• Nenhum resultado encontrado

4.4 O ano de 2010 – Firmar o pé e rumo ao futuro!

4.4.2 Grupo Preparatório para o Enem ‒ Rumo ao Futuro

No início do ano de 2010, mais precisamente em fevereiro, em um daqueles encontros na feira de sábado, onde todo mundo se encontra e decide a vida, eu e Beatriz encontramos com Roque dos Santos, filho de dona Santa. Ele, com sua alegria costumeira, afirmou que estava procurando uma forma de seguir com os estudos para realizar a prova do Enem e ingressar na UFRB. Pensava em organizar um grupo e nos perguntou se o “Tecelendo” poderia ajudar.

Depois de conversarmos um pouco, Roque sugeriu a ideia de formar um grupo de estudos para o Enem no “Tecelendo”. Foram discutidas as condições do “Tecelendo” e ficou decidido por uma atividade em dias nos quais não houvesse aula da turma do noturno (Três Lagoas). Inicialmente, a maior contribuição do “Tecelendo” seria em relação à infraestrutura imediata, ainda não havia educadores suficientes para um trabalho com esse grupo. Assim, começou a surgir uma nova turma do Projeto “Tecelendo”, que inicialmente ficou conhecida como Grupo de Estudos para o Enem e depois, em assembleia com o grupo, passou a se denominar Rumo ao Futuro.

Segundo os registros do relatório do ano de 2010, o primeiro encontro com esse grupo aconteceu no dia 30 de março, quando foi realizada uma reunião para a primeira aproximação com os sujeitos e “[...] traçar as diretrizes do grupo. Iniciou-se aí a formação da turma Rumo ao Futuro, sempre na perspectiva de que o caminho se faz caminhando e que sempre estamos aprendendo uns com os outros” (Relatório “Tecelendo”, 2010, p. 44).

Combinamos com os meninos, pedimos para eles levarem a quantidade de pessoas, que eles conseguissem... e aí combinamos o dia e fomos lá para o “Tecelendo” e começamos o trabalho! Foi uma coisa de doido assim! Eu olhei para os meninos, e agora? Porque foi a primeira conversa... eu lembro que eu tinha preparado aula, mas foi uma primeira conversa. Saber o que eles queriam entender como era que tudo aquilo... E aí você começa a perceber outras coisas... vão se abrindo um monte de portas na sua frente e aí você fala e agora como é que eu vou fazer? Como é que eu vou trabalhar aqui para que não seja um cursinho? (Educadora Beatriz).

O início das atividades desse grupo marcou algo até então inédito. A proposição vinda de alguém da comunidade e não mais o movimento inverso. A concretização do trabalho ao longo dos anos demonstrará a força desse grupo e a importância de as propostas de extensão estarem abertas a esse movimento de agregar o imprevisto, impensado... Nessa perspectiva, concordo também com Horton: “você pode começar sem se preocupar muito com métodos e técnicas e materiais, porque tem o ingrediente principal [...], o desejo das pessoas, a motivação política das pessoas”. (FREIRE; HORTON, 2003, p. 95).

Os educadores que assumiram a coordenação desse grupo inicialmente tiveram como desafio não reproduzir o “modelo de cursinho”, ou seja, práticas de perspectiva conteudista e de educação bancária (como diria Paulo Freire).

Em relação às atividades desenvolvidas nesse grupo, houve um movimento intenso de leitura e escrita de diversos textos. Os jovens possuíam muitas dificuldades no que tange a leitura e escrita. A interpretação de um texto simples era bastante difícil e a produção escrita, na grande maioria dos casos, se restringia a um parágrafo. Isso causou grande angústia nos educadores. Com isso, houve um movimento de busca de uma visão ampla tanto no que diz respeito ao conceito de educação quanto com relação aos processos internos do “Tecelendo”. Isso será fundamental para que este não se reduza a ações pontuais e imediatistas.

Trabalhamos a reflexão do ato de escrever e os diversos gêneros de escrita ao passo que os estudantes foram desafiados a produções textuais que refletissem acerca de temas tais como a Desigualdade Social; Discriminação racial, ética etc.

No que tange o processo de leitura, estimulamos o grupo a escolherem livros com um tema lhes agradassem para ler e fazer resumos. Tratamos de política local e nacional. Dentro desses debates procuramos fazer com que o grupo percebesse a sociedade amargoense, sua organização, como eles estão inseridos ou excluídos dessa sociedade.

Trabalhamos também a Segunda Guerra Mundial, dentro deste tema estudamos sobre: a formação do Partido Nazista; quem foi Hitler; quais os países envolvidos na guerra; onde se localizavam esses países; quais os motivos da guerra; o que é a bomba atômica; onde ela caiu pela primeira vez; quem a produziu (construiu); quem eram os judeus; racismo; as consequências da guerra naquela época e até os dias atuais. (Educadora Beatriz, Relatório Rumo ao Futuro, 2010, p. 45-6).

É importante perceber em que contexto o “Tecelendo” está inserido. O tempo é de “anestesia social”, uma “maré mansa” na cidade. Além disso, o individualismo e o medo foram instalados de maneira bastante eficiente. Em uma cidade pequena, é preciso muita cautela nas relações interpessoais. A manipulação política dos que “detêm” sobre os que “não detêm” o capital é um jogo violento e, em muitos momentos, sutil.

Em relação à tecelagem, conforme os registros, os jovens do Rumo ao Futuro foram introduzidos a ela poucos dias antes das festividades do São João. Segundo o relatório, conforme as festividades do São João foram se aproximando, o grupo de trabalho passou a tecer também no período noturno. Isso provocou uma aproximação e um encantamento de alguns alunos do Rumo ao Futuro com a tecelagem. Com isso, foi reforçada a possibilidade de eles aprenderem a tecer e contribuírem com o Grupo de Trabalho50 na tecelagem.

Pouco antes do São João fizemos uma reunião com o grupo para integrá-los aos trabalhos de tecelagem do projeto, caso eles quisessem, também para avaliar os trabalhos e para escolher um nome para a turma. Foi uma ótima conversa, percebemos o interesse de todos em aprender a tecer. Ficou determinado que dali para frente o grupo se chamasse “Rumo ao Futuro”, além disso, ficou acordado que a turma só começaria a tecer efetivamente depois do São João.

(Relatório Geral “Tecelendo”, 2010, p. 49).

Aos poucos, os movimentos do Rumo ao Futuro indicaram que o “Tecelendo” estava em um processo de construção de diálogo com as comunidades. Havia espaço para o acolhimento das demandas dos sujeitos. Há o indicativo de um movimento de escuta, a tentativa de propor junto com as pessoas não se restringindo a levar “projetos para a comunidade”. Ela se efetiva na busca de agregar as pessoas deste grupo e suas demandas ao “Tecelendo”. Além disso, haverá a construção de uma proposta metodológica para este trabalho e sua gestação começa já na sua primeira organização. No ano de 2013, conforme apresentarei adiante, o grupo ganhará uma nova dinâmica metodológica. Essa proposição colocará o grupo de educadores diante de desafios em que a alteridade e o diálogo serão determinantes na sobrevivência do “Tecelendo”.