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Em relação ao formato das atividades, o “Tecelendo” em 2012 seguiu se organizando em formato de oficinas e grupo de estudos, conforme já vinha acontecendo. Segundo os registros, houve uma imersão do grupo nas comunidades, fruto de novos movimentos de divulgação do “Tecelendo”. A estratégia central articulava o “Tecelendo” aos Postos de Saúde da Família (PSF). Essa ação foi tensionada pela educadora Maria Clara. Com experiência anterior em ONG, ela apresentou ao grupo um plano de mobilização junto à comunidade. Destaca a mobilização e a articulação enquanto dimensões necessárias:

[...] É uma atividade que gosto muito, embora eu tenha consciência de que eu tenha necessidade de me fortalecer e me apropriar teoricamente melhor... Para qualquer trabalho que a gente faça, independente de qual seja o foco do trabalho, a gente precisa mobilizar as pessoas, precisa articular as pessoas para que essas pessoas caminhem... Então a gente precisa mobilizar o público, enquanto “Tecelendo”, para que as pessoas participem do “Tecelendo”. (Educadora Maria Clara).

Em um primeiro movimento, houve uma preocupação dos educadores veteranos, visto que o “Tecelendo” já havia realizado mobilizações nas comunidades em anos anteriores. Além disso, a maioria dos educadores era ingressante, e então houve a preocupação relacionada a como chegar nas comunidades considerando o que já havia sido construído pelo grupo nos anos anteriores. Um misto de insegurança e cautela em relação ao como chegar transpareceu em colocações nas reuniões. De todo modo, o grupo acolheu a proposta e seguiu trabalhando para colocá-la em ação.

Também trabalhamos com estratégias de divulgação no carro de som convidando a comunidade a participar de nossas oficinas e conhecer o “Tecelendo”, fomos à rádio fazer o convite e participar de duas discussões envolvendo a Educação com a temática Cotas na Universidade. Iniciamos um plano de ação de articulação e mobilização das comunidades fazendo

contanto com os PSF (Posto de Saúde da Família) nas comunidades como Sucupira, São Roque, Santa Rita e Rodão. (Relatório “Tecelendo”, 2012, p.31).

Em relação às estratégias utilizadas, elas foram organizadas em um plano de ação e uma planilha de visitas.

No primeiro momento, entramos em contato com os coordenadores dos PSF e depois participamos de uma reunião com os agentes comunitários. Nosso objetivo era apresentar o projeto e nossas atividades e formar parcerias com os mesmos, buscando identificar possíveis pessoas para participar de nossas atividades.

Após o levantamento e as indicações desses sujeitos, o grupo “Tecelendo” faria visitas acompanhando os agentes comunitários a essas famílias convidando-as a conhecer e participar das atividades do projeto. Porém, não conseguimos concretizar essa etapa, executamos a primeira etapa do plano de ação de articulação e mobilização de entrar em contato e apresentar o projeto às equipes do PSF. (Maria Clara, Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 31).

As atividades referentes a esse plano de ação aconteceram de fevereiro a maio. Segundo as avaliações do grupo registradas no relatório geral, elas foram relevantes, pois o grupo pôde perceber que

[...] os PSFs também desenvolvem alguns projetos voltados à saúde com o mesmo público que o “Tecelendo” e encontram dificuldades semelhantes no que tange, por exemplo, a evasão das pessoas, falta de mobilização da comunidade, a baixa credibilidade que a população tem atribuído aos órgãos públicos, os efeitos do coronelismo e assistencialismo do poder público, o baixo protagonismo dos cidadãos etc. (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 31). Essa mobilização fez que o “Tecelendo” retornasse às casas das pessoas como em outros tempos. Agora, com nova equipe sob a coordenação da educadora Maria Clara. As avaliações dessas atividades foram, naquela ocasião, positivas e geraram no grupo a proposição de duas oficinas na própria comunidade. Esse era um anseio do “Tecelendo” desde que concentrou todas as atividades na sede.

As visitas trouxeram grandes possibilidades: oportunidade de nos aproximar mais das pessoas das comunidades; de deixar uma parte do “Tecelendo” em cada lar e família visitados – à medida que visitávamos, era deixado um paninho feito no tear de pregos com o nosso convite; estabelecer confiança, pois o agente é uma pessoa que já tem estabelecido essa relação; conseguimos fazer em torno de 25 matrículas de quase 50 casas visitadas; além disso, surgiram duas oficinas na Articulação com o referido PSF e coordenador do mesmo, a oficina "Direitos e Deveres" e "Eu sou polêmico". (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 36-37).

Se bater de porta em porta é uma atividade que requer dispêndio de muita energia, o grupo de educadores do “Tecelendo” em 2012 também teve a oportunidade de aprender que manter as pessoas mobilizadas em torno das atividades requer um dispêndio muito maior de energia. Diante disso, as considerações da educadora Maria Clara:

E foi interessante porque os resultados e a leitura que eu fiz, que eu tenho feito na verdade, e estou tentando escrever, espero conseguir, foram totalmente diferentes. Mas os resultados foram de uma diferença impressionante! Porque as pessoas se comportam, as pessoas respondem a isso de uma forma muito, não sei, superficial. Assim, quando nos fomos fazer as articulações com as organizações as pessoas se colocavam muito interessadas. Mas na hora da prática, de colocar a mão na massa, poucas foram as organizações que de fato consideraram isso importante. Que tinha significado, que tinha sentido aquilo. (Educadora Maria Clara).

Concordo com Horton (2003, p. 107), há um cansaço, um descrédito em relação às propostas voltadas ao público adulto: “O governo está tentando lançar uma campanha de alfabetização sem ter uma razão para ela a não ser que seria uma boa coisa se as pessoas pudessem se alfabetizar.” O “Tecelendo” não se configura, em 2011, diferente das demais propostas, sejam elas governamentais ou não. Ele é contundente: “Acho que os pobres e as pessoas que não sabem ler e escrever têm uma sensação de que sem mudanças estruturais não vale a pena ficar entusiasmado com nada. Eles sabem, muito mais claramente que os intelectuais, que reformas não reformam. Não mudam nada. Eles já foram cobaias para demasiados programas”.

E aí nós fomos para campo utilizando as estratégias de abordagem. Isso refletiu também nas pessoas, o mesmo que eu enxerguei nas organizações, instituições, eu enxerguei nas pessoas. Aquela coisa: ‒ Ah é legal, é bom, parece bom! Eu vou! Demonstrou pelo menos curiosidade em conhecer. Mas aquilo não faz sentido para as pessoas. Ela teve o interesse, ela teve a curiosidade inicial, isso foi claro na grande maioria das abordagens. Mas aquilo não fazia sentido para as pessoas. Qual a evidência disso. A participação das pessoas nas atividades. (Educadora Maria Clara).

Essa mobilização foi positiva para que alguns dos educadores percebessem a complexidade da questão em que estavam envolvidos, dentre eles Maria Clara.

[...] Independente de qual seja o foco do trabalho, a gente precisa mobilizar as pessoas, a gente precisa articular as pessoas, para que essas pessoas caminhem... Então a gente precisa mobilizar o público enquanto “Tecelendo” para que as pessoas participem do “Tecelendo”. Então é uma atividade que eu gosto muito e me sinto muito a vontade... Inclusive é o

próprio movimento do “Tecelendo” que me faz ter essa consciência de perceber isso: eu preciso estudar teoricamente mais sobre essa dimensão da mobilização...

4.6.1 O trabalho na alfabetização e na tecelagem

A partir desse movimento foram organizadas duas oficinas na comunidade Sucupira, além das que seriam oferecidas na sede do “Tecelendo”. Desse modo, na sede do “Tecelendo” foram ofertadas, conforme registro nos documentos:

Oficina de Meditação – Temáticas: Razão de Viver, Solidão, Felicidade, Controle, Dor e Sofrimento, Medo, Esperança e Culpa, compreendendo o Eu na sua totalidade.

Oficina de Leitura e Escrita – Destinada à parte mais específica da alfabetização. Produção e interpretação de textos diversos, a parte gramatical e ortográfica.

Oficina de Matemática – Matemática financeira do cotidiano das pessoas como soma, subtração, divisão e multiplicação através de situações problema vividas no dia a dia.

Oficina de Tecelagem – Discutir sobre o que é tecelagem, novelação, quais são as matérias-primas, os principais teares, o diálogo entre o trabalho teórico e o prático, bem como atrelar a tecelagem à leitura e à escrita.

Oficina de Informática – As noções básicas da informática, com introdução ao conhecimento: o que é o computador, para que serve, quais suas utilidades na nossa sociedade, o que é internet, para que serve.

Oficina de Bordado – Trabalhar com a técnica do Vagonite em linhas, passar para a fita e depois trabalhar com a técnica do Ponto Cruz.

Oficina de Inglês – Trabalhar com a introdução do inglês na alfabetização abordando a importância da língua em nossa sociedade e suas influências. Oficina de Teatro – Trabalhar com o Eu, desenvolvendo atividades corporais e de leitura e escrita, numa perspectiva de trabalho coletivo e de conhecer e entender a si próprio.

GEPE (Grupo de Estudo Preparatório para o Enem) – Destinada às pessoas que concluíram o Ensino Médio e desejam ingressar na Universidade. (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 34).

E na comunidade Sucupira foram organizadas duas oficinas:

[...] a oficina Direitos e Deveres e Eu sou polêmico.

As oficinas surgiram a partir de informações coletadas nas visitas às casas e através de conversas com o enfermeiro coordenador e os agentes comunitários. Elas se destinarão a nos aproximar da comunidade e criar uma relação de confiança e parceria. As atividades passarão a ser desenvolvidas na comunidade, no próprio PSF, às terças e sextas-feiras à tarde, em uma sala cedida pela instituição, no mês de setembro. (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 36).

Todas relacionadas à discussão de direitos humanos e legislação. Porém, a frequência das pessoas nas oficinas na Sucupira sai de oscilante a zero...

As atividades se iniciaram como o planejado pelo grupo no primeiro mês. Já no segundo mês, o grupo que era composto entre oito e dez pessoas. Por volta do fim do mês de outubro, o grupo deixou de frequentar totalmente, mas a equipe “Tecelendo” continuou presente no espaço, conversando com os pacientes que se faziam presentes, agentes comunitários e com o próprio enfermeiro coordenador. Esse momento foi de extrema importância, pois apesar do grupo matriculado não frequentar as oficinas, as conversas renderam uma inquietação ao grupo, de se questionar por que apesar dos comentários, dos estudantes matriculados, de estar gostando e o desejo de continuidade, os mesmos deixaram de frequentar? (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 37).

O grande passo que o grupo deu, diante das dificuldades e inquietações desse processo, foi a construção de projeto intitulado Festival de Educação, Arte e Cultura (FEAC), com o objetivo central de promover mobilização e reflexão sobre a educação, arte e cultura na e com a comunidade. Bem ao estilo “intiquento” do grupo, a educadora Eduarda enviou um e- mail fomentando um suspense na lista de discussão, afirmava junto com David que estavam preparando uma surpresa...

[...] o FEAC se colocou como desafio a articulação e divulgação do “Tecelendo” na comunidade Sucupira e sua circunvizinhança. A construção do FEAC ganhou força e deixou de ser algo menor e se tornou um evento com projeções de mobilização de grupos de dança, canto e artesanato da comunidade e de outras cidades.

O evento que a princípio foi pensando para o encerramento do ano de 2012 com apresentações teatrais, canto, exposição de fotos e festival de dança, ganhou um destino diferente após discussão com toda a equipe “Tecelendo”. Chegamos à conclusão, que um evento como esse poderia ser para encerrar, mas sim para iniciar nossas atividades. Assim, decidimos que nos organizaríamos e a concretização da atividade se daria no início do ano de 2013. (Relatório “Tecelendo”, 2012, p. 37).

A dinâmica estabelecida no “Tecelendo” ao longo dos anos criou um grupo de educadores muito atento às dinâmicas dos processos de educação e também muito comprometido com a transformação social a partir da Educação Popular. Com isso, os conflitos com educadores de visão e linha mais conservadora são inevitáveis. O ano de 2012 teve uma condição diferenciada de diálogo no grupo, dado o meu afastamento. O grupo se reconheceu muito entre pares e houve apenas uma pequena hierarquização na figura de Helena, mas que de certo modo também foi vista como mais próxima a eles. A figura do professor detentor do saber está mais distante.

Estou em João Pessoa e minhas intervenções são pela lista de e-mails ou em esporádicas reuniões. Diante disso, a forma de resolver os conflitos teve também suas

peculiaridades. As reuniões, pelos relatos eram “acaloradas”. Pelo que pude perceber não houve maiores violências, porém algumas mágoas foram geradas. O difícil e doloroso aprendizado do diálogo... Procurava lembrar aos educadores mais experientes de que todos estavam em processo de educação, e que cuidassem para não perder o profissionalismo.

Mesmo assim, percebi que alguns conflitos recaíram no âmbito da pessoalidade. Quando não conseguiam estabelecer um entendimento consensual, o grupo atribuía a responsabilidade de decisão à figura da coordenadora “Fideia”52. Isso de certo modo aprofundou alguns conflitos e repercutiu em 2013, visto que a minha presença era esperada e também muito temida.

A meu ver, um dos grandes ganhos com os conflitos e as diversas estratégias de enfretamento diz respeito à união de um grupo de educadores (antigos e ingressantes) que abraçaram a proposta do “Tecelendo” com muita determinação e alegria e levaram as atividades assumidas até o último dia do trabalho. Esse grupo retornará no ano de 2013 com muita força e com novos desafios a ser enfrentados, conforme apresentarei adiante.