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Trabalho na UFRB desde janeiro de 2007. Faço parte do grupo de professores ingressantes no primeiro concurso público dessa instituição.

O ingresso na UFRB significou para mim a aproximação da possibilidade concreta de realizar um trabalho contínuo na área da Educação. Em meu imaginário, a construção de uma Universidade no interior do país era um passo para a democratização da educação no Brasil.

A UFRB foi criada pela Lei 11.151 de 29 de julho de 2005, a partir do desmembramento da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, com sede e foro na cidade de Cruz das Almas (BA). Segundo seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, 2010-2014)19, ela busca “promover o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de cidadãos com visão técnica, científica e humanística, propiciando valorizar as referências das culturas locais e dos aspectos específicos e essenciais do ambiente físico e antrópico”.

A UFRB é multicampi, estruturada em Centros e cidades sedes. Atualmente, a cidade de Cruz das Almas é a sede do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB) e do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (Cetec). No Município de Santo Antônio de Jesus está localizado o Centro de Ciências da Saúde (CCS). Na cidade de

Amargosa o Centro de Formação de Professores (CFP), e na cidade de Cachoeira o Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL). A partir de um movimento de expansão no ano de 2013, foram abertos dois novos campi da UFRB em mais duas cidades: em Santo Amaro da Purificação o Centro de Cultura, Linguagem e Tecnologias Aplicadas (Cecult), e em Feira de Santana o Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (Cetens).

Na ocasião de minha chegada, encontrei um grupo de nove professores assim distribuídos: um da licenciatura em física, dois da licenciatura em matemática, seis da pedagogia. A partir da segunda nomeação, esse número chegou a 16, sendo dois para a pedagogia, cinco para o curso de matemática e um para o curso de física. Além desses, lotados no CFP havia dois outros docentes do curso de pedagogia que também foram nomeados, mas ocupavam cargos administrativos em pró-reitorias.

A estrutura inicial da Universidade em Amargosa era um prédio cedido pela prefeitura (depósito da merenda escolar). Minha inserção naquele momento foi confusa e sem muito tempo para pensar.

O grupo se encontrava em plena discussão dos projetos pedagógicos dos cursos e na expectativa da escolha do docente que assumiria a direção pro tempore do Centro de Formação de Professores. Cada um que chegava era abraçado e sondado (e, por que não, aliciado) para compor os germes de disputas em torno do projeto de direção do CFP.

Percebi, naquela ocasião, possibilidades. Tudo era possibilidade, dentro inclusive das impossibilidades. Havia discussões acerca da democratização do ensino superior, da excelência acadêmica, do tradicional versus o novo. O mais forte, porém, a meu ver, era o predomínio pelas disputas de poder e pela manutenção dos interesses particulares em detrimento do coletivo.

As manifestações dos sujeitos giravam em torno de um saudosismo romântico de “como era de onde vim”, da manutenção de um projeto semelhante à estrutura arcaica da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Além disso, era gritante a enorme dificuldade das pessoas em compreender o lugar em que de fato se implantaria o CFP. Por outro lado, o reitor em exercício, Paulo Gabriel Soledad, nas inúmeras reuniões, ressaltava a ideia de que “tudo era possível”; não raras vezes ouvíamos a fala: “vocês podem tudo”.

Não demorou nada e começaram os primeiros rachas. Os docentes das ciências exatas afirmavam não se reconhecer no projeto do CFP. Afirmavam ter sido enganados no concurso e em bloco começaram a organizar um movimento de transferência coletiva para o CCAB, na cidade de Cruz das Almas. A disputa passou a ser em torno de um projeto de bacharelado, e um visível menosprezo pelas licenciaturas. A disputa histórica bacharelado versus licenciatura

atingiu a todos, docentes afirmaram em alto e bom tom que “não enterrariam seus diplomas naquele buraco” (em referência ao CFP e à cidade de Amargosa). As reuniões passaram por um movimento de tensão, desgastes e adoecimentos.

Figura: Vista frontal do Terreno futura sede do CFP

Fonte: Registros pessoais, 2010

Na ocasião da implantação, a UFRB era uma total desconhecida na cidade. Quando pegava um táxi e pedia para ir à Universidade, a grande maioria dos prestadores desse serviço20 nunca havia escutado qualquer notícia da existência da Instituição. Essa situação demorou um tempo grande. Com o passar do tempo, a UFRB passou a se tornar conhecida

20 Na cidade de Amargosa não existe transporte público coletivo. A cidade de 30 mil habitantes na ocasião da

implantação da UFRB contava, como principais meios de transporte para a população, com: moto-táxis, táxis, caminhões pau-de-arara e ônibus de transporte escolar.

dentro do município. Com isso, deparamos com pessoas extremamente deslumbradas com a dimensão do projeto de uma instituição federal na cidade, bem com os mais espertinhos que tentavam de alguma forma “explorar” o potencial comercial da vinda da Universidade para o local.

O primeiro e principal alvo destes últimos foram os professores. Desde os preços dos alimentos na feira livre até o mercado imobiliário, tudo possuía um custo maior para o docente. Para dar uma ideia aproximada do que vivemos, se a locação de um imóvel para uma pessoa da cidade custasse 150 reais, para um professor da Universidade esse mesmo imóvel custaria 400 reais.

Em um segundo momento, os locadores passaram a taxar seus imóveis ao preço de um salário mínimo e essa fala se tornou comum na cidade. Como uma onda e por uma onda de rádio espalharam pela cidade que um docente da UFRB ganhava no fim do ano de 2006 uma média salarial de 11 mil (se mestre) a 17 mil reais (se doutor). Isso causou alvoroço e uma distinção entre os “estrangeiros” e os da cidade.

Nossas falas denunciavam nossas origens, nossos costumes, nossos sonhos. Tudo nos parecia estranho. Senti-me, não poucas vezes, em um BBB. Um movimento mínimo era motivo para os olhares e os destaques. Fui seguida por carros estranhos, assim como outros colegas também viveram situações de risco. Alvos fáceis: professores da UFRB, preferencialmente mulheres. O trabalho puxado não nos possibilitou muito tempo para reflexões, não raras vezes entrávamos em reuniões às 14 horas e as encerrávamos às 21 horas. Tudo relacionado à UFRB era muito urgente, tudo era muito importante e, assim, consumimos grande parte de nossos dias. As denúncias não reverberam muito, o imediatismo imperou.

A interiorização do ensino não é ação nova dentro do contexto brasileiro. Historicamente, esse processo está marcado por um aspecto predominantemente mercadológico e que foi assumido pioneiramente pelo setor privado por reconhecer o grande potencial de clientes fora dos grandes centros. Abaixo imagens do CFP e acesso lateral, a busca da consolidação de uma estrutura, física, política e pedagógica.

Fonte: internet, apur.org.br

Questões postas nesse processo dizem respeito a que tipo de Universidade está sendo implantada no interior do país sob a égide de uma suposta interiorização do ensino superior. É a implantação de Escolões no formato de Centros de Ensino? Ou está servindo à implantação de fato de Universidades fora dos grandes centros urbanos? O “Tecelendo”, herdeiro de muitos desafios e contradições, escreverá sua história com os sujeitos com quem dialoga.