que é de professor. Isso eu acho que é básico no “Tecelendo”. Eu acho que o “Tecelendo” vai te formar nesse sentido. O GEPE 2013 foi o que mais me instigou apesar de todas as dificuldades de trabalhar em 2013 por conta das coisas que me aconteceram, mas assim, porque eu imaginava que a gente ia chegar naquele turbilhão e não ia dar conta de fazer aquele planejamento que a gente começou no início. Ah, vai chegar uma hora que vai desbundar, a gente não vai conseguir dar esse ritmo, eu já imaginava isso por conta das coisas que foram acontecendo. (Educadora Beatriz).

Em assembleia de avaliação do GEPE, já no fim do mês de agosto, o grupo se colocou a pensar os principais limites e potencialidades da experiência que viviam no “Tecelendo”. De modo geral, indicaram a saudade dos primeiros momentos, por serem mais animados, dinâmicos, desafiadores, surpreendentes. Destacaram o diário de bordo como algo que não gostavam de fazer, pois sempre escreviam as mesmas coisas! Indicaram a atividade que realizaram nas ruas de Amargosa como um momento marcante. Além dele, o júri simulado

sobre a televisão, as aulas de redação, a discussão sobre a origem da vida, as atividades de matemática e orientação profissional.

O movimento metodológico do GEPE em 2013 exigiu de todos nós conhecimentos que não possuímos, mas precisamos. Entre estes, o comprometimento com o Outro e o diálogo. Outro elemento que observei nos discentes e que me trouxe muita alegria foi o brilho nos olhos do grupo e a sede por querer aprender. O fato do “Tecelendo” ter agregado estudantes de escolas publicas e privadas foi extremamente rico. Inicialmente existiram as panelinhas, mas com as dinâmicas dos dias elas foram se quebrando e havia um clima de amizade independente da classe social. Havia um desejo tanto dos jovens quanto dos adultos de aprenderem mais e mais. As cobranças por mais conteúdos não se restringia apenas a cadernos cheios, mas a novos aprendizados e isso foi estimulante!